Language of document : ECLI:EU:C:2011:277

Processo C‑434/09

Shirley McCarthy

contra

Secretary of State for the Home Department

(pedido de decisão prejudicial apresentado pela Supreme Court

of the United Kingdom, anteriormente House of Lords)

«Livre circulação de pessoas – Artigo 21.° TFUE – Directiva 2004/38/CE – Conceito de ‘titular’ – Artigo 3.°, n.° 1 – Cidadão que nunca fez uso do seu direito de livre circulação e sempre residiu no Estado‑Membro da sua nacionalidade – Efeitos da posse da nacionalidade de outro Estado‑Membro – Situação puramente interna»

Sumário do acórdão

1.        Cidadania da União Europeia – Direito de circular e permanecer livremente no território dos Estados‑Membros – Directiva 2004/38 – Beneficiário – Conceito

(Directiva n.° 2004/38 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 3.°, n.° 1)

2.        Cidadania da União Europeia – Disposições do Tratado – Inaplicabilidade a uma situação puramente interna de um Estado‑Membro – Cidadão da União que nunca fez uso do seu direito de livre circulação, sempre residiu no Estado‑Membro da sua nacionalidade e possui igualmente a nacionalidade de outro Estado‑Membro

(Artigo 21.° TFUE)

1.        O artigo 3.°, n.° 1, da Directiva 2004/38/CE, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, deve ser interpretado no sentido de que esta directiva não é aplicável a um cidadão da União que nunca tenha feito uso do seu direito de livre circulação, que sempre tenha residido num Estado‑Membro do qual possui a nacionalidade e que possua, além disso, a nacionalidade de outro Estado‑Membro.

Com efeito, em primeiro lugar, de acordo com o artigo 3.°, n.° 1, da Directiva 2004/38, esta aplica‑se a qualquer cidadão da União que se «desloque» ou resida num Estado‑Membro «que não» aquele de que é nacional. Em segundo lugar, atendendo a que a permanência de uma pessoa que reside no Estado‑Membro da sua nacionalidade não pode ser sujeita a condições, uma vez que a Directiva 2004/38 diz respeito às condições de exercício do direito de circular e de residir livremente no território dos Estados‑Membros, a referida directiva não se pode aplicar a um cidadão da União que goze do direito de residência incondicional em razão do facto de residir no Estado‑Membro da sua nacionalidade. Em terceiro lugar, resulta da referida directiva, no seu conjunto, que a residência a que a mesma se refere está relacionada com o exercício da liberdade de circulação das pessoas.

Assim, um cidadão na situação acima descrita não se integra no conceito de «titular» na acepção do artigo 3.°, n.° 1, da Directiva 2004/38, pelo que esta última não lhe é aplicável. Esta conclusão não pode ser influenciada pelo facto de o referido cidadão possuir igualmente a nacionalidade de outro Estado‑Membro que não aquele onde reside. Com efeito, o facto de um cidadão da União possuir a nacionalidade de mais de um Estado‑Membro não significa que tenha feito uso do seu direito de livre circulação.

(cf. n.os 32, 34 a 35, 39 a 41, 57 e disp. 1)

2.        O artigo 21.° TFUE não é aplicável a um cidadão da União que nunca tenha feito uso do seu direito de livre circulação, que sempre tenha residido num Estado‑Membro do qual possui a nacionalidade e que possua, além disso, a nacionalidade de outro Estado‑Membro, desde que a situação desse cidadão não comporte a aplicação de medidas de um Estado‑Membro que tenham por efeito privá‑lo do gozo efectivo do essencial dos direitos conferidos pelo estatuto de cidadão da União ou dificultar o exercício do seu direito de circular e de residir livremente no território dos Estados‑Membros.

A situação de um cidadão de um Estado‑Membro que não fez uso do direito de livre circulação não pode, só por isso, ser equiparada a uma situação puramente interna. Enquanto cidadão de, pelo menos, um Estado‑Membro, uma pessoa goza do estatuto de cidadão da União nos termos do artigo 20.°, n.° 1, TFUE e pode eventualmente invocar, mesmo relativamente ao seu Estado‑Membro de origem, os direitos relativos a tal estatuto, nomeadamente o direito de circular e residir livremente no território dos Estados‑Membros, como conferido pelo artigo 21.° TFUE.

Todavia, o facto de as autoridades do Estado‑Membro da nacionalidade e da residência de um cidadão não tomarem em conta a nacionalidade a de outro Estado‑Membro que esse cidadão igualmente possui, aquando da decisão sobre um pedido de direito de residência ao abrigo do direito da União por ele apresentado, não acarreta a aplicação de medidas que tenham por efeito privar o interessado do gozo efectivo do essencial dos direitos conferidos pelo estatuto de cidadão da União ou dificultar o exercício do seu direito de circular e de residir livremente no território dos Estados‑Membros. Por conseguinte, nesse contexto, a circunstância de um cidadão possuir, além da nacionalidade do e onde reside, a nacionalidade de outro Estado‑Membro não é suficiente, por si só, para se considerar que a situação da pessoa interessada está abrangida pelo artigo 21.° TFUE, uma vez que a referida a situação não apresenta qualquer conexão com uma das situações contempladas pelo direito da União e que todos os elementos pertinentes dessa situação estão circunscritos ao interior de um único Estado‑Membro.

(cf. n.os 46, 48 a 49, 54 a 55, 57 e disp. 2)