Language of document : ECLI:EU:C:2016:177

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MELCHIOR WATHELET

apresentadas em 17 de março de 2016 (1)

Processo C‑567/14

Genentech Inc.

contra

Hoechst GmbH, anteriormente Hoechst AG,

Sanofi‑Aventis Deutschland GmbH

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela cour d’appel de Paris (Tribunal de Recurso de Paris, França)]

«Reenvio prejudicial — Recurso de anulação de uma sentença arbitral — Concorrência — Artigo 101.° TFUE — Acordos, decisões e práticas concertadas — Contrato de licença de patentes não exclusiva — Anulação das patentes — Inexistência de contrafação — Incidência — Obrigação de pagamento de royalties»





I –    Introdução

1.        O presente pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 101.° TFUE. A cour d’appel de Paris (Tribunal de Recurso de Paris, França) tem dúvidas sobre a questão de saber se este artigo se opõe à obrigação imposta ao titular de um acordo de licença de patente de pagar royalties durante a vigência do acordo até à sua resolução, não obstante a inexistência de contrafação ou de anulação das patentes licenciadas.

2.        Este pedido foi apresentado no âmbito de um recurso de anulação das sentenças arbitrais que opõem a Genentech Inc., sociedade de direito do Delaware (Estados Unidos) (a seguir «Genentech») à Hoechst GmbH, anteriormente Hoechst AG (a seguir «Hoechst»), e à Sanofi‑Aventis Deutschland GmbH (a seguir «Sanofi‑Aventis»), sociedades de direito alemão.

II – Enquadramento jurídico

A –    Direito da União

3.        O artigo 101.° TFUE dispõe que:

«1.      São incompatíveis com o mercado interno e proibidos todos os acordos entre empresas, todas as decisões de associações de empresas e todas as práticas concertadas que sejam suscetíveis de afetar o comércio entre os Estados‑Membros e que tenham por objetivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado interno, designadamente as que consistam em:

a)       Fixar, de forma direta ou indireta, os preços de compra ou de venda, ou quaisquer outras condições de transação,

b)       Limitar ou controlar a produção, a distribuição, o desenvolvimento técnico ou os investimentos,

c)       Repartir os mercados ou as fontes de abastecimento,

d)       Aplicar, relativamente a parceiros comerciais, condições desiguais no caso de prestações equivalentes colocando‑os, por esse facto, em desvantagem na concorrência,

e)       Subordinar a celebração de contratos à aceitação, por parte dos outros contraentes, de prestações suplementares que, pela sua natureza ou de acordo com os usos comerciais, não têm ligação com o objeto desses contratos.

2.      São nulos os acordos ou decisões proibidos pelo presente artigo.

3.      As disposições no n.° 1 podem, todavia, ser declaradas inaplicáveis:

–        a qualquer acordo, ou categoria de acordos, entre empresas,

–        a qualquer decisão, ou categoria de decisões, de associações de empresas, e

–        a qualquer prática concertada, ou categoria de práticas concertadas,

que contribuam para melhorar a produção ou a distribuição dos produtos ou para promover o progresso técnico ou económico, contanto que aos utilizadores se reserve uma parte equitativa do lucro daí resultante, e que:

a)       Não imponham às empresas em causa quaisquer restrições que não sejam indispensáveis à consecução desses objetivos,

b)       Nem deem a essas empresas a possibilidade de eliminar a concorrência relativamente a uma parte substancial dos produtos em causa.»

B –    Direito francês

4.        O artigo 1518.° do Código de Processo Civil dispõe que:

«As sentenças proferidas em França em matéria de arbitragem internacional apenas pode ser objeto de um recurso de anulação.»

5.        O artigo 1520.° do Código de Processo Civil dispõe que:

«O recurso de anulação só é possível se:

1.°       O tribunal arbitral se tiver declarado erradamente competente ou incompetente; ou

2.°       O tribunal arbitral tiver sido irregularmente constituído; ou

3.°       O tribunal arbitral tiver decidido em desconformidade com a missão que lhe tinha sido confiada; ou

4.°       O princípio do contraditório não tiver sido respeitado; ou

5.°       O reconhecimento ou a execução da sentença for contrário à ordem pública internacional.»

III – Factos do litígio no processo principal e questão prejudicial

6.        Em 6 de agosto de 1992, a sociedade de direito alemão Behringwerke AG (a seguir «Behringwerke») (2) concedeu à Genentech uma licença não exclusiva mundial (a seguir «acordo de licença») para a utilização do ativador do citomegalovírus humano (HCMV), que permite aumentar a eficácia do processo celular utilizado para o fabrico de proteínas (a seguir «ativador»). Esta tecnologia foi objeto da patente europeia n.° EP 0173 177 53, emitida em 22 de abril de 1992 (a seguir «patente EP 177»), assim como de duas patentes emitidas nos Estados Unidos, respetivamente em 15 de dezembro de 1998 e 17 de abril de 2001 (a seguir «patente US 522» e «patente US 140»). Em 12 de janeiro de 1999, o Instituto Europeu de Patentes (IEP) anulou a patente EP 177.

7.        O acordo de licença era regulado pelo direito alemão.

8.        Resulta do artigo 3.°1 do acordo de licença que a Genentech, em contrapartida do direito de explorar o ativador, se compromete a pagar:

–        um royalty único de 20 000 marcos alemães (cerca de 10 225 euros) a título de despesas de emissão da licença;

–        um royalty anual fixo de 20 000 DM (cerca de 10 225 euros), para efeitos de pesquisa;

–        «um royalty» de 0,5% denominado «período variável» cobrado sobre o montante das vendas dos «produtos acabados» (3) (a seguir «royalties»).

9.        A Genentech pagou o royalty único e o royalty anual mas nunca pagou o royalty denominado «período variável».

10.      Em 30 de junho de 2008, a Hoechst e a Sanofi‑Aventis interrogaram a Genentech sobre os produtos acabados que utilizam os materiais e processos patenteados, que conferem o direito ao pagamento de royalties.

11.      Por carta de 27 de agosto de 2008, a Genentech notificou à Hoechst e à Sanofi‑Aventis a denúncia do acordo de licença, que produziria efeitos dois meses mais tarde (4).

12.      Em 24 de outubro de 2008, por considerar que a Genentech, para fabricar o Rituxan® (5) e outros medicamentos, tinha utilizado o ativador na síntese recombinante de proteínas sem pagar os royalties sobre a venda de todos estes medicamente e que, assim, tinha violado o acordo de licença, a Hoechst e a Sanofi‑Aventis, em conformidade com a cláusula compromissória prevista no artigo 11.° do acordo de licença, instaurou um processo de arbitragem contra a Genentech no Tribunal Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional (CCI), que foi registado com o número 15900/JHN/GFG.

13.      Em 27 de outubro de 2008, a Hoechst e a Sanofi‑Aventis propuseram no United States District Court for the Eastern District of Texas (Tribunal Federal do Distrito Este do Texas, Estados Unidos) uma ação de contrafação das patentes US 522 e US 140 contra a Genentech e a Biogen (anteriormente, Biogen Idec). No mesmo dia, estas propuseram uma ação de declaração da nulidade de tais patentes no United States District Court for the Northern District of California (Tribunal Federal do Distrito Norte da Califórnia, Estados Unidos).

14.      Estes dois processos foram apensos no United States District Court for the Northern District of California (Tribunal Federal do Distrito Norte da Califórnia, Estados Unidos).

15.      Em 11 de março de 2011, o United States District Court for the Northern District of California, concluiu, no essencial, que não existia contrafação das patentes em causa e julgou improcedente a ação de nulidade das mesmas, por considerar que a Genentech não tinha conseguido demonstrar o nível de prova exigido. Esta decisão foi confirmada em 22 de março de 2012 pelo United States Court of Appeals for the Federal Circuit (Tribunal de Recurso dos Estados‑Unidos para o Círculo Federal) e transitou em julgado.

16.      Com a terceira sentença parcial de 5 de setembro de 2012 (a seguir «terceira sentença parcial») (6), o árbitro único que as partes escolheram declarou (7) que a Genentech tinha fabricado o Rituxan® através da utilização do ativador «patenteado durante algum tempo, erradamente ou com razão, na [patente EP 177] e mais tarde nas [patentes US 522 e 140] […]» (8) e, nesta base, manteve a obrigação de a Genentech pagar à Hoechst e à Sanofi‑Aventis royalties pela venda de Rituxan® e de produtos que têm as mesmas propriedades (9).

17.      O árbitro único declarou que, originalmente, a Genentech tinha pretendido utilizar o ativador sem ser considerada uma infratora (10), daí o acordo de licença. Daqui decorria, segundo o árbitro único, que o objeto comercial do acordo de licença (11) era evitar qualquer processo sobre a validade das patentes US 522 e US 140 durante a vigência do acordo de licença (12). No entender deste árbitro, «tal trégua não [podia] durar eternamente uma vez que [o acordo de licença estava] destinado a ser denunciado num prazo relativamente curto por uma das partes […]» (13).

18.      Em seu entender, uma vez que uma patente estava registada, um licenciado como a Genentech podia ser tranquilizado pela obtenção de uma licença para a utilização desta patente, ao contrário de um terceiro que podia ser dissuadido de concorrer com um licenciado. Por conseguinte, o árbitro único entendeu que, em aplicação do acordo de licença, o registo de patentes era uma consideração relevante a fim de demonstrar a existência de uma razão comercial para concluir o acordo de licença em causa, mesmo que a questão da sua validade não o fosse. A este respeito, afirmou que um litígio em matéria de patentes podia durar anos, como demonstram processos paralelos nos Estados Unidos, e originar despesas significativas (14). Assim, uma sociedade como a Genentech tinha interesse em celebrar tal acordo.

19.      Por conseguinte, o árbitro único declarou que os pagamentos efetuados ou devidos, em conformidade com o acordo de licença, não podiam ser reclamados ou continuavam a ser devidos no caso de a patente ser anulada ou de não ter sido infringida pela atividade do titular do acordo de licença (15). Uma vez que o objeto comercial do acordo de licença era evitar qualquer contencioso em matéria de patentes, considerou que o resultado último do processo relativo à patente não obrigava o cedente, no caso de a patente se revelar inválida, a reembolsar os royalties recebidos, nem isentava o licenciado da sua obrigação de pagar esses royalties quando, como fez a Genentech, o licenciado não os tinha pago.

20.      Com base nestas considerações, o árbitro declarou que, nos termos do acordo de licença, a Genentech devia pagar à Hoechst e à Sanofi‑Aventis royalties pelas vendas de Rituxan® fabricado entre 15 de dezembro de 1998 (data de emissão da patente US 522), e 28 de outubro de 2008 (data de resolução do acordo de licença) (16).

21.      Por outro lado, condenou a Genentech a pagar à Hoechst e à Sanofi‑Aventis 391 420,36 euros mais 293 565,27 de dólares dos Estados Unidos (USD) (cerca de 260 000 euros) relativamente às suas despesas de representação no período compreendido entre 9 de junho de 2011 e 5 de setembro de 2012.

22.      Por último, reservou para a sentença definitiva as decisões relativas à avaliação do montante dos royalties devidos, das despesas da arbitragem e das outras despesas de representação.

23.      Em 25 de fevereiro de 2013, o árbitro único proferiu a sentença definitiva, através da qual condenou a Genentech a pagar à Hoechst 108 322 850 euros acrescidos de juros a título de indemnização, 211 250 euros a título de despesas de arbitragem, 634 649,88 euros e 555 907,23 USD (cerca de 490 778 euros) a título de despesas de representação (17).

24.      No n.° 219 da sentença definitiva, o árbitro único afirma que, tardiamente no processo, a Genentech alegou que «os esforços da Hoechst para interpretar [o acordo de licença] de modo a que este lhe permita recuperar os royalties sem ter em conta a questão de saber se os produtos alegadamente licenciados [estavam] ou não abrangidos pelas patentes licenciadas violavam a regulamentação antitrust da União Europeia».

25.      A este respeito, o árbitro único declarou que «a Genentech não [tinha] especificado como é que [o direito da concorrência da União seria] violado […] se ela perd[esse] a presente arbitragem. A lei alemã relativa às licenças autoriza os contratos de licença para utilizar um conhecimento não patenteado e pode prever royalties para o efeito. Não é possível alterar este facto com a alegação — sem mais argumentos — de que esta licença viola [o direito da concorrência da União]» (18).

26.      A Genentech, com fundamento nos artigos 1518.° e 1520.° do Código de Processo Civil, interpôs na cour d’appel de Paris (Tribunal de Recurso de Paris) um recurso de anulação da terceira sentença parcial, da sentença definitiva, assim como da adenda.

27.      Por despacho de 3 de outubro de 2013, a cour d’appel de Paris (Tribunal de Recurso de Paris) indeferiu o pedido apresentado pela Genentech para apensação dos recursos de anulação da terceira sentença parcial, da sentença definitiva, assim como da adenda.

28.      No âmbito do processo de anulação da terceira sentença parcial, a cour d’appel de Paris (Tribunal de Recurso de Paris) tem dúvidas sobre a compatibilidade do acordo de licença com o artigo 101.° TFUE. Afirma que o árbitro único considerou que, durante o período da sua validade, o licenciado estava obrigado a pagar os royalties contratuais mesmo que a anulação das patentes produzisse efeitos retroativos. Questiona se tal contrato viola as disposições do artigo 101.° TFUE, na medida em que, ao sujeitar o licenciado ao pagamento de royalties que ficaram sem fundamento devido à anulação das patentes associadas aos direitos concedidos, o coloca numa «posição concorrencial desvantajosa».

29.      Neste contexto, a cour d’appel de Paris (Tribunal de Recurso de Paris) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Devem as disposições do artigo 101.° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, ser interpretadas no sentido de que obstam a que, em caso de anulação de patentes, seja aplicado um contrato de licença que sujeita o licenciado ao pagamento de taxas (royalties) pela mera utilização dos direitos associados às patentes licenciadas?»

30.      Por despacho de 18 de novembro de 2015, a Cour de cassation (França) declarou inadmissível o recurso interposto pela Hoechst e pela Sanofi‑Aventis do acórdão da cour d’appel de Paris (Tribunal de Recurso de Paris) de 23 de setembro de 2014 que decidiu submeter uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça.

IV – Tramitação processual no Tribunal de Justiça

31.      O presente pedido de decisão prejudicial deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 9 de dezembro de 2014. A Genentech, a Hoechst e a Sanofi‑Aventis, os Governos francês, espanhol e neerlandês, assim como a Comissão Europeia apresentaram observações escritas.

32.      Nos termos do artigo 61.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, as partes foram convidadas a responder por escrito às questões do Tribunal de Justiça, o que fizeram em 18 de dezembro de 2015.

33.      Em 20 de janeiro de 2016 realizou‑se uma audiência na qual a Genentech, a Hoechst e a Sanofi‑Aventis, os Governos francês e espanhol, assim como a Comissão apresentaram as suas alegações.

V –    Análise

A –    Quanto à admissibilidade

1.      Quanto à relação da questão submetida com a realidade do litígio no processo principal

34.      A Hoechst e a Sanofi‑Aventis, assim como o Governo francês consideram que a questão prejudicial assenta numa premissa factual incorreta. Com efeito, apesar de ser relativa à compatibilidade do acordo de licença com o artigo 101.° TFUE «em caso de anulação de patentes» (19), apenas a patente EP 177 foi anulada em 12 de janeiro de 1999 e não as patentes US 522 e US 140 (20). A questão prejudicial seria, por conseguinte, desprovida de objeto e deveria ser declarada inadmissível.

35.      Em meu entender, o facto de o órgão jurisdicional de reenvio fazer referência, na questão submetida, à anulação «das patentes» (no plural) quando só foi anulada uma patente não implica que o pedido de decisão prejudicial assenta numa premissa factual incorreta.

36.      Com efeito, resulta claramente do pedido de decisão prejudicial que o órgão jurisdicional de reenvio está perfeitamente consciente do facto de que as patentes US 522 e US 140 não foram anuladas.

37.      A este respeito, na página 2 do seu pedido de decisão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio refere que a tecnologia abrangida pelo acordo de licença «esteve na origem da emissão de diversas patentes: por um lado, em 22 de abril de 1992, a patente europeia [EP 177] posteriormente anulada em 12 de janeiro de 1999 pelo Instituto Europeu de Patentes, por falta de novidade, por outro, em 15 de dezembro de 1998, a patente [US 520], por fim, em 17 de abril de 2001, a patente [US 140]» (21). O órgão jurisdicional de reenvio não faz qualquer alusão a uma anulação das patentes US 522 e US 140.

38.      Por outro lado, na página 3 do seu pedido de decisão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio refere o acórdão de 11 de março de 2011 do United States District Court for the Northern District of California (Tribunal Federal do Distrito Norte da Califórnia, Estados Unidos) que, em seu entender, «decidiu que o Rituxan® não constituía uma contrafação das patentes em causa». Daqui resulta que o órgão jurisdicional de reenvio conhece o conteúdo desse acórdão que também negou provimento ao recurso de anulação das patentes US 522 e US 140 (22).

39.      Por último, apesar de, nos n.os 193 e 194 da terceira sentença parcial, o árbitro único se ter referido à anulação das patentes US 522 e US 140 pelo United States District Court for the Northern District of California, este erro não surge em lado algum na sentença definitiva. Pelo contrário, no n.° 50 da sentença definitiva, o árbitro único afirma muito claramente que foi negado provimento ao recurso da Genentech que visava a anulação das patentes US 522 e US 140.

40.      Embora seja verdade que os três recursos de anulação interpostos na cour d’appel de Paris (Tribunal de Recurso de Paris) contra a terceira sentença parcial, a sentença definitiva e a adenda não foram apensados (23), resulta claramente dos autos apresentados ao Tribunal de Justiça que os três recursos são conexos. Com efeito, o próprio órgão jurisdicional de reenvio, no seu pedido de decisão prejudicial, trata estas três sentenças como uma só (24). Assim, é evidente que não existe uma premissa factual incorreta.

41.      Em todo o caso, a existência, ou não, da premissa factual incorreta alegada não terá qualquer influência na resposta que proporei dar à questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio, que é relativa ao caso de anulação de uma patente (no processo principal, a patente EP 177) e ao caso da não contrafação de uma patente (no processo principal, as patentes US 522 e US 140).

42.      Com efeito, como a Comissão afirmou nas suas respostas às questões escritas do Tribunal de Justiça, «o árbitro único concluiu na [t]erceira [s]entença [p]arcial que o sentido do acordo [de licença] não era prever o reembolso ou a não reclamação dos royalties quando algumas patentes se revelavam em seguida inválidas ou não contrafeitas. O sentido do acordo, interpretado à luz da lei alemã e do histórico da negociação entre as partes, era proteger o utilizador da (das) patente(s) — ou seja, a Genentech — de um processo sobre a (as) patente(s) que poderia ser longo e dispendioso. Daqui resulta que o facto de as patentes americanas poderem ter sido considerada inválidas ou não contrafeitas não altera o alcance da obrigação de pagamento dos royalties que incumbe à Genentech».

2.      Quanto à possibilidade de o Tribunal de Justiça dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio

43.      A Hoechst e a Sanofi‑Aventis, assim como o Governo francês, consideram que o Tribunal de Justiça não pode dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio.

44.      A este respeito, o Governo francês afirma que o pedido de decisão prejudicial não precisa os elementos de facto e de direito necessários no âmbito da aplicação do artigo 101.° TFUE e do Regulamento (CE) n.° 772/2004 da Comissão, de 27 de abril de 2004, relativo à aplicação do n.° 3 do artigo [101.°] [TFUE], a categorias de acordos de transferência de tecnologia (25), como por exemplo as condições reais do funcionamento e da estrutura do mercado em questão, a natureza do acordo de licença como contrato entre concorrentes ou acordo recíproco e os elementos do direito alemão a que o acordo foi sujeito.

45.      Considero que estes argumentos devem ser afastados uma vez que concluirei que, em conformidade com o acórdão Ottung (320/87, EU:C:1989:195), o artigo 101.°, n.os 1 e 2, TFUE não impõe a anulação da terceira sentença parcial (26). Ora, os regulamentos de isenção (27) mencionados pelo Governo francês aplicam o artigo 101.°, n.° 3, TFUE às categorias de acordos de transferência de tecnologia nos quais apenas participam duas empresas e às práticas concertadas conexas, que estão abrangidas pelo artigo 101.°, n.° 1, TFUE, o que, em meu entender, não é o que sucede no caso em apreço.

46.      De qualquer modo, considero que o Tribunal de Justiça não dispõe de dados suficientes para efetuar tal análise, no caso de não partilhar da minha conclusão.

47.      Apenas no caso de o Tribunal de Justiça não partilhar da minha conclusão é que a exceção de inadmissibilidade relativa à aplicação dos referidos regulamentos de isenção pode ser aceite.

3.      Quanto ao poder do órgão jurisdicional de reenvio para submeter questões ao Tribunal de Justiça

48.      A Hoechst e a Sanofi‑Aventis alegam que é impossível responder à questão prejudicial sem violar o direito francês que proíbe a revisão material das sentenças arbitrais internacionais, exceto em caso de violação flagrante da ordem pública internacional (28).

49.      Não existindo violação flagrante (como no caso de um cartel), a Hoechst e a Sanofi‑Aventis estabelecem uma distinção entre os casos em que a questão de compatibilidade de um acordo entre empresas com o artigo 101.° TFUE não foi abordada na sentença arbitral internacional, situação em que existe um risco de prejudicar a efetividade do direito da concorrência, e os casos em que esta questão foi evocada. Em seu entender, nesta última situação existe no caso em apreço, a resposta à presente questão prejudicial levaria o órgão jurisdicional de reenvio a rever o mérito da terceira sentença parcial, uma vez que o fundamento de anulação que é objeto desta questão foi suscitado e debatido perante o árbitro único.

50.      A este propósito, recordo que, no âmbito da cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais, tal como é previsto no artigo 267.° TFUE, compete apenas ao tribunal nacional, que é chamado a pronunciar‑se sobre o litígio e que deve assumir a responsabilidade da decisão jurisdicional a adotar, apreciar, atendendo às particularidades do processo em causa, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para que possa proferir a sua decisão, como a relevância das questões que submete ao Tribunal de Justiça.

51.      Desde que as questões submetidas por um órgão jurisdicional nacional tenham por objeto a interpretação de uma disposição do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se, salvo se for manifesto que o pedido de decisão prejudicial visa, na realidade, levá‑lo a pronunciar‑se sobre um litígio artificial ou a emitir opiniões consultivas sobre questões gerais ou hipotéticas, se a interpretação do direito da União solicitada não tiver nenhuma relação com a realidade ou o objeto do litígio, ou ainda se o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto ou de direito necessários para responder utilmente às questões que lhe são submetidas (29).

52.      Em meu entender, não existe qualquer indício que revele que a questão submetida é hipotética ou que a interpretação do direito da União pedida não tem qualquer relação com a realidade ou o objeto do litígio pendente no órgão jurisdicional de reenvio, que é relativo ao artigo 101.° TFUE. Por outro lado, considero que o Tribunal de Justiça dispõe dos elementos de facto ou de direito necessários para responder de forma útil à questão submetida.

53.      Observo igualmente, a título puramente indicativo, que a Cour de cassation declarou inadmissível o recurso interposto pela Hoechst e pela Sanofi‑Aventis contra a decisão da cour d’appel de Paris (Tribunal de Recurso de Paris) de 23 de setembro de 2014, decidiu submeter ao Tribunal de Justiça a presente questão prejudicial.

54.      Por conseguinte, a questão prejudicial parece‑me admissível e há que responder.

B –    Quanto ao mérito

1.      Quanto ao alcance da fiscalização das sentenças arbitrais internacionais à luz das normas de ordem pública europeia

55.      Nas suas observações escritas, o Governo francês recorda que, no n.° 32 do acórdão Eco Swiss (C‑126/97, EU:C:1999:269), o Tribunal de Justiça declarou que a fiscalização por parte dos órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros das sentenças arbitrais internacionais que suscitam questões de direito da União pode ser «mais ou menos extensa segundo o caso», em função das regras adotadas pelos Estados‑Membros no âmbito da sua autonomia processual. Neste contexto, o Governo francês alega que as regras do direito francês segundo as quais os órgãos jurisdicionais francesas não podem rever o mérito das sentenças arbitrais internacionais e estão limitados, no âmbito de um recurso de anulação contra uma sentença arbitral internacional como a que está em causa no presente processo, à pesquisa de uma violação «flagrante» (30) da ordem pública internacional, estão em conformidade com o princípio da efetividade instituído pelo direito da União.

56.      A Hoechst e a Sanofi‑Aventis alegam (31) que, embora o Tribunal de Justiça tenha declarado, no acórdão Eco Swiss (C‑126/97, EU:C:1999:269), que um órgão jurisdicional nacional chamado a pronunciar‑se sobre um recurso de anulação de uma sentença arbitral internacional devia, segundo as suas regras processuais internas, dar provimento a um recurso de anulação fundamentado na violação do artigo 101.° TFUE, as regras processuais do direito francês em causa proíbem a revisão do mérito das sentenças arbitrais internacionais e limitam o alcance desta fiscalização a uma violação «flagrante» (32).

57.      Ora, segundo a Hoechst e a Sanofi‑Aventis, uma vez que a questão de uma eventual incompatibilidade do acordo de licença com o artigo 101.° TFUE foi suscitada e debatida perante o árbitro único e que este a rejeitou, é impossível responder à questão prejudicial sem rever o mérito da terceira sentença parcial na medida em que um acordo de licença como o que está em causa no presente processo não pode constituir uma restrição por objetivo ao artigo 101.° TFUE e, assim, não pode constituir uma violação flagrante do artigo 101.° TFUE.

58.      Em meu entender, as limitações ao alcance (33) da fiscalização de sentenças arbitrais internacionais como as evocadas a respeito do direito francês pela Hoechst e pela Sanofi‑Aventis, assim como pelo Governo francês, ou seja, a natureza flagrante da violação da ordem pública internacional e a impossibilidade de fiscalizar uma sentença arbitral internacional por tal violação quando a questão de ordem pública tiver sido suscitada e debatida perante o tribunal arbitral, são contrárias ao princípio da efetividade do direito da União.

59.      Referindo‑se ao sistema de fiscalização da compatibilidade das sentenças arbitrais internacionais com o direito da União através da reserva da ordem pública, tal como estabeleceu o Tribunal de Justiça no seu acórdão Eco Swiss (C‑126/97, EU:C:1999:269), relativo, como no caso em apreço, a um recurso de anulação de uma sentença arbitral internacional fundamentado na incompatibilidade com a ordem pública e confirmado no seu acórdão Gazprom (C‑536/13, EU:C:2015:316), respeitante a um pedido de reconhecimento e de execução de uma sentença arbitral internacional impugnada por motivos de ordem pública, importa recordar que segundo o Tribunal de Justiça, os órgãos jurisdicionais arbitrais designados por «convencionais» (34) não são órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros na aceção do artigo 267.° TFUE. Por conseguinte, não podem submeter questões prejudiciais. Assim, é aos órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros, na aceção do artigo 267.° TFUE, eventualmente mediante recurso ao mecanismo do reenvio prejudicial (35), apreciar a compatibilidade das sentenças arbitrais (internacionais ou não) com o direito da União em caso de pedidos de anulação (36), exequatur (37), ou em caso de qualquer outra via de recurso ou forma de fiscalização prevista pela legislação nacional aplicável.

60.      Por outras palavras, o sistema de fiscalização da compatibilidade das sentenças arbitrais internacionais com o direito material da União através da reserva da ordem pública, no âmbito quer de um recurso do reconhecimento e da execução, quer de um recurso de anulação, impõe a fiscalização a jusante, ou seja, pelos órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros, em vez de a montante, ou seja, pelos órgãos jurisdicionais arbitrais (38).

61.      Com efeito, a missão dos árbitros na arbitragem comercial internacional é interpretar e aplicar corretamente o contrato que vincula as partes. No exercício desta missão, os árbitros podem naturalmente ser levados a aplicar o direito da União, se este fizer parte do direito aplicável ao contrato (lex contractus) ou do direito aplicável à arbitragem (lex arbitrii). Todavia, a fiscalização do respeito de normas de ordem pública europeia incumbe aos órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros e não aos árbitros, no âmbito quer de um recurso de anulação, quer de um procedimento de reconhecimento e de execução (39).

62.      Assim, este sistema funciona ao contrário do sistema de confiança mútua instituído, nomeadamente, pelo Regulamento (UE) n.° 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (40), que atribui o ónus do respeito do direito da União, aplicável ao mérito do litígio, incluindo as normas de ordem pública europeia, ao órgão jurisdicional chamado a pronunciar‑se sobre o mérito do litígio (ou seja, a montante), e não a jusante, ao órgão jurisdicional de reconhecimento e de execução (41).

63.      Com base no exposto, analisarei as duas limitações que o direito francês impõe.

a)      Natureza flagrante ou manifesta da violação da ordem pública

64.      Apesar de a fiscalização de uma sentença arbitral internacional à luz das normas de ordem pública europeia (que só visam uma categoria de normas da ordem jurídica da União já bastante restrita) dever ser limitada às violações manifestas ou flagrantes do artigo 101.° TFUE, esta fiscalização é ilusória tendo em conta que os acordos ou práticas suscetíveis de restringir ou de falsear a concorrência são «frequentemente disfarçados» (42), o que, em numerosos casos, conduz à impossibilidade (ou à dificuldade excessiva) de os particulares exercerem os direitos que o direito da concorrência da União lhes confere.

65.      Com efeito, como admitem a Hoechst e a Sanofi‑Aventis no n.° 21 das suas observações escritas, assim como o seu jurisconsulto no n.° 5 do seu parecer (43), esta fiscalização extremamente limitada tem por efeito apenas dizer respeito «[às] violações [do artigo 101.° TFUE] mais evidentes, tais como os acordos de fixação de preço ou de partilha de mercado». Assim, as restrições por efeito escapam completamente à fiscalização do juiz que conhece da anulação, uma vez que a constatação da sua existência requer uma apreciação mais do que mínima do mérito da sentença arbitral, o que os órgãos jurisdicionais franceses não podem fazer.

66.      Ora, mesmo que exista uma graduação das infrações ao artigo 101.° TFUE em função da sua evidência e da sua nocividade entre as restrições por objetivo e efeito (44), nada existe no artigo 101.° TFUE que permita concluir que algumas destas restrições são toleráveis. Com efeito, o artigo 101.° TFUE proíbe explicitamente que os acordos entre empresas «tenham por objetivo ou efeito» (45) restringir a concorrência. Por conseguinte, ou existe uma infração ao artigo 101.° TFUE, caso em que o acordo entre as empresas em causa é nulo, ou não existe.

67.      Neste sentido, pouco importa, assim, que a violação da norma de ordem pública seja flagrante ou não. Nenhum sistema pode aceitar violações das suas normas mais fundamentais que fazem parte da sua ordem pública, independentemente do caráter flagrante ou não, evidente ou não, destas violações.

b)      Impossibilidade de fiscalizar uma sentença arbitral internacional por violação da ordem pública quando a questão tiver sido suscitada e debatida no tribunal arbitral, uma vez que isto implicaria uma revisão do mérito da referida sentença

68.      No n.° 36 do acórdão Eco Swiss (C‑126/97, EU:C:1999:269), o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 101.° TFUE (anteriormente, artigo 81.° CE) constituía «uma disposição fundamental indispensável para o cumprimento das missões confiadas [à União] e, em particular, para o funcionamento do mercado interno» (46).

69.      Além disso, no n.° 37 do acórdão Gazprom (C‑536/13, EU:C:2015:316), o Tribunal de Justiça declarou que o princípio da confiança mútua não vincula os tribunais arbitrais (47). Isto implica que os órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros não estão obrigados a respeitar as respostas às questões de direito da União dadas pelos tribunais arbitrais, que não são órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros na aceção do artigo 267.° TFUE.

70.      Por conseguinte, embora o artigo 101.° TFUE seja a este respeito uma disposição fundamental para a ordem jurídica da União, o facto de as partes terem suscitado e debatido no órgão jurisdicional arbitral a questão da incompatibilidade da sentença arbitral internacional com esta disposição não pode ser determinante, uma vez que o comportamento das partes durante o processo arbitral pode produzir o efeito de comprometer a eficácia deste artigo, não podendo o tribunal arbitral, em princípio (48), submeter uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça e não tem necessariamente a missão de interpretar e de aplicar o direito da União.

71.      Por estes motivos, a fiscalização por parte de um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro da incompatibilidade das sentenças arbitrais internacionais com as normas de ordem pública europeia não pode ter como objetivo saber se esta questão foi, ou não, suscitada ou debatida durante o processo arbitral, nem ser limitada pela proibição formulada pelo direito nacional de rever o mérito da sentença em causa.

72.      Por outras palavras, uma ou várias partes nos acordos suscetíveis de ser anticoncorrenciais não podem, através do recurso à arbitragem, subtrai‑los à fiscalização dos artigos 101.° TFUE e 102.° TFUE.

2.      Deve considerar‑se que o artigo 101.°, n.° 1, TFUE impõe a anulação de uma sentença arbitral internacional como a que está em causa no processo principal, que confere efeitos a um acordo de licença de patente que prevê, durante toda a sua vigência, o pagamento de royalties, mesmo no caso de uma anulação com efeitos retroativos de uma patente que abrange a tecnologia em questão (no caso em apreço, a patente EP 177) ou quando a utilização da tecnologia em causa não inclui contrafação (no caso em apreço, as patentes US 522 e US 140)?

a)      Observações prévias

73.      Resulta de uma leitura da terceira sentença parcial e da interpretação dada pelo árbitro único no acordo de licença que a obrigação de a Genentech pagar royalties à Hoechst e à Sanofi‑Aventis, calculadas com base na sua produção de medicamentos que utilizam a tecnologia do ativador, não estava sujeita à condição de esta tecnologia estar ou continuar protegida por uma patente (49).

74.      Com efeito, segundo a terceira sentença parcial, a simples utilização da tecnologia em causa durante a vigência do acordo de licença basta para dar origem à obrigação de pagar as royalties (50).

75.      A este respeito, não incumbe ao Tribunal de Justiça rever ou pôr em causa os factos constatados pelo árbitro único, assim como a sua interpretação do acordo de licença com base no direito alemão, segundo a qual este acordo de licença impõe o pagamento de royalties não obstante a anulação ou a não contrafação de uma ou de várias patentes.

76.      Em seguida, o órgão jurisdicional de reenvio apenas interroga o Tribunal de Justiça sobre a interpretação do artigo 101.° TFUE, o que torna insignificantes as referências efetuadas pela Genentech ao acórdão Huawei Technologies (C‑170/13, EU:C:2014:2391) e a algumas passagens das conclusões (51) e apresentei neste processo que eram relativas apenas à interpretação do artigo 102.° TFUE.

b)      Argumentação das partes

77.      Para a Genentech, a obrigação imposta pela terceira sentença parcial de pagar os royalties em causa quando a patente é anulada ou quando não existe contrafação de uma patente licenciada afeta de forma significativa não só o comércio entre os Estados‑Membros, mas também constitui uma restrição da concorrência tanto por objetivo como por efeito.

78.      No que respeita à afetação do comércio entre os Estados‑Membros, a Genentech afirma que a Comissão concedeu uma autorização de introdução no mercado do MabThera® ao abrigo do Regulamento (CEE) n.° 2309/93 do Conselho, de 22 de julho de 1993, que estabelece procedimentos comunitários de autorização e fiscalização de medicamentos de uso humano e veterinário e institui uma Agência Europeia de Avaliação dos Medicamentos (52), válido para uma comercialização em toda a União Europeia, em 2 de junho de 1998. Segundo a Genentech, durante o período relevante (de 1998 a 2008) fabricou o «rituximab» com vista à sua comercialização nos diferentes Estados‑Membros, principalmente na República Federal da Alemanha, no Reino de Espanha, na República francesa, na República italiana e no Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte. Observa que os royalties concedidos pelo árbitro único foram calculados com base nas vendas mundiais líquidas de produtos acabados para o período compreendido entre 1998 e 2008 e que, atendendo ao importante volume de vendas efetuadas na União durante o período relevante, a restrição da concorrência resultante do pagamento imposto pelo árbitro único afeta de forma direta o comércio entre Estados‑Membros.

79.      A Genentech explica também que sofre de uma desvantagem concorrencial no mercado, uma vez que está obrigada a pagar pela utilização de uma tecnologia de que os outros concorrentes podem beneficiar livre e gratuitamente.

80.      Por outro lado, segundo a Genentech, a Hoechst e a Sanofi‑Aventis foram recompensadas e enriqueceram injustamente recebendo (53)royalties por descobertas científicas e tecnológicas para as quais não contribuíram de modo algum. Considera que as sentenças arbitrais internacionais em causa no processo principal autorizaram a Hoechst e a Sanofi‑Aventis a «onerar» os seus concorrentes e a imporem um encargo financeiro à indústria farmacêutica, em geral, e à Genentech e as suas filiais, em particular, as quais exercem as suas atividades tanto na Europa como no resto do mundo, violando desta forma o direito da concorrência da União.

81.      Quanto à concorrência propriamente dita, a Genentech sublinha o facto de que a Sanofi‑Aventis é o segundo maior grupo farmacêutico da Europa em termos de rendimentos relativos aos medicamentos prescritos e que atua na investigação e desenvolvimento, assim como no fabrico de medicamento nos vários domínios terapêuticos. Acrescenta que a Sanofi‑Aventis é um dos principais concorrentes da Roche (que atualmente detém a Genentech a 100%) no domínio da indústria farmacêutica visada pela investigação.

82.      Em contrapartida, a Hoechst e a Sanofi‑Aventis consideram que as sentenças arbitrais impugnadas pela Genentech apenas têm uma ligação muito limitada com a União.

83.      Afirmam igualmente que os royalties devidos pela Genentech não têm a sua origem em qualquer patente europeia e que as sentenças arbitrais internacionais impugnadas não têm o mínimo impacto nas vendas da Genentech. Acrescentam igualmente que o árbitro único se pronunciou apenas sobre a questão de saber se a Genentech estava contratualmente obrigada a pagar os royalties previstos pelo acordo de licença e que os royalties concedidos à Hoechst e à Sanofi‑Aventis pela sentença definitiva foram calculadas com base nas vendas mundiais de Rituxan®, das quais somente 17% dizem respeito à União, o que corresponde aproximadamente a 18 milhões de euros no período em causa, compreendido entre 1998 e 2008.

c)      Apreciação

84.      Quanto à apreciação da afetação do comércio entre os Estados‑Membros, concordo com as observações da Comissão, nas respostas que deu às questões escritas colocadas pelo Tribunal de Justiça, segundo as quais caberá ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se, atendendo às caraterísticas do mercado em causa, existe um grau suficiente de probabilidade de que a obrigação de pagar os royalties, na sequência da sentença definitiva e em aplicação do acordo de licença, exerce uma influência direta ou indireta, atual ou potencial, nas trocas comerciais entre os Estados‑Membros e que esta influência não é insignificante (54).

85.      Quanto à restrição da concorrência, não se trata aqui de saber se a Genentech foi comercialmente desfavorecida pela interpretação do acordo de licença dada pelo árbitro único ou se, com o benefício (incontestável) do retrocesso, esta empresa não teria celebrado tal acordo (55). O objetivo do artigo 101.° TFUE não é regular de forma geral as relações comerciais entre as empresas, mas limita‑se a proibir determinados tipos de acordos entre as empresas que são suscetíveis de afetar o comércio entre Estados‑Membros e que têm por objetivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado interno.

86.      Além disso, no seu acórdão Ottung (320/87, EU:C:1989:195), o Tribunal de Justiça apreciou à luz do direito da concorrência uma obrigação contratual através da qual o titular de uma licença relativa a uma invenção patenteada estava obrigado a pagar royalties, sem limitação de duração e, por conseguinte, mesmo após a expiração da patente.

87.      Nos n.os 11 e 12 deste acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que:

«Não se pode excluir que uma cláusula de um contrato de licença que impõe uma obrigação de pagar um direito possa ter outra origem que não uma patente. Semelhante cláusula pode, com efeito, proceder antes de uma consideração de ordem comercial relativamente ao valor atribuído às possibilidades de exploração conferidas pelo contrato de licença. […]

No caso de a obrigação de pagar direitos ter sido contraída por período indeterminado e de, assim, se defender que ela continua a vincular o devedor após expirar a validade da patente em causa, coloca‑se a questão de saber se, tendo em conta o contexto económico e jurídico do contrato de licença, a obrigação de continuar a pagar o direito pode constituir uma restrição da concorrência na aceção do n.° 1 do artigo [101.°]» (56).

88.      Segundo o Tribunal de Justiça, a obrigação em causa pode violar o artigo 101.°, n.° 1, TFUE quando este não confere ao licenciado o direito de denunciar o acordo mediante um pré‑aviso razoável ou tenta restringir a liberdade de ação do licenciado após a resolução (57).

89.      Embora seja verdade que este acórdão era relativo a circunstâncias económicas e jurídicas ligeiramente diferentes das que estão em causa no processo principal (58), considero que esta jurisprudência pode ser aplicada por analogia ao presente processo.

90.      A terceira sentença parcial confirma o facto de que a obrigação de a Genentech pagar os royalties decorre, não da utilização de uma tecnologia protegida por patentes válidas, mas apenas do acordo de licença em causa (59). Resulta claramente da interpretação do acordo de licença feita pelo árbitro único nos termos do direito alemão que o objeto comercial deste acordo era permitir à Genentech utilizar o ativador em causa evitando os recursos contenciosos em matéria de patentes. Uma vez que a Genentech, contrariamente aos outros utilizadores do ativador que não concluíram tal acordo de licença com a Hoechst e a Sanofi‑Aventis, efetivamente beneficiou desta «trégua temporária» (60) durante a vigência do acordo de licença, os pagamentos pela utilização do ativador, devidos em conformidade com este acordo pela Genentech, não eram reembolsáveis, não obstante a inexistência de contrafação ou de anulação das patentes em causa.

91.      Por outro lado, a obrigação de pagar os royalties apenas estava prevista durante a validade deste acordo de licença e a Genentech podia livremente denunciá‑lo mediante um pré‑aviso bastante curto de dois meses (61). Assim, desde a denúncia do acordo de licença, a Genentech encontrava‑se exatamente na mesma situação que todos os outros utilizadores do ativador em causa (62).

92.      Sublinho, igualmente, o facto de que a liberdade de ação da Genentech não estava de forma alguma restringida no período posterior à denúncia e que não estava vinculada por uma cláusula que a proibia de contestar a validade ou a contrafação das patentes em causa. Além disso, na sequência da denúncia do acordo de licença, esta requereu a anulação das patentes no United States District Court for the Northern District of California (Tribunal Federal do Distrito Norte da Califórnia, Estados Unidos).

93.      No entanto, a Genentech considera que resulta do acórdão Windsurfing Internacional/Comissão (193/83, EU:C:1986:75) que se considera provada uma violação do artigo 101.°, n.° 1, TFUE se o titular de uma licença de patente estiver obrigado a pagar os royalties calculados com base no preço de venda líquido de um produto que não está abrangido pela patente.

94.      Neste acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que, em princípio, este sistema de cálculo dos royalties fundamentado no preço de venda líquido de uma prancha à vela completa era suscetível de restringir a concorrência no mercado dos flutuadores, que não estavam cobertos por uma patente (63). A este respeito, o Tribunal de Justiça observou no n.° 65 desse acórdão que existia procura tanto para aparelhagens avulsas como para flutuadores avulsos.

95.      Todavia, neste acórdão, o titular da patente, através da cláusula em questão e em violação do artigo 101.°, n.° 1, alínea e), TFUE, tinha subordinado a conclusão do contrato à aceitação, pelo seu parceiro, de prestações suplementares (64) que, pela sua natureza ou segundo as utilizações comerciais, não tinham ligação com o objeto do contrato. Ora, no processo principal, não há qualquer indício de que a execução da terceira sentença parcial teria produzido o efeito de impor à Genentech obrigações que, pela sua natureza ou segundo as utilizações comerciais, não teriam ligação com o objeto do contrato de licença.

96.      Com efeito, segundo o árbitro único, o objeto comercial do acordo de licença era evitar os recursos contenciosos em matéria de patentes e, por conseguinte, o cálculo dos royalties era totalmente independente da existência, ou não, de uma patente válida relativo ao produto acabado.

97.      Por conseguinte, considero que o artigo 101.° TFUE não obsta a que sejam conferidos efeitos, em caso de anulação ou de não contrafação das patentes que protegem uma tecnologia, a um contrato de licença que sujeita o licenciado ao pagamento de royalties unicamente pela utilização dos direitos ligados às patentes licenciadas quando, por um lado, o objeto comercial deste acordo consiste em permitir que o licenciado utilize a tecnologia em causa evitando os recursos contenciosos em matéria de patentes e, por outro, o licenciado possa denunciar o acordo de licença mediante um pré‑aviso razoável, mesmo em caso de anulação ou de inexistência contrafação.

3.      Quanto à aplicabilidade dos regulamentos de isenção relativos à transferência de tecnologia

98.      A Genentech, a Hoechst, a Sanofi‑Aventis, o Governo neerlandês e a Comissão apresentaram observações sobre a aplicação das disposições do Regulamento (UE) n.° 316/2014 da Comissão, de 21 de março de 2014, relativo à aplicação do artigo 101.°, n.° 3, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia a certas categorias de acordos de transferência de tecnologia (65).

99.      Em contrapartida, o Governo francês considera que, uma vez que a questão colocada é relativa à execução do acordo de licença durante o período compreendido entre 15 de dezembro de 1998 e 27 de outubro de 2008, deveriam ser aplicados ao período em causa, o Regulamento (CE) n.° 240/96 da Comissão, de 31 de janeiro de 1996, relativo à aplicação do n.° 3 do artigo [101.°], [TFUE] a certas categorias de acordos de transferência de tecnologia (66) e o Regulamento n.° 772/2004.

100. Em meu entender, não é oportuno apreciar a aplicabilidade destes três regulamentos, ditos de «isenção», ao caso em apreço.

101. Além de o Tribunal de Justiça não dispor de dados suficientes para proceder a tal análise, esta seria inútil uma vez que considero que, em conformidade com o acórdão Ottung (320/87, EU:C:1989:195), o artigo 101.°, n.os 1 e 2, TFUE não impõe a anulação da terceira sentença parcial. Observo que estes regulamentos de isenção aplicam o artigo 101.°, n.° 3, TFUE (67) às categorias de acordos de transferência de tecnologia nos quais apenas participam duas empresas e às respetivas práticas concertadas, que estão abrangidas pelo artigo 101.°, n.° 1, TFUE.

102. Para ser exaustivo, considero que as observações da Genentech, segundo as quais a obrigação que lhe incumbe, em conformidade com a terceira sentença parcial, de pagar royalties com base na totalidade das vendas de MabThera® constitui uma restrição caraterizada nos termos do artigo 4.°, n.° 1, alíneas a) e d) do Regulamento n.° 316/2014, não podem proceder.

103. Com efeito, não resulta dos autos no Tribunal de Justiça que o acordo de licença e a terceira sentença parcial têm por objetivo ou efeito, por um lado, restringir a capacidade de a Genentech determinar os seus preços de venda a terceiros (68) ou, por outro, restringir a sua capacidade de «explorar os seus próprios direitos de tecnologia» ou de «[realizar] investigação e desenvolvimento» (69).

VI – Conclusão

104. Por conseguinte, proponho que o Tribunal de Justiça responda o seguinte às questões prejudiciais submetidas pela cour d’appel de Paris (Tribunal de Recurso de Paris):

O artigo 101.° TFUE não impõe, em caso de anulação ou de não contrafação das patentes que protegem uma tecnologia, a anulação de uma sentença arbitral internacional que confere efeitos a um contrato de licença que sujeita o licenciado ao pagamento de royalties unicamente pela utilização dos direitos ligados às patentes licenciadas quando o objeto comercial deste acordo consiste em permitir que o licenciado utilize a tecnologia em causa evitando recursos contenciosos em matéria de patentes, desde que o licenciado possa denunciar o acordo de licença mediante um pré‑aviso razoável, possa contestar a validade ou a contrafação das patentes e conserve a sua liberdade de ação após a resolução.


1 —      Língua original: francês.


2 —      Posteriormente, a Behringwerk cedeu os seus direitos à Hoechst. A partir de julho de 2005, a Hoechst tornou‑se uma filial da Sanofi‑Aventis, que detém 100% do seu capital social.


3 —      Termo definido no acordo de licença como «as mercadorias comercializáveis que incorporam um produto licenciado, vendidas sob uma forma que permita a sua administração a doentes para efeitos terapêuticos ou a sua utilização no âmbito de um processo de diagnóstico e que não se destinam nem são comercializadas com vista a uma nova formulação, um tratamento, uma nova embalagem ou à aplicação de um novo rótulo antes da sua utilização». Nos termos deste acordo, a expressão «produto licenciado» significa «os materiais (incluindo os organismos) cujo fabrico, utilização ou venda, na falta do presente acordo, representaria a contrafação de uma ou mais reivindicações não caducados incluídas nos direitos associados às patentes licenciadas».


4 —      O artigo 8.°, n.° 3, do acordo de licença dispõe que «[o] licenciado pode denunciar o presente acordo e as licenças concedidas em virtude deste mediante envio de um pré‑aviso de dois (2) meses à BEHRINGWERKE, caso decida deixar de utilizar os direitos de licença concedidos».


5 —      O princípio ativo do Rituxan® é o «rituximab». Este medicamento é comercializado desde 1998 nos Estados Unidos sob a denominação comercial Rituxan® e, na União Europeia, sob a denominação comercial MabThera®. Resulta das respostas da Genentech, assim como da Hoechst e da Sanofi‑Aventis às questões escritas colocadas pelo Tribunal de Justiça que as sentenças arbitrais em causa no presente processo são relativas às vendas mundiais de Rituxan®, incluindo as vendas deste medicamento sob a denominação MabThera®.


6 —      A língua original da terceira sentença parcial é o inglês. A Genentech juntou aos autos uma tradução «livre» em língua francesa no órgão jurisdicional de reenvio, assim como no Tribunal de Justiça, a qual será utilizada nas presentes conclusões.


7 —      V., n.os 322 a 330 da terceira sentença parcial.


8 —      V., n.° 326 da terceira sentença parcial.


9 —      V., n.° 114 da terceira sentença parcial.


10 —      V., n.° 299 da terceira sentença parcial.


11 —      O árbitro único considerou que, nos termos do direito alemão, aplicável ao acordo de licença, os contratos deviam ser interpretados não apenas com fundamento nas suas estipulações mas igualmente com fundamento na sua génese, no seu contexto sistemático e no seu objeto comercial (v., neste sentido, n.° 255 da terceira sentença parcial). Concluiu que os motivos comerciais que levaram as partes a concluir o acordo de licença decorriam do facto de que, no momento da conclusão deste, a Behringwerke tinha uma invenção patenteada (nomeadamente, a patente EP 177) que a Genentech pretendia utilizar comercialmente sem correr o risco de contrafação da patente (v., neste sentido, n.° 258 da terceira sentença parcial). Segundo o árbitro único, a questão da validade da patente não era relevante no direito alemão, que reconhecia o direito contratual ao pagamento de royalties num acordo de licença, mesmo se a patente em questão viesse a ser, por fim, anulada. Declarou que, de acordo com o direito alemão, uma pessoa podia igualmente conceder uma licença relativa a uma invenção não patenteada ou não patenteável (v., neste sentido, n.° 292 da terceira sentença parcial).


12 —      V., neste sentido, n.° 307 da terceira sentença parcial.


13 —      V., n.° 308 da terceira sentença parcial.


14 —      V., n.° 313 da terceira sentença parcial.


15 —      V., n.° 314 da terceira sentença parcial.


16 —      V., neste sentido, n.° 161 e n.° 1 do dispositivo da terceira sentença parcial.


17 —      Estes montantes não foram alterados pela decisão e pela adenda à sentença definitiva adotadas em 25 de fevereiro de 2013, que diziam respeito ao cálculo dos juros que a Genentech deve à Hoechst (a seguir «adenda»).


18 —      V., n.° 222 da sentença definitiva.


19 —      O sublinhado é meu.


20 —      V., n.° 6 das presentes conclusões.


21 —      O sublinhado é meu.


22 —      V., n.os 13 a 15 das presentes conclusões.


23 —      V., n.° 27 das presentes conclusões.


24 —      V., nomeadamente, pedidos da Genentech no órgão jurisdicional de reenvio (reproduzidos no pedido de decisão prejudicial) que postulam a anulação da terceira sentença parcial, da sentença definitiva e da adenda.


25 —      JO L 123, p. 11.


26 —      V., n.os 84 a 97 das presentes conclusões.


27 —      Os três regulamentos em questão têm por base jurídica o Regulamento n.° 19/65/CEE do Conselho, de 2 de março de 1965, relativo à aplicação do n.° 3 do artigo [101.°] do Tratado a certas categorias de acordos e práticas concertadas (JO 1965, 36 p. 533).


28 —      V., cour d’appel de Paris, 18 de novembro de 2004, Thalès, RG n.° 2002/19606, p. 9; Cour de cassation, Primeira Secção Cível, 4 de junho de 2008, Cytec, n.° 06‑15.320, Bull. civ. I, n.° 162, p. 4.


29 —      V., despacho EBS Le Relais Nord‑Pas‑de‑Calais (C‑240/12, EU:C:2013:173, n.° 12 e jurisprudência referida).


30 —      V., Cour de cassation, Primeira Secção Cível, 4 de junho de 2008, Cytec, n.° 06‑15.320, Bull. civ. I, n.° 162, p. 4.


31 —      V., n.os 48 e 49 das presentes conclusões.


32 —      V., cour d’appel de Paris, 18 de novembro de 2004, Thalès, RG n.° 2002/19606, p. 9. Esta solução foi confirmada no acórdão Cytec (Cour de cassation, Primeira Secção Cível, 4 de junho de 2008, Cytec, n.° 06‑15.320, Bull. civ. I, n.° 162, p. 4). Os dois processos diziam respeito a uma violação do direito da concorrência da União.


33 —      Como o recurso de anulação visa, em conformidade com o artigo 1520.° do Código de Processo Civil, as sentenças arbitrais internacionais proferidas em França, o objeto da fiscalização é a própria sentença arbitral internacional e não o instrumento subjacente que contém a cláusula compromissória que deu origem à arbitragem, no caso em apreço o acordo de licença. É verdade que as sentenças arbitrais internacionais não constituem acordos entre empresas na aceção do artigo 101.° TFUE mas decisões de justiça internacional que não estão ligadas a qualquer origem jurídica estatal mas que pertencem à ordem arbitral internacional (v., Cour de cassation, Primeira Secção Cível, 8 de julho de 2015, Ryanair, n.° 13‑25.846, ECLI:FR:CCASS:2015:C100797; v., igualmente, neste sentido, Cour de cassation, Primeira Secção Cível, 23 de março de 1994, Hilmarton Ltd, n.° 92‑15137, Bull. civ. I, n.° 104, p. 79; Cour de cassation, Primeira Secção Cível, 29 de junho de 2007, PT Putrabali Adyamulia, n.° 05‑18053, Bull. civ. I, n.° 250). Todavia, resulta claramente do acórdão Eco Swiss (C‑126/97, EU:C:1999:269) que é necessário anular uma sentença arbitral internacional quando esta confere efeitos a um acordo entre empresas contrário ao artigo 101.° TFUE mesmo que a própria sentença não constitua um acordo entre empresas. Se assim não fosse as partes poderiam subtrair os acordos anticoncorrenciais da égide do artigo 101.° TFUE, neles inserindo cláusulas compromissórias.


34 —      V., acórdão Eco Swiss (C‑126/97, EU:C:1999:269, n.° 34). Utilizo este termo para estabelecer a distinção com determinados tribunais arbitrais que o Tribunal de Justiça considerou que cumpriam os critérios enunciados na jurisprudência para poderem submeter uma questão prejudicial (v., acórdão Ascendi Beiras Litoral e Alta, Auto Estradas das Beiras Litoral e Alta, C‑377/13, EU:C:2014:1754, assim como despacho Merck Canada, C‑555/13, EU:C:2014:92). Com base nesta jurisprudência, é possível que os tribunais arbitrais chamados a pronunciar‑se no âmbito da Convenção para a Resolução de Diferendos Relativos a Investimentos entre Estados e Nacionais de Outros Estados (CIRDI) possam submeter questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça. V., neste sentido, Basedow, J., «EU Law in International Arbitration: Referrals to the European Court of Justice», Journal of International Arbitration, 2015, vol. 32, p. 367, p. 376 a 381. Como o número e a importância das arbitragens em matéria de investimento que suscitam questões de aplicação do direito da União está a aumentar, nomeadamente no domínio dos auxílios de Estado, a possibilidade de os tribunais arbitrais submeterem questões prejudiciais poderia contribuir para a aplicação correta e efetiva do direito da União.


35 —      V., acórdão Eco Swiss (C‑126/97, EU:C:1999:269, n.os 32, 33 e 40). V., igualmente, neste sentido, acórdão do Högsta domstolen (Supremo Tribunal, Suécia) de 17 de junho de 2015 no processo n.° T 5767‑13, Systembolaget/The Absolute Company, n.° 23.


36 —      Tal é o caso do órgão jurisdicional de reenvio no presente processo, assim como dos órgãos jurisdicionais neerlandeses no processo que deu origem ao acórdão Eco Swiss (C‑126/97, EU:C:1999:269).


37 —      Tal era o caso dos órgãos jurisdicionais lituanos no processo que deu origem ao acórdão Gazprom (C‑536/13, EU:C:2015:316), no qual a questão consistia em saber se a sentença arbitral internacional em causa constituía uma «antissuit injunction» contrária à ordem pública na aceção do artigo V, n.° 2, alínea b), da Convenção sobre o Reconhecimento e a Execução de Decisões Arbitrais Estrangeiras, celebrada em Nova Iorque, em 10 de junho de 1958 (Recueil des traités des Nations unies, vol. 330, p. 3).


38 —      Há, naturalmente, algumas exceções como, em particular, a intervenção a montante do tribunal (estatal) da sede da arbitragem na sua qualidade de tribunal de apoio da arbitragem. Todavia, estas exceções não visam assegurar o respeito do direito da União. V., neste sentido, acórdão Rich (C‑190/89, EU:C:1991:319) que dizia respeito à constituição de um tribunal arbitral.


39 —      A situação pode ser diferente no contexto de uma arbitragem internacional em matéria de investimento onde alguns regimes, como o da Convenção CIRDI, não preveem para os órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros a possibilidade de fiscalizarem a conformidade das sentenças arbitrais internacionais com a ordem pública europeia (v., nomeadamente, artigos 53.° e 54.° desta convenção). Todavia, uma vez que estes regimes jurídicos, como a Convenção CIRDI, vinculam os Estados‑Membros a países terceiros, estão abrangidos pelo artigo 351.° TFUE. Um conflito entre a ordem arbitral internacional e a ordem jurídica da União poderia ser evitado caso os tribunais arbitrais pudessem interrogar o Tribunal de Justiça a título prejudicial (v., nota de rodapé 34).


40 —      JO L 351, p. 1.


41 —      V., neste sentido, n.° 33 do acórdão Renault (C‑38/98, EU:C:2000:225) no qual o Tribunal de Justiça declarou que «[o] juiz do Estado requerido não pode, sob pena de pôr em causa a finalidade da convenção, recusar o reconhecimento de uma decisão emanada de outro Estado contratante pelo mero motivo de considerar que, nesta decisão, o direito nacional ou o direito comunitário foi mal aplicado. Importa, pelo contrário, considerar que, em tais casos, o sistema das vias de recurso posto em prática em cada Estado contratante, completado pelo mecanismo de reenvio prejudicial previsto no artigo [267.° TFUE], fornece aos particulares uma garantia suficiente». Em seguida, o Tribunal de Justiça declarou no n.° 34 do acórdão que «[n]ão constituindo um erro eventual de direito, tal como o que está em causa no processo principal, uma violação manifesta de uma regra de direito essencial na ordem jurídica do Estado requerido».


42 —      Acórdão Courage e Crehan (C‑453/99, EU:C:2001:465, n.° 27).


43 —      O professor Laurence Idot reconhece que a sua tese teria como consequência que «fora o caso excecional de uma sentença que confere eficácia, por exemplo, a um cartel, o tribunal estatal também não [poderia], num recurso da sentença, debater a questão material de direito da concorrência se esta tivesse sido suscitada e debatida no tribunal arbitral» [tradução livre].


44 —      V., acórdão CB/Comissão (C‑67/13 P, EU:C:2014:2204, n.os 48 a 52).


45 —      O sublinhado é meu.


46 —      O Tribunal de Justiça apoiou esta constatação no artigo 3.°, alínea g), do Tratado CE [atualmente artigo 3.°, n.° 1, alínea b), TFUE]. Como já expliquei no n.° 182 das conclusões que apresentei no processo Gazprom (C‑536/13, EU:C:2014:2414), «não partilho a interpretação dos acórdãos Eco Swiss (C‑126/97, EU:C:1999:269, n.° 36) […] de acordo com a qual o simples facto de um domínio específico fazer parte das competências, exclusivas ou partilhadas, da União, em conformidade com os artigos 3.° TFUE e 4.° TFUE, basta para elevar uma disposição de direito da União à categoria de disposição de ordem pública […]». No n.° 177 das mesmas conclusões, expliquei, citando o n.° 304 do acórdão Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão (C‑402/05 P e C‑415/05 P, EU:C:2008:461), que o conceito de ordem pública europeia apenas podia incluir os «princípios que fazem parte dos próprios fundamentos do ordenamento jurídico [da União]» ao ponto de não poder «ignorar, pois tal seria inaceitável do ponto de vista de um Estado de direito, livre e democrático». Por conseguinte, tratam‑se de «regra[s] imperativas] de tal modo fundamenta[is] para a ordem jurídica [da União] que não pod[em] sofrer qualquer derrogação no contexto do processo em causa» (v., n.° 100 das conclusões que apresentei no processo Bogendorff von Wolffersdorff, C‑438/14, EU:C:2016:11). Os artigos 101.° TFUE e 102.° TFUE são, neste sentido, as disposições fundamentais e essenciais para o funcionamento do mercado interno, sem as quais a União não funcionaria e cuja violação, flagrante, ou não, evidente, ou não, é inaceitável do ponto de vista da ordem jurídica da União.


47 —      V., igualmente, neste sentido, n.° 154 das conclusões que apresentei no processo Gazprom (C‑536/13, EU:C:2014:2414).


48 —      V., acórdão Ascendi Beiras Litoral e Alta, Auto Estradas das Beiras Litoral e Alta (C‑377/13, EU:C:2014:1754), assim como despacho Merck Canada (C‑555/13, EU:C:2014:92). Nesse caso concreto, o árbitro único não é «um órgão jurisdicional de um dos Estados‑Membros» na aceção desta jurisprudência, uma vez que a sua competência não é obrigatória, mas resulta de uma opção contratual efetuada livremente pelas partes no acordo de licença que deu origem às sentenças arbitrais em causa no processo principal.


49 —      Nas suas respostas às questões escritas colocadas pelo Tribunal de Justiça, a Genentech, a Hoechst e a Sanofi‑Aventis, o Governo francês e a Comissão consideram que a terceira sentença parcial não diz respeito à patente EP 177. A Comissão considera que a relevância das duas patentes americanas (as patentes US 522 e US 140) para a terceira sentença parcial não é muito importante. Considera que, em conformidade com o direito aplicável ao acordo de licença, designadamente, o direito alemão, a revogação ou a anulação de uma patente que é objeto de uma licença não afeta a obrigação de pagamento de royalties, acrescentando que o direito alemão permite a concessão de uma licença mesmo para uma tecnologia que não está patenteada nem é patenteável. A Hoechst e a Sanofi‑Aventis sublinham o facto de que resulta claramente da terceira sentença parcial que o árbitro único ordenou que a Genentech pagasse os royalties devidos à Sanofi, exclusivamente com base na utilização para o fabrico por parte da Genentech do Rituxan® nos Estados Unidos do ativador que é objeto do acordo de licença.


50 —      É pacífico que segundo os órgãos jurisdicionais americanos, as patentes US 522 e US 140 não são contrafeitas. Além disso, o árbitro único constatou nos n.os 322 a 330 da terceira sentença parcial que o ativador tinha sido utilizado para o fabrico do Rituxan® entre 15 de dezembro de 1998 e 27 de outubro de 2008. V., n.° 16 das presentes conclusões.


51 —      C‑170/13, EU:C:2014:2391.


52 —      JO L 214, p. 1.


53 —      Por despacho de 3 de outubro de 2013, a cour d’appel de Paris conferiu o exequatur à terceira sentença parcial, à sentença definitiva e à adenda. As condenações proferidas foram, assim, executadas.


54 —      Segundo a Comissão alguns elementos sugerem que a obrigação de pagar os royalties em questão pode ter tal influência. «Em primeiro lugar, o alcance geográfico do acordo de licença é mundial e, assim, inclui toda a União Europeia […]. Em segundo lugar, o acordo de licença é relativo a uma tecnologia que, na opinião do árbitro [único], foi utilizada para o fabrico do rituximab, o componente ativo do medicamento MabThera® comercializado na União Europeia. Em terceiro lugar, o MabThera® é o objeto de uma autorização de introdução no mercado […] em conformidade com o [a]rtigo 3.° do [Regulamento (CEE) n.° 2309/93]. Em quarto lugar, a Genentech parece ter comercializado o MabThera®, pelo menos na Alemanha, em França e em Itália. Em quinto lugar, afigura‑se que a Sanofi e a [Genentech, que atualmente faz parte do grupo Roche] são concorrentes importantes no domínio da investigação farmacêutica e, em particular, potenciais concorrentes no domínio de ação do Rituxan® (e do MabThera®). Em sexto lugar, a obrigação de pagar os royalties pode aumentar os custo de fabrico da Genentech e produzir o efeito de reduzir a concorrência nos mercados de produtos e de tecnologias existentes, nomeadamente, no domínio de ação do MabThera®. Em sétimo lugar, afigura‑se que o Rituxan® e o MabThera® geram um volume de negócios de mais de mil milhões de euros, que permite considera‑los medicamentos «blockbuster»».


55 —      Como a Hoechst e a Sanofi‑Aventis observaram, nas suas respostas às questões escritas colocadas pelo Tribunal de Justiça, «o mero facto de o pagamento dos royalties contratuais devidas em aplicação do [a]cordo de licença poder eventualmente constituir um encargo financeiro para o licenciado, no caso em apreço a Genentech, não é suficiente para caracterizar uma restrição da concorrência. Tal encargo ilustra simplesmente a natureza comercial do [a]cordo de licença, que foi concluído com total conhecimento de causa por empresas comerciais com igual poderio e perfeitamente avisadas, e que qualquer acordo comercial pode revelar‑se comercialmente menos vantajoso do que inicialmente previsto por uma das partes».


56 —      O sublinhado é meu.


57 —      V., acórdão Ottung (320/87, EU:C:1989:195, n.° 13). A Genentech considera que a Comissão, na sua Decisão de 2 de dezembro de 1975, relativa a um processo de aplicação do artigo [101.° TFUE] (IV/26.949 ‑ AOIP/Beyrard) (JO, L 6, p. 8), tinha «declarado que existe uma restrição da concorrência quando uma cláusula de um acordo de patente licenciada “prevê o pagamento de royalties ao titular da licença sem que as patentes deste sejam exploradas”. Segundo a Comissão […], tal cláusula num acordo de licença “é igualmente incompatível com o artigo [101.°] n.° 1, da mesma forma que a obrigação de pagar royaltiesapós a expiração da patente”» (o sublinhado é meu). As observações da Genentech são relativas a uma cláusula que obriga um licenciado a pagar royalties quando fabrica os produtos visados no contrato sem utilizar as patentes do concedente da licença. Nesta decisão, a Comissão considerou que a cláusula produzia um efeito restritivo da concorrência, uma vez que previa o pagamento de royalties ao concedente da licença sem que as patentes deste sejam exploradas. A este respeito, considerou que esta cláusula, como outra cláusula que previa a obrigação de pagar os royalties findo o prazo de uma patente, era incompatível com o artigo 101.°, n.° 1, TFUE. Importa observar que tanto a Comissão como o Tribunal de Justiça no n.° 13 do seu acórdão Ottung (320/87, EU:C:1989:195) sublinharam que «[a] obrigação de pagar direitos após a caducidade da patente [...] constitui […] uma violação do artigo [101.°], uma vez que o contrato não autoriza aconcessionário a cessá‑lo» (o sublinhado é meu).


58 —      O presente processo diz respeito a um caso de anulação ou de inexistência de contrafação das patentes, ao passo que o processo que deu origem ao acórdão Ottung (320/87, EU:C:1989:195) era relativo à expiração das patentes.


59 —      A Hoechst e a Sanofi‑Aventis sublinham o facto de que os direitos nacionais de vários Estados‑Membros preveem que quando uma patente é anulada, o licenciado tem o direito de deixar de pagar royalties no futuro, não podendo, em contrapartida, reclamar o reembolso dos royalties já pagos.


60 —      V., n.° 315 da terceira sentença parcial.


61 —      No processo que deu origem ao acórdão Ottung (320/87, EU:C:1989:195), estava previsto um pré‑aviso de seis meses que expirava em 1 de outubro de cada ano.


62 —      Em contrapartida, como afirma a Comissão nas suas observações «uma obrigação de continuar a pagar os royalties, sem possibilidade de denunciar o acordo mediante um pré‑aviso razoável, aumenta os custos de fabrico do titular sem justificação económica e produziria o efeito de reduzir a concorrência nos mercados de produtos e de tecnologias existentes e desincentivaria o titular de investir no desenvolvimento e melhoria da sua tecnologia».


63 —      V., acórdão Windsurfing International/Comissão (193/83, EU:C:1986:75, n.° 67).


64 —      A cláusula do acordo de licença obrigava os licenciados a pagar royalties em relação às aparelhagens de uma prancha à vela fabricadas ao abrigo de uma patente relativa apenas às aparelhagens com base no preço de venda de uma prancha à vela completa, que consistia em aparelhagens e em flutuadores, quando estes não estavam protegidos pela patente.


65 —      JO L 93, p. 17.


66 —      JO L 31, p. 2.


67 —      Os três regulamentos em questão têm por base jurídica o Regulamento n.° 19/65.


68 —      V., artigo 4.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 316/2014. V., neste sentido, artigo 101.°, n.° 1, alínea a), TFUE.


69 —      V., artigo 4.°, n.° 1, alínea d), do Regulamento n.° 316/2014. V., neste sentido, artigo 101.°, n.° 1, alínea b), TFUE.