Language of document : ECLI:EU:C:2017:824

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

YVES BOT

apresentadas em 26 de outubro de 2017 (1)

Processo C550/16

A,

S

contra

Staatssecretaris van Veiligheid en Justitie

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Rechtbank Den Haag, zittingsplaats Amsterdam (Tribunal de primeira instância da Haia, Juízo de Amesterdão, Países Baixos)]

«Reenvio prejudicial — Controlos nas fronteiras, asilo e imigração — Política de imigração — Direito ao reagrupamento familiar — Conceito de “menor não acompanhado” — Direito de um refugiado ao reagrupamento familiar com os pais — Autorização de residência provisória — Refugiado com idade inferior a 18 anos, no momento da sua entrada e da apresentação do pedido de asilo, e superior a 18 anos, no momento do pedido de reagrupamento familiar — Data determinante para apreciar a qualidade de menor não acompanhado»






I.      Introdução

1.        Qual é a data determinante para apreciar o estatuto de menor não acompanhado? Um nacional de um país terceiro, que chegou, quando ainda era menor, ao território de um Estado‑Membro e que só obtém asilo depois de ter atingido a maioridade, pode beneficiar do direito ao reagrupamento familiar na qualidade de menor não acompanhado? É, no essencial, a estas questões que se solicita a resposta do Tribunal de Justiça.

2.        O presente processo será uma oportunidade para o Tribunal de Justiça se pronunciar sobre a proteção a conceder às pessoas que chegaram à União Europeia quando ainda eram menores, que obtêm o estatuto de refugiado após terem atingido a maioridade durante a apreciação do seu pedido de proteção e, uma vez obtido esse estatuto, iniciam o procedimento com vista ao reagrupamento familiar.

3.        Será aqui necessário ponderar as etapas processuais que marcam o percurso desses requerentes de asilo, bem como a eventual lentidão administrativa e o decurso inexorável do tempo na vida de uma pessoa que atinge a maioridade no decorrer da apreciação do seu processo de requerente de asilo e que solicita o direito ao reagrupamento familiar a favor dos seus pais, uma vez obtido o estatuto de refugiado.

4.        No final da nossa análise, iremos propor que o Tribunal de Justiça adote a interpretação mais protetora possível, declarando que pode ser considerado um menor não acompanhado, na aceção do artigo 2.o, proémio e alínea f), da Diretiva 2003/86/CE (2), o nacional de um país terceiro ou um apátrida, com idade inferior a 18 anos, que tenha entrado no território de um Estado‑Membro não acompanhado por um adulto responsável, por força da lei ou costume, que pede asilo, depois atinge a maioridade durante o procedimento, antes de receber asilo com efeito retroativo à data do pedido, e solicita, por último, o benefício do direito ao reagrupamento familiar concedido aos refugiados que sejam menores não acompanhados, por força do disposto no artigo 10.o, n.o 3, desta diretiva.

II.    Quadro jurídico

A.      Direito da União

5.        A Diretiva 2003/86 estabelece as condições em que o direito ao reagrupamento familiar pode ser exercido por nacionais de países terceiros que residam legalmente no território dos Estados‑Membros.

6.        Os considerandos 2, 4, 6 e 8 a 10 desta diretiva têm a seguinte redação:

«(2)      As medidas relativas ao agrupamento familiar devem ser adotadas em conformidade com a obrigação de proteção da família e do respeito da vida familiar consagrada em numerosos instrumentos de direito internacional. A presente diretiva respeita os direitos fundamentais e observa os princípios reconhecidos, designadamente, no artigo 8.o da [Convenção para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de novembro de 1950 (a seguir ‘CEDH’),] e na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia [(3)].

[…]

(4)      O reagrupamento familiar é um meio necessário para permitir a vida em família. Contribui para a criação de uma estabilidade sociocultural favorável à integração dos nacionais de países terceiros nos Estados‑Membros, o que permite, por outro lado, promover a coesão económica e social, que é um dos objetivos fundamentais da Comunidade consagrado no Tratado.

[…]

(6)      A fim de assegurar a proteção da família e a manutenção ou a criação da vida familiar, é importante fixar, segundo critérios comuns, as condições materiais necessárias ao exercício do direito ao reagrupamento familiar.

[…]

(8)      A situação dos refugiados requer uma consideração especial devido às razões que obrigaram estas pessoas a abandonar os seus países e que as impedem de neles viverem com as respetivas famílias. Por isso, convém prever, para estas pessoas, condições mais favoráveis para o exercício do direito ao reagrupamento familiar.

(9)      O reagrupamento familiar abrangerá de toda a maneira os membros da família nuclear, ou seja, o cônjuge e os filhos menores.

(10)      Cabe aos Estados‑Membros decidir se desejam autorizar a reunificação familiar no que respeita aos ascendentes em linha direta, aos filhos solteiros maiores […]»

7.        O artigo 2.o da referida diretiva estabelece as seguintes definições:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

a)      ‘Nacional de um país terceiro’: qualquer pessoa que não seja um cidadão da União na aceção do n.o 1 do artigo 17.o do [CE, atual artigo 20.o, n.o 1, TFUE];

b)      ‘Refugiado’: qualquer nacional de um país terceiro ou apátrida que beneficie do estatuto de refugiado, na aceção da Convenção de Genebra relativa ao Estatuto dos Refugiados, de 28 de julho de 1951, com a redação que lhe foi dada pelo Protocolo de Nova Iorque, de 31 de janeiro de 1967;

c)      ‘Requerente do reagrupamento’: o nacional de um país terceiro com residência legal num Estado‑Membro e que requer, ou cujos familiares requerem, o reagrupamento familiar para se reunificarem;

d)      ‘Reagrupamento familiar’: a entrada e residência num Estado‑Membro dos familiares de um nacional de um país terceiro que resida legalmente nesse Estado, a fim de manter a unidade familiar, independentemente de os laços familiares serem anteriores ou posteriores à entrada do residente;

[…]

f)      ‘Menor não acompanhado’: o nacional de um país terceiro ou apátrida, com idade inferior a 18 anos, que tenha entrado no território dos Estados‑Membros não acompanhado por um adulto responsável, por força da lei ou costume, e durante o período em que não se encontre efetivamente a cargo desse adulto, ou o menor que seja abandonado após a sua entrada no território dos Estados‑Membros».

8.        O artigo 3.o da Diretiva 2003/86 prevê:

«1.      A presente diretiva é aplicável quando o requerente do reagrupamento for titular de uma autorização de residência emitida por um Estado‑Membro por prazo de validade igual ou superior a um ano e com uma perspetiva fundamentada de obter um direito de residência permanente, se os membros da sua família forem nacionais de um país terceiro, independentemente do estatuto que tiverem.

2.      A presente diretiva não é aplicável quando o requerente do reagrupamento:

a)      Tiver solicitado o reconhecimento do seu estatuto de refugiado e o seu pedido não tiver ainda sido objeto de decisão definitiva;

b)      Tiver sido autorizado a residir num Estado‑Membro ao abrigo da proteção temporária ou tiver solicitado uma autorização de residência por esse motivo e aguarde uma decisão sobre o seu estatuto;

c)      Tiver sido autorizado a residir num Estado‑Membro ao abrigo de uma forma de proteção subsidiária, em conformidade com as obrigações contraídas internacionalmente, o direito interno ou a prática dos Estados‑Membros, ou tiver solicitado uma autorização de residência por esse mesmo motivo e aguarde uma decisão sobre o seu estatuto.

[…]

5.      A presente diretiva não afeta a possibilidade de os Estados‑Membros aprovarem ou manterem disposições mais favoráveis».

9.        O artigo 4.o, n.o 2, alínea a), desta diretiva dispõe:

«Em conformidade com a presente diretiva e sob reserva do cumprimento das condições previstas no capítulo IV, os Estados‑Membros podem, através de disposições legislativas ou regulamentares, autorizar a entrada e residência dos seguintes familiares:

a)      Os ascendentes diretos em primeiro grau do requerente do reagrupamento ou do seu cônjuge, se estiverem a seu cargo e não tiverem o apoio familiar necessário no país de origem».

10.      O artigo 5.o da referida diretiva estabelece:

«1.      Os Estados‑Membros determinam se, para exercer o direito ao reagrupamento familiar, cabe ao requerente do reagrupamento ou aos seus familiares apresentar o pedido de entrada e residência às autoridades competentes do Estado‑Membro em causa.

2.      O pedido deve ser acompanhado de documentos que atestem os laços familiares e o cumprimento das condições previstas nos artigos 4.o e 6.o e, quando aplicáveis, nos artigos 7.o e 8.o, bem como de cópias autenticadas dos documentos de viagem dos familiares.

[…]

3.      O pedido deve ser apresentado e analisado quando os familiares residirem fora do território do Estado‑Membro em que reside o requerente do reagrupamento.

[…]

4.      Logo que possível e em todo o caso no prazo de nove meses a contar da data de apresentação do pedido, as autoridades competentes do Estado‑Membro devem notificar por escrito a decisão tomada à pessoa que apresentou o pedido.

Em circunstâncias excecionais associadas à complexidade da análise do pedido, o prazo a que se refere o primeiro parágrafo poderá ser prorrogado.

A decisão de indeferimento do pedido deve ser fundamentada. As eventuais consequências da não tomada de uma decisão no prazo fixado no primeiro parágrafo devem ser determinadas pela legislação nacional do Estado‑Membro em causa.

5.      Na análise do pedido, os Estados‑Membros devem procurar assegurar que o interesse superior dos filhos menores seja tido em devida consideração».

11.      O Capítulo V da Diretiva 2003/86 regula especificamente, nos artigos 9.o a 12.o, o reagrupamento familiar de refugiados. O artigo 9.o desse diploma dispõe, nos n.os 1 e 2:

«1.      O disposto no presente capítulo é aplicável ao reagrupamento familiar de refugiados reconhecidos pelos Estados‑Membros.

2.      Os Estados‑Membros podem limitar a aplicação do disposto no presente capítulo aos refugiados cujos laços familiares sejam anteriores à sua entrada».

12.      O artigo 10.o desta diretiva estabelece:

«1.      O artigo 4.o é aplicável à definição de familiares, com exceção do terceiro parágrafo do n.o 1 do referido artigo, que não é aplicável aos filhos de refugiados.

2.      Os Estados‑Membros podem autorizar o reagrupamento familiar a outros familiares não referidos no artigo 4.o, se se encontrarem a cargo do refugiado.

3.      Se o refugiado for um menor não acompanhado, os Estados‑Membros:

a)      Devem permitir a entrada e residência, para efeitos de reagrupamento familiar, dos seus ascendentes diretos em primeiro grau, sem que sejam aplicáveis os requisitos referidos na alínea a) do n.o 2 do artigo 4.o;

b)      Podem permitir a entrada e residência, para efeitos de reagrupamento familiar, do seu tutor legal ou de qualquer outro familiar, se o refugiado não tiver ascendentes diretos ou não for possível localizá‑los».

13.      O artigo 11.o da referida diretiva prevê:

«1.      O artigo 5.o é aplicável à apresentação e análise do pedido, sem prejuízo do disposto no n.o 2 do presente artigo.

2.      Quando um refugiado não puder apresentar documentos oficiais que comprovem a relação familiar, os Estados‑Membros devem tomar em consideração outro tipo de provas da existência dessa relação, avaliadas de acordo com a legislação nacional. Uma decisão de indeferimento do pedido não pode fundamentar‑se exclusivamente na falta de documentos comprovativos».

14.      O artigo 12.o da Diretiva 2003/86 dispõe:

«1.      Em derrogação do artigo 7.o, no que diz respeito aos pedidos relativos aos familiares a que se refere o n.o 1 do artigo 4.o, os Estados‑Membros não podem exigir ao refugiado e/ou a um seu familiar que apresente provas de que o refugiado preenche os requisitos estabelecidos no artigo 7.o

Sem prejuízo de obrigações internacionais, sempre que o reagrupamento familiar seja possível num país terceiro com o qual o requerente e/ou o seu familiar mantenham vínculos especiais, os Estados‑Membros podem exigir a apresentação das provas referidas no primeiro parágrafo.

Se o pedido de reagrupamento familiar não for apresentado no prazo de três meses após a atribuição do estatuto de refugiado, os Estados‑Membros podem exigir do refugiado o preenchimento das condições referidas no n.o 1 do artigo 7.o

2.      Em derrogação do artigo 8.o, os Estados‑Membros não devem exigir que o refugiado tenha residido no respetivo território durante um período determinado, antes que os seus familiares se lhe venham juntar».

15.      Nos termos do artigo 20.o desta diretiva, a mesma deveria ser transposta pelos Estados‑Membros para o seu direito nacional o mais tardar até 3 de outubro de 2005.

B.      Direito neerlandês

16.      Nos termos do artigo 29.o, n.o 2, proémio e alínea c), da Vreemdelingenwet 2000 (Lei dos Estrangeiros de 2000), de 23 de novembro de 2000, a autorização de residência temporária, na aceção do artigo 28.o, pode ser concedida aos pais de um estrangeiro, se esse estrangeiro for um menor não acompanhado na aceção do artigo 2.o, proémio e alínea f), da Diretiva 2003/86, desde que os pais do referido estrangeiro, no momento da sua entrada, fizessem parte do seu agregado familiar e tenham entrado nos Países Baixos simultaneamente com o estrangeiro ou se se lhe tenham juntado no prazo de três meses a contar da concessão de autorização de residência temporária a esse estrangeiro, referida no artigo 28.o

III. Matéria de facto do processo principal e questão prejudicial

17.      A filha de A e de S, de nacionalidade eritreia, chegou aos Países Baixos, sozinha, quando ainda era menor. Em 26 de fevereiro de 2014, apresentou um pedido de asilo no território deste Estado‑Membro. No decurso do procedimento de apreciação do seu pedido de asilo e não tendo sido ainda tomada qualquer decisão definitiva, a interessada atingiu a maioridade. Por decisão de 21 de outubro de 2014, as autoridades competentes do Reino dos Países Baixos concederam‑lhe uma autorização de residência por direito de asilo, válida por cinco anos, com efeitos retroativos à data da apresentação do seu pedido.

18.      Em 23 de dezembro de 2014, a organização VluchtelingenWerk Midden‑Nederland apresentou, em nome da filha de A e de S um pedido de concessão de autorizações de residência temporária a favor dos seus pais, bem como dos seus três irmãos menores, para efeitos de reagrupamento familiar.

19.      Por decisão de 27 de maio de 2015, o Staatssecretaris van Veiligheid en Justitie (Secretário de Estado da Segurança e da Justiça, Países Baixos) indeferiu esse pedido pelo facto de, à data da apresentação do pedido de reagrupamento familiar, a interessada já ser maior de idade e não poder, por isso, reivindicar o estatuto de menor não acompanhado que lhe permitiria beneficiar de um direito preferencial ao reagrupamento familiar. Por decisão de 13 de agosto de 2015, foi indeferida a reclamação apresentada contra essa decisão.

20.      Em 3 de setembro de 2015, A e S interpuseram recurso dessa decisão no Rechtbank Den Haag, zittingsplaats Amsterdam (Tribunal de primeira instância da Haia, Juízo de Amesterdão, Países Baixos), o órgão jurisdicional de reenvio, alegando, nomeadamente, que resulta do artigo 2.o, proémio e alínea f), da Diretiva 2003/86 que, para determinar se uma pessoa pode ser qualificada como «menor não acompanhado», é decisiva a data de entrada do interessado no Estado‑Membro em questão. O Secretário de Estado da Segurança e da Justiça considera, pelo contrário, que é a data da apresentação do pedido de reagrupamento familiar que é determinante, para este efeito.

21.      O órgão jurisdicional de reenvio salienta que o Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Países Baixos) decidiu, em dois acórdãos de 23 de novembro de 2015 (4), que o facto de um cidadão estrangeiro ter atingido a maioridade após a sua entrada no território nacional pode ser tido em conta para determinar se está abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 2.o, proémio e alínea f), da Diretiva 2003/86 e se pode ser considerado um «menor não acompanhado».

22.      No entanto, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, esta disposição deve ser interpretada como implicando que o conceito de «menor não acompanhado» deve ser apreciado no momento da entrada da pessoa interessada no território nacional, devido à utilização da expressão «que tenha entrado» e a apenas estarem enumeradas, no artigo 2.o, proémio e alínea f), da Diretiva 2003/86, duas exceções a este princípio, a saber, a situação de um menor inicialmente acompanhado e que, em seguida, é abandonado e, inversamente, a situação do menor não acompanhado no momento da sua chegada, que posteriormente fica a cargo de um adulto responsável. O órgão jurisdicional de reenvio indica, por um lado, que o caso concreto que lhe foi submetido não é abrangido por qualquer destas exceções ao princípio do direito ao reagrupamento familiar dos menores não acompanhados e, por outro, que essas exceções devem ser objeto de uma interpretação estrita.

23.      Nestas circunstâncias, o Rechtbank Den Haag, zittingsplaats Amsterdam (Tribunal de primeira instância da Haia, Juízo de Amesterdão) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Deve, no caso do reagrupamento familiar de refugiados, entender‑se por «menor não acompanhado», na aceção do artigo 2.o, alínea f), da Diretiva 2003/86 o nacional de um país terceiro ou [um] apátrida, com idade inferior a 18 anos, que tenha entrado no território de um Estado‑Membro não acompanhado por um adulto responsável, por força da lei ou costume, e que:

–        pede asilo;

–        atinge a idade de 18 anos durante o procedimento de asilo no território do Estado‑Membro,

–        recebe asilo com efeitos retroativos à data do pedido, e

–        seguidamente apresenta um pedido de reagrupamento familiar?»

IV.    Análise

24.      No essencial, solicita‑se ao Tribunal de Justiça que responda à questão de saber que data deve ser tomada em consideração para determinar se um nacional de um país terceiro pode ser considerado um menor não acompanhado e exercer o seu direito ao reagrupamento familiar, quando tenha entrado no território de um Estado‑Membro quando ainda era menor, aí tenha pedido asilo, tenha obtido essa proteção internacional depois de ter atingido a maioridade e, em seguida, tenha exercido o seu direito ao reagrupamento familiar na qualidade de menor não acompanhado.

25.      Neste contexto, o Tribunal de Justiça tem, pelo menos, três opções, a saber, considerar que a data determinante para apreciar o direito do interessado a beneficiar das disposições da Diretiva 2003/86, na qualidade de menor não acompanhado, é a data de entrada do interessado no território do Estado‑Membro ou a data de apresentação do pedido de asilo ou, por último, a data de apresentação do pedido de reagrupamento familiar.

26.      Resulta da leitura conjugada das disposições do artigo 2.o, proémio e alínea f), e do artigo 10.o, n.o 3, da Diretiva 2003/86, que a data determinante, para este efeito, é necessariamente anterior à da concessão da proteção internacional. Por conseguinte, essa data só pode ser a da apresentação do pedido de asilo, tendo em conta, em primeiro lugar, a utilização da expressão «que tenha entrado» no artigo 2.o, proémio e alínea f), desta diretiva, em segundo lugar, o facto de o reconhecimento desse estatuto ser retroativo, uma vez que produz efeitos à da apresentação do pedido, e, em terceiro lugar, que essa é a data mais precisa de que dispõe a Administração para determinar com exatidão a idade da pessoa em causa.

27.      De resto, na decisão de reenvio, o Rechtbank Den Haag, zittingsplaats Amsterdam (Tribunal de primeira instância da Haia, Juízo de Amesterdão) refere que resulta manifestamente do próprio texto do artigo 2.o, proémio e alínea f), da referida diretiva, que esta disposição deve ser interpretada no sentido de que a data determinante para apreciar se o requerente deve ser considerado um menor não acompanhado deve ser a da concessão da autorização de residência pela autoridade competente e não a da apresentação do pedido de reagrupamento familiar. Na medida em que a concessão do estatuto de refugiado é declarativa e possui um efeito retroativo, é, então, efetivamente, a data do pedido de autorização a que será determinante para apreciar se o requerente corresponde à definição de menor não acompanhado.

28.      Com efeito, a retroatividade de uma medida não pode ser acompanhada de um caráter distributivo da força dos seus efeitos. O facto de a legislação neerlandesa prever, de forma protetora, que a concessão do estatuto de refugiado retroage à data da apresentação do pedido implica, necessariamente, que o estatuto assim concedido inclua um conjunto de efeitos induzidos, a contar da data do pedido de proteção internacional, e, portanto, também o direito ao reagrupamento familiar, tal como decorre da Diretiva 2003/86 quando, como no caso em apreço, o estatuto de refugiado é concedido a uma pessoa que apresentou o respetivo pedido quando ainda era menor. Por outro lado, o caráter protetor dessa medida nacional tem como efeito anular as desigualdades de tratamento que resultariam de durações variáveis do tratamento dos pedidos de asilo. Além disso, não conceder a totalidade dos direitos conferidos pelo estatuto de refugiado, de forma retroativa, tal como está previsto no direito neerlandês, seria manifestamente contrário ao interesse superior da criança que apresentou um pedido de asilo antes de atingir a maioridade.

29.      Acresce que o reagrupamento familiar apenas pode ser pedido, ou ter lugar, no momento em que tiver sido tomada, pelas autoridades nacionais competentes, uma decisão definitiva sobre o pedido de autorização de residência (5) de acordo com o artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2003/86. Sendo o reconhecimento do estatuto de refugiado uma das condições que permitem a apresentação de um pedido de reagrupamento familiar, seria contrário aos objetivos prosseguidos por esta diretiva, bem como pelos textos da União e pelos outros textos do direito internacional que protegem os refugiados, apenas fazer funcionar esse direito preferencial em relação às pessoas que são ainda menores no momento da obtenção de proteção internacional, apesar de esta ser declarativa e retroagir à data da apresentação do pedido.

30.      Fazemos notar que, com esta leitura favorável ao reagrupamento familiar, o Tribunal de Justiça evitaria uma interpretação formalista do artigo 2.o, proémio e alínea f), da Diretiva 2003/86, que constituiria um obstáculo à realização dos objetivos deste texto. Contudo, não se trata aqui de permitir que todos os menores que entram no território dos Estados‑Membros beneficiem do direito ao reagrupamento familiar. No entanto, é possível fazer beneficiar desse direito os menores que cheguem ao território dos Estados‑Membros e que obtenham o estatuto de refugiado, mesmo após terem atingido a maioridade, ou seja, no momento em que o reagrupamento familiar se torna possível, uma vez que, recordamos, nos termos do artigo 3.o, n.o 1, dessa diretiva, a pessoa que procure beneficiar das disposições relativas ao reagrupamento familiar deve ser titular de uma autorização de residência, de preferência de longa duração, ou que ofereça perspetivas reais de dar origem a um direito de residência permanente (6).

31.      No caso em apreço, isto explica o facto de que, para apresentar um pedido de reagrupamento familiar, a filha de A e de S tenha esperado, de acordo com a lei, por dispor do direito de asilo, válido por cinco anos, em conformidade com o artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 2003/86. Ela absteve‑se de apresentar um pedido de reagrupamento familiar antes de beneficiar desse direito de residência, o que, antes de mais, teria sido contrário ao disposto no artigo 3.o, n.o 2, alínea a), e no artigo 9.o, n.o 1, desta diretiva, depois, teria tornado incerto o resultado do procedimento de reagrupamento familiar e, por último, teria tido como efeito sobrecarregar as autoridades nacionais com um pedido de reagrupamento familiar que, potencialmente, não poderia ter êxito, em virtude de o requerente do reagrupamento não beneficiar de uma autorização de residência. Deve considerar‑se que a data determinante para apreciar a qualidade de menor não acompanhado é, então, necessariamente aquela a partir da qual o reagrupamento familiar se torna possível, ou seja, no momento do deferimento, por parte da autoridade competente, do pedido de autorização de residência (7). No processo principal, tendo em conta o caráter declarativo e retroativo da concessão do estatuto de refugiado, tal remete para a data de apresentação do pedido de asilo.

32.      Em suma, a atitude de respeito dos procedimentos e da sua ordem sequencial, adotada pela pessoa interessada no presente caso, não deverá prejudicá‑la e deve mesmo ser aplaudida.

33.      De facto, nas circunstâncias específicas do caso em apreço, deverá ser tida em conta a duração do tratamento dos pedidos de asilo e o decurso inexorável do tempo que fez com que a interessada tivesse já atingido a maioridade na altura em que lhe foi concedido o asilo e em que pôde, por conseguinte, apresentar um pedido no sentido de que os seus progenitores, que se encontravam, então, na Etiópia, um, e em Israel, o outro, se lhe fossem juntar nos Países Baixos, a fim de reatar os laços familiares e a vida privada à qual todos os nacionais de um país terceiro têm direito, por força do disposto no artigo 8.o da CEDH e no artigo 7.o da Carta, conforme interpretados tanto pelo Tribunal de Justiça como pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

34.      Neste contexto, o considerando 6 da Diretiva 2003/86 visa a proteção da família e a manutenção da vida familiar. Tal implica, necessariamente, que este texto seja interpretado em conformidade com o artigo 8.o da CEDH e com o artigo 7.o da Carta de forma não restritiva, de modo a não frustrar o seu efeito útil, nem o objetivo da referida diretiva, que é favorecer o reagrupamento familiar (8).

35.      De resto, o Tribunal de Justiça teve já ocasião de recordar que decorre do considerando 2 da referida diretiva que as medidas relativas ao agrupamento familiar devem ser adotadas em conformidade com a obrigação de proteção da família e do respeito da vida familiar consagrada em numerosos instrumentos de direito internacional.

36.      Recordamos, além disso, que, por força da jurisprudência do Tribunal de Justiça, o direito ao respeito pela vida privada e familiar, garantido no artigo 7.o da Carta, deve ser interpretado em conjugação com a obrigação de tomar em consideração o interesse superior da criança, consagrada no artigo 24.o, n.o 2, da mesma carta. Em conformidade com as exigências desta última disposição, os Estados‑Membros devem ter «primacialmente em conta» o interesse superior da criança quando aplicam, por intermédio de uma autoridade pública ou de uma instituição privada, um ato legislativo relativo às crianças. Esta exigência é recordada expressamente no artigo 5.o, n.o 5, da Diretiva 2003/86. Por outro lado, o Tribunal de Justiça declarou que os Estados‑Membros devem assegurar que a criança possa manter regularmente relações pessoais e contactos diretos com os seus dois progenitores (9).

37.      Embora não resulte necessariamente da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que o direito ao reagrupamento familiar pode contemplar os filhos maiores, no âmbito da proteção da vida privada e familiar, decorre, no entanto, da sua jurisprudência que os laços da criança com a sua família devem ser mantidos e que só circunstâncias excecionais podem conduzir a uma rutura dos laços familiares. Resulta desta jurisprudência que deve ser feito tudo para manter as relações pessoais e a unidade familiar ou «reconstituir» a família (10).

38.      A este respeito, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem toma em consideração várias circunstâncias individuais relacionadas com a criança, a fim de determinar o seu interesse da melhor forma possível e assegurar o seu bem‑estar. O mesmo tem em conta, nomeadamente, a sua idade e maturidade, bem como o seu grau de dependência em relação aos pais, e toma em consideração, a esse respeito, a presença ou a ausência destes últimos. Interessa‑se igualmente pelo ambiente no qual a criança vive e pela situação no seu Estado de origem, a fim de apreciar as dificuldades com as quais a família correria o risco de se ver confrontada nesse Estado (11). É tendo em conta o conjunto desses elementos e ponderando‑os em confronto com o interesse geral dos Estados Contratantes que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem aprecia se esses Estados alcançaram, nas suas decisões, um justo equilíbrio e respeitaram as prescrições do artigo 8.o da CEDH.

39.      O Tribunal de Justiça considerou que cabe às autoridades nacionais competentes, quando da aplicação da Diretiva 2003/86 e do exame dos pedidos de reagrupamento familiar, proceder a uma apreciação equilibrada e razoável de todos os interesses em jogo, tendo especialmente em conta os das crianças em causa (12).

40.      Tendo em conta estes elementos, se, no caso em apreço, se tivesse procedido à apreciação desse equilíbrio, seria necessário notar, em primeiro lugar, que a filha de A e de S chegou ao território do Reino dos Países Baixos sozinha, quando ainda era menor, em segundo lugar, que é nacional do Estado da Eritreia e, em terceiro lugar, que fazê‑la beneficiar do direito ao reagrupamento familiar permitiria que o agregado familiar se reconstituísse. Isso favoreceria o direito ao respeito pela vida privada e familiar de todos os seus membros, independentemente do facto de, na altura em que a autoridade competente do Estado‑Membro decidiu sobre o pedido de reagrupamento familiar, a interessada, que chegou como menor não acompanhada ao território do Reino dos Países Baixos, ter atingido a maioridade e já não poder ser considerada uma criança, em sentido estrito.

41.      Nesta medida, a possibilidade de reconhecer o benefício do direito ao reagrupamento familiar a uma pessoa, como a filha dos recorrentes no processo principal, que chegou quando era menor e não acompanhada ao território de um Estado‑Membro, mas que obteve o estatuto de refugiado quando atingiu a maioridade e que, por isso, só podia solicitar o benefício das disposições relativas ao reagrupamento familiar depois desse facto ter ocorrido, nos termos do disposto no artigo 3.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2003/86, não parece ultrapassar os objetivos fixados aos Estados‑Membros.

42.      Além disso, como os recorrentes no processo principal sublinham, o direito ao reagrupamento familiar conforme previsto no disposto no artigo 10.o, n.o 3, dessa diretiva não pode depender da celeridade com que os serviços da Administração de um Estado‑Membro podem tratar os processos de pedido de asilo, sobretudo quando as pessoas em causa atingem, no espaço de alguns meses, a maioridade e apesar de os Estados‑Membros serem regularmente chamados, pelas instituições, a tratar prioritariamente os pedidos de asilo dos menores não acompanhados, a fim de ter em conta a sua especial vulnerabilidade, que merece uma proteção específica (13).

43.      No processo principal, a pessoa interessada demorou oito meses a obter o estatuto de refugiado, após a sua entrada no território do Reino dos Países Baixos. O caso vertente situa‑se, assim, na generalidade, dentro dos prazos habituais de tratamento dos pedidos de asilo, embora o artigo 23.o, n.o 2, da Diretiva 2005/85/CE (14), aplicável no momento da ocorrência dos factos, previsse que o tratamento dos pedidos de asilo devia ser efetuado o mais rapidamente possível, em cerca de seis meses, como a Comissão salienta nas suas observações.

44.      Além disso, a este respeito, é de notar que o Tribunal de Justiça considerou que era conveniente privilegiar uma interpretação que permitisse garantir que o sucesso dos pedidos de reagrupamento familiar depende principalmente de circunstâncias imputáveis ao requerente e não à Administração, como a duração do tratamento do pedido (15).

45.      Estes elementos favorecem uma interpretação ampla das disposições conjugadas do artigo 2.o, proémio e alínea f), e do artigo 10.o, n.o 3, da Diretiva 2003/86, tendo em conta o tempo normal de tratamento dos pedidos de asilo e a possibilidade de as autoridades tratarem prioritariamente certos processos de requerentes de asilo, em especial quando estes estão próximos da maioridade.

46.      Além disso, o caráter declarativo da concessão do estatuto de refugiado implica que os Estados‑Membros não possam procurar eximir‑se das suas obrigações ou contorná‑las até ao ponto de esvaziar do seu conteúdo as normas relativas ao sistema europeu comum de asilo, ao recusar tratar com diligência os pedidos de asilo das pessoas menores que se encontram não acompanhadas no seu território, com o objetivo inconfessado de não aplicar o direito preferencial ao reagrupamento familiar de que dispõem os refugiados menores não acompanhados. É necessário impedir uma aplicação estrita dessas normas que teria como efeito dissuadir os requerentes de asilo e aumentaria, ainda mais, os obstáculos com que essas pessoas e as suas famílias já se deparam (16).

47.      No entanto, não se trata aqui de criar uma casuística tendo em vista determinar que, durante um certo período, o direito preferencial dos menores a obter o reagrupamento familiar deve ser mantido mesmo quando estes atingem a maioridade. Não se trata de contestar os efeitos jurídicos associados à obtenção da maioridade. Contudo, é possível, numa situação como a do processo principal, fazer beneficiar os refugiados adultos muito jovens das disposições de proteção da Diretiva 2003/86, tendo em conta a ordem sequencial dos procedimentos, a proximidade da aquisição da maioridade e a oportunidade de tornar possível uma reunificação familiar.

48.      Com efeito, há que considerar que, nas circunstâncias específicas do caso em apreço e, mais uma vez, tendo em conta o caráter declarativo e retroativo da concessão do estatuto de refugiado, que permite apresentar um pedido de reagrupamento familiar, o facto de reconhecer o direito ao reagrupamento familiar, a uma pessoa que apresentou um pedido de asilo quando era menor, não constitui uma interpretação demasiado extensiva das disposições desta diretiva.

49.      Para o caso de o Tribunal de Justiça não acolher esta proposta, há que recordar, a título subsidiário, que, tendo em conta os considerandos 8 e 10 da referida diretiva, os Estados‑Membros devem garantir aos refugiados condições mais favoráveis de reagrupamento familiar e podem autorizar a reunificação familiar no que respeita aos ascendentes. De facto, a aquisição da maioridade apenas tem como efeito fazer cessar o direito preferencial e as regras mais favoráveis de que dispunha o interessado quando era menor, no que diz respeito ao seu direito ao reagrupamento familiar.

50.      São, igualmente, de salientar os textos da União e os outros textos do direito internacional que preveem que os pedidos de reagrupamento familiar apresentados por pessoas que beneficiam do estatuto de refugiado devem ser examinados pelos Estados com especial diligência e benevolência (17).

51.      Nesta medida, apesar de, no caso em apreço, a filha de A e de S não ter sido considerada uma menor não acompanhada, as disposições da Diretiva 2003/86 não poderão ser interpretadas de modo a que obstam à sua possibilidade de fazer beneficiar os seus ascendentes do reagrupamento familiar, em conformidade com o disposto no artigo 4.o, n.o 2, alínea a), dessa diretiva, que prevê que os Estados‑Membros podem autorizar a entrada e residência, ao abrigo do reagrupamento familiar, dos ascendentes diretos em primeiro grau do requerente do reagrupamento, se estiverem a seu cargo e não tiverem o apoio familiar necessário no país de origem.

52.      Nesta medida, competirá ao órgão jurisdicional de reenvio determinar, por um lado, se o direito nacional prevê a possibilidade de deferimento de um pedido de reagrupamento familiar relativo aos ascendentes de um refugiado e, por outro, se o caso em apreço preenche as condições para tal.

53.      Contudo, aplicar esta interpretação ao vertente caso implicaria apurar se uma pessoa, que atingiu a maioridade recentemente, tem capacidade para, por si, tomar a cargo as necessidades de uma família inteira.

54.      Em nossa opinião, importa assegurar uma das proteções mais amplas para fazer face, tanto quanto possível, à especial vulnerabilidade em que se encontram os menores não acompanhados que entram no território dos Estados‑Membros, bem como os jovens adultos, que têm o estatuto de refugiado (18) e cuja maturidade falta avaliar, sem que isso seja suscetível de pôr em perigo a realização dos objetivos fixados pelo legislador da União em matéria de limitação dos fluxos migratórios.

55.      Importa, com efeito, recordar que o reagrupamento familiar representa o princípio (19) e que as exceções a este princípio devem ser interpretadas restritivamente. Além disso, convém salientar que admitir o reagrupamento familiar através do filho requerente do reagrupamento não constitui um perigo especial para as políticas nacionais, uma vez que os próprios pais podem pedir o reagrupamento familiar para os seus filhos, quando estes forem menores e dependentes.

56.      Isso implica que devem ser apreciados os elementos de dependência bem como os laços, afetivos e materiais, neste tipo de reagrupamento familiar. Nesta medida, não se pode admitir, sobretudo nas nossas sociedades contemporâneas, que a relação de dependência que existe entre pais e filhos cessa imediatamente a partir da data em que o filho atinge a maioridade e que este deixa, assim, de poder ser considerado como um filho menor.

57.      Acresce que a Diretiva 2003/86 visa fazer face à vulnerabilidade das pessoas em causa. Negar a vulnerabilidade das pessoas que chegaram, quando ainda eram menores, do Estado da Eritreia ao território dos Estados‑Membros e que obtiveram o estatuto de refugiado, mesmo se, entretanto, estas tiverem atingido a maioridade, seria contrário aos objetivos prosseguidos pelo legislador da União.

58.      Resulta de tudo o que precede que deve ser considerado como um menor não acompanhado, na aceção do artigo 2.o, proémio e alínea f), desta diretiva, o nacional de um país terceiro ou apátrida, com idade inferior a 18 anos, que tenha entrado no território de um Estado‑Membro não acompanhado por um adulto responsável, por força da lei ou costume, que pede asilo, depois atinge a maioridade durante o procedimento, antes de receber asilo com efeitos retroativos à data do pedido, e solicita, finalmente, o benefício do direito ao reagrupamento familiar concedido aos refugiados que sejam menores não acompanhados, por força do disposto no artigo 10.o, n.o 3, desta diretiva.

59.      No caso de o Tribunal de Justiça não acolher esta interpretação, deverá ser colocada a questão das escolhas feitas pelo legislador da União ao adotar a Diretiva 2003/86 sem se pronunciar explicitamente sobre a data a tomar em consideração para apreciar o estatuto de menor não acompanhado, na aceção do artigo 2.o, proémio e alínea f), desta diretiva. Ao fazê‑lo, esse legislador optou ou por uma harmonização total, não deixando qualquer margem de manobra aos Estados‑Membros, ou por uma margem de apreciação muito ampla concedida a esses Estados, que poderão determinar, ainda que sem prejuízo dos princípios da equivalência e da efetividade, o momento mais apropriado para apreciarem o direito de uma pessoa a beneficiar das disposições relativas ao reagrupamento familiar, em conformidade com o artigo 10.o, n.o 3, da referida diretiva.

60.      Neste contexto, contrariamente ao que foi alegado pelo Reino dos Países Baixos, pela República da Polónia e pela Comissão, não estamos no quadro de disposições facultativas, mas antes vinculativas, de acordo com o disposto no artigo 10.o, n.o 3, alínea a), da Diretiva 2003/86. Face a um refugiado menor e não acompanhado, os Estados‑Membros «devem permitir» a entrada e residência, para efeitos de reagrupamento familiar, dos seus ascendentes diretos. Esta disposição está redigida de forma imperativa e impõe aos Estados‑Membros obrigações positivas precisas. Por conseguinte, os Estados‑Membros não dispõem de qualquer margem de apreciação e, ainda que esta existisse, a mesma não poderia ser utilizada de forma a prejudicar o objetivo da diretiva, que é favorecer o reagrupamento familiar (20).

61.      Com efeito, os refugiados menores não acompanhados dispõem do direito ao reagrupamento familiar dos seus ascendentes diretos em primeiro grau. Aliás, a este respeito, o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 4.o, n.o 1, último parágrafo, da Diretiva 2003/86 impõe aos Estados‑Membros obrigações positivas precisas, às quais correspondem direitos subjetivos claramente definidos, uma vez que lhes exige, nas hipóteses determinadas por esta diretiva, que autorizem o reagrupamento familiar de certos membros da família do requerente do reagrupamento sem que possam exercer a sua margem de apreciação (21).

62.      O Tribunal de Justiça esclareceu igualmente que, embora os Estados‑Membros disponham, no entanto, de uma certa margem de manobra, em aplicação da Diretiva 2003/86, para exigir condições para o exercício do direito ao reagrupamento familiar, essa faculdade devia ser interpretada em termos estritos, constituindo a autorização do reagrupamento familiar a regra geral (22).

63.      Por conseguinte, o silêncio mantido pelo legislador da União sobre a data que permite apreciar o direito ao reagrupamento familiar, quando a pessoa que o solicita é um menor não acompanhado e os acompanhantes são os seus ascendentes, não pode ser interpretado como a concessão de uma margem de manobra aos Estados‑Membros na apreciação das condições a satisfazer para beneficiar desta proteção de princípio e deste direito preferencial. Os Estados‑Membros só dispõem de uma margem de apreciação para permitir o reagrupamento familiar se o interessado já não for considerado como um menor não acompanhado.

64.      Nesta medida, para responder à questão prejudicial submetida ao Tribunal de Justiça pelo órgão jurisdicional de reenvio, será de excluir a aplicação dos princípios da equivalência e da efetividade, se, conforme propusemos, o Tribunal de Justiça considerar que a pessoa, que chegou quando era menor ao território de um Estado‑Membro e que só obteve o estatuto de refugiado quando atingiu a maioridade, deve ser, contudo, considerada como um menor não acompanhado, na aceção do disposto no artigo 2.o, proémio e alínea f), da Diretiva 2003/86, e pode, por conseguinte, beneficiar do direito preferencial ao reagrupamento familiar previsto no artigo 10.o, n.o 3, desta diretiva.

65.      No caso de o Tribunal de Justiça não acompanhar o nosso entendimento quanto ao caráter vinculativo das disposições em causa no processo principal e quanto à possibilidade de considerar o interessado como um menor não acompanhado, então deve indicar‑se que uma interpretação do artigo 2.o, proémio e alínea f), da Diretiva 2003/86 que implique que a data a tomar em consideração para determinar se o requerente dispõe do direito ao reagrupamento familiar é a da apresentação do pedido de reagrupamento não cumpre a exigência de efetividade. Com efeito, uma interpretação deste tipo constituiria um obstáculo à capacidade das pessoas para beneficiarem do reagrupamento familiar, embora, tal como foi referido, o objetivo desta diretiva consista, justamente, em favorecer a proteção da família, nomeadamente através do reconhecimento do direito ao reagrupamento familiar para os refugiados (23).

66.      Resulta de tudo o que precede que se propõe que o Tribunal de Justiça declare que pode ser considerado um menor não acompanhado, na aceção do artigo 2.o, proémio e alínea f), da Diretiva 2003/86, o nacional de um país terceiro ou um apátrida, com idade inferior a 18 anos, que tenha entrado no território de um Estado‑Membro não acompanhado por um adulto responsável, por força da lei ou costume, que pede asilo, depois atinge a maioridade durante o procedimento, antes de receber asilo com efeitos retroativos à data do pedido, e solicita, finalmente, o benefício do direito ao reagrupamento familiar concedido aos refugiados que sejam menores não acompanhados, por força do disposto no artigo 10.o, n.o 3, desta diretiva.

V.      Conclusão

67.      À luz das considerações que precedem, propomos que o Tribunal de Justiça responda à questão prejudicial submetida pelo Rechtbank Den Haag, zittingsplaats Amsterdam (Tribunal de primeira instância da Haia, Juízo de Amesterdão, Países Baixos), do seguinte modo:

Pode ser considerado um menor não acompanhado, na aceção do artigo 2.o, proémio e alínea f), da Diretiva 2003/86/CE do Conselho, de 22 de setembro de 2003, relativa ao direito ao reagrupamento familiar, o nacional de um país terceiro ou um apátrida, com idade inferior a 18 anos, que tenha entrado no território de um Estado‑Membro não acompanhado por um adulto responsável, por força da lei ou costume, que pede asilo, depois atinge a maioridade durante o procedimento, antes de receber asilo com efeitos retroativos à data do pedido, e solicita, finalmente, o benefício do direito ao reagrupamento familiar concedido aos refugiados que sejam menores não acompanhados, por força do disposto no artigo 10.o, n.o 3, desta diretiva.


1      Língua original: francês.


2      Diretiva do Conselho, de 22 de setembro de 2003, relativa ao direito ao reagrupamento familiar (JO 2003, L 251, p. 12).


3      A seguir «Carta».


4      V. acórdãos n.o 201501042/1/V1 e n.o 201502485/1/V1. 21. O órgão jurisdicional de reenvio coloca perante o Tribunal de Justiça uma interpretação que este deveria normalmente seguir, apesar de a mesma não emanar do intérprete autêntico das normas da União que estão em causa no processo principal. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, o Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) teria interpretado erradamente as disposições da Diretiva 2003/86, dado que estas não tinham um sentido claro e deveriam ter dado lugar a uma interpretação autêntica efetuada pelo Tribunal de Justiça. Sem querer entrar na polémica, é, contudo, de assinalar que pode existir uma controvérsia jurisprudencial neste processo, pelo menos a nível interno.


5      V., a contrario, conclusões apresentadas pelo advogado‑geral P. Mengozzi no processo Noorzia (C‑338/13, EU:C:2014:288, n.os 34 a 36).


6      V., neste sentido, conclusões que apresentámos nos processos apensos O e o. (C‑356/11 e C‑357/11, EU:C:2012:595, n.o 56).


7      V., por analogia, conclusões apresentadas pelo advogado‑geral P. Mengozzi no processo Noorzia (C‑338/13, EU:C:2014:288, n.os 34 e 36).


8      V., neste sentido, acórdão de 4 de março de 2010, Chakroun (C‑578/08, EU:C:2010:117, n.os 43 e 44), bem como as conclusões que apresentámos nos processos apensos O e o. (C‑356/11 e C‑357/11, EU:C:2012:595, n.o 63).


9      V. conclusões que apresentámos nos processos apensos O e o. (C‑356/11 e C‑357/11, EU:C:2012:595, n.os 77 e 78, bem como jurisprudência referida), e acórdão de 6 de dezembro de 2012, O e o. (C‑356/11 e C‑357/11, EU:C:2012:776, n.o 76).


10      V. conclusões que apresentámos nos processos apensos O e o. (C‑356/11 e C‑357/11, EU:C:2012:595, n.o 73), bem como TEDH, acórdão Neulinger e Shuruk c. Suíça de 6 de julho de 2010 (CE:ECHR:2010:0706JUD004161507, § 136 e jurisprudência referida).


11      V. conclusões que apresentámos nos processos apensos O e o. (C‑356/11 e C‑357/11, EU:C:2012:595, n.o 74), bem como TEDH, acórdãos Sen c. Países Baixos de 21 de dezembro de 2001 (CE:ECHR:2001:1221JUD003146596, § 37) e Rodrigues da Silva e Hoogkamer c. Países Baixos de 31 de janeiro de 2006 (CE:ECHR:2006:0131JUD005043599, § 39). V., igualmente, acórdão de 27 de junho de 2006, Parlamento/Conselho (C‑540/03, EU:C:2006:429, n.o 56).


12      V., neste sentido, acórdão de 6 de dezembro de 2012, O e o. (C‑356/11 e C‑357/11, EU:C:2012:776, n.o 81).


13      V. declaração de Frans Timmermans, Primeiro Vice‑Presidente da Comissão Europeia, de 30 de novembro de 2016, apelando aos Estados‑Membros para acelerarem o registo dos menores não acompanhados e para aumentarem a sua proteção.


14      Diretiva do Conselho, de 1 de dezembro de 2005, relativa a normas mínimas aplicáveis ao procedimento de concessão e retirada do estatuto de refugiado nos Estados‑Membros (JO 2005, L 326, p. 13).


15      V., por analogia, acórdão de 17 de julho de 2014, Noorzia (C‑338/13, EU:C:2014:2092, n.o 17).


16      V., por analogia, conclusões que apresentámos no processo Danqua (C‑429/15, EU:C:2016:485, n.os 75 a 79). V., igualmente, neste sentido, TEDH, acórdão Tanda‑Muzinga c. França, de 10 de julho de 2014 (CE:ECHR:2014:0710JUD000226010, §§ 75 e 76).


17      V. acórdão de 27 de junho de 2006, Parlamento/Conselho (C‑540/03, EU:C:2006:429, n.o 57), que recorda que o artigo 9.o, n.o 1, da Convenção sobre os Direitos da Criança, que foi adotada pela Resolução 44/25 da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 20 de novembro de 1989, e entrou em vigor em 2 de setembro de 1990, prevê que os Estados Partes garantem que a criança não é separada dos seus pais contra a vontade destes e que, nos termos do artigo 10.o, n.o 1, dessa Convenção, resulta desta obrigação que todos os pedidos formulados por uma criança ou pelos seus pais para entrar num Estado Parte ou para o deixar, com o fim de reunificação familiar, são considerados pelos Estados Partes de forma positiva, com humanidade e diligência. V., igualmente, o artigo 22.o da referida Convenção, que consagra o direito de todas as crianças a viver com os seus pais. V., ainda, Ata final da Conferência das Nações Unidas de Plenipotenciários sobre o Estatuto dos Refugiados e Apátridas, de 25 de julho de 1951, bem como TEDH, acórdão Tanda‑Muzinga c. França de 10 de julho de 2014 (CE:ECHR:2014:0710JUD000226010, §§ 44 e 45, bem como §§ 48 e 49, que evocam igualmente a recomendação n.o R(99)23 do Comité de Ministros do Conselho da Europa sobre o reagrupamento familiar de refugiados e outras pessoas com necessidade de proteção internacional, adotada em 15 de dezembro de 1999, ou, ainda, o Memorando de 20 de novembro de 2008, de Thomas Hammarberg, Comissário para os Direitos Humanos do Conselho da Europa, na sequência da sua visita a França de 21 a 23 de maio de 2008).


18      O Grupo de Peritos do Conselho da Europa contra o tráfico de seres humanos, no seus quinto e sexto relatórios gerais sobre as atividades (abrangendo os períodos de 1 de outubro de 2014 a 31 de dezembro de 2015 e de 1 de janeiro de 2016 a 31 de dezembro de 2016, disponíveis nos seguintes endereços Internet: https://rm.coe.int/168063093d e https://rm.coe.int/1680706a43), preconiza que seja conferida uma proteção específica às crianças e aos adolescentes migrantes ou requerentes de asilo, tendo em conta a risco de tráfico de seres humanos em que incorrem. Assim sendo, esta proteção alargada deve ser interpretada como sendo de qualquer risco existente para os menores e jovens adultos nacionais de países terceiros e que se encontrem nos territórios dos Estados‑Membros. Em especial, este Grupo de Peritos, na sua declaração, de 28 de julho de 2017, por ocasião do 4.o Dia Mundial Contra o Tráfico de Pessoas, disponível no seguinte endereço Internet: http://www.coe.int/fr/web/portal/news‑2017/‑/asset_publisher/StEVosr24HJ2/content/states‑must‑act‑urgently‑to‑protect‑refugee‑children‑from‑trafficking?inheritRedirect=false&redirect=http%3A%2F%2Fwww.coe.int%2Ffr%2Fweb%2Fportal%2Fnews‑2017%3Fp_p_id%3D101_INSTANCE_StEVosr24HJ2%26p_p_lifecycle%3D0%26p_p_state%3Dnormal%26p_p_mode%3Dview%26p_p_col_id%3Dcolumn‑4%26p_p_col_count%3D1, pôs nomeadamente em causa as restrições introduzidas, em muitos Estados‑Membros, ao reagrupamento familiar.


19      V., neste sentido, acórdão de 4 de março de 2010, Chakroun (C‑578/08, EU:C:2010:117, n.o 43), e as conclusões que apresentámos nos processos apensos O e o. (C‑356/11 e C‑357/11, EU:C:2012:595, n.o 59).


20      V., por analogia, conclusões apresentadas pelo advogado‑geral P. Mengozzi no processo Noorzia (C‑338/13, EU:C:2014:288, n.os 25 e 61).


21      V. acórdãos de 27 de junho de 2006, Parlamento/Conselho (C‑540/03, EU:C:2006:429, n.o 60), e de 4 de março de 2010, Chakroun (C‑578/08, EU:C:2010:117, n.o 41). V., igualmente, neste sentido, conclusões apresentadas pelo advogado‑geral P. Mengozzi no processo Noorzia (C‑338/13, EU:C:2014:288, n.o 23).


22      V. acórdãos de 4 de março de 2010, Chakroun (C‑578/08, EU:C:2010:117, n.o 43), e de 6 de dezembro de 2012, O e o. (C‑356/11 e C‑357/11, EU:C:2012:776, n.o 74), bem como conclusões apresentadas pelo advogado‑geral P. Mengozzi no processo Noorzia (C‑338/13, EU:C:2014:288, n.o 24).


23      V. acórdão de 27 de junho de 2006, Parlamento/Conselho (C‑540/03, EU:C:2006:429, n.o 88), no qual o Tribunal de Justiça recorda que, embora os Estados‑Membros disponham de uma margem de apreciação, de acordo com certas disposições da Diretiva 2003/86, continuam obrigados a examinar os pedidos de reagrupamento familiar no interesse da criança e com a preocupação de favorecer a vida familiar.