Language of document : ECLI:EU:C:2016:170

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MACIEJ SZPUNAR

apresentadas em 16 de março de 2016 (1)

Processo C‑484/14

Tobias Mc Fadden

contra

Sony Music Entertainment Germany GmbH

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Landgericht München I (Tribunal Regional de Munique I, Alemanha)]

«Reenvio prejudicial — Livre circulação de serviços da sociedade da informação — Diretiva 2000/31/CE — Artigo 2.°, alíneas a) e b) — Conceito de ‘serviço da sociedade da informação’ — Conceito de ‘prestador de serviços’ — Serviço de natureza económica — Artigo 12.° — Limitação da responsabilidade de um prestador de serviços de simples transporte — Artigo 15.° — Exclusão de obrigação geral de vigilância — Profissional que coloca uma rede local sem fio com acesso à Internet gratuitamente à disposição do público — Violação de um direito de autor e de direitos conexos cometida por um terceiro utilizador — Injunção que implica a obrigação de proteger a ligação à Internet através de uma senha»





I –    Introdução

1.        Um profissional que, no âmbito das suas atividades, explora uma rede local sem fio com acesso à Internet (a seguir «rede Wi‑Fi») (2), aberta ao público e gratuita, fornece um serviço da sociedade da informação, na aceção da Diretiva 2000/31/CE (3)? Em que medida a sua responsabilidade é limitada por as violações ao direito de autor terem sido cometidas por terceiros utilizadores? Tal explorador de uma rede Wi‑Fi pública pode ser obrigado, por força de uma injunção, a proteger o acesso à sua rede através de uma senha?

2.        Estas questões delineiam a problemática suscitada pelo litígio que opõe T. Mc Fadden à Sony Music Entertainment Germany GmbH (a seguir «Sony Music»), relativamente às ações de responsabilidade civil e de injunção respeitantes à disponibilização, para download, de uma obra musical protegida pelo direito de autor, através da rede Wi‑Fi pública explorada por T. McFadden.

II – Quadro jurídico

A –    Direito da União

1.      Regulamentação relativa aos serviços da sociedade da informação

3.        A Diretiva 2000/31, atendendo ao seu considerando 40, visa, nomeadamente, harmonizar as disposições nacionais relativas à responsabilidade dos prestadores de serviços intermediários, de modo a permitir o bom funcionamento de um mercado único para os serviços da sociedade da informação.

4.        O artigo 2.° da Diretiva 2000/31, intitulado «Definições», dispõe:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

a)      ‘Serviços da sociedade da informação’: os serviços da sociedade da informação na aceção do n.° 2 do artigo 1.° da Diretiva [98]/34/CEE [(4)], alterada pela Diretiva 98/48/CE [(5)];

b)      ‘Prestador de serviços’: qualquer pessoa, singular ou coletiva, que preste um serviço do âmbito da sociedade da informação;

[…]»

5.        Três categorias de serviços intermediários são visadas pelos artigos 12.°, 13.° e 14.° da Diretiva 2000/31, a saber, respetivamente, o simples transporte («mere conduit»), a armazenagem temporária («caching») e a armazenagem em servidor («hosting»).

6.        O artigo 12.° da Diretiva 2000/31, intitulado «Simples transporte», dispõe:

«1.      No caso de prestações de um serviço da sociedade da informação que consista na transmissão, através de uma rede de comunicações, de informações prestadas pelo destinatário do serviço ou em facultar o acesso a uma rede de comunicações, os Estados‑Membros velarão por que a responsabilidade do prestador não possa ser invocada no que respeita às informações transmitidas, desde que o prestador:

a)      Não esteja na origem da transmissão;

b)      Não selecione o destinatário da transmissão; e

c)      Não selecione nem modifique as informações que são objeto da transmissão.

[...]

3.      O disposto no presente artigo não afeta a possibilidade de um tribunal ou autoridade administrativa, de acordo com os sistemas legais dos Estados‑Membros, exigir do prestador que previna ou ponha termo a uma infração.»

7.        O artigo 15.°, n.° 1, da Diretiva 2000/31, intitulado «Ausência de obrigação geral de vigilância», dispõe:

«Os Estados‑Membros não imporão aos prestadores, para o fornecimento dos serviços mencionados nos artigos 12.°, 13.° e 14.°, uma obrigação geral de vigilância sobre as informações que estes transmitam ou armazenem, ou uma obrigação geral de procurar ativamente factos ou circunstâncias que indiciem ilicitudes.»

2.      Regulamentação relativa à proteção da propriedade intelectual

8.        O artigo 8.° da Diretiva 2001/29/CE (6), intitulado «Sanções e vias de recurso», dispõe, no seu n.° 3:

«Os Estados‑Membros deverão garantir que os titulares dos direitos possam solicitar uma injunção contra intermediários cujos serviços sejam utilizados por terceiros para violar um direito de autor ou direitos conexos.»

9.        Uma disposição substancialmente idêntica, no que respeita, em geral, às violações de direitos de propriedade intelectual, é prevista no artigo 11.°, terceira frase, da Diretiva 2004/48/CE (7), intitulado «Medidas inibitórias». Nos termos do seu considerando 23, esta diretiva não afeta o artigo 8.°, n.° 3, da Diretiva 2001/29, que prevê já um nível elevado de harmonização no que respeita às violações do direito de autor e dos direitos conexos.

10.      O artigo 3.° da Diretiva 2004/48, intitulado «Obrigação geral», dispõe:

«1.      Os Estados‑Membros devem estabelecer as medidas, procedimentos e recursos necessários para assegurar o respeito pelos direitos de propriedade intelectual abrangidos pela presente diretiva. Essas medidas, procedimentos e recursos devem ser justos e equitativos, não devendo ser desnecessariamente complexos ou onerosos, comportar prazos que não sejam razoáveis ou implicar atrasos injustificados.

2.      As medidas, procedimentos e recursos também devem ser eficazes, proporcionados e dissuasivos e aplicados de forma a evitar que se criem obstáculos ao comércio lícito e a prever salvaguardas contra os abusos.»

B –    Direito alemão

1.      Disposições legislativas de transposição da Diretiva 2000/31

11.      Os artigos 12.° a 15.° da Diretiva 2000/31 foram transpostos para o direito alemão pelos §§ 7.° a 10.° da Lei sobre os meios de comunicação eletrónicos (Telemediengesetz) (8).

2.      Disposições legislativas relativas à proteção do direito de autor e dos direitos conexos

12.      O § 97.° da Lei sobre o direito de autor e os direitos conexos (Gesetz über Urheberrecht und verwandte Schutzrechte — Urheberrechtsgesetz) (9) dispõe:

«1)      Quem infringir ilicitamente os direitos de autor ou outro direito protegido nos termos desta lei pode ser demandado em juízo pelo lesado para pôr termo ao dano ou, em caso de ameaça de repetição, para cessar a infração. A ação para cessação da infração também pode ser intentada quando a ameaça de infração surge pela primeira vez.

2)      Quem praticar a infração dolosamente ou com negligência fica obrigado a reparar os prejuízos causados ao lesado pelo seu comportamento. [...]»

13.      O § 97a da referida lei, na sua versão em vigor à data da interpelação em 2010, dispunha:

«1)      Antes de intentar uma ação judicial, o lesado deve interpelar o infrator para cessar a infração e dar‑lhe a oportunidade de chegar a uma solução do conflito, mediante interpelação para cessação da infração reforçada com a fixação de uma cláusula penal adequada. Desde que a interpelação seja justificada, pode ser pedido o reembolso das despesas conexas necessárias.

2)      Nos casos sem complexidade e relativos apenas a ofensas pouco significativas, não conexas com uma atividade comercial, o reembolso das despesas necessárias para recorrer aos serviços de um advogado para a primeira interpelação é limitado a 100 euros.»

14.      O § 97a da referida lei, na sua versão atualmente em vigor, dispõe:

«1)      Antes de intentar uma ação judicial, o lesado deve interpelar o infrator para cessar a infração e dar‑lhe a oportunidade de chegar a uma solução do conflito, mediante interpelação para cessação da infração reforçada com a fixação de cláusula penal adequada.

[...]

3)      Desde que a interpelação seja justificada [...], pode ser pedido o reembolso das despesas conexas necessárias. [...]

[...]»

3.      Jurisprudência

15.      Resulta da decisão de reenvio que a responsabilidade por violação de um direito de autor ou de direitos conexos pode resultar, no direito alemão, tanto de maneira direta («Täterhaftung») como indireta («Störerhaftung»).

16.      O § 97 da Lei sobre o direito de autor e os direitos conexos é interpretado pelos órgãos jurisdicionais alemães no sentido de que uma pessoa que, não sendo autor nem cúmplice da violação, contribui de algum modo para a mesma, deliberadamente e de forma suficientemente causal, pode ser responsabilizada pela violação («Störer»).

17.      A este respeito, o Bundesgerichtshof (Tribunal Federal de Justiça) declarou, num acórdão de 12 de maio de 2010, Sommer unseres Lebens (I ZR 121/08), que um particular que explore uma rede Wi‑Fi com acesso à Internet pode ser qualificado como «Störer» quando não tiver protegido a sua rede através de uma senha, de modo a permitir a um terceiro violar um direito de autor ou direitos conexos. Segundo esta sentença, é razoável que tal explorador da rede tome medidas de proteção, como um sistema de identificação através de uma senha.

III – Litígio no processo principal

18.      O demandante no processo principal explora uma empresa que vende ou aluga técnicas de luz e som para diversos eventos.

19.      É proprietário de uma ligação à Internet que explora através de uma rede Wi‑Fi. Através desta ligação, uma obra musical foi ilicitamente disponibilizada para download, em 4 de setembro de 2010.

20.      A Sony Music é produtora de fonogramas e titular dos direitos sobre essa obra. Por carta de 29 de outubro de 2010, a Sony Music enviou a T. Mc Fadden uma interpelação relativa à violação dos seus direitos.

21.      Como resulta da decisão de reenvio, T. Mc Fadden alega a este respeito que, no âmbito da sua atividade empresarial, explorava uma rede Wi‑Fi, acessível a qualquer utilizador e sobre a qual não exercia qualquer controlo. Deliberadamente, não a protegeu através de uma senha de modo a permitir ao público um acesso à Internet. T. Mc Fadden afirma não ter cometido a alegada violação, mas não pode excluir que ela tenha sido cometida por um dos utilizadores da sua rede.

22.      Na sequência desta interpelação, T. Mc Fadden interpôs no órgão jurisdicional de reenvio uma ação de simples apreciação negativa («negative Feststellungsklage»). A Sony Music apresentou um pedido reconvencional de cessação da infração e de indemnização.

23.      Por sentença de 16 de janeiro de 2014, preferida à revelia, o órgão jurisdicional de reenvio julgou improcedente o pedido de T. Mc Fadden e julgou procedente o pedido reconvencional, proferindo uma injunção contra T. Mc Fadden pela sua responsabilidade direta pela violação em questão e condenando‑o no pagamento de uma indemnização por perdas e danos bem como das despesas de interpelação e das custas do processo.

24.      T. Mc Fadden deduziu oposição contra esta sentença proferida à revelia. Alegou, nomeadamente, que a sua responsabilidade estava excluída, nos termos das disposições do direito alemão de transposição do artigo 12.°, n.° 1, da Diretiva 2000/31.

25.      No âmbito do processo de oposição, a Sony Music pediu a confirmação da sentença proferida à revelia e, a título subsidiário, a prolação da injunção e a condenação de T. Mc Fadden numa indemnização por perdas e danos e nas despesas da interpelação, com fundamento na sua responsabilidade indireta («Störerhaftung»).

26.      O órgão jurisdicional de reenvio indica que, nesta fase, não considera que T. Mc Fadden seja diretamente responsável, mas pondera declarar a sua responsabilidade indireta («Störerhaftung») com fundamento em que a sua rede Wi‑Fi não tinha sido protegida.

27.      A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio indica que se inclina no sentido de aplicar por analogia o acórdão do Bundesgerichtshof de 12 de maio de 2010, Sommer unseres Lebens (I ZR 121/08), considerando que este acórdão, embora respeite a particulares, é válido, por maioria de razão, no caso de um profissional que explora uma rede Wi‑Fi aberta ao público. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a declaração da responsabilidade nestes termos ficaria, todavia, excluída se os factos do litígio no processo principal fossem abrangidos pelo artigo 12.°, n.° 1, da Diretiva 2000/31, transposta para o direito alemão pelo § 8, n.° 1, da Lei sobre os meios de comunicação eletrónicos de 26 de fevereiro de 2007, com a redação que lhe foi dada pela lei de 31 de março de 2010.

IV – Questões prejudiciais e tramitação processual no Tribunal de Justiça

28.      Foi neste contexto que o Landgericht München I (Tribunal Regional de Munique I) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve o artigo 12.°, n.° 1, [...] da Diretiva [2000/31], conjugado com o artigo 2.°, alínea a), da mesma diretiva e com o artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva [98/34], conforme alterada pela Diretiva [98/48], ser interpretado no sentido de que a expressão ‘normalmente mediante remuneração’ significa que o tribunal nacional deve determinar se:

a)      O interessado concreto que invoca a qualidade de prestador de serviços oferece normalmente estes serviços concretos mediante remuneração, ou

b)      Se há sequer no mercado prestadores que oferecem estes serviços ou serviços semelhantes mediante remuneração, ou

c)      Se a maior parte destes serviços ou de serviços semelhantes são prestados mediante remuneração?

2)      Deve o artigo 12.°, n.° 1, [...] da Diretiva [2000/31] ser interpretado no sentido de que a expressão ‘facultar o acesso a uma rede de comunicações’ significa que, para haver um fornecimento de acesso para efeitos da diretiva, apenas interessa que se verifique um resultado, designadamente que seja facultado acesso a uma rede de comunicações (p. ex., à Internet)?

3)      Deve o artigo 12.°, n.° 1, [...] da Diretiva [2000/31], conjugado com o artigo 2.°, alínea b), da mesma diretiva, ser interpretado no sentido de que para ‘prestar’, na aceção do artigo 2.°, alínea b), da mesma diretiva, é suficiente que o serviço da sociedade de informação seja de facto disponibilizado, isto é, que num caso concreto seja posta à disposição uma WLAN (rede local wifi) aberta, ou também é necessário que haja, por exemplo, a respetiva ‘promoção’?

4)      Deve o artigo 12.°, n.° 1, [...] da Diretiva [2000/31], ser interpretado no sentido de que a expressão ‘a responsabilidade do prestador não possa ser invocada no que respeita às informações transmitidas’ significa que quaisquer direitos de ação para cessação de infrações, reparação de danos, pagamento de despesas de interpelação ou custas judiciais dos lesados por uma violação de direitos de autor contra o fornecedor do acesso, estão excluídos por princípio, ou pelo menos em relação a uma primeira violação declarada dos direitos de autor?

5)      Deve o artigo 12.°, n.° 1, [da Diretiva 2000/31], conjugado com o artigo 12.°, n.° 3, da mesma diretiva, ser interpretado no sentido de que os Estados‑Membros não devem permitir que os tribunais nacionais, numa ação intentada contra o fornecedor do acesso, profiram decisões que determinem que este último deve cessar, no futuro, a disponibilização concedida a terceiros para, através de uma ligação concreta à Internet, colocarem à disposição, em plataformas de partilha de ficheiros para consulta eletrónica, uma determinada obra protegida por direitos de autor?

6)      Deve o artigo 12.°, n.° 1, [...] da Diretiva [2000/31] ser interpretado no sentido de que, nas circunstâncias do processo principal, a norma do artigo 14.°, n.° 1, alínea b), da mesma diretiva se deve aplicar por analogia numa ação para cessação de uma infração?

7)      Deve o artigo 12.°, n.° 1, [...] da Diretiva [2000/31], conjugado com o artigo 2.°, alínea b), da mesma diretiva, ser interpretado no sentido de que os requisitos exigíveis a um prestador de serviços se limitam ao facto de que um prestador de serviços é qualquer pessoa, singular ou coletiva, que preste um serviço do âmbito da sociedade da informação?

8)      No caso de o Tribunal de Justiça responder negativamente à sétima questão, quais os requisitos adicionais que, à luz do artigo 2.°, alínea b), da Diretiva [2000/31], devem ser impostos a um prestador de serviços?

9)      a)     Deve o artigo 12.°, n.° 1, [...] da Diretiva [2000/31], atendendo ao princípio da proteção da propriedade intelectual em vigor, que resulta do direito de propriedade (artigo 17.°, n.° 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia [a seguir ‘Carta’]), bem como às normas constantes das [Diretivas 2001/29 e 2004/48], e atendendo à liberdade de informação e ao princípio da liberdade de empresa consagrado no direito da União (artigo 16.° da [Carta]), ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma decisão proferida por um tribunal nacional num processo principal em que o fornecedor de acesso é condenado, sob pena de sanções pecuniárias compulsórias, a deixar de possibilitar a terceiros, através de uma ligação concreta à Internet, a disponibilização de uma determinada obra protegida por direitos de autor, ou de partes da mesma, para consulta eletrónica numa plataforma de troca de ficheiros, deixando ao fornecedor do acesso a escolha dos meios técnicos que utiliza em concreto para cumprir a decisão do tribunal?

b)      Aplica‑se a mesma regra quando, na prática, o fornecedor de acesso só pode cumprir a proibição do tribunal bloqueando a ligação à Internet ou sujeitando ao uso de uma senha de proteção ou verificando se, na totalidade da comunicação nela transmitida, determinada obra protegida por direito de autor é novamente transmitida de modo ilegal, o que já é evidente desde o início e não se verifica pela primeira vez no processo de execução de prestação de facto ou de infração?»

29.      A decisão de reenvio, com data de 18 de setembro de 2014, deu entrada na secretaria do Tribunal de Justiça em 3 de novembro de 2014. Foram apresentadas observações escritas pelas partes no processo principal, pelo Governo polaco e pela Comissão Europeia.

30.      As partes no processo principal e a Comissão participaram igualmente na audiência, realizada em 9 de dezembro de 2015.

V –    Análise

31.      As questões prejudiciais podem ser reagrupadas em função das duas problemáticas que suscitam.

32.      Por um lado, através das suas primeira a terceira questões, o órgão jurisdicional de reenvio pretende determinar se um profissional como o que está em causa no processo principal, que, no âmbito das suas atividades, explora uma rede Wi‑Fi pública e gratuita, é abrangido pelo artigo 12.° da Diretiva 2000/31.

33.      Por outro lado, para o caso de o artigo 12.° da Diretiva 2000/31 se aplicar, o órgão jurisdicional de reenvio pede ao Tribunal de Justiça, através das suas quarta a nona questões, que interprete a limitação da responsabilidade do prestador intermediário prevista nessa disposição.

A –    Quanto ao âmbito de aplicação do artigo 12.° da Diretiva 2000/31

34.      Através das suas três primeiras questões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se um profissional que, no âmbito das suas atividades, explora uma rede Wi‑Fi pública e gratuita, deve ser considerado um prestador de um serviço que consiste em facultar um acesso à rede de comunicações, na aceção do artigo 12.°, n.° 1, da Diretiva 2000/31.

35.      O órgão jurisdicional de reenvio levanta duas questões a este respeito, relativas, por um lado, à natureza económica desse serviço e, por outro, ao facto de o explorador de uma rede Wi‑Fi poder simplesmente colocá‑la à disposição do público, sem se apresentar explicitamente aos potenciais utilizadores como um prestador de serviços.

1.      Serviço «de natureza económica» (primeira questão)

36.      No que respeita ao conceito de «serviço», o artigo 2.°, alínea a), da Diretiva 2000/31 remete para o artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 98/34 (10), que visa «qualquer serviço da sociedade da informação, isto é, qualquer serviço prestado normalmente mediante remuneração, à distância, por via eletrónica e mediante pedido individual de um destinatário de serviços».

37.      A condição de o serviço em questão ser prestado «normalmente mediante remuneração» provém do artigo 57.° TFUE e reflete a consideração, bem assente na jurisprudência, segundo a qual só os serviços de natureza económica são abrangidos pelas disposições do Tratado FUE relativas ao mercado interno (11).

38.      Segundo jurisprudência assente, os conceitos de atividade económica e de prestação de serviços devem ser objeto de uma interpretação ampla (12).

39.      A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a natureza económica da prestação em causa, embora indicando que, na sua opinião, a colocação à disposição de um acesso à Internet, ainda que de forma não remunerada, é uma atividade económica, dado que o fornecimento de tal acesso constitui normalmente uma prestação fornecida mediante remuneração.

40.      Observo, tal como foi salientado pelo órgão jurisdicional de reenvio e, com exceção da Sony Music, pela maioria das partes e interessados, que o fornecimento de acesso à Internet constitui normalmente uma atividade económica. Isto vale igualmente para o fornecimento de tal acesso através de uma rede Wi‑Fi.

41.      Na minha opinião, quando um operador económico propõe tal acesso ao público no âmbito das suas atividades, mesmo de forma não remunerada, fornece, embora a título acessório relativamente à sua atividade principal, um serviço de natureza económica.

42.      O próprio facto de explorar uma rede Wi‑Fi aberta ao público, relacionado com outra atividade económica, inscreve‑se necessariamente num contexto económico.

43.      A este respeito, o acesso à Internet pode constituir uma forma de marketing que permite atrair e fidelizar os clientes. Uma vez que contribui para o exercício da atividade principal, o facto de o prestador de serviços não ser diretamente remunerado pelos destinatários não é determinante. Segundo jurisprudência constante, a condição da contrapartida económica prevista no artigo 57.° TFUE não exige que o serviço seja pago diretamente pelos que dele beneficiam (13).

44.      O argumento da Sony Music, através do qual contesta o facto de se tratar de um serviço proposto «normalmente» mediante remuneração, não me convence.

45.      É certo que um acesso à Internet é frequentemente disponibilizado, por um hotel ou um bar, de forma não remunerada. Todavia, esta circunstância não exclui de modo algum que a prestação em questão seja acompanhada de uma contrapartida económica integrada no preço dos outros serviços.

46.      Ora, não vejo por que razão o fornecimento do acesso à Internet deveria ser encarado de forma diferente relativamente a outras atividades económicas.

47.      Assim, no caso em apreço, T. Mc Fadden indica que explorou a rede Wi‑Fi, inicialmente sob o nome «mcfadden.de», de modo a chamar a atenção dos clientes das lojas adjacentes e dos passantes para a sua empresa especializada em técnicas de luz e de som, e a incitá‑los a visitar a sua loja ou o seu sítio Internet.

48.      Na minha opinião, o fornecimento de um acesso à Internet nestas circunstâncias inscreve‑se num contexto económico, ainda que seja disponibilizado de forma não remunerada.

49.      Além disso, embora resulte da decisão de reenvio que, por ocasião dos factos do litígio no processo principal, T. Mc Fadden alterou provavelmente o nome da sua rede Wi‑Fi para «Freiheitstattangst.de» («a liberdade, não o medo»), para manifestar o seu apoio à luta contra a vigilância do Estado sobre a Internet, esta mera circunstância não influi sobre a qualificação desta atividade como «económica». A alteração do nome da rede Wi‑Fi não me parece decisiva quando se trata, em qualquer caso, de uma rede explorada no estabelecimento comercial de T. Mc Fadden.

50.      Por outro lado, uma vez que T. Mc Fadden explorou a rede Wi‑Fi aberta ao público no âmbito da sua empresa, não é necessário examinar se o âmbito de aplicação da Diretiva 2000/31 poderia abranger igualmente tal atividade de exploração de uma rede quando a mesma é desprovida de qualquer outro contexto económico (14).

2.      Serviço que consiste em «facultar» um acesso à rede (segunda e terceira questões)

51.      O conceito de «serviço da sociedade da informação» abrange, nos termos do artigo 12.°, n.° 1, da Diretiva 2000/31, qualquer atividade económica que consista na colocação à disposição de um acesso a uma rede de comunicações, o que abrange a exploração de uma rede Wi‑Fi pública com acesso à Internet (15).

52.      Na minha opinião, o verbo «facultar» implica apenas que a atividade em questão permite o acesso do público a uma rede, inscrevendo‑se, simultaneamente, num contexto económico.

53.      Com efeito, a qualificação de uma determinada atividade como «serviço» tem caráter objetivo. Não é necessário, portanto, na minha opinião, que a pessoa em questão se apresente ao público como prestador, ou que promova explicitamente a sua atividade junto de potenciais clientes.

54.      Por outro lado, e em conformidade com a jurisprudência relativa ao artigo 8.°, n.° 3, da Diretiva 2001/29, o facto de prestar um serviço intermédio deve ser entendido em sentido amplo e não exige a existência de um vínculo contratual entre o prestador de serviços e os utilizadores (16). Observo que a questão da existência de relações contratuais é do âmbito exclusivo do direito nacional.

55.      Resulta, todavia, da sétima questão prejudicial que o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto a este último aspeto, devido ao facto de a versão alemã do artigo 2.°, alínea b), da Diretiva 2000/31, que define o conceito de «prestador de serviços» («Diensteanbieter»), se referir a uma pessoa que «presta» («anbietet») um serviço, utilizando uma expressão que poderia ser entendida no sentido de implicar uma promoção ativa de um serviço junto dos clientes.

56.      Ora, tal leitura da expressão «prestar [um serviço]», além de não ser suportada por outras versões linguísticas (17), não me parece justificada pela jurisprudência relativa ao artigo 56.° TFUE, que assenta numa interpretação ampla do conceito de serviço e não inclui esta condição de promoção ativa (18).

3.      Conclusão intercalar

57.      Em face do exposto, considero que os artigos 2.°, alíneas a) e b), e 12.°, n.° 1, da Diretiva 2000/31 devem ser interpretados no sentido de que se aplicam a uma pessoa que, de modo acessório relativamente à sua atividade económica principal, explora uma rede Wi‑Fi com uma ligação à Internet, aberta ao público e gratuita.

B –    Interpretação do artigo 12.° da Diretiva 2000/31

1.      Observações preliminares

58.      Gostaria de esquematizar a problemática, relativamente complexa, suscitada pela quarta a nona questões.

59.      As quarta e quinta questões, que proponho examinar conjuntamente, respeitam à delimitação da responsabilidade de um prestador de serviços de simples transporte, conforme resulta do artigo 12.°, n.os 1 e 3, da Diretiva 2000/31.

60.      O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, nomeadamente, sobre a possibilidade de condenar o prestador intermediário relativamente aos pedidos de cessação, de indemnização e de imputação das despesas extrajudiciais e das custas, no caso de uma violação do direito de autor cometida por um terceiro. Além disso, pretende saber se um órgão jurisdicional nacional pode ordenar ao prestador intermediário que se abstenha de atos que permitam a terceiros cometer a violação em questão.

61.      Para o caso de não poder ser contemplada nenhuma ação efetiva contra o prestador intermediário, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a possibilidade de limitar o alcance do artigo 12.° da Diretiva 2000/31 mediante uma aplicação por analogia da condição prevista no artigo 14.°, n.° 1, alínea b), da mesma diretiva (sexta questão) ou mediante outras condições não escritas (sétima e oitava questões).

62.      A nona questão respeita, por sua vez, aos limites da injunção que pode ser proferida contra um prestador intermediário. Para lhe dar uma resposta útil, convirá fazer referência não só aos artigos 12.° e 15.° da Diretiva 2000/31, como também às disposições relativas às injunções contidas nas Diretivas 2001/29 e 2004/48 em matéria de proteção da propriedade intelectual, bem como aos direitos fundamentais subjacentes ao equilíbrio estabelecido pelo conjunto destas disposições.

2.      Alcance da responsabilidade do prestador intermediário (quarta e quinta questões)

63.      O artigo 12.°, n.° 1, da Diretiva 2000/31 limita a responsabilidade de um prestador de um serviço de simples transporte por uma atividade ilícita iniciada por um terceiro em consequência das informações transmitidas.

64.      Como resulta dos trabalhos preparatórios deste ato legislativo, a limitação em questão abrange, do modo horizontal, qualquer forma de responsabilidade por atos ilícitos de qualquer tipo. Trata‑se, portanto, da responsabilidade tanto penal ou administrativa como civil e da responsabilidade tanto direta como secundária, pelos atos cometidos por terceiros (19).

65.      Nos termos do artigo 12.°, n.° 1, alíneas a) a c), da Diretiva 2000/31, esta limitação aplica‑se sob reserva de três condições cumulativas, a saber, que o prestador do serviço de simples transporte não esteja na origem da transmissão, que não selecione o destinatário da transmissão e que não selecione nem modifique as informações que são objeto da transmissão.

66.      Assim, nos termos do considerando 42 da Diretiva 2000/31, as derrogações em matéria de responsabilidade respeitam apenas à atividade puramente técnica, automática e passiva, o que implica que o prestador de serviços não tem conhecimento nem controlo da informação transmitida ou armazenada.

67.      As questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio assentam no pressuposto de que estas condições estão preenchidas no caso em apreço.

68.      Observo que decorre da leitura conjugada dos n.os 1 e 3 do artigo 12.° da Diretiva 2000/31 que as disposições em questão limitam a responsabilidade de um prestador intermediário relativamente às informações transmitidas, mas não o protegem das injunções judiciais.

69.      De igual modo, segundo o considerando 45 da Diretiva 2000/31, as limitações da responsabilidade dos prestadores de serviços intermediários não prejudicam a possibilidade de medidas inibitórias, que podem consistir, designadamente, em decisões judiciais ou administrativas que exijam a cessação ou a prevenção de qualquer infração.

70.      O artigo 12.° da Diretiva 2000/31, lido no seu conjunto, opera, portanto, uma distinção entre as ações de responsabilidade civil e as de injunção, que deve ser tomada em conta ao demarcar os limites da responsabilidade traçados por este artigo.

71.      No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a possibilidade de condenar o prestador intermediário, pela sua responsabilidade indireta («Störerhaftung»), relativamente aos seguintes pedidos:

–        Proibição judicial, sob cominação de sanções pecuniárias compulsórias, no sentido de não permitir a terceiros violar a obra específica protegida;

–        Condenação numa indemnização por perdas e danos;

–        Reembolso das despesas de interpelação, a saber, despesas extrajudiciais relativas à interpelação que constitui um procedimento obrigatório anterior à ação judicial destinada a obter uma proibição, e

–        Condenação nas custas incorridas perante um órgão jurisdicional no âmbito da ação destinada a obter a proibição e a condenação numa indemnização.

72.      O próprio órgão jurisdicional de reenvio considera que, nos termos do artigo 12.°, n.° 1, da Diretiva 2000/31, T. Mc Fadden não pode ser considerado responsável para com a Sony Music, no que respeita a todos estes pedidos, por não ser responsável pelas informações transmitidas por terceiros. A este respeito, analisarei, em primeiro lugar, a possibilidade de pedir condenações pecuniárias, no caso em apreço o pagamento de uma indemnização, das despesas extrajudiciais e das custas e, em segundo lugar, a possibilidade de pedir uma injunção acompanhada de uma sanção pecuniária compulsória.

a)      Pedido de indemnização e outros pedidos pecuniários

73.      Recordo que o artigo 12.°, n.° 1, da Diretiva 2000/31 limita a responsabilidade civil de um prestador intermediário, excluindo qualquer ação de indemnização baseada em qualquer forma de responsabilidade civil (20).

74.      Na minha opinião, esta limitação abrange não só o pedido de indemnização como também qualquer outro pedido pecuniário que implique uma declaração de responsabilidade por violação do direito de autor em resultado das informações transmitidas, tais como os pedidos relativos ao reembolso das despesas extrajudiciais ou das custas judiciais.

75.      A este respeito, não estou convencido da pertinência do argumento da Sony Music, segundo o qual seria equitativo fazer suportar as despesas decorrentes da violação «por quem a cometeu».

76.      Nos termos do artigo 12.° da Diretiva 2000/31, o prestador de serviços de simples transporte não pode ser considerado responsável por uma violação de um direito de autor cometida em consequência das informações transmitidas. Por conseguinte, não pode ser condenado nas despesas extrajudiciais nem nas custas incorridas judicialmente relativas a tal violação, que não lhe pode ser imputada.

77.      Observo, além disso, que a condenação nas despesas extrajudiciais e nas custas relativas a tal violação seria suscetível de pôr em causa o objetivo prosseguido pelo artigo 12.° da Diretiva 2000/31, no sentido de não limitar indevidamente o exercício da atividade em questão. A condenação nas despesas de interpelação e nas custas tem potencialmente o mesmo efeito penalizante que a condenação numa indemnização e pode, do mesmo modo, obstruir o desenvolvimento dos serviços intermédios em questão.

78.      É certo que o artigo 12.°, n.° 3, da Diretiva 2000/31 prevê a possibilidade de um tribunal ou autoridade administrativa sujeitar o prestador intermediário a certas obrigações na sequência de uma violação, nomeadamente através de uma injunção.

79.      Todavia, na perspetiva do artigo 12.°, n.° 1, desta Diretiva, uma decisão judicial ou administrativa que sujeite o prestador a certas obrigações não pode, todavia, fundar‑se na declaração da responsabilidade deste. O prestador intermediário não pode ser responsabilizado por não ter prevenido uma violação eventual por sua própria iniciativa ou por ter violado uma obrigação de bonus pater familias. A sua responsabilidade não pode ser invocada antes de ser sujeito a uma obrigação específica prevista no artigo 12.°, n.° 3, da Diretiva 2000/31.

80.      No caso em apreço, na minha opinião, o artigo 12.°, n.° 1, da Diretiva 2000/31 opõe‑se, portanto, à condenação do prestador intermediário não só numa indemnização por perdas e danos como também nas despesas de interpelação e nas custas relacionadas com a violação do direito de autor cometida por um terceiro, em consequência das informações transmitidas.

b)      Injunção

81.      A obrigação dos Estado‑Membro de prever injunções contra um prestador intermediário decorre do artigo 8.°, n.° 3, da Diretiva 2001/29, bem como de uma disposição essencialmente idêntica do artigo 11.°, terceira frase, da Diretiva 2004/48.

82.      A possibilidade de adotar uma injunção contra um intermediário, fornecedor de acesso à Internet, cujos serviços são utilizados por um terceiro para violar um direito de autor ou direitos conexos, decorre igualmente da jurisprudência relativa a estas duas diretivas (21).

83.      A diretiva 2001/29, em conformidade com o seu considerando 16, não prejudica as disposições da Diretiva 2000/31. Todavia, por força do artigo 12.°, n.° 3, da Diretiva 2000/31, a limitação de responsabilidade do prestador intermediário não afeta, por sua vez, a possibilidade de ações de cessação destinadas a obrigar esse intermediário a pôr termo a uma violação ou a preveni‑la (22).

84.      Daqui decorre que o artigo 12.°, n.os 1 e 3, da Diretiva 2000/31 não se opõe a que seja proferida uma injunção contra um prestador de serviços de simples transporte.

85.      Além disso, as condições e as modalidades de tais injunções são estabelecidas pelo direito nacional (23).

86.      Recordo, todavia, que, por força do artigo 12.°, n.° 1, da Diretiva 2000/31, a adoção de uma injunção não pode implicar a declaração da responsabilidade civil do prestador intermediário, sob qualquer forma que seja, por um violação do direito de autor cometida em consequência das informações transmitidas.

87.      Além disso, o artigo 12.° desta diretiva, conjugado com outras disposições pertinentes do direito da União, traça certos contornos destas injunções, que examinarei no âmbito da análise da nona questão prejudicial.

c)      Sanção relativa a uma injunção

88.      Para dar uma resposta útil às questões submetidas, convém ainda determinar se o artigo 12.° da Diretiva 2000/31 limita a responsabilidade do prestador intermediário no que respeita a uma sanção por violação de uma injunção.

89.      Decorre da decisão de reenvio que a proibição judicial contemplada no processo principal seria acompanhada de uma sanção pecuniária compulsória, cujo montante pode ir até 250 000 euros, transformável em pena privativa da liberdade. Uma condenação nestes termos é reservada ao caso de violação dessa proibição.

90.      A este respeito, considero que, embora o artigo 12.°, n.° 1, da Diretiva 2000/31 exclua qualquer condenação de um prestador intermediário pela violação do direito de autor cometida em consequência das informações transmitidas, esta disposição não limita a sua responsabilidade pela violação de uma injunção proferida relativamente a tal violação.

91.      Na medida em que se trata de uma responsabilidade acessória à ação de cessação, cujo objetivo se limita a assegurar a eficácia da injunção, é abrangida pelo artigo 12.°, n.° 3, da Diretiva 2000/31, segundo o qual um tribunal tem o direito de obrigar o prestador intermediário a pôr termo a uma violação ou a preveni‑la.

d)      Conclusão intercalar

92.      Em face do exposto, considero que o artigo 12.°, n.os 1 e 3, da Diretiva 2000/31 se opõe à condenação de um prestador de serviços de simples transporte por qualquer pedido que implique a declaração da sua responsabilidade civil. Este artigo opõe‑se, portanto, à condenação do prestador intermediário não só numa indemnização como também nas despesas de interpelação e nas custas relacionadas com a violação do direito de autor cometida por um terceiro, em consequência das informações transmitidas. Este mesmo artigo não se opõe à adoção de uma injunção, que pode ser acompanhada de uma sanção pecuniária compulsória.

3.      Eventuais condições adicionais relativas à limitação da responsabilidade (sexta a oitava questões)

93.      Observo que, através das suas sexta, sétima e oitava questões, o órgão jurisdicional de reenvio parecer partir da premissa de que o artigo 12.° da Diretiva 2000/31 exclui qualquer ação contra um prestador intermediário. Interroga‑se, consequentemente, sobre a compatibilidade de tal situação com um justo equilíbrio entre os diferentes interesses em jogo, enunciado no considerando 41 da Diretiva 2000/31.

94.      Parece, portanto, que é por esta razão que o órgão jurisdicional de reenvio interroga o Tribunal de Justiça sobre a possibilidade de limitar o alcance do artigo 12.° da Diretiva 2000/31, através da aplicação por analogia da condição prevista no artigo 14.°, n.° 1, alínea b), da Diretiva 2000/31 (sexta questão) ou pela imposição de outra condição não prevista por esta mesma diretiva (sétima e oitava questões).

95.      Pergunto‑me se estas questões prejudiciais continuam a ser pertinentes no caso de o Tribunal de Justiça decidir, como proponho, que o artigo 12.° da Diretiva 2000/31 permite, em princípio, a adoção de uma injunção contra um prestador intermediário.

96.      Em qualquer caso, considero que as presentes questões, ao contemplarem a possibilidade de limitar a aplicação do artigo 12.° da Diretiva 2000/31 através de certas condições suplementares, requerem desde já uma resposta negativa.

97.      O artigo 12.°, n.° 1, alíneas a) a c), da Diretiva 2000/31 submete a limitação da responsabilidade de um prestador de serviços de simples transporte a certas condições cumulativas mas taxativas (24). Parece‑me que os termos explícitos desta disposição excluem que se acrescentem outras condições para a sua aplicação.

98.      Assim, no que respeita à sexta questão, que evoca a possibilidade de aplicação por analogia da condição prevista no artigo 14.°, n.° 1, alínea b), da Diretiva 2000/31, observo que esta disposição prevê que um prestador de serviços de armazenagem em servidor («hosting») não é responsável pelas informações armazenadas desde que atue com diligência no sentido de as retirar ou impossibilitar o acesso às mesmas a partir do momento em que tenha conhecimento da atividade ilícita.

99.      Recordo, a este respeito, que os artigos 12.° a 14.° da Diretiva 2000/31 respeitam a três categorias de atividades distintas e subordinam a limitação da responsabilidade do prestador a condições diferentes, atendendo à natureza de cada atividade em questão. Uma vez que uma aplicação por analogia teria como efeito equiparar as condições de responsabilidade relativas a estas atividades, claramente distinguidas pelo legislador, violaria a economia destas disposições.

100. Assim é, por maioria de razão, no processo principal, na medida em que, como a Comissão observa, a atividade de simples transporte prevista no artigo 12.° da Diretiva 2000/31, que se limita a transmitir informações, se distingue, pela sua natureza, da prevista no artigo 14.° da mesma diretiva, que consiste em armazenar informações fornecidas por um destinatário do serviço. Esta última atividade implica um certo grau de envolvimento na armazenagem das informações e, assim, um certo grau de controlo, o que explica a situação prevista no artigo 14.°, n.° 1, alínea b), da Diretiva 2000/31, segundo a qual não se pode excluir que o prestador do serviço de armazenagem tome conhecimento de circunstâncias indicativas de uma atividade ilícita e que deve agir por sua própria iniciativa a este respeito.

101. No que respeita às sétima e oitava questões, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a questão de saber se as condições previstas no artigo 12.°, n.° 1, da Diretiva 2000/31, bem como as que resultam das definições contidas no artigo 2.°, alíneas a), b) e d), da mesma diretiva, poderiam ser completadas por outras condições não escritas.

102. Resulta da decisão de reenvio que uma condição adicional poderia ser, por exemplo, a exigência de um nexo estreito entre a atividade económica principal e o fornecimento de um acesso gratuito à Internet no âmbito dessa atividade.

103. Recordo que resulta da letra do artigo 12.°, n.° 1, da Diretiva 2000/31 que as três condições relativas à sua aplicação são taxativas. Na medida em que as presentes questões respeitam à interpretação dos conceitos de serviço e de atividade económica, permito‑me remeter para a minha análise relativa às três primeiras questões (25).

104. À luz destas observações, considero que as condições previstas no artigo 12.°, n.° 1, alíneas a) a c), da Diretiva 2000/31 são taxativas e não permitem a aplicação analógica da condição prevista no artigo 14.°, n.° 1, alínea b), da mesma diretiva nem de outras condições adicionais.

4.      Alcance da injunção (nona questão)

105. Através da sua nona questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta ao Tribunal de Justiça se o artigo 12.°, n.° 1, da Diretiva 2000/31, atendendo a outras disposições do direito da União que envolvem a sua aplicação, se opõe a uma proibição judicial que impõe ao prestador intermediário que se abstenha, no futuro, de permitir que terceiros violem uma determinada obra protegida, através da sua ligação à Internet, quando esta proibição deixa ao prestador a escolha dos meios técnicos a adotar [nona questão, alínea a)]. Interroga‑se, além disso, sobre a questão de saber se tal injunção é conforme à disposição em causa, quando se demonstre desde o início que o destinatário só poderá, na prática, respeitar a proibição judicial bloqueando a ligação à Internet, protegendo‑a por uma senha ou examinando todas as comunicações transmitidas através dessa ligação [nona questão, alínea b)].

a)      Limites da injunção

106. Como resulta da minha análise das quarta e quinta questões, o artigo 12.° da Diretiva 2000/31 não se opõe, em princípio, à adoção de injunções, tais como as previstas no artigo 8.°, n.° 3, da Diretiva 2001/29 e no artigo 11.°, terceira frase, da Diretiva 2004/48, contra um prestador de serviços de simples transporte.

107. Ao adotar tal medida, um órgão jurisdicional nacional deve, todavia, tomar em conta as limitações decorrentes destas disposições.

108. A este respeito, as medidas previstas em aplicação do artigo 8.°, n.° 3, da Diretiva 2001/29 e do artigo 11.°, terceira frase, da Diretiva 2004/48 devem, atendendo ao artigo 3.° desta última diretiva, ser justas e equitativas, não devem ser desnecessariamente complexas ou onerosas, nem comportar prazos que não sejam razoáveis ou implicar atrasos injustificados. Devem, além disso, ser eficazes, proporcionadas e dissuasivas e ser aplicadas de modo a evitar a criação de obstáculos ao comércio lícito e a prever salvaguardas contra os abusos (26). A adoção de uma injunção judicial necessita, além disso, de uma ponderação dos interesses das partes em questão (27).

109. Por outro lado, uma vez que a aplicação da Diretiva 2001/29 não deve prejudicar a aplicação da Diretiva 2000/31, o órgão jurisdicional nacional, ao adotar uma injunção contra um prestador de serviços de simples transporte, deve tomar em conta as limitações decorrentes desta última diretiva (28).

110. A este respeito, resulta dos artigos 12.°, n.° 3, e 15.°, n.° 1, da Diretiva 2000/31 que as obrigações impostas a esse prestador no âmbito de uma medida inibitória devem visar pôr termo a uma violação ou prevenir uma violação específica e não podem incluir uma obrigação geral de vigilância.

111. Ao aplicar estas disposições, convém igualmente tomar em conta os princípios e os direitos fundamentais protegidos pelo direito da União, em especial a liberdade de expressão e de informação bem como a liberdade de empresa, consagradas, respetivamente, nos artigos 11.° e 16.° da Carta (29).

112. Na medida em que são introduzidas limitações a estes direitos fundamentais como o objetivo de dar execução ao direito à proteção da propriedade intelectual, consagrado no artigo 17.°, n.° 2, da Carta, a sua apreciação implica que se procure um justo equilíbrio entre os direitos fundamentais em jogo (30).

113. Os mecanismos que permitem encontrar esse equilíbrio estão, por um lado, inscritos nas próprias Diretivas 2001/29 e 2000/31, na medida em que preveem certos limites às medidas adotadas contra o intermediário. Por outro lado, esses mecanismos devem resultar da aplicação do direito nacional (31), designadamente porque é este direito que determina as modalidades específicas relativas às ações de cessação.

114. A este respeito, compete às autoridades e aos órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros não só interpretar o seu direito nacional em conformidade com as referidas diretivas mas também zelar por que seja seguida uma interpretação destas que não entre em conflito com os referidos direitos fundamentais aplicáveis (32).

115. Atendendo a estas considerações, ao adotar uma injunção contra um prestador intermediário, o órgão jurisdicional nacional é obrigado a assegurar‑se de que:

–        As medidas em questão são conformes com o artigo 3.° da Diretiva 2004/48 e, nomeadamente, que são eficazes, proporcionadas e dissuasivas,

–        São destinadas a fazer cessar uma violação específica ou a preveni‑la e não implicam uma obrigação geral de vigilância, em conformidade com os artigos 12.°, n.° 3, e 15.°, n.° 1, da Diretiva 2000/31,

–        A aplicação destas disposições, bem como de outras modalidades previstas pelo direito nacional, respeita um justo equilíbrio entre os direitos fundamentais aplicáveis, em particular os protegidos, por um lado, pelos artigos 11.° e 16.° bem como, por outro, pelo artigo 17.°, n.° 2, da Carta.

b)      Compatibilidade de uma injunção formulada em termos gerais

116. O órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o artigo 12.° da Diretiva 2000/31 não se opõe a uma injunção que comporte uma proibição formulada em termos gerais, que deixe ao destinatário a escolha das medidas concretas a adotar.

117. Assim, a medida contemplada no processo principal consistiria em ordenar ao prestador intermediário que se abstivesse no futuro de permitir a terceiros que colocassem à disposição, através de uma ligação à Internet concreta, uma determinada obra protegida, para consulta em linha numa plataforma de troca de ficheiros. A questão da escolha dos meios técnicos ficaria em aberto.

118. Observo que uma proibição formulada em termos gerais, sem ordenar medidas concretas, constitui potencialmente uma fonte de insegurança jurídica importante para o seu destinatário. A possibilidade de o destinatário demonstrar, num processo relativo a uma alegada violação da injunção, que tomou todas as medidas razoáveis não pode colmatar inteiramente esta insegurança.

119. Além disso, uma vez que a escolha das medidas adequadas a adotar implica a procura de um justo equilíbrio entre os diferentes direitos fundamentais, esta função deve ser assumida por um órgão jurisdicional e não pode ser inteiramente devolvida ao destinatário da injunção (33).

120. É certo que o Tribunal de Justiça já declarou que uma injunção contra um fornecedor de acesso à Internet que deixa ao seu destinatário a responsabilidade de determinar as medidas concretas a tomar é, em princípio, compatível com o direito da União (34).

121. Esta solução assenta, nomeadamente, no fundamento segundo o qual uma injunção formulada de modo geral tem a vantagem de permitir ao destinatário escolher as medidas que melhor se adaptem aos recursos e às capacidades de que dispõe e que sejam compatíveis com as suas restantes obrigações legais (35).

122. Não me parece, todavia, que este raciocínio seja transponível nos casos, como o processo principal, em que está em debate a própria existência das medidas adequadas a tomar.

123. A possibilidade de escolher as medidas mais adequadas pode, em certas condições, ser compatível com o interesse do destinatário da injunção, mas não é esse o caso quando essa escolha seja uma fonte de insegurança jurídica. Em tais condições, deixar inteiramente ao destinatário a responsabilidade pela escolha das medidas adequadas a adotar poria em causa o equilíbrio entre os direitos e os interesses em questão.

124. Considero, portanto, que, embora o artigo 12.°, n.° 3, da Diretiva 2000/31 e o artigo 8.°, n.° 3, da Diretiva 2001/29 não se oponham, em princípio, à adoção de uma injunção que deixe ao destinatário a escolha das medidas concretas a adotar, compete, todavia, ao órgão jurisdicional nacional ao qual seja submetido um pedido de injunção assegurar‑se da existência de medidas adequadas, conformes às limitações que decorrem do direito da União.

c)      Compatibilidade com o direito da União das medidas previstas no caso em apreço

125. O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, seguidamente, sobre a questão de saber se as três medidas evocadas na nona questão, alínea b), a saber, o bloqueio da ligação à Internet, a sua proteção por uma senha ou a vigilância de todas as comunicações transmitidas através dessa ligação, podem ser consideradas compatíveis com a Diretiva 2000/31.

126. A este respeito, embora a aplicação das limitações que decorrem das Diretivas 2001/29 e 2000/31, bem como da exigência de um justo equilíbrio entre os direitos fundamentais, seja, no caso, da competência do órgão jurisdicional nacional, o Tribunal de Justiça pode, todavia, fornecer indicações úteis.

127. Assim, no acórdão Scarlet Extended (36), o Tribunal de Justiça declarou que as disposições pertinentes das Diretivas 2001/29 e 2000/31, atendendo aos direitos fundamentais aplicáveis, se opõem a uma injunção contra um fornecedor de acesso à Internet no sentido de introduzir um sistema de filtragem, aplicável a todas as comunicações eletrónicas, relativamente a todos os seus clientes, a título preventivo, a sua expensas e sem limitação temporal.

128. No acórdão SABAM (37), o Tribunal de Justiça declarou que as referidas disposições do direito da União se opõem a uma injunção análoga, contra um prestador de serviços de armazenagem.

129. No acórdão UPC Telekabel Wien (38), o Tribunal de Justiça declarou que estas disposições não se opõem, em determinadas condições, a uma medida que obrigue um fornecedor de acesso à Internet a bloquear o acesso dos utilizadores a um sítio Internet específico.

130. Considero que, no caso em apreço, se impõe, desde já, a incompatibilidade com o direito da União das primeira e terceira hipóteses evocadas pelo órgão jurisdicional de reenvio.

131. Com efeito, uma medida que ordene o bloqueio da ligação à Internet é manifestamente incompatível com a exigência de um justo equilíbrio entre os direitos fundamentais, uma vez que lesa o conteúdo essencial do direito à liberdade de empresa da pessoa que, embora a título acessório, exerce uma atividade económica que consiste em fornecer acesso à Internet (39). Tal medida seria, aliás, contrária ao artigo 3.° da Diretiva 2004/48, por força do qual o órgão jurisdicional que profere a injunção deve assegurar que as medidas definidas não criem obstáculos ao comércio lícito (40).

132. No que respeita à medida que obrigasse o proprietário da ligação à Internet a examinar todas as comunicações transmitidas através dessa ligação, violaria manifestamente a proibição da obrigação de vigilância geral, prevista no artigo 15.°, n.° 1, da Diretiva 2000/31. Com efeito, para constituir uma obrigação de vigilância «em casos específicos» (41), aceitável ao abrigo dessa disposição, a medida em questão deve ser limitada relativamente ao objeto e à duração da vigilância, o que não é o caso de uma medida que consista em examinar todas as comunicações que passem pela rede (42).

133. O presente debate concentra‑se, assim, na segunda hipótese, a de saber se o explorador de uma rede Wi‑Fi pública pode ser obrigado, por injunção, a proteger o acesso à sua rede.

d)      Compatibilidade da obrigação de proteção da rede Wi‑Fi

134. A questão em causa junta‑se ao debate presente em muitos Estados‑Membros, relativo ao caráter adequado da obrigação de proteção da rede Wi‑Fi, como o objetivo de proteção da propriedade intelectual (43). Este debate afeta, em particular, as pessoas que são assinantes de um acesso à Internet e colocam esse acesso à disposição de terceiros, oferecendo ao público o acesso à Internet através da sua rede Wi‑Fi.

135. Trata‑se, de resto, de um aspeto discutido no âmbito de um processo legislativo em curso na Alemanha, iniciado no quadro da «Digital Agenda» do governo (44), que visa clarificar o regime de responsabilidade dos exploradores de redes Wi‑Fi públicas, com o objetivo de tornar esta atividade mais atraente (45).

136. Embora este debate oscile em torno do conceito da responsabilidade indireta no direito alemão (Störerhaftung), as questões suscitadas têm potencialmente uma aplicação mais ampla, dado que o direito nacional de alguns outros Estados‑Membros contém igualmente instrumentos que permitem invocar a responsabilidade do titular de uma ligação à Internet, por se absterem de tomar as medidas de proteção adequadas, com o objetivo de impedir eventuais violações por parte de terceiros (46).

137. Observo que a obrigação de proteger o acesso a tal rede se confronta potencialmente com várias objeções de ordem jurídica.

138. Em primeiro lugar, a instituição de uma obrigação de proteção põe potencialmente em causa o modelo comercial das empresas que propõem o acesso à Internet a título acessório relativamente aos seus outros serviços.

139. Com efeito, por um lado, algumas dessas empresas deixariam de estar dispostas a oferecer esse serviço adicional se o mesmo implicasse investimentos e obrigações regulamentares associados à proteção da rede e à gestão dos utilizadores. Por outro lado, alguns destinatários desse serviço, por exemplo clientes de um estabelecimento de fast‑food ou de uma loja, desistiriam da sua utilização se a mesma implicasse uma obrigação sistemática de se identificarem e de introduzirem uma senha.

140. Em segundo lugar, observo que impor a obrigação de proteger a rede Wi‑Fi implica, para as pessoas que exploram essa rede com o objetivo de oferecer o acesso à Internet aos seus clientes e ao público, a necessidade de identificar os utilizadores e de conservar os dados destes.

141. A este respeito, a Sony Music indica nas suas observações escritas que, para poder imputar uma infração a um «utilizador registado», o explorador da rede Wi‑Fi deveria armazenar os endereços IP e as portas externas através dos quais um utilizador registado tenha feito ligações à Internet. A identificação de um utilizador de uma rede Wi‑Fi corresponderia, essencialmente, à atribuição de endereços IP por parte de um fornecedor de acesso. O explorador de uma rede Wi‑Fi poderia, assim, recorrer a um sistema informático, que, segundo a Sony Music, não é muito dispendioso, que permite registar e identificar os utilizadores.

142. Ora, observo que as obrigações de registo dos utilizadores e de conservação dos dados privados são específicas da regulamentação relativa à atividade dos operadores de telecomunicações e dos outros fornecedores de acesso à Internet. A imposição de tais obrigações administrativas parece‑me, em contrapartida, manifestamente desproporcionada no caso de pessoas que propõem aos seus clientes ou a potenciais clientes, através de uma rede Wi‑Fi, o acesso à Internet de modo acessório relativamente à sua atividade principal.

143. Em terceiro lugar, embora a obrigação de proteção de uma rede Wi‑Fi, no âmbito de uma injunção específica, não equivalha, em si, a uma obrigação geral de vigiar as informações ou de procurar ativamente factos ou circunstâncias que indiciem ilicitudes, proibida pelo artigo 15.° da Diretiva 2000/31, a generalização da obrigação de identificar e de registar os utilizadores pode, todavia, resultar num regime de responsabilidade dos prestadores intermediários que deixará de ser conforme com esta disposição.

144. Com efeito, no âmbito de um procedimento contra as violações do direito de autor, a proteção da rede não é um fim em si, constituindo apenas uma medida prévia que permitirá ao explorador exercer um certo controlo sobre a atividade na sua rede. Ora, a atribuição de um papel ativo e preventivo aos prestadores intermediários seria contrária ao seu estatuto particular, protegido pela Diretiva 2000/31 (47).

145. Por fim, em quarto lugar, observo que a medida em causa não é, em si, eficaz, pelo que o seu caráter adequado e, consequentemente, a sua proporcionalidade, continuam a ser duvidosos.

146. Importa salientar que, atendendo à facilidade de as contornar, as medidas de proteção são ineficazes para evitar a violação específica de uma obra protegida. Como a Comissão indica, a introdução de uma senha limita potencialmente o círculo dos utilizadores mas não exclui necessariamente as violações de uma obra protegida. Por outro lado, como o Governo polaco observa, os fornecedores de serviços de simples transporte dispõem de meios limitados para acompanhar as trocas do tráfego peer‑to‑peer, cujo controlo careceria da aplicação de soluções técnicas avançadas e dispendiosas que poderiam suscitar sérias reservas no que respeita à proteção da vida privada e da confidencialidade das comunicações.

147. Atendendo a todas estas considerações, é minha opinião que impor a obrigação de proteger o acesso à rede Wi‑Fi, como método de proteção do direito de autor na Internet, não respeitaria a exigência de um justo equilíbrio entre, por um lado, a proteção do direito de propriedade intelectual, de que gozam os titulares dos direitos de autor e, por outro, a da liberdade de empresa de que beneficiam os prestadores dos serviços em causa (48). Ao limitar o acesso a comunicações lícitas, esta medida implicaria, além disso, uma limitação da liberdade de expressão e de informação (49).

148. De um modo mais geral, observo que a eventual generalização da obrigação de proteger as redes Wi‑Fi, como método de proteção do direito de autor na Internet, seria suscetível de implicar uma desvantagem para a sociedade no seu conjunto, com o risco de exceder a vantagem potencial para os titulares desses direitos.

149. Por um lado, as redes Wi‑Fi públicas utilizadas por um grande número de pessoas têm uma largura de banda relativamente limitada e, consequentemente, não estão muito expostas às violações das obras e dos objetos protegidos pelo direito de autor (50). Por outro lado, os pontos de acesso Wi‑Fi apresentam incontestavelmente um potencial importante para a inovação. Qualquer medida que comporte o risco de travar o desenvolvimento dessa atividade deve, portanto, ser cuidadosamente examinada relativamente às suas potenciais vantagens.

150. Atendendo a todas estas considerações, sou de opinião que os artigos 12.°, n.° 3, e 15.°, n.° 1, da Diretiva 2000/31, interpretados à luz das exigências que decorrem da proteção dos direitos fundamentais aplicáveis, se opõem a uma injunção que consista em impor a uma pessoa que explora uma rede Wi‑Fi pública, de forma acessória relativamente à sua atividade económica principal, a obrigação de proteger o acesso a essa rede.

VI – Conclusão

151. À luz destas considerações, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais submetidas pelo Landgericht München I (Tribunal Regional de Munique I) do seguinte modo:

1)      Os artigos 2.°, alíneas a) e b), e 12.°, n.° 1, da Diretiva 2000/31/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2000, relativa a certos aspetos legais dos serviços da sociedade de informação, em especial do comércio eletrónico, no mercado interno («Diretiva sobre comércio eletrónico»), devem ser interpretados no sentido de que se aplicam a uma pessoa que explora, de modo acessório relativamente à sua atividade económica principal, uma rede local sem fio com acesso à Internet, aberta ao público e gratuita.

2)      O artigo 12.°, n.° 1, da Diretiva 2000/31 opõe‑se à condenação de um prestador de serviços de simples transporte por qualquer pedido que implique a declaração da sua responsabilidade civil. Este artigo opõe‑se, portanto, à condenação do prestador de tais serviços não só numa indemnização como também nas despesas de interpelação e nas custas relacionadas com a violação de um direito de autor ou de direitos conexos cometida por um terceiro, em consequência das informações transmitidas.

3)      O artigo 12.°, n.os 1 e 3, da Diretiva 2000/31 não se opõe à adoção de uma injunção judicial, que pode ser acompanhada de uma sanção pecuniária compulsória.

Ao adotar uma injunção contra um prestador intermediário, o órgão jurisdicional nacional é obrigado a assegurar‑se de que:

–        as medidas em questão são conformes ao artigo 3.° da Diretiva 2004/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao respeito dos direitos de propriedade intelectual, e, nomeadamente, que são eficazes, proporcionadas e dissuasivas;

–        são destinadas a fazer cessar uma violação específica ou a preveni‑la e não implicam uma obrigação geral de vigilância, em conformidade com os artigos 12.°, n.° 3, e 15.°, n.° 1, da Diretiva 2000/31, e

–        a aplicação destas disposições, bem como de outras modalidades previstas pelo direito nacional, respeita um justo equilíbrio entre os direitos fundamentais aplicáveis, em particular os protegidos, por um lado, pelos artigos 11.° e 16.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia bem como, por outro, pelo artigo 17.°, n.° 2, desta.

4)      Os artigos 12.°, n.° 3, e 15.°, n.° 1, da Diretiva 2000/31, interpretados à luz das exigências que decorrem da proteção dos direitos fundamentais aplicáveis, não se opõem, em princípio, à adoção de uma injunção que deixe ao destinatário a escolha das medidas concretas a adotar. Compete, todavia, ao órgão jurisdicional nacional ao qual seja submetido um pedido de injunção assegurar‑se da existência de medidas adequadas, conformes às limitações que decorrem do direito da União.

As referidas disposições opõem‑se a uma injunção contra uma pessoa que explora uma rede local sem fio com acesso à Internet, aberta ao público, de forma acessória relativamente à sua atividade económica principal, quando o destinatário só lhe possa dar cumprimento:

–        bloqueando a ligação à Internet ou

–        protegendo‑a através de uma senha ou

–        examinando todas as comunicações transmitidas através dessa ligação para verificar se a obra em causa, protegida pelo direito de autor, não é de novo transmitida ilegalmente.


1 —      Língua original: francês.


2 —      O termo «Wi‑Fi», que se tornou um termo corrente para designar uma rede sem fio, é uma marca (Wi‑Fi) que se refere à norma de rede sem fio mais comum. O termo genérico que designa todos os tipos de rede sem fio é «WLAN» (Wireless local area network).


3 —      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2000, relativa a certos aspetos legais dos serviços da sociedade de informação, em especial do comércio eletrónico, no mercado interno («Diretiva sobre comércio eletrónico») (JO L 178, p. 1).


4 —      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de junho de 1998, relativa a um procedimento de informação no domínio das normas e regulamentações técnicas (JO L 204, p. 37).


5 —      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de julho de 1998, que altera a Diretiva 98/34 (JO L 217, p. 18).


6 —      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação (JO L 167, p. 10).


7 —      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao respeito dos direitos de propriedade intelectual (JO L 157, p. 45).


8 —      Lei de 26 de fevereiro de 2007 (BGBl. I, p. 179), com a redação que lhe foi dada pela lei de 31 de março de 2010 (BGBl. I, p. 692).


9 —      Lei de 9 de setembro de 1965 (BGBl. I, p. 1273), com a redação que lhe foi dada pela lei de 1 de outubro de 2013 (BGBl. I, p. 3728).


10 —      Com a redação que lhe foi dada pela Diretiva 98/48. Esta definição é retomada no artigo 1.°, n.° 1, alínea b), da Diretiva (UE) 2015/1535 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de setembro de 2015, relativa a um procedimento de informação no domínio das regulamentações técnicas e das regras relativas aos serviços da sociedade da informação (JO L 241, p. 1), que revogou a Diretiva 98/34.


11 —      Acórdãos Smits e Peerbooms (C‑157/99, EU:C:2001:404, n.° 58) bem como Humbel e Edel (263/86, EU:C:1988:451, n.° 17).


12 —      V. acórdão Deliège (C‑51/96 e C‑191/97, EU:C:2000:199, n.° 52 e jurisprudência aí referida).


13 —      V., neste sentido, relativamente ao caso de um serviço de informações em linha, não pago mas financiado por receitas de publicidade difundida num sítio Internet, acórdão Papasavvas (C‑291/13, EU:C:2014:2209, n.os 29 e 30 bem como jurisprudência aí referida). Resulta dos trabalhos preparatórios da Diretiva 2000/31 que são igualmente visados os serviços que não são remunerados pelos destinatários, quando são fornecidos no âmbito de uma atividade económica (v. proposta de Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa a certos aspetos jurídicos do comércio eletrónico no mercado interno [COM(1998) 586 final, JO C 30, p. 4 e, em especial, p. 15]).


14 —      O conceito de «atividade económica», na aceção das disposições do Tratado FUE relativas ao mercado interno, implica uma apreciação caso a caso, tendo em conta o contexto do exercício da atividade em questão. V., neste sentido, acórdãos Factortame e o. (C‑221/89, EU:C:1991:320, n.os 20 a 22) bem como International Transport Workers’ Federation e Finnish Seamen’s Union (C‑438/05, EU:C:2007:772, n.° 70).


15 —      Como a Comissão observa, a rede Wi‑Fi com uma ligação à Internet constitui uma «rede de comunicações eletrónicas» na aceção do artigo 2.°, primeiro parágrafo, alínea a), da Diretiva 2002/21/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa a um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações eletrónicas (diretiva‑quadro) (JO L 108, p. 33), com a redação que lhe foi dada pela Diretiva 2009/140/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2009 (JO L 337, p. 37).


16 —      V., neste sentido, acórdão UPC Telekabel Wien (C‑314/12, EU:C:2014:192, n.os 34 e 35).


17 —      V., nomeadamente, versões em línguas espanhola («suministre [un servicio]»), inglesa («providing [service])», lituana («teikiantis [paslaugą]») e polaca («świadczy [usługę]»).


18 —      V. n.° 38 das presentes conclusões.


19 —            V. proposta de diretiva COM(1998) 586 final, p. 27.


20 —      V. Proposta de Diretiva COM(1998) 586 final, p. 28.


21 —      Acórdãos Scarlet Extended (C‑70/10, EU:C:2011:771, n.° 31); Sabam (C‑360/10, EU:C:2012:85, n.° 29), e UPC Telekabel Wien (C‑314/12, EU:C:2014:192, n.° 26).


22 —      V, igualmente, Proposta de Diretiva COM(1998) 586 final, p. 28.


23 —      V. considerando 46 da Diretiva 2000/31 e considerando 59 da Diretiva 2001/29, bem como acórdão UPC Telekabel Wien (C‑314/12, EU:C:2014:192, n.os 43 e 44).


24 —      V. Proposta de Diretiva COM(1998) 586 final (p. 28).


25 —      V. n.° 55 das presentes conclusões.


26 —      V., neste sentido, acórdãos L’Oréal e o. (C‑324/09, EU:C:2011:474, n.° 139) bem como Scarlet Extended (C‑70/10, EU:C:2011:771, n.° 36).


27 —      V., relativamente a este princípio, Jakubecki, A., «Dochodzenie roszczeń z zakresu prawa własności przemysłowej», em System prawa prywatnego (O sistema do direito privado), t. 14b, Prawo własności przemysłowej [O direito da propriedade industrial], Varsóvia, CH Beck, Instytut Nauk Prawnych PAN, 2012, p. 1651.


28 —      Acórdão Scarlet Extended (C‑70/10, EU:C:2011:771, n.° 34).


29 —      V., a este respeito, considerandos 1 e 9 da Diretiva 2000/31.


30 —      Acórdão UPC Telekabel Wien (C‑314/12, EU:C:2014:192, n.° 47).


31 —      V., neste sentido, acórdão Promusicae (C‑275/06, EU:C:2008:54, n.° 66).


32 —      Acórdãos Promusicae (C‑275/06, EU:C:2008:54, n.° 68) e UPC Telekabel Wien (C‑314/12, EU:C:2014:192, n.° 46).


33 —      V., a este respeito, conclusões do advogado‑geral P. Cruz Villalón no processo UPC Telekabel Wien (C‑314/12, EU:C:2013:781, n.os 87 a 90).


34 —      Acórdão UPC Telekabel Wien (C‑314/12, EU:C:2014:192, n.° 64).


35 —      Acórdão UPC Telekabel Wien (C‑314/12, EU:C:2014:192, n.° 52).


36 —      C‑70/10, EU:C:2011:771.


37 —      C‑360/10, EU:C:2012:85.


38 —      C‑314/12, EU:C:2014:192.


39 —      V., a contrario, acórdão UPC Telekabel Wien (C‑314/12, EU:C:2014:192, n.os 50 e 51).


40 —      V., neste sentido, acórdão L’Oréal e o. (C‑324/09, EU:C:2011:474, n.° 140).


41 —      V. considerando 47 da diretiva 2000/31.


42 —      No âmbito dos trabalhos preparatórios, a Comissão cita, como exemplo de uma obrigação específica, uma medida que consista em vigiar um sítio Internet específico, durante um prazo específico, de modo a evitar uma atividade ilícita específica ou a pôr‑lhe termo [Proposta de Diretiva COM(1998) 586 final, p. 30]. V. igualmente, a este respeito, conclusões do advogado‑geral N. Jääskinen no processo L’Oréal e o. (C‑324/09, EU:C:2010:757, n.° 182).


43 —      Além do processo legislativo em curso na Alemanha, adiante referido, remeto para o debate que envolve a adoção do Digital Economy Act no Reino Unido, bem como a consulta pública aberta pela Ofcom (autoridade reguladora das telecomunicações) em 2012 sobre as obrigações impostas aos fornecedores de serviços Internet e, potencialmente, aos exploradores das redes Wi‑Fi públicas (v. «Consultation related to the draft Online Infringement of Copyright Order», n.° «5.52», http://stakeholders.ofcom.org.uk/consultations/infringement‑notice/). Em França, desde a adoção das leis — amplamente debatidas — n.° 2009‑669, de 12 de junho de 2009, que facilita a difusão e a proteção da criação na internet (JORF de 13 de junho de 2009, p. 9666) e n.° 2009‑1311, de 28 de outubro de 2009, relativa à proteção penal da propriedade literária e artística na internet (JORF de 29 de outubro de 2009, p. 18290), os assinantes da Internet, incluindo os exploradores das redes Wi‑Fi, são obrigados a proteger a sua ligação Wi‑Fi, de modo a evitarem ser responsabilizados por violações, cometidas por terceiros, de obras e objetos protegidos.


44 —      Um dos objetivos da «Digital Agenda» do governo alemão visa a melhoria da disponibilidade do acesso à Internet através das redes Wi‑Fi (v. http://www.bmwi.de/EN/Topics/Technology/digital‑agenda.html).


45 —      Entwurf eines Zweiten Gesetzes zur Änderung des Telemediengesetzes (Projeto de uma segunda lei de alteração da lei sobre os meios de comunicação eletrónicos) (BT‑Drs 18/6745). No seu parecer sobre este projeto (BR‑Drs 440/15), o Bundesrat propôs a eliminação da disposição que impunha aos exploradores de redes Wi‑Fi a obrigação de tomar medidas de proteção.


46 —      V., no direito francês, artigo L. 336‑3 do Código da propriedade intelectual, que prevê a obrigação da pessoa titular do acesso à Internet de assegurar que esse acesso não seja objeto de uma utilização para violação das obras e objetos protegidos.


47 —      V. Van Eecke, P., «Online service providers and liability: A plea for a balanced approach», Common Market Law Review, 2011, vol. 48, p. 1455 a 1502, e, em especial, p. 1501.


48 —      V., neste sentido, acórdãos Scarlet Extended (C‑70/10, EU:C:2011:771, n.° 49) e SABAM (C‑360/10, EU:C:2012:85, n.° 47).


49 —      V., neste sentido, acórdãos Scarlet Extended (C‑70/10, EU:C:2011:771, n.° 52) e SABAM (C‑360/10, EU:C:2012:85, n.° 50).


50 —      V., a este respeito, parecer do Bundesrat (BR‑Drs 440/15, p. 18), bem como consulta da Ofcom, n.os 3.94‑3.97 (v. notas 43 e 45 das presentes conclusões).