Language of document : ECLI:EU:C:2004:708

Arrêt de la Cour

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)
11 de Novembro de 2004 (1)

«Acordo de associação CEE-Turquia – Livre circulação de trabalhadores – Artigos 7.°, primeiro parágrafo, e 14.°, n.° 1, da Decisão n.° 1/80 do Conselho de Associação – Direito de residência do filho de um trabalhador turco após atingir a maioridade – Condições de uma decisão de expulsão – Condenações penais»

No processo C-467/02,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Verwaltungsgericht Stuttgart (Alemanha), por decisão de 19 de Dezembro de 2002, entrado no Tribunal de Justiça em 27 de Dezembro de 2002, no processo

Inan Cetinkaya

Land Baden-Württemberg,

contra

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),



composto por: C. W. A. Timmermans, presidente de secção, J.-P. Puissochet, R. Schintgen, N. Colneric e J. N. Cunha Rodrigues (relator), juízes,

advogado-geral: P. Léger,
secretário: M. Múgica Arzamendi, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 17 de Março de 2004,

vistas as observações apresentadas:

em representação de I. Cetinkaya, por C. Trurnit, Rechtsanwalt,

em representação do Governo alemão, por W.-D. Plessing e A. Tiemann, na qualidade de agentes,

em representação do Governo português, por L. Inez Fernandes e A. C. Branco, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por D. Martin e H. Kreppel, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 10 de Junho de 2004,

profere o presente



Acórdão



1
O pedido de decisão prejudicial diz respeito à interpretação dos artigos 6.°, 7.° e 14.° da Decisão n.° 1/80 do Conselho de Associação, de 19 de Setembro de 1980, relativa ao desenvolvimento da associação (a seguir «Decisão n.° 1/80»). O Conselho de Associação foi instituído pelo Acordo que cria uma Associação entre a Comunidade Económica Europeia e a Turquia, que foi assinado, em 12 de Setembro de 1963, em Ancara pela República da Turquia, por um lado, e pelos Estados‑Membros da CEE e pela Comunidade, por outro, e que foi concluído, aprovado e confirmado em nome desta última pela Decisão 64/732/CEE do Conselho, de 23 de Dezembro de 1963 (JO 1964, 217, p. 3685; EE 11 F1 p. 18; a seguir «acordo de associação»).

2
Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe I. Cetinkaya, nacional turco, ao Land Baden‑Württemberg a respeito de um processo de expulsão do território alemão.


Quadro jurídico

A Decisão n.° 1/80

3
Nos termos do artigo 6.°, n.os 1 e 2, da Decisão n.° 1/80:

«1.    Sem prejuízo do disposto no artigo 7.° relativamente ao livre acesso ao emprego dos membros da sua família, o trabalhador turco integrado no mercado regular de trabalho de um Estado‑Membro:

tem direito nesse Estado‑Membro, após um ano de emprego regular, à renovação da sua autorização de trabalho para a mesma entidade patronal, se dispuser de um emprego;

tem direito nesse Estado‑Membro, após três anos de emprego regular e sem prejuízo da prioridade a conceder aos trabalhadores dos Estados‑Membros da Comunidade, a responder, dentro da mesma profissão, a outra oferta de emprego de uma entidade patronal da sua escolha, feita em condições normais e registada nos serviços de emprego desse Estado‑Membro;

beneficia nesse Estado‑Membro, após quatro anos de emprego regular, do livre acesso a qualquer actividade assalariada da sua escolha.

2.      As férias anuais e as faltas por maternidade, acidente de trabalho ou doença de curta duração são equiparadas aos períodos de emprego regular. Os períodos de desemprego involuntário, devidamente comprovados pelas autoridades competentes, e as faltas por doença de longa duração, ainda que não sejam equiparados a períodos de emprego regular, não prejudicam os direitos adquiridos em virtude do período de emprego anterior.»

4
Em conformidade com o artigo 7.° da Decisão n.° 1/80:

«Os membros da família de um trabalhador turco integrado no mercado regular de trabalho de um Estado‑Membro que tenham sido autorizados a reunir‑se‑lhe:

têm o direito de responder – sem prejuízo da prioridade a conceder aos trabalhadores dos Estados‑Membros da Comunidade – a qualquer oferta de emprego, desde que residam regularmente nesse Estado‑Membro há pelo menos três anos;

beneficiam nesse Estado‑Membro do livre acesso a qualquer actividade assalariada de sua escolha, desde que aí residam regularmente há pelo menos cinco anos.

Os filhos dos trabalhadores turcos que tenham obtido uma formação profissional no país de acolhimento poderão, independentemente da duração da sua residência nesse Estado‑Membro, desde que um dos pais tenha legalmente trabalhado no Estado‑Membro interessado há pelo menos três anos, responder a qualquer oferta de emprego nesse Estado.»

5
Nos termos do artigo 14.°, n.° 1, da Decisão n.° 1/80:

«As disposições da presente secção são aplicáveis sem prejuízo das limitações justificadas por razões de ordem pública, de segurança e de saúde públicas.»

A regulamentação nacional

6
O § 47 (1) e (2) da Ausländergesetz (lei relativa aos estrangeiros, a seguir «AuslG») dispõe:

«(1)  Um estrangeiro será expulso

1.      Quando, na sequência de um ou vários crimes dolosos, tenha sido condenado, sem possibilidade de recurso, a pelo menos três anos de pena privativa da liberdade ou de pena especial para menores delinquentes, ou quando tenha sido condenado, sem possibilidade de recurso, na sequência de crimes dolosos, a várias penas destas categorias por uma duração total de pelo menos três anos no decurso de um período de cinco anos ou quando tenha sido ordenada a sua prisão quando da sua última condenação insusceptível de recurso, ou

2.      Quando tenha sido condenado, sem possibilidade de recurso, a pelo menos dois anos de pena especial para menores delinquentes ou a uma pena privativa da liberdade que não sejam acompanhadas de suspensão probatória, na sequência de um crime doloso na acepção da lei relativa aos estupefacientes, por perturbação da ordem pública cometida nas condições enunciadas no § 125‑A, segundo período, do Código Penal, ou na sequência de perturbação da ordem pública na acepção do § 125 do Código Penal, cometida no quadro de uma reunião pública ou de uma manifestação proibidas.

(2)    Um estrangeiro é normalmente expulso

1.      Quando tenha sido condenado, sem possibilidade de recurso, a pelo menos dois anos de pena especial para menores delinquentes ou a uma pena privativa de liberdade que não sejam acompanhadas de suspensão probatória, na sequência de um ou vários crimes dolosos;

2.      Quando, em violação das disposições da lei relativa aos estupefacientes, cultive, produza, importe, faça transitar ou exporte, venda, ceda a outrem ou ponha em circulação de qualquer outro modo um estupefaciente, faça dele comércio, incite à prática de um dos actos anteriormente referidos ou deles se torne cúmplice.»

7
O § 48 (1) da AuslG enuncia:

«(1)  Um estrangeiro que

1.      Seja titular de uma autorização de residência,

2.      Seja titular de uma autorização de residência sem prazo e tenha nascido no território nacional, ou aí tenha entrado na sua menoridade,

3.      Seja titular de uma autorização de residência sem prazo e viva casado ou em união livre com um estrangeiro referido nos pontos 1 e 2 anteriores,

[…]

só pode ser expulso por motivos graves de segurança e de ordem públicas. Estes motivos existem geralmente nos casos referidos no § 47 (1).»


O litígio na causa principal e as questões prejudiciais

8
Resulta do despacho de reenvio que I. Cetinkaya, recorrente na causa principal, nasceu em 24 de Janeiro de 1979 na Alemanha, país onde sempre residiu. Desde 9 de Março de 1995, é titular de uma autorização de residência sem prazo nesse Estado‑Membro.

9
No mês de Julho de 1995, I. Cetinkaya obteve um diploma de ensino secundário. Dois meses mais tarde, iniciou estudos de carpintaria, que abandonou em Fevereiro do ano seguinte. Seguidamente, trabalhou, durante curtos períodos, para várias entidades patronais. Assim, durante o Verão de 1996, trabalhou durante algumas semanas como empregado de mesa num restaurante. No Outono do mesmo ano, retomou os estudos com vista a obter um emprego de vendedor retalhista, estudos que abandonou pouco tempo depois. Seguidamente, esteve empregado num restaurante, entre Novembro de 1996 e Janeiro de 1997 e, seguidamente, até ao mês de Junho de 1998, trabalhou numa sociedade e numa outra sociedade durante os meses de Agosto e Setembro de 1998. Após um período de desemprego que durou até Julho de 1999, I. Cetinkaya trabalhou durante um mês num armazém. A partir de 1 de Agosto de 1999, foi empregado por uma sociedade de transportes, emprego que abandonou após um breve período. Por último, esteve empregado como mecânico, mas pôs termo a este emprego no mês de Dezembro de 1999.

10
O despacho de reenvio precisa ainda que os pais e as cinco irmãs mais velhas de I. Cetinkaya, de entre as quais três adquiriram a nacionalidade alemã, residem igualmente na Alemanha, onde o seu pai esteve empregado até à idade da reforma. Os pais e as duas irmãs de I. Cetinkaya que conservaram a nacionalidade turca apresentaram pedidos com vista a adquirir a nacionalidade alemã pela via da naturalização.

11
Também resulta do despacho de reenvio que I. Cetinkaya foi condenado na Alemanha, em 1 de Agosto de 1996, a oitenta horas de trabalho comunitário por roubo em co‑autoria, em concurso com extorsão com violência em co‑autoria e tentativa de extorsão com violência em co‑autoria em cinco casos, em 15 de Abril de 1997, a uma pena de internamento de duas semanas num centro de detenção de menores, já incluindo a condenação anterior por co‑autoria do crime de extorsão, em 24 de Março de 1998, a uma pena de seis meses de internamento num centro de detenção de menores, por co‑autoria de ofensa à integridade física, cuja execução foi suspensa, em 26 de Outubro de 1999, a uma pena de dois anos de internamento num centro de detenção de menores, já incluindo a anterior condenação, por tráfico ilegal de estupefacientes em grandes quantidades, e, em 26 de Setembro de 2000, a uma pena de três anos de internamento num centro de detenção de menores, já incluindo as duas precedentes condenações, por aquisição ilícita de estupefacientes em concurso com tráfico internacional de estupefacientes em cento e dois casos, posse ilegal de grandes quantidades de estupefacientes em concurso com tráfico profissional de estupefacientes em dois casos e importação ilícita de grandes quantidades de estupefacientes em concurso com tráfico profissional de estupefacientes.

12
I. Cetinkaya foi detido em 7 de Janeiro de 2000 e internado num centro de detenção de menores. Foi libertado em 22 de Janeiro de 2001 para se submeter a um tratamento da toxicodependência. Após ter inicialmente abandonado sem sucesso duas tentativas de tratamento, I. Cetinkaya iniciou, a partir de 10 de Setembro de 2001, um novo tratamento num centro de desintoxicação que concluiu com êxito no Verão de 2002. Por decisão judicial de 20 de Agosto de 2002, obteve a suspensão da execução da pena restante em aplicação da Betäubungsmittelgesetz (lei relativa aos estupefacientes, a seguir «BtMG»), o que, segundo refere o órgão jurisdicional de reenvio, pressupõe que também foi tomado em conta o interesse da segurança da população.

13
Após o mês de Agosto de 2002, I. Cetinkaya retomou os seus estudos secundários e presta duas vezes por semana serviço nocturno num centro de desintoxicação.

14
Em 3 de Novembro de 2000, a autoridade administrativa competente, ou seja, o Regierungspräsidium Stuttgart, notificou a I. Cetinkaya a sua expulsão imediata da Alemanha e ameaçou expulsá‑lo imediatamente para a Turquia. Segundo esta autoridade, existiam motivos graves relacionados com a segurança e a ordem públicas, na acepção do § 48 (1), terceiro período, conjugado com o § 47 (1), ponto 1, da AuslG, que justificavam a presunção legal em favor da expulsão. A expulsão era julgada necessária por razões de prevenção geral e especial e alegava‑se que não era contrária ao artigo 7.° da Decisão n.° 1/80, pois que, devido ao seu internamento e à cura de desintoxicação que devia seguir, este último já não se encontrava presente no mercado de trabalho. Mesmo podendo ele invocar um direito de residência nos termos do artigo 7.° da Decisão n.° 1/80, estavam, em todo o caso, reunidos os requisitos de aplicação do artigo 14.° da mesma decisão.

15
Em 8 de Dezembro de 2000, I. Cetinkaya interpôs recurso da referida decisão para o órgão jurisdicional de reenvio.

16
Em 3 de Setembro de 2002, o Regierungspräsidium Stuttgart alterou a decisão anteriormente referida, no sentido de que foi fixado a I. Cetinkaya um prazo até 4 de Outubro de 2002 para abandonar voluntariamente o território. A título de fundamentação, o Regierungspräsidium invocou que I. Cetinkaya tinha sido libertado em 22 de Janeiro de 2001 a fim de seguir uma cura de desintoxicação, razão pela qual, doravante, só deveria ser fixado um prazo para abandonar voluntariamente o território.

17
Em 6 de Setembro de 2002, I. Cetinkaya também interpôs recurso desta decisão para o Verwaltungsgericht Stuttgart, que, após ter ordenado a junção dos dois processos em questão, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)
O filho nascido no território da República Federal da Alemanha de um trabalhador assalariado turco integrado no mercado regular de trabalho está abrangido pelo disposto no artigo 7.°, primeiro parágrafo, da Decisão n.° 1/80, se, desde o seu nascimento – em qualquer caso até atingir a maioridade – a residência só foi (inicialmente) autorizada por razões de manutenção da unidade familiar ou se, no caso de isenção de autorização, só não cessou por esses mesmos motivos?

2)
O direito dos membros da família de aceder ao mercado de trabalho bem como de continuar a residir no Estado de acolhimento pode, em conformidade com o artigo 7.°, primeiro parágrafo, segundo travessão, ser restringido apenas nos termos do artigo 14.° da Decisão 1/80?

3)
A condenação a três anos de internamento num centro de detenção de menores conduz a uma exclusão definitiva do mercado de trabalho e, com isso, a uma perda dos direitos decorrentes do artigo 7.°, primeiro parágrafo, segundo travessão, ainda que existam possibilidades concretas de que apenas uma parte da pena tenha de ser efectivamente cumprida, mas, por outro lado, simultaneamente com a liberdade condicional, tenha de ser levado a cabo um tratamento de toxicodependência e, durante esse tempo, a pessoa em causa não esteja disponível no mercado de trabalho?

4)
A perda do posto de trabalho motivada por uma condenação a uma pena de prisão (cuja execução não foi suspensa) ou a impossibilidade de, em caso de desemprego actual, se candidatar a um posto de trabalho conduz, ipso facto, a uma situação de desemprego por culpa própria, na acepção do artigo 6.°, n.° 2, segundo período, da Decisão n.° 1/80, que não evita a perda dos direitos decorrentes do artigo 6.°, n.° 1, e do artigo 7.°, primeiro parágrafo, da Decisão n.° 1/80?

5)
O mesmo é válido se se puder previsível e razoavelmente contar com a libertação, ainda que condicionada pela imediata sujeição a um tratamento de toxicodependência, e só depois da obtenção de um diploma de qualificação mais elevada for possível exercer uma actividade?

6)
O disposto no artigo 14.° da Decisão n.° 1/80 deve ser interpretado no sentido de que uma alteração ocorrida após a última decisão das autoridades e que seja favorável à pessoa em causa, que já não permita uma restrição nos termos do artigo 14.°, deve ser tomada em conta no processo judicial?»


Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

18
Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende essencialmente saber se o artigo 7.°, primeiro parágrafo, da Decisão n.° 1/80 deve ser interpretado no sentido de que abrange a situação de uma pessoa maior, filho de um trabalhador turco inserido no mercado regular de trabalho do Estado‑Membro de acolhimento, mesmo quando este filho nasceu e sempre residiu neste último Estado.

19
O órgão jurisdicional nacional pretende, com efeito, saber se a circunstância de I. Cetinkaya ter nascido e ter sempre vivido no Estado‑Membro de acolhimento, pelo que não foi autorizado a reunir‑se ao referido trabalhador na acepção da disposição já referida, tem relevância para a sua aplicação.

20
Como foi sustentado em todas as observações apresentadas ao Tribunal, há que dar a esta última questão resposta negativa.

21
A circunstância de o artigo 7.°, primeiro parágrafo, da Decisão n.° 1/80 apenas visar expressamente a hipótese em que os membros da família do trabalhador turco foram «autorizados a reunir‑se‑lhe» não permite concluir que os autores desta decisão tenham pretendido excluir do benefício dos direitos aí enunciados o membro da família que nasceu no território do Estado‑Membro de acolhimento e que, portanto, não teve necessidade de pedir autorização para se reunir ao trabalhador turco no Estado‑Membro de acolhimento a título do reagrupamento familiar.

22
A condição nos termos da qual os membros da família devem ser autorizados a reunir‑se ao trabalhador turco explica‑se pela consideração de que as disposições relativas à associação entre a Comunidade Económica Europeia e a República da Turquia (a seguir «associação CEE‑Turquia») não colidem com a competência dos Estados‑Membros para regulamentarem a entrada no seu território dos nacionais turcos, bem como as condições da sua primeira actividade profissional, de modo que a primeira admissão desses nacionais num Estado‑Membro se rege, em princípio, exclusivamente pelo direito nacional do referido Estado (v., designadamente, acórdão de 30 de Setembro de 2004, Ayaz, C‑275/02, Colect., n.° 35).

23
Na medida em que esta condição visa, assim, excluir do âmbito de aplicação do artigo 7.°, primeiro parágrafo, da Decisão n.° 1/80 os membros da família do trabalhador turco que entraram no território do Estado‑Membro de acolhimento e aí residem em infracção à regulamentação deste Estado‑Membro, não pode ser validamente oposta a um membro desta família que, como acontece no processo na causa principal, nasceu e sempre residiu no referido Estado‑Membro e que, portanto, não tinha necessidade de uma autorização para se reunir ao referido trabalhador.

24
Além disso, nada permite considerar que a intenção dos autores da Decisão n.° 1/80 tenha consistido em instituir uma diferenciação em função do lugar de nascimento dos filhos do trabalhador turco, de forma a privar aqueles que nasceram no Estado‑Membro de acolhimento do benefício dos direitos de acesso ao emprego e de residência que decorrem das disposições do artigo 7.° desta decisão, contrariamente aos membros da família que foram autorizados a reunir‑se ao referido trabalhador.

25
Esta interpretação é a única que assegura a coerência do regime instituído e a permitir a plena realização do objectivo prosseguido pelo artigo 7.°, primeiro parágrafo, da referida decisão, que é o de criar condições favoráveis para o reagrupamento familiar no Estado‑Membro de acolhimento, permitindo, em primeiro lugar, a presença dos membros da família junto do trabalhador migrante e consolidando depois aí a sua posição através do direito que lhes é concedido de acederem a um emprego nesse Estado (v., designadamente, acórdãos de 17 de Abril de 1997, Kadiman, C‑351/95, Colect., p. I‑2133, n.os 34 a 36, e Ayaz, já referido, n.° 41).

26
Por conseguinte, o filho do trabalhador turco a que se refere o artigo 7.°, primeiro parágrafo, da Decisão n.° 1/80 pode invocar o benefício desta disposição, mesmo quando tenha nascido e sempre residido no Estado‑Membro de acolhimento.

27
Todavia, o Governo alemão interroga‑se sobre se I. Cetinkaya preenche outra condição de aplicação do referido artigo 7.°, primeiro parágrafo, ou seja, a qualidade de trabalhador «inserido no mercado regular de trabalho» na pessoa de seu pai. Segundo este governo, o trabalhador turco do qual derivam os direitos deve satisfazer as condições enumeradas no artigo 7.°, primeiro parágrafo, da Decisão n.° 1/80, à época da residência relativamente à qual o membro da família que não possa invocar uma formação profissional invoca os direitos derivados desta disposição. Ora, o despacho de reenvio não indica se a perda de qualidade de trabalhador pelo pai de I. Cetinkaya ocorreu antes ou após ter sido tomada a decisão de expulsão nem se a mãe do interessado exercia uma actividade profissional.

28
Esta argumentação não pode ser acolhida.

29
Não se pode deduzir do teor do artigo 7.°, primeiro parágrafo, da Decisão n.° 1/80 que os membros da família aí referidos perdem os direitos que esta disposição lhes confere pelo simples facto de, em determinado momento, o referido trabalhador deixar de estar inserido no mercado regular de trabalho no Estado de acolhimento.

30
Como já salientou o Tribunal de Justiça, os Estados‑Membros deixam de ter o direito de impor condições à residência do membro da família de um trabalhador turco para além do período de três anos, previsto pelo artigo 7.°, primeiro parágrafo, primeiro travessão, da Decisão n.° 1/80, durante o qual o interessado deve, em princípio, viver efectivamente em comunhão doméstica com esse trabalhador e, por maioria de razão, assim também deve ser no que respeita a um emigrante turco que preenche as condições do artigo 7.°, primeiro parágrafo, segundo travessão, da Decisão n.° 1/80 (v., designadamente, acórdão de 16 de Março de 2000, Ergat, C‑329/97, Colect., p. I‑1487, n.os 37 a 39).

31
Por isso, no que toca aos membros da família a que se refere o artigo 7.°, primeiro parágrafo, da Decisão n.° 1/80 que, como I. Cetinkaya, beneficiam, após cinco anos de residência regular com o trabalhador, do direito de livre acesso ao emprego no Estado‑Membro de acolhimento em conformidade com o segundo travessão desta disposição, não apenas o efeito directo que com este se prende tem por consequência que os interessados retiram um direito individual em matéria de emprego directamente da Decisão n.° 1/80, mas também que o efeito útil deste direito implica necessariamente a existência de um direito correlativo de residência, igualmente fundado no direito comunitário e independente da manutenção das condições de acesso a tais direitos (v., designadamente, acórdão Ergat, já referido, n.° 40).

32
Nestas condições, os direitos conferidos pelo artigo 7.°, primeiro parágrafo, da Decisão n.° 1/80 podem ser exercidos pelo membro da família após o período de residência, respectivamente de três e cinco anos, junto do trabalhador turco inserido no mercado regular de trabalho no Estado‑Membro de acolhimento, mesmo quando, após estes períodos de residência, o referido trabalhador, designadamente por ter exercido os seus direitos à reforma, já não está, ele próprio, inserido no mercado de trabalho desse Estado‑Membro.

33
Portanto, a circunstância de, num caso como o da causa principal, o trabalhador turco, cujo membro da família com o qual residiu efectivamente em comunhão doméstica durante o período de cinco anos previsto pelo segundo travessão do primeiro parágrafo do artigo 7.° da Decisão n.° 1/80 invoca o benefício dos direitos previstos no artigo 7.°, primeiro parágrafo, da Decisão n.° 1/80, já não estar inserido no mercado regular de trabalho no Estado‑Membro de acolhimento não é susceptível de retirar ao interessado o benefício destes direitos.

34
Nestas condições, há que responder à primeira questão que o artigo 7.°, primeiro parágrafo, da Decisão n.° 1/80 deve ser interpretado no sentido de que abrange a situação da pessoa maior, filho de um trabalhador turco inserido ou que esteve inserido no mercado regular de trabalho do Estado‑Membro de acolhimento, mesmo quando este filho nasceu e sempre residiu neste último Estado.

Quanto à segunda questão

35
Resulta do despacho de reenvio que, com esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende essencialmente saber se o artigo 7.°, primeiro parágrafo, da Decisão n.° 1/80 se opõe a que, na sequência de uma condenação a uma pena de prisão seguida de cura de desintoxicação, os direitos que esta disposição confere a um nacional turco que se encontre na situação de I. Cetinkaya sejam limitados em razão de uma ausência prolongada do mercado de trabalho.

36
O Tribunal de Justiça já declarou que os limites ao direito de residência, enquanto corolário do direito de acesso ao mercado de trabalho e de exercício efectivo de um emprego de que beneficiam os membros da família do trabalhador turco, são de dois tipos. Por um lado, o próprio n.° 1 do artigo 14.° da Decisão n.° 1/80 confere a possibilidade de os Estados‑Membros estabelecerem, em casos individuais e na presença de uma justificação adequada, restrições à presença de um emigrante turco no território do Estado‑Membro de acolhimento quando, pelo seu comportamento pessoal, constitua um perigo efectivo e grave para a ordem pública, a segurança ou a saúde públicas. Por outro lado, o membro da família devidamente autorizado a juntar‑se a um trabalhador turco num Estado‑Membro, que, porém, abandone o território do Estado de acolhimento durante um período significativo e sem motivos legítimos, perde, em princípio, o estatuto jurídico que adquirira nos termos do primeiro parágrafo do artigo 7.° da Decisão n.° 1/80 (v. acórdão Ergat, já referido, n.os 45, 46 e 48).

37
Como salientou o advogado‑geral no n.° 40 das suas conclusões, respeitando o processo que conduziu ao acórdão Ergat, já referido, à situação de um membro da família que se juntou ao trabalhador no Estado de acolhimento, a interpretação do artigo 7.°, primeiro parágrafo, da Decisão n.° 1/80 consagrada neste acórdão deve aplicar‑se, a fortiori, numa situação em que, como no processo na causa principal, o referido membro da família nasceu e sempre residiu no Estado‑Membro de acolhimento.

38
Por conseguinte, o artigo 7.°, primeiro parágrafo, da Decisão n.° 1/80 deve ser interpretado no sentido de que os direitos que esta disposição confere aos membros da família de um trabalhador turco que preenchem o requisito da duração mínima da residência só podem ser limitados em aplicação do artigo 14.° da Decisão n.° 1/80, ou seja, por razões de ordem pública, de segurança e de saúde públicas, ou em razão da circunstância de o interessado ter abandonado o território do Estado de acolhimento durante um período significativo e sem motivos legítimos.

39
Por conseguinte, há que responder à segunda questão que o artigo 7.°, primeiro parágrafo, da Decisão n.° 1/80 se opõe a que, na sequência de uma condenação a uma pena de prisão seguida de uma cura de desintoxicação, os direitos que esta disposição confere a um nacional turco que se encontre na situação de I. Cetinkaya sejam limitados em razão de uma ausência prolongada do mercado de trabalho.

Quanto às terceira, quarta e quinta questões

40
Tendo em conta a resposta à segunda questão, não há que responder às terceira, quarta e quinta questões, que partem da premissa de que os direitos que o membro da família do trabalhador turco retira do artigo 7.°, primeiro parágrafo, da Decisão n.° 1/80 podem ser limitados por razões diversas das previstas no artigo 14.° da Decisão n.° 1/80 ou de que o interessado abandonou o território do Estado‑Membro de acolhimento durante um período significativo e sem motivos legítimos.

Quanto à sexta questão

41
Com esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o artigo 14.° da Decisão n.° 1/80 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que os tribunais nacionais não tomem em consideração, quando apreciam a legalidade de uma medida de expulsão ordenada contra um nacional turco, os elementos factuais ocorridos após a última decisão das autoridades competentes e que já não permitem a limitação dos direitos do interessado na acepção da referida disposição.

42
O Tribunal de Justiça deduziu, por um lado, do próprio teor dos artigos 12.° do acordo de associação e 36.° do protocolo adicional, que foi assinado em 23 de Novembro de 1970 em Bruxelas e concluído, aprovado e confirmado em nome da Comunidade pelo Regulamento (CEE) n.° 2760/72 do Conselho, de 19 de Dezembro de 1972 (JO L 293, p. 1; EE 11 F1 p. 213), bem como, por outro lado, do objectivo da Decisão n.° 1/80, que os princípios admitidos no âmbito dos artigos 48.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 39.° CE), 49.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 40.° CE) e 50.° do Tratado CE (actual artigo 41.° CE) devem ser transpostos, na medida do possível, para os nacionais turcos que beneficiam dos direitos reconhecidos pela referida decisão (v., designadamente, acórdão Ayaz, já referido, n.° 44).

43
Donde resulta que, relativamente à determinação do alcance da excepção de ordem pública prevista no artigo 14.°, n.° 1, da Decisão n.° 1/80, há que aplicar a interpretação dada à mesma excepção em matéria de livre circulação dos trabalhadores nacionais dos Estados‑Membros da Comunidade. Esta interpretação justifica‑se tanto mais quanto a referida disposição está redigida em termos quase idênticos aos do artigo 48.°, n.° 3, do Tratado (acórdão de 10 de Fevereiro de 2000, Nazli, C‑340/97, Colect., p. I‑957, n.° 56).

44
No que respeita mais especificamente ao artigo 3.° da Directiva 64/221/CEE do Conselho, de 25 de Fevereiro de 1964, para a coordenação de medidas especiais relativas aos estrangeiros em matéria de deslocação e estada justificadas por razões de ordem pública, segurança pública e saúde pública (JO 1964, 56, p. 850; EE 05 F1 p. 36), o Tribunal de Justiça salientou que, a fim de decidir se um cidadão de outro Estado‑Membro pode ser expulso no âmbito da excepção baseada em razões de ordem pública, as autoridades competentes devem determinar, caso a caso, se a medida ou as circunstâncias que deram lugar a essa condenação demonstram a existência de um comportamento individual que constitui uma ameaça actual para a ordem pública. Nem da redacção do artigo 3.° da Directiva 64/221 nem da jurisprudência do Tribunal de Justiça é possível inferir indicações mais precisas sobre o momento exacto a ter em conta para determinar o carácter «actual» da ameaça (acórdão de 29 de Abril de 2004, Orfanopoulos e Oliveri, C‑482/01 e C‑493/01, Colect., n.° 77).

45
No acórdão Orfanopoulos e Oliveri, já referido, n.° 82, o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 3.° da Directiva 64/221 se opõe a uma prática nacional segundo a qual os órgãos jurisdicionais nacionais de um Estado‑Membro não são obrigados a tomar em consideração, ao verificar a legalidade da expulsão ordenada contra um cidadão de outro Estado‑Membro, os elementos de facto ocorridos após a última decisão das autoridades competentes que possam implicar o desaparecimento ou a diminuição significativa da ameaça actual que constitui, para a ordem pública, o comportamento da pessoa em causa.

46
Como já foi recordado nos n.os 42 e 43 do presente acórdão, o artigo 14.°, n.° 1, da Decisão n.° 1/80 impõe às autoridades nacionais competentes limites análogos aos que se aplicam a uma mesma medida aplicada ao nacional de um Estado‑Membro e, tal como o artigo 3.° da Directiva 64/221, esta disposição não contém qualquer indicação sobre a data que deve servir de referência para a determinação do carácter actual da ameaça.

47
Portanto, vistos os princípios consagrados no âmbito da livre circulação dos trabalhadores nacionais de um Estado‑Membro e transponíveis para os trabalhadores turcos que beneficiam dos direitos reconhecidos pela Decisão n.° 1/80, os órgãos jurisdicionais nacionais devem tomar em consideração, ao apreciar a legalidade de uma medida de expulsão ordenada contra um nacional turco, os elementos de facto ocorridos após a última decisão das autoridades competentes que possam implicar o desaparecimento ou a diminuição significativa da ameaça actual que constitui, para a ordem pública, o comportamento da pessoa em causa.

48
Portanto, há que responder à sexta questão que o artigo 14.° da Decisão n.° 1/80 se opõe a que os tribunais nacionais não tomem em consideração, ao apreciar a legalidade de uma medida de expulsão ordenada contra um nacional turco, os elementos de facto ocorridos após a última decisão das autoridades competentes e que já não permitem a limitação dos direitos do interessado na acepção da referida disposição.


Quanto às despesas

49
Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas com a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça, por outras partes que não essas, não são reembolsáveis.




Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

1)
O artigo 7.°, primeiro parágrafo, da Decisão n.° 1/80, de 19 de Setembro de 1980, relativa ao desenvolvimento da associação, adoptada pelo Conselho de Associação instituído pelo Acordo de Associação entre a Comunidade Económica Europeia e a Turquia, deve ser interpretado no sentido de que abrange a situação da pessoa maior, filho de um trabalhador turco inserido ou que esteve inserido no mercado regular de trabalho do Estado‑Membro de acolhimento, mesmo quando este filho nasceu e sempre residiu neste último Estado.

2)
O artigo 7.°, primeiro parágrafo, da Decisão n.° 1/80 opõe‑se a que, na sequência de uma condenação a uma pena de prisão seguida de uma cura de desintoxicação, os direitos que esta disposição confere a um nacional turco que se encontre na situação de I. Cetinkaya sejam limitados em razão de uma ausência prolongada do mercado de trabalho.

3)
O artigo 14.° da Decisão n.° 1/80 opõe‑se a que os tribunais nacionais não tomem em consideração, ao apreciar a legalidade de uma medida de expulsão ordenada contra um nacional turco, os elementos de facto ocorridos após a última decisão das autoridades competentes e que já não permitem a limitação dos direitos do interessado na acepção da referida disposição.


Assinaturas.


1
Língua do processo: alemão.