Language of document : ECLI:EU:C:2018:591

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

25 de julho de 2018 (*)

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Auxílios de Estado — Artigo 107.o, n.o 1, TFUE — Regime fiscal aplicável a certos acordos de locação financeira para a aquisição de navios (Sistema de [locação financeira] fiscal espanhol) — Identificação dos beneficiários do auxílio — Pressuposto da seletividade — Distorção da concorrência e afetação das trocas entre os Estados‑Membros — Dever de fundamentação»

No processo C‑128/16 P,

que tem por objeto um recurso de uma decisão do Tribunal Geral, nos termos do artigo 56.o do Estatuto da Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 29 de fevereiro de 2016,

Comissão Europeia, representada por V. Di Bucci, E. Gippini Fournier e P. Němečková, na qualidade de agentes,

recorrente,

sendo as outras partes no processo:

Reino de Espanha, representado por M. A. Sampol Pucurull, na qualidade de agente,

Lico Leasing SA, com sede em Madrid (Espanha),

Pequeños y Medianos Astilleros Sociedad de Reconversión SA, com sede em Madrid,

representadas por M. Merola, avvocato, e M. Sánchez, abogado,

recorrentes em primeira instância,

Bankia SA, com sede em Valência (Espanha),

Asociación Española de Banca, com sede em Madrid,

Unicaja Banco SA, com sede em Málaga (Espanha),

Liberbank SA, com sede em Madrid,

Banco de Sabadell SA, com sede em Sabadell (Espanha),

Banco Gallego SA, com sede em Santiago de Compostela (Espanha),

Catalunya Banc SA, com sede em Barcelona,

Caixabank SA, com sede em Barcelona,

Banco de Santander SA, com sede em Santader (Espanha),

Santander Investment SA, com sede em Boadilla del Monte (Espanha),

Naviera Séneca AIE, com sede em Las Palmas de Gran‑Canaria (Espanha),

Industria de Diseño Textil SA, com sede em Arteixo (Espanha),

Naviera Nebulosa de Omega AIE, com sede em Las Palmas de Gran‑Canaria,

Banco Mare Nostrum SA, com sede em Madrid,

Abanca Corporación Bancaria SA, com sede em Betanzos (Espanha),

Ibercaja Banco SA, com sede em Saragoça (Espanha),

Banco Grupo Cajatres SAU, com sede em Saragoça,

Naviera Bósforo AIE, com sede em Las Palmas de Gran‑Canaria,

Joyería Tous SA, com sede em Lérida (Espanha),

Corporación Alimentaria Guissona SA, com sede em Guissona (Espanha),

Naviera Muriola AIE, com sede em Madrid,

Poal Investments XXI SL, com sede em San Sébastian de los Reyes (Espanha),

Poal Investments XXII SL, com sede em San Sébastian de los Reyes,

Naviera Cabo Vilaboa C1658 AIE, com sede em Madrid,

Naviera Cabo Domaio C1659 AIE, com sede em Madrid,

Caamaño Sistemas Metálicos SL, com sede em Culleredo (Espanha),

Blumaq SA, com sede em La Vall d’Uixó (Espanha),

Grupo Ibérica de Congelados SA, com sede em Vigo (Espanha),

RNB SL, com sede em La Pobla de Valbona (Espanha),

Inversiones Antaviana SL, com sede em Paterna (Espanha),

Banco de Caja España de Inversiones, Salamanca y Soria SAU, com sede em Madrid,

Banco de Albacete SA, com sede em Boadilla del Monte,

Bodegas Muga SL, com sede em Haro (Espanha),

representadas por J. L. Buendía Sierra, E. Abad Valdenebro, R. Calvo Salinero e A. Lamadrid de Pablo, abogados,

Aluminios Cortizo SAU, com sede em Padrón (Espanha), representada por A. Beiras Cal, abogado,

intervenientes no presente recurso,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: M. Ilešič, presidente de secção, A. Rosas, C. Toader, A. Prechal e E. Jarašiūnas (relator), juízes,

advogado‑geral: M. Bobek,

secretário: L. Carrasco Marco, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 1 de março de 2018,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        Com o presente recurso, a Comissão Europeia pede a anulação do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 17 de dezembro de 2015, Espanha e o./Comissão (T‑515/13 e T‑719/13, a seguir «acórdão recorrido», EU:T:2015:1004), que anulou a Decisão 2014/200/UE da Comissão, de 17 de julho de 2013, relativa ao auxílio estatal SA.21233 C/2011 (ex NN/11, ex CP 137/06) concedido por Espanha Regime fiscal aplicável a certos acordos de locação financeira também conhecido por Sistema de [locação financeira] fiscal espanhol (JO 2014, L 144, p. 1; a seguir «decisão controvertida»).

 Antecedentes do litígio

2        Os antecedentes do litígio, conforme resultam do acórdão recorrido, podem ser resumidos nos seguintes termos.

3        No seguimento de denúncias de que o Sistema de [locação financeira] fiscal espanhol conforme aplicado a certos acordos de locação financeira para a aquisição de navios (a seguir «SLFFE») permitia às companhias marítimas adquirir navios construídos por estaleiros navais espanhóis beneficiando de preços reduzidos numa percentagem entre 20% e 30%, a Comissão deu abertura ao procedimento formal de investigação previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE pela Decisão C(2011) 4494 final, de 29 de junho de 2011 (JO 2011, C 276, p. 5).

4        Nesse procedimento, a Comissão considerou que o SLFFE tinha sido utilizado, até à data dessa decisão, para transações que consistiam na construção de navios pelos estaleiros navais e na sua aquisição por companhias marítimas e ainda no financiamento dessas transações por meio de uma estrutura jurídica e financeira ad hoc montada por um banco. O SLFFE envolvia, para cada encomenda de navio, uma companhia marítima, um estaleiro naval, um banco, uma sociedade de locação financeira e um agrupamento de interesse económico (AIE) constituído pelo banco e pelos investidores que adquirissem participações nesse AIE. Este tomava em locação o navio de uma sociedade de locação financeira desde o início da construção do navio e fretava‑o à companhia de navegação em regime de casco nu. O AIE obrigava‑se a comprar o navio no final do contrato de locação financeira e a companhia marítima obrigava‑se a comprá‑lo no final do contrato de frete em regime de casco nu. Segundo a decisão controvertida, trava‑se de uma operação fiscal destinada a gerar vantagens fiscais a favor de investidores agrupados num AIE fiscalmente transparente e para transferir uma parte dessas vantagens para a companhia marítima sob a forma de desconto no preço do navio.

5        A Comissão considerou que as operações no âmbito do SLFFE combinavam cinco medidas previstas em várias disposições do Real Decreto Legislativo 4/2004, por el que se aprueba el texto refundido da Ley del Impuesto sobre Sociedades (Real Decreto legislativo 4/2004, que aprova o texto refundido da Lei dos impostos sobre as sociedades), de 5 de março de 2004 (BOE n.o 61, de 11 de março de 2004, p. 10951, a seguir «TRLIS»), e do Real Decreto 1777/2004, por el que se aprueba el Reglamento del Impuesto sobre Sociedades (Real Decreto 1777/2004, que aprova o Regulamento do imposto sobre as sociedades), de 30 de julho de 2004 (BOE n.o 189, de 6 de agosto de 2004, p. 37072, a seguir «RIS»). Essas medidas eram a amortização acelerada dos ativos locados prevista no artigo 115.o, n.o 6, do TRLIS, a aplicação discricionária da amortização antecipada dos ativos locados resultante do artigo 48.o, n.o 4, e do artigo 115.o, n.o 11, do TRLIS e do artigo 49.o do RIS, as disposições relativas aos AIE, o regime do imposto sobre a arqueação previsto nos artigos 124.o a 128.o do TRLIS e as disposições do artigo 50.o, n.o 3, do RIS.

6        De acordo com o artigo 115.o, n.o 6, do TRLIS, a amortização acelerada do ativo locado tinha início na data em que o ativo estivesse em condições de funcionamento, ou seja, não antes da entrega do ativo locado ao locatário e de este o começar a utilizar. Contudo, o artigo 115.o, n.o 11, do TRLIS dispunha que o Ministério da Economia e das Finanças podia, mediante pedido formal do locatário, fixar uma data anterior para o início da amortização. O artigo 115.o, n.o 11, do TRLIS impunha duas condições gerais para essa amortização antecipada. As condições específicas aplicáveis ao AIE figuravam no artigo 48.o, n.o 4, do TRLIS. O procedimento de autorização previsto no artigo 115.o, n.o 11, do TRLIS era pormenorizado no artigo 49.o do RIS.

7        O regime do imposto sobre a arqueação foi autorizado em 2002 como auxílio de Estado compatível com o mercado interno de acordo com as Orientações comunitárias sobre auxílios estatais aos transportes marítimos de 5 de julho de 1997 (JO 1997, C 205, p. 5), conforme alteradas em 17 de janeiro de 2004 (JO 2004, C 13, p. 3), pela Decisão da Comissão C(2002) 582 final, de 27 de fevereiro de 2002, relativa ao auxílio de Estado N 736/2001 executado por Espanha — Regime de tributação das companhias de navegação, com base na arqueação (imposto sobre a arqueação) (JO 2004, C 38, p. 4). Nesse regime, as empresas inscritas num dos registos das companhias marítimas e que tenham obtido autorização da autoridade fiscal para esse efeito não são tributadas em função dos seus ganhos e perdas, mas sim com base na arqueação. A lei espanhola permite aos AIE inscreverem‑se num desses registos, apesar de não serem companhias marítimas.

8        O artigo 125.o, n.o 2, do TRLIS previa um procedimento especial para os navios já adquiridos no momento da passagem ao regime de imposto sobre a arqueação e para os navios usados adquiridos quando a empresa já beneficiava desse regime. Ao aplicar normalmente esse regime, as eventuais mais‑valias eram tributadas ao transitarem para o regime do imposto sobre a arqueação, pressupondo‑se que a tributação das mais‑valias, embora adiada, tinha lugar aquando da venda ou do abate do navio. Contudo, por derrogação a essa disposição, o artigo 50.o, n.o 3, do RIS dispunha que, quando os navios eram adquiridos através de uma opção de compra no âmbito de um contrato de locação financeira previamente aprovado pelas autoridades fiscais, eram considerados navios novos e não usados na aceção do artigo 125.o, n.o 2, do TRLIS, sem ter em conta que já estivessem amortizados, pelo que as eventuais mais‑valias não eram tributadas. Esta derrogação, que não foi notificada à Comissão, só foi aplicada aos contratos de locação financeira específicos aprovados pelas autoridades fiscais no âmbito de pedidos de aplicação da amortização antecipada ao abrigo do artigo 115.o, n.o 11, do TRLIS, isto é, a navios recém‑construídos e locados, comprados através de operações abrangidas pelo SLFFE e, com uma única exceção, saídos de estaleiros navais espanhóis.

9        Ao aplicar esse conjunto de medidas, o AIE recolhia as vantagens fiscais em duas fases. Numa primeira fase, aplicava‑se uma amortização antecipada e acelerada do navio locado no âmbito do regime normal do imposto sobre as sociedades, que se traduzia em grandes perdas para o AIE, que, em virtude da transparência fiscal dos AIE, podiam ser deduzidas dos rendimentos próprios dos investidores proporcionalmente à sua participação no AIE. Apesar de essa amortização antecipada e acelerada do custo do navio ser em geral compensada seguidamente pelo aumento dos impostos a pagar quando o navio estivesse integralmente amortizado ou quando o navio fosse vendido gerando uma mais‑valia, mantinha‑se a economia fiscal resultante da transferência das perdas iniciais para os investidores, numa segunda fase, pelo facto de o AIE passar para o regime do imposto sobre a arqueação, que permitia a isenção total dos lucros resultantes da venda do navio à companhia marítima.

10      Não deixando de considerar que o SLFFE se deveria descrever como um sistema, a Comissão analisou igualmente cada uma das medidas em causa individualmente. Na decisão controvertida, decidiu que, entre essas medidas, as resultantes do artigo 115.o, n.o 11, do TRLIS relativas à amortização antecipada de ativos locados, da aplicação do regime do imposto sobre a arqueação a empresas, navios ou atividades não elegíveis e do artigo 50.o, n.o 3, do RIS (a seguir «medidas fiscais em causa») constituíam um auxílio de Estado aos AIE e aos seus investidores ilegalmente executado pelo Reino de Espanha desde 1 de janeiro de 2002, em violação do artigo 108.o, n.o 3, TFUE. Declarou que as medidas fiscais em causa eram incompatíveis com o mercado interno, exceto na medida em que o auxílio correspondesse a uma remuneração conforme ao mercado devida à intermediação de investidores financeiros e fosse canalizado para empresas de transporte marítimo que pudessem beneficiar das orientações sobre transportes marítimos. Decidiu que o Reino de Espanha devia pôr termo a esse regime de auxílio na medida em que era incompatível com o mercado interno, devendo ainda recuperar os auxílios incompatíveis junto dos investidores dos AIE que deles beneficiaram, sem que esses beneficiários pudessem transferir o encargo da recuperação para outras pessoas. Contudo, a Comissão decidiu que não se poderá proceder à recuperação do auxílio concedido no âmbito de operações de financiamento em que as autoridades nacionais competentes se tivessem obrigado a conceder o benefício das medidas através de um ato juridicamente vinculativo adotado antes de 30 de abril de 2007, data da publicação no Jornal Oficial da União Europeia da sua Decisão 2007/256/CE, de 20 de dezembro de 2006, relativa ao regime de auxílio executado pela França ao abrigo do artigo 39.o CA do Código Geral dos Impostos — Auxílio estatal C 46/2004 (ex NN 65/2004) (JO 2007, L 112, p. 41).

 Tramitação do processo no Tribunal Geral e acórdão recorrido

11      Por petições apresentadas na secretaria do Tribunal Geral em 25 de setembro e 30 de dezembro de 2013, o Reino de Espanha, por um lado, e a Lico Leasing SA e a Pequeños y Medianos Astilleros Sociedad de Reconversión SA (a seguir «PYMAR»), por outro, interpuseram recurso de anulação da decisão controvertida. Os dois processos foram apensados para efeitos do acórdão.

12      No acórdão recorrido, o Tribunal Geral anulou a decisão impugnada e condenou a Comissão nas despesas.

 Tramitação do processo no Tribunal de Justiça e pedidos das partes

13      Por despachos do presidente do Tribunal de Justiça de 21 de dezembro de 2016, foram admitidas as intervenções da Bankia SA e 32 outras entidades (a seguir «Bankia e o.») e da Aluminios Cortizo SAU em apoio dos pedidos da Lico Leasing e da PYMAR.

14      Com o presente recurso, a Comissão pede que o Tribunal de Justiça anule o acórdão recorrido, devolva o processo ao Tribunal Geral e condene as recorrentes em primeira instância nas despesas.

15      O Reino de Espanha conclui pela negação de provimento ao presente recurso, por improcedente, e pela condenação da Comissão nas despesas.

16      A Lico Leasing e a PYMAR pretendem que o presente recurso seja julgado inadmissível e, subsidiariamente, improcedente, pedindo ainda a condenação da Comissão nas despesas.

17      A Bankia e o. e a Aluminios Cortizo pedem que o Tribunal de Justiça declare improcedente o presente recurso e condene a Comissão nas despesas.

 Quanto ao presente recurso

 Quanto à admissibilidade

18      A Lico Leasing e a PYMAR expressam dúvidas quando à admissibilidade do presente recurso que entendem basear‑se em alegações novas sobre a identificação dos beneficiários das vantagens resultantes das medidas fiscais em causa, como as de o AIE e os investidores formarem uma unidade económica, com as quais se pretende sanar as incoerências da decisão controvertida.

19      Contudo, não se pode deixar de observar que essas dúvidas não são relativas a uma característica do presente recurso que, enquanto tal, afete a sua admissibilidade e que a inadmissibilidade das alegações em causa, admitindo‑a demonstrada, só pode afetar certos argumentos apresentados pela Comissão em apoio do seu recurso, relativas à identificação dos beneficiários das vantagens resultantes das medidas fiscais em causa. A admissibilidade dessas alegações será, portanto, apreciada no presente acórdão no âmbito do exame da primeira parte do primeiro fundamento.

20      Daí resulta que improcede a causa de não conhecimento de mérito arguida pela Lico Leasing e pela PYMAR.

 Quanto ao primeiro fundamento

21      Com o seu primeiro fundamento, a Comissão alega erros de direito cometidos na interpretação e na aplicação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, no que respeita aos conceitos de «empresa» e de «vantagem seletiva».

 Quanto à primeira parte do primeiro fundamento

22      No âmbito da primeira parte do seu primeiro fundamento, a Comissão alega, antes de mais, que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito na identificação dos beneficiários do auxílio e no que respeita aos conceitos de «empresa», de «vantagem» e de «medida seletiva». Seguidamente, acusa o Tribunal Geral de ter violado o artigo 296.o TFUE ao entender que a decisão controvertida estava ferida de falta de fundamentação a esse respeito, ou mesmo de fundamentação contraditória. Esta segunda alegação será analisada com o segundo fundamento do presente recurso.

–       Argumentos das partes

23      Em apoio da primeira alegação da primeira parte do seu primeiro fundamento, a Comissão alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao proceder a uma apreciação artificial da situação que lhe estava submetida e ao confundir o conceito económico de «empresa» com o conceito de «contribuinte». Nos n.os 116 a 118 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou, erradamente, que, devido à transparência fiscal dos AIE, as vantagens fiscais a eles concedidas só poderiam beneficiar os seus membros. Foi partindo desta consideração errada, que nega a existência dos AIE, a sua capacidade de beneficiarem de qualquer auxílio de natureza fiscal e o facto de exercerem uma atividade económica num setor específico, que o Tribunal Geral seguidamente baseou todo o acórdão recorrido e afirmou que as medidas fiscais em causa tinham caráter geral e não seletivo, pois os membros dos AIE podiam pertencer a qualquer setor da economia. A consequência deste raciocínio é que qualquer empresa organizada sob a forma jurídica de um AIE poderá beneficiar de vantagens fiscais sem que estas possam alguma vez ser qualificadas de «auxílios de Estado».

24      Segundo a Comissão, o facto de qualquer pessoa poder, em princípio, ser membro de um AIE não transforma em medida geral uma medida que constitui manifestamente uma derrogação ao quadro de referência e que só é concedida a empresas com atividade num setor de atividade bem determinado. No caso, a atividade dos AIE limita‑se a um setor de atividade, a saber, o financiamento da aquisição de navios com base em contratos de locação financeira, o seu fretamento em regime de casco nu e a sua posterior revenda, e os beneficiários das vantagens analisadas nas decisão controvertida são os AIE e os seus membros em conjunto ou, dito de outra forma, a entidade única formada por cada AIE e pelos seus membros.

25      O Reino de Espanha considera que, contrariamente ao que afirma a Comissão, o Tribunal Geral não interpretou, no acórdão recorrido, o conceito de «empresa» ou de «contribuinte». Entende que o presente recurso tenta atribuir aos AIE o papel de empresas que exercem uma atividade específica, quando esse papel não foi analisado na decisão controvertida, e não dá importância ao facto de a transparência fiscal implicar a transferência das vantagens fiscais para os membros dos AIE, de modo que esses membros passam a ser os verdadeiros e únicos destinatários das medidas fiscais em causa, como demonstra a própria decisão controvertida. Em suma, ao admitir que o AIE é um instrumento auxiliar na atividade dos seus membros, que é o beneficiário inicial das vantagens fiscais e que as repercute nos seus membros, que passam a ser os beneficiários finais, junto dos quais a Comissão ordena a recuperação do auxílio, os argumentos da Comissão levam às mesmas conclusões a que chegou o Tribunal Geral.

26      A Lico Leasing e a PYMAR alegam que o Tribunal Geral não cometeu qualquer erro no que respeita à identificação dos beneficiários das vantagens resultantes das medidas fiscais em causa, que constitui uma questão de facto e não de direito. Além disso, entendem ser indiscutível que os AIE não podem ser considerados os beneficiários efetivos das vantagens fiscais resultantes das medidas fiscais em causa. O facto de uma medida ser aplicada pelos AIE que exercem um certo tipo de operações económicas não implica que tenha caráter seletivo, uma vez que a seletividade de uma vantagem, como todos os outros pressupostos da existência de um auxílio de Estado, deve ser examinada face aos operadores em quem a vantagem económica se materializa. Consequentemente, no caso, era efetivamente face aos investidores que se deveria ter analisado o pressuposto da seletividade, o que levaria a concluir pela existência de vantagens fiscais acessíveis a todas as empresas.

27      Acresce que se os AIE fossem considerados os beneficiários dessas vantagens, seria difícil identificar o setor de atividade económica afetado. Com efeito, o mercado do financiamento, do fretamento e da venda de navios específico dos AIE não existe, pois os AIE que participam no SLFFE são simples instrumentos financeiros.

28      A tese da Comissão de que os AIE e os investidores constituíam uma unidade económica, além de ter sido apresentada pela primeira vez na audiência no Tribunal Geral e de implicar o conhecimento de uma questão de facto, desvirtua o conceito de «unidade económica», que pressupõe a existência de um controlo de uma entidade sobre uma sociedade e a possibilidade de intervir efetivamente, direta ou indiretamente, na sua gestão.

29      A Bankia e o. alegam, em substância, que a argumentação da Comissão de que os AIE são os beneficiários das vantagens resultantes das medidas fiscais em causa é extemporânea e, portanto, inadmissível. Com essa argumentação, a Comissão passa a tentar demonstrar a seletividade dessas medidas atribuindo aos AIE a qualidade de beneficiários e uma atividade setorial, apesar de, por um lado, os AIE não receberem nem transmitirem uma vantagem fiscal, pois a aplicação dessas medidas só lhes causa perdas, e, por outro, o setor económico em que operam não é identificado.

30      A Aluminios Cortizo considera igualmente que o AIE é apenas um simples mecanismo financeiro que não pode ter a qualidade de beneficiário de um auxílio e que, uma vez que qualquer empresa pode ser membro de um AIE, o pressuposto da seletividade não está preenchido relativamente aos investidores. Estes não formam um grupo económico, pois estão vinculados entre si por um simples contrato de associação para a construção de um bem específico e também não existe qualquer atividade de compra e venda ou de locação que constitua um mercado, uma vez que as operações efetuadas no âmbito do SLFFE resultam da simples execução de obrigações contratuais. A alegada seletividade só pode ser apreciada no mercado da construção naval, o que foi, porém, rejeitado pela Comissão.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

31      Visto a Lico Leasing e a PYMAR contestarem a admissibilidade da primeira alegação da primeira parte do primeiro fundamento da Comissão, relativa a erro de direito na identificação dos beneficiários das vantagens resultantes das medidas fiscais em causa, por se tratar de uma questão de facto, há que lembrar que é certo que a apreciação dos factos e da prova não constitui, sem prejuízo dos casos de desvirtuação desses factos e dessa prova, uma questão de direito sujeita, como tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça em sede de recurso de segunda instância. Contudo, quando o Tribunal Geral apurou ou apreciou os factos, o Tribunal de Justiça é competente para exercer, nos termos do artigo 256.o TFUE, a fiscalização da sua qualificação jurídica e as consequências jurídicas deles extraídas (Acórdãos de 6 de abril de 2006, General Motors/Comissão, C‑551/03 P, EU:C:2006:229, n.o 51; de 22 de dezembro de 2008, British Aggregates/Comissão, C‑487/06 P, EU:C:2008:757, n.o 96; e de 20 de dezembro de 2017, Comunidad Autónoma del País Vasco e o./Comissão, C‑66/16 P a C‑69/16 P, EU:C:2017:999, n.o 97).

32      Ora, com esta alegação, a Comissão não impugna os factos em que o Tribunal Geral se baseou, mas sim as consequências que deles extraiu, em particular as relativas à transparência fiscal dos AIE, para considerar que os investidores, membros dos AIE, e não os AIE, eram os beneficiários das vantagens resultantes das medidas fiscais em causa. Desse modo, a Comissão pretende obter uma fiscalização da qualificação jurídica feita pelo Tribunal Geral quanto aos beneficiários dessas vantagens, o que é da competência do Tribunal de Justiça em sede de recurso de segunda instância. Assim, essa alegação é admissível.

33      Quanto ao argumento da Comissão de que o AIE e os seus membros formam uma unidade económica e são os beneficiários das vantagens resultantes das medidas fiscais em causa, cuja extemporaneidade é alegada pela Lico Leasing, pela PYMAR e pela Bankia e o., não se pode deixar de observar que esse argumento foi apresentado no Tribunal Geral, conforme resulta dos n.os 167 e 168 do acórdão recorrido. Consequentemente, as causas de não conhecimento de mérito opostas a esse argumento são improcedentes.

34      Quanto ao mérito, há que lembrar que o direito da concorrência da União e, em particular, a proibição que consta do artigo 107.o, n.o 1, TFUE visam as atividades das empresas. O conceito de «empresa» abrange, neste contexto, qualquer entidade que exerça uma atividade económica, independentemente do seu estatuto jurídico e do seu modo de financiamento. Constitui uma atividade económica qualquer atividade que consista em oferecer bens ou serviços num determinado mercado (v., neste sentido, Acórdão de 27 de junho de 2017, Congregación de Escuelas Pías Provincia Betania, C‑74/16, EU:C:2017:496, n.os 39, 41 e 45 e jurisprudência aí referida).

35      Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a qualificação de uma medida nacional de «auxílio de Estado», na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, exige que estejam preenchidos todos os seguintes pressupostos. Primeiro, tem que ser uma intervenção do Estado ou com recursos de Estado. Segundo, a intervenção tem que ser suscetível de afetar as trocas entre os Estados‑Membros. Terceiro, tem que dar uma vantagem seletiva ao seu beneficiário. Quarto, tem que falsear ou ameaçar falsear a concorrência (Acórdãos de 10 de junho de 2010, Fallimento Traghetti del Mediterraneo, C‑140/09, EU:C:2010:335, n.o 31 e jurisprudência aí referida; de 21 de dezembro de 2016, Comissão/Hansestadt Lübeck, C‑524/14 P, EU:C:2016:971, n.o 40; e de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o., C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981, n.o 53).

36      Quanto ao pressuposto da existência de uma vantagem seletiva, segundo jurisprudência constante, são consideradas auxílios de Estado as intervenções que, qualquer que seja a forma que assumam, sejam suscetíveis de favorecer direta ou indiretamente empresas ou que devam ser consideradas vantagens económicas que a empresa beneficiária não teria obtido em condições normais de mercado. Assim, são consideradas auxílios, nomeadamente, as intervenções que, sob formas diversas, beneficiem o orçamento da empresa e que, por isso, sem ser subvenções no sentido estrito do termo, têm a mesma natureza e têm efeitos idênticos (Acórdão de 27 de junho de 2017, Congregación de Escuelas Pías Provincia Betania, C‑74/16, EU:C:2017:496, n.os 65 e 66 e jurisprudência aí referida). O artigo 107.o, n.o 1, TFUE não distingue consoante as causas e objetivos das intervenções estatais, mas define‑as em função dos seus efeitos e, portanto, independentemente das técnicas utilizadas [v., neste sentido, Acórdãos de 15 de novembro de 2011, Comissão e Espanha/Government of Gibraltar e Reino Unido, C‑106/09 P e C‑107/09 P, EU:C:2011:732, n.os 87, 92 e 93, e de 28 de junho de 2018, Andres (insolvência Heitkamp BauHolding)/Comissão, C‑203/16 P, EU:C:2018:505, n.o 91].

37      Em particular, quanto a medidas nacionais que confiram uma vantagem fiscal, há que lembrar que uma medida dessa natureza que, apesar de não incluir uma transferência de recursos de Estado, deixa os beneficiários numa situação mais favorável do que os outros contribuintes é suscetível de conferir uma vantagem seletiva aos beneficiários, constituindo, assim, um auxílio de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE. Em contrapartida, não constitui auxílio, na aceção dessa disposição, uma vantagem fiscal resultante de uma medida geral indistintamente aplicável a todos os operadores económicos [v., neste sentido, Acórdão de 15 de novembro de 2011, Comissão e Espanha/Government of Gibraltar e Reino Unido, C‑106/09 P e C‑107/09 P, EU:C:2011:732, n.os 72 e 73, e jurisprudência aí referida; v., igualmente, Acórdãos de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o., C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981, n.o 56, e de 28 de junho de 2018, Andres (insolvência Heitkamp BauHolding)/Comissão, C‑203/16 P, EU:C:2018:505, n.o 85]. Do mesmo modo, o conceito de «auxílio de Estado» não visa as medidas estatais que introduzem uma diferenciação entre empresas e são, portanto, a priori seletivas, quando essa diferenciação resulta da natureza ou da estrutura do sistema em que se inserem [Acórdãos de 21 de dezembro de 2016, Comissão/Hansestadt Lübeck, C‑524/14 P, EU:C:2016:971, n.o 41, e de 28 de junho de 2018, Andres (insolvência Heitkamp BauHolding)/Comissão, C‑203/16 P, EU:C:2018:505, n.o 87].

38      No caso, para julgar procedente o fundamento do Reino de Espanha, da Lico Leasing e da PYMAR, segundo o qual a Comissão tinha violado o artigo 107.o, n.o 1, TFUE, na medida em que não estavam preenchidos os pressupostos da seletividade, do risco de distorção da concorrência e da afetação das trocas, uma vez que esses pressupostos têm que estar demonstrados, em seu entender, unicamente a respeito das vantagens obtidas pelos investidores, o Tribunal Geral, no n.o 116 do acórdão recorrido, considerou que, embora os AIE tivessem beneficiado das três medidas fiscais previstas no artigo 1.o da decisão controvertida, eram os membros dos AIE quem tinha beneficiado das vantagens económicas resultantes dessas três medidas, devido à transparência fiscal dos AIE, e que, de resto, eram visados pela ordem de recuperação dada no artigo 4.o, n.o 1, dessa decisão. No n.o 117 desse acórdão, considerou‑se que, na falta de uma vantagem económica a favor dos AIE, a Comissão considerou, erradamente, que estes tinham beneficiado de um auxílio de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE. Assim, no n.o 118 desse acórdão, concluiu que, «[n]a medida em que foram apenas os investidores e não os AIE quem beneficiou das vantagens fiscais e económicas resultantes do [SLFFE], há que examinar […] se as vantagens que os investidores obtiveram são de natureza seletiva, se podem falsear a concorrência e afetam as trocas comerciais entre os Estados‑Membros, e se a decisão impugnada está suficientemente fundamentada no que se refere à análise desses critérios».

39      Depois de lembrar, no n.o 164 do acórdão recorrido, que a análise da seletividade das vantagens resultantes das medidas fiscais em causa efetuada na decisão controvertida assentava igualmente na consideração de que o SLFFE favorecia certas atividades, a saber, a aquisição de navios através de contratos de locação financeira, em particular com vista ao seu fretamento em regime de casco nu e à sua posterior revenda, o Tribunal Geral referiu, nos n.os 171 e 176 desse acórdão, que essa consideração visava as atividades exercidas pelos AIE constituídos para efeitos de SLFFE, mas não dizia respeito às atividades industriais ou económicas dos membros dos AIE, que adquirem participações nestes como investidores. Daí concluiu, nos n.os 176 e 180 desse acórdão, que a seletividade das medidas fiscais em causa não podia ser demonstrada com base nessa consideração.

40      Verifica‑se destas considerações que, sem pôr em causa a descrição que a Comissão fez do SLFFE na decisão controvertida, que é reproduzida no acórdão recorrido e resumida nos n.os 4 a 9 do presente acórdão, nem, em particular, as considerações de que as medidas fiscais em causa tinham sido concedidas aos AIE e tinham favorecido as atividades por eles exercidas, o Tribunal Geral concluiu que os AIE não podiam ser os beneficiários de um auxílio de Estado unicamente pelo facto de, por causa da transparência fiscal desses agrupamentos, serem os investidores e não os AIE quem tinha beneficiado das vantagens fiscais e económicas resultantes dessas medidas.

41      Ora, além de estar em contradição com o facto apurado, no n.o 116 do acórdão recorrido, de os AIE terem beneficiado das três medidas fiscais referidas no artigo 1.o da decisão controvertida, esta conclusão procede de uma aplicação errada do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

42      Com efeito, segundo a descrição do SLFFE, os AIE exerciam uma atividade económica, a saber, a aquisição de navios através de contratos de locação financeira, em particular com vista ao seu fretamento em regime de casco nu e à sua posterior revenda, de onde resulta que constituíam empresas na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE e da jurisprudência lembrada no n.o 34 do presente acórdão, o que a Comissão referiu no considerando 126 da decisão controvertida.

43      Eram os AIE quem, por um lado, pedia à Administração Fiscal, nos termos do artigo 115.o, n.o 11, do TRLIS, o benefício da amortização antecipada de ativos locados e a quem este era concedido e, por outro, renunciava ao regime ordinário do imposto sobre as sociedades e optava pelo regime do imposto sobre a arqueação, conforme aplicado nos termos do artigo 50.o, n.o 3, do RIS. Eram igualmente os AIE quem recolhia as vantagens fiscais em duas fases, conforme se expõe no n.o 9 do presente acórdão, com a conjugação das medidas fiscais em causa.

44      As vantagens económicas daí resultantes correspondiam, segundo os factos apurados no ponto 5.3.2.6. da decisão controvertida, às vantagens que os AIE não teriam obtido com a mesma operação se tivessem aplicado unicamente as medidas gerais, a saber, os juros poupados sobre os montantes dos pagamentos de impostos diferidos no âmbito da amortização antecipada, o montante dos impostos evitados ou dos juros poupados sobre os impostos diferidos nos termos do regime do imposto sobre a arqueação e o montante dos impostos evitados sobre a mais‑valia realizada no momento da venda do navio. O SLFFE implicava, assim, a utilização de recursos públicos sob a forma de perda de receitas fiscais e de juros não recebidos, como se dá por provado no ponto 5.3.3. dessa decisão.

45      É certo que essas vantagens eram integralmente transferidas para os membros dos AIE pelo facto de, visto esses AIE serem fiscalmente transparentes no que respeita aos membros residentes em Espanha, os ganhos ou as perdas registados pelos AIE serem transferidos automaticamente para os seus membros residentes nesse Estado‑Membro na proporção da sua participação. Contudo, a verdade é que era aos AIE que as medidas fiscais em causa eram aplicadas e que eram estes os beneficiários diretos das vantagens delas resultantes. Essas vantagens, segundo o considerando 157 da decisão controvertida, favoreciam a atividade de aquisição de navios através de contratos de locação financeira, em particular com vista ao seu fretamento em regime de casco nu e à sua posterior revenda, por eles exercida.

46      Daí resulta que as medidas fiscais em causa eram, em face da jurisprudência acima lembrada nos n.os 35 a 37 do presente acórdão, suscetíveis de constituir auxílios de Estado a favor dos AIE e que, portanto, ao não reconhecer a esses AIE a qualidade de beneficiários dessas medidas por serem entidades fiscalmente transparentes, o Tribunal Geral excluiu a possibilidade de serem eles os beneficiários de auxílios de Estado unicamente por causa da sua forma jurídica e das normas relativas à tributação dos lucros que lhe estão associadas. Ora, essa exclusão é contrária à jurisprudência exposta nos n.os 34 e 36 do presente acórdão, da qual resulta que a qualificação de uma medida de «auxílio de Estado» não pode depender do estatuto jurídico das empresas em causa nem das técnicas utilizadas.

47      Para esta conclusão, é irrelevante a decisão da Comissão de ordenar a recuperação dos auxílios incompatíveis unicamente junto dos investidores dos AIE, de cuja legalidade o Tribunal de Justiça não tem que conhecer no âmbito do presente recurso.

48      Daí resulta ser procedente a primeira alegação da primeira parte do primeiro fundamento.

 Quanto à segunda parte do primeiro fundamento

–       Argumentos das partes

49      No âmbito da segunda parte do primeiro fundamento, a Comissão acusa o Tribunal Geral de, nos n.os 157 a 163 do acórdão recorrido, ter cometido um erro de direito na análise da vantagem seletiva resultante de um poder discricionário da autoridade fiscal. Entende que esse tribunal baseou o seu raciocínio na premissa errada de que os AIE não podiam beneficiar de uma vantagem fiscal e foi contra a jurisprudência constante segundo a qual uma medida com caráter aparentemente geral se torna seletiva quando a vantagem é concedida por meio de um procedimento discricionário.

50      Entende ainda que, apesar de ser o poder discricionário, em si mesmo, que permite colocar certas empresas numa situação mais favorável do que outras empresas, o Tribunal Geral procedeu a uma apreciação ex post e confundiu assim a seletividade baseada no critério da gestão discricionária e da seletividade de facto, que depende de um exame do comportamento concreto da autoridade que concede a vantagem. De resto, as autorizações administrativas que permitem aplicar a amortização antecipada e o regime do imposto sobre a arqueação só foram dadas aos AIE que exercem a atividade de financiamento e de fretamento de navios em regime de casco nu, o que as colocou numa situação mais favorável do que outras empresas.

51      O Reino de Espanha alega que o Tribunal Geral referiu que a existência de um poder discricionário da Administração Fiscal não estava demonstrada e que é uma consideração de ordem factual que não está sujeita à fiscalização do Tribunal de Justiça. Afirma ainda que, como o Tribunal Geral igualmente considerou, esse poder era muito limitado, pois não consistia em determinar os beneficiários mas apenas o tipo de bens suscetível de beneficiar da amortização antecipada. Entende, pois, que não está preenchido o pressuposto, resultante da jurisprudência, de se tratar, para caracterizar a seletividade da vantagem em causa, de um poder discricionário extenso que permita determinar os beneficiários e as condições da medida concedida com base em critérios alheios ao sistema fiscal. Afirma também que, contrariamente ao que afirma a Comissão, o Tribunal Geral não analisou a seletividade das vantagens resultantes das medidas fiscais em causa de forma ex post em vez de se basear no critério da gestão discricionária do auxílio.

52      A Lico Leasing e a PYMAR entendem igualmente que as considerações do acórdão recorrido sobre o caráter discricionário do poder da Administração Fiscal no mecanismo do SLFFE pertencem à apreciação dos factos. Quanto ao resto, entendem que o Tribunal Geral fez uma exata apreciação da seletividade das vantagens resultantes das medidas fiscais em causa, ao rejeitar simultaneamente a existência de uma seletividade baseada num poder discricionário da Administração Fiscal e de uma seletividade de facto.

53      Do mesmo modo, a Bankia e o. alegam que o Tribunal Geral não cometeu qualquer erro de direito ao declarar a inexistência de seletividade de jure e de facto. Afirmam que, mesmo admitindo que existia uma seletividade setorial no domínio marítimo ou da construção naval, essa seletividade não dizia respeito aos investidores, que são, porém, identificados como os beneficiários últimos e únicos das medidas fiscais em causa.

54      A Aluminios Cortizo adere aos argumentos apresentados pelo Reino de Espanha, pela Lico Leasing, pela PYMAR e pela Bankia e o.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

55      Há que lembrar que, para demonstrar o caráter seletivo de uma vantagem fiscal, não é necessário que as autoridades nacionais competentes disponham do poder discricionário de conceder o seu benefício. Contudo, a existência desse poder pode ser suscetível de permitir a essas autoridades favorecer certas empresas ou certas produções em detrimento de outras e, desse modo, demonstrar a existência de um auxílio, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 15 de julho de 2004, Espanha/Comissão, C‑501/00, EU:C:2004:438, n.o 121). É o que acontece, nomeadamente, se as autoridades competentes dispuserem de um poder discricionário de determinar os beneficiários e as condições da medida concedida com base em critérios alheios ao sistema fiscal. Em contrapartida e em princípio, não se pode considerar seletiva a aplicação de um sistema de autorização em que as autoridades competentes disponham unicamente de um poder de apreciação circunscrito por critérios objetivos que não sejam alheios ao sistema fiscal instituído pela regulamentação em causa (v., neste sentido, Acórdão de 18 de julho de 2013, P, C‑6/12, EU:C:2013:525, n.os 26 e 27).

56      No caso, entendendo que a Comissão tinha considerado erradamente, no considerando 156 da decisão controvertida, que as vantagens resultantes do SLFFE no seu conjunto eram seletivas por dependerem do poder discricionário conferido à Administração Fiscal, o Tribunal Geral, no n.o 158 do acórdão recorrido, considerou que, apesar da existência de um sistema de autorização que contém alegados elementos discricionários, essas vantagens continuavam abertas nas mesmas condições a qualquer investidor que decidisse participar nas operações do SLFFE destinadas a financiar navios através da compra de participações nos AIE constituídos pelos bancos.

57      Referindo, no n.o 159 desse acórdão, que as condições de autorização da amortização antecipada eram unicamente relativas, de jure, às características do ativo que pode ser amortizado de forma antecipada, que a Comissão tinha indicado, na decisão controvertida, que o exercício do poder discricionário só tinha levado a Administração Fiscal a aceitar a amortização antecipada para uma categoria particular de ativos e que as vantagens em causa não tinham sido recusadas a nenhuma operação no âmbito do SLFFE, o Tribunal Geral, nos n.os 160 e 162 do acórdão recorrido, considerou que, admitindo‑o demonstrado, esse poder discricionário só teria levado, de jure e de facto, a definir o tipo de operação suscetível de beneficiar das vantagens fiscais em causa, a saber, as operações no âmbito do SLFFE destinadas a financiar navios, com exclusão de outros bens, e que era igualmente certo que a possibilidade de participar nessas operações e de aceder às vantagens em causa estava aberta a qualquer empresa. Concluiu daí que a existência de um sistema de autorização não podia conferir no caso presente uma natureza seletiva às vantagens de que beneficiaram os investidores.

58      Ora, não se pode deixar de observar que essas considerações se baseiam na premissa errada de que só os investidores, e não os AIE, podiam ser considerados os beneficiários das vantagens resultantes das medidas fiscais em causa e que era face aos investidores e não aos AIE que o pressuposto da seletividade devia ser analisado. Assim, ao não analisar se o sistema de autorização da amortização antecipada conforme previsto no artigo 48.o, n.o 4, e no artigo 115.o, n.o 11, do TRLIS e ainda no artigo 49.o do RIS conferia à Administração Fiscal um poder discricionário suscetível de favorecer as atividades exercidas pelos AIE participantes no SLFFE ou que tinha por efeito favorecer essas atividades, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito.

59      Consequentemente, há que julgar procedente a segunda parte do primeiro fundamento.

 Quanto à terceira parte do primeiro fundamento

–       Argumentos das partes

60      No âmbito da terceira parte do primeiro fundamento, a Comissão critica o Tribunal Geral por, nos n.os 139 a 155 do acórdão recorrido, ter entendido, com base nos Acórdãos de 7 de novembro de 2014, Banco Santander e Santusa/Comissão (T‑399/11, EU:T:2014:938), e de 7 de novembro de 2014, Autogrill España/Comissão (T‑219/10, EU:T:2014:939), que o facto de as vantagens fiscais serem concedidas em razão de investimentos num bem particular com exclusão de outros bens ou de outros tipos de investimentos não os torna seletivos a respeito dos investidores, uma vez que a operação está aberta a qualquer empresa. Entende que o Tribunal de Justiça, ao anular esses acórdãos pelo Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o. (C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981), rejeitou essa tese. Entende que, por outro lado, o Tribunal Geral fez uma análise errada da jurisprudência.

61      Segundo o Reino de Espanha, a Comissão não precisa que o Tribunal Geral, embora tenha tido em consideração os Acórdãos de 7 de novembro de 2014, Banco Santander e Santusa/Comissão (T‑399/11, EU:T:2014:938), e de 7 de novembro de 2014, Autogrill España/Comissão (T‑219/10, EU:T:2014:939), indicou expressamente que decidia no âmbito da jurisprudência existente e seguiu uma jurisprudência consolidada em matéria fiscal. Entende que dela resulta que um regime fiscal não é seletivo quando aproveita indistintamente a todos os operadores económicos. No caso, a Comissão não identificou uma categoria de empresas que beneficiaram de uma derrogação nem os termos da comparação entre essas empresas e as que dela não podiam beneficiar.

62      A Lico Leasing e a PYMAR alegam que, visto as medidas fiscais em causa não serem seletivas, na medida em que qualquer empresa sem distinção podia investir nos AIE e beneficiar das vantagens resultantes desses investimentos, o Tribunal Geral não cometeu qualquer erro ao rejeitar por esse motivo o caráter seletivo das vantagens obtidas pelos investidores no âmbito do SLFFE. Esta apreciação não é posta em causa pelo Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o. (C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981), pois não existe no SLFFE qualquer derrogação que beneficie certos contribuintes face a outros contribuintes que se encontrem numa situação factual e jurídica comparável à luz do sistema fiscal de referência nem qualquer discriminação entre diferentes categorias de investidores, uma vez que o SLFFE mais não é do que um meio de otimização fiscal acessível a todos. Entendem ainda que a decisão controvertida não contém qualquer fundamentação sobre os elementos necessários para aplicar os critérios enunciados nesse acórdão, em particular os que permitem determinar o quadro de referência.

63      A Bankia e o. salientam que resulta do acórdão recorrido que a própria Comissão distinguiu a presente lide do processo que deu origem ao Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o. (C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981), ao afirmar que as vantagens resultantes do SLFFE não tinham sido concedidas aos investidores pela realização de simples investimentos mas sim pelo exercício de certas atividades económicas por intermédio dos AIE. De qualquer forma, ao contrário deste último processo, as medidas fiscais em causa não favoreciam entidades em situação factual e jurídica comparável à de outras entidades, uma vez que a Comissão não o demonstrou e nem sequer definiu o quadro de referência.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

64      Resulta dos n.os 130 e 132 do acórdão recorrido que, tendo o Reino de Espanha, a Lico Leasing e a PYMAR assinalado no Tribunal Geral que a possibilidade de participar nas estruturas do SLFFE e, portanto, de obter as vantagens daí resultantes estava aberta a qualquer investidor que operasse em todos os setores da economia, sem qualquer condição prévia ou restrição, pelo que as vantagens obtidas pelos investidores não podiam ser consideradas seletivas, nomeadamente à luz dos Acórdãos de 7 de novembro de 2014, Banco Santander e Santusa/Comissão (T‑399/11, EU:T:2014:938), e de 7 de novembro de 2014, Autogrill España/Comissão (T‑219/10, EU:T:2014:939), a Comissão alegou que as medidas fiscais em causa eram seletivas a respeito dos investidores, pois só as empresas que realizassem um certo tipo de investimento por intermédio de um AIE a elas tinham direito, enquanto as empresas que realizassem investimentos semelhantes no âmbito de outras operações não podiam beneficiar delas.

65      Para rejeitar este argumento da Comissão no n.o 144 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral, nos n.os 139 a 143 desse mesmo acórdão, baseou‑se nos Acórdãos de 7 de novembro de 2014, Banco Santander e Santusa/Comissão (T‑399/11, EU:T:2014:938), e de 7 de novembro de 2014, Autogrill España/Comissão (T‑219/10, EU:T:2014:939), e, referindo que, como nos processos que deram origem a esses acórdãos, qualquer operador podia beneficiar das vantagens fiscais em causa ao realizar um certo tipo de operação aberta, nas mesmas condições, a qualquer empresa sem distinção, considerou que, como nesses processos, o facto de as vantagens serem concedidas em razão de um investimento num bem particular com exclusão de outros bens ou de outras tipos de investimento não as tornava seletivas a respeito dos investidores na medida em que a operação era aberta a qualquer empresa.

66      Analisando seguidamente, nos n.os 146 a 154 do acórdão recorrido, o Acórdão de 19 de setembro de 2000, Alemanha/Comissão (C‑156/98, EU:C:2000:467), e a sua própria jurisprudência, o Tribunal Geral considerou, nos n.os 148 e 150 do acórdão recorrido, que daí resultava que quando uma vantagem é concedida, nas mesmas condições, a qualquer empresa em razão da realização de um certo tipo de investimento acessível a qualquer operador, essa vantagem tem caráter geral a respeito desses operadores e não constitui um auxílio de Estado a seu favor. Concluiu daí, no n.o 155 desse acórdão, que as vantagens obtidas pelos investidores que participaram nas operações ao abrigo do SLFFE não podiam ser consideradas seletivas pelo facto de só beneficiarem delas as empresas que realizassem esse tipo particular de investimento por intermédio de um AIE.

67      A esse respeito, há que observar que, no acórdão recorrido, a análise do fundamento de defesa apresentado pela Comissão na pendência da instância no Tribunal Geral se baseia na premissa errada de que só os investidores, e não os AIE, podiam ser considerados os beneficiários das vantagens resultantes das medidas fiscais em causa e que, portanto, era face aos investidores e não aos AIE que se devia examinar o pressuposto da seletividade.

68      De resto, o Tribunal de Justiça, no Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o. (C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981), considerou assente numa aplicação errada do pressuposto da seletividade previsto no artigo 107.o, n.o 1, TFUE, o raciocínio seguido nos Acórdãos de 7 de novembro de 2014, Banco Santander e Santusa/Comissão (T‑399/11, EU:T:2014:938), e de 7 de novembro de 2014, Autogrill España/Comissão (T‑219/10, EU:T:2014:939), segundo o qual a existência de uma derrogação ou de uma exceção ao quadro de referência identificado pela Comissão não permite, só por si, demonstrar que a medida controvertida favorece «certas empresas ou certas produções», na aceção dessa disposição, uma vez que essa medida está acessível, a priori, a qualquer empresa e não visa uma categoria particular de empresas, que seriam as únicas a ser favorecidas por essa medida, mas sim uma categoria de operações económicas.

69      Com efeito, no n.o 67 do Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o. (C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981), o Tribunal de Justiça lembrou que, quanto a uma medida nacional que confere uma vantagem fiscal de alcance geral, o pressuposto da seletividade está preenchido quando a Comissão consegue demonstrar que essa medida derroga o regime fiscal comum ou «normal» aplicável no Estado‑Membro em causa, introduzindo, assim, pelos seus efeitos concretos, um tratamento diferenciado entre operadores, quando os operadores a quem é concedido o benefício fiscal e os que dele são excluídos se encontram, à luz do objetivo prosseguido pelo referido regime fiscal desse Estado‑Membro, numa situação factual e jurídica comparável. Nos n.os 70 e 71 desse acórdão, o Tribunal de Justiça precisou que não se pode inferir da sua jurisprudência a exigência adicional de uma identificação de uma categoria particular de empresas que seriam as únicas a ser favorecidas pela medida em causa e que se poderiam distinguir por meio de propriedades específicas, comuns e próprias.

70      Acresce que, nos n.os 80 e 81 do Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o. (C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981), o Tribunal de Justiça lembrou que o facto de as empresas beneficiárias pertencerem a setores de atividade diversos não basta para pôr em causa o caráter seletivo dessa medida e considerou que esse eventual caráter seletivo de modo nenhum era posto em causa pelo facto de a condição essencial para a obtenção da vantagem fiscal conferida por essa medida visar uma operação económica, mais particularmente uma operação puramente financeira, que é independente da natureza da atividade das empresas beneficiárias.

71      Daí resulta que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao considerar, para rejeitar o fundamento de defesa da Comissão, que as vantagens obtidas pelos investidores que participaram nas operações ao abrigo do SLFFE não podiam ser consideradas seletivas por essas operações estarem abertas, nas mesmas condições, a qualquer empresa sem distinção, sem tentar saber se a Comissão tinha demonstrado que as medidas fiscais em causa introduziam, pelos seus efeitos concretos, um tratamento diferenciado entre operadores, apesar de os operadores que beneficiavam das vantagens fiscais e os que delas estavam excluídos se encontrarem, à luz do objetivo prosseguido por esse regime fiscal, em situação factual e jurídica comparável.

72      Em consequência, há que julgar procedente a terceira parte do primeiro fundamento.

 Quanto à segunda alegação da primeira parte do primeiro fundamento e quando ao segundo fundamento

 Argumentos das partes

73      Em apoio da segunda alegação da primeira parte do primeiro fundamento, a Comissão afirma que o Tribunal Geral, nos n.os 169 a 177 do acórdão recorrido, violou o artigo 296.o TFUE ao considerar que a decisão controvertida estava ferida de falta de fundamentação ou de fundamentação contraditória. Com efeito, entende que a ideia de uma unidade económica formada pelo AIE e pelos seus membros está presente em toda a decisão controvertida e o raciocínio aí seguido sobre a seletividade das vantagens resultantes das medidas fiscais em causa se baseia no conceito de «empresa», na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE. Refere que o Tribunal Geral, não obstante ter admitido que essa decisão tinha caracterizado a seletividade das medidas fiscais em causa ao dar por provado que estas tinham favorecido certas atividades, seguidamente limitou o seu exame às vantagens obtidas pelos investidores, dissociando os AIE e os seus membros.

74      Entende que as afirmações do Tribunal Geral, no n.o 175 do acórdão recorrido, relativas ao considerando 28 da decisão controvertida, desvirtuam o conteúdo dessa decisão, atribuindo‑lhe contradições inexistentes. Com efeito, esse considerando, ao qualificar os membros dos AIE de «investidores», não contém qualquer apreciação da Comissão em contradição com outra, limitando‑se a reproduzir os argumentos de certas partes interessadas e a fazer uma escolha terminológica que não muda a natureza do AIE.

75      Em apoio do seu segundo fundamento, a Comissão invoca erros de direito quanto ao dever de fundamentação e desvirtuação da decisão controvertida nos n.os 198 a 208 do acórdão recorrido. Afirma que o Tribunal Geral entendeu que as circunstâncias específicas do processo exigem uma fundamentação reforçada dessa decisão no que respeita ao risco de distorção da concorrência e à afetação das trocas apesar de, ao contrário do processo que deu origem ao Acórdão do 30 de abril de 2009, Comissão/Itália e Wam (C‑494/06 P, EU:C:2009:272), em que se baseia, nenhuma circunstância nova e excecional no caso exigir uma tal fundamentação. Em particular, não existem dúvidas de que o efeito das medidas fiscais em causa era uma redução direta da matéria coletável sujeita a imposto sobre as sociedades, de que os AIE e os seus membros operavam em mercados europeus liberalizados onde estavam em concorrência com outros operadores e de que as vantagens resultantes dessas medidas não correspondiam a pequenos montantes.

76      Entende que o Tribunal Geral considerou, erradamente, que a decisão controvertida não estava suficientemente fundamentada quanto à existência de um risco de distorção no mercado em que operavam os AIE, por essa decisão não explicar por que razões os AIE constituíam com os seus membros uma unidade económica única. Com efeito, independentemente disso, afirma que a existência de uma distorção da concorrência nesse mercado é suficiente para demonstrar que esse pressuposto de aplicação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE está preenchido.

77      O Reino de Espanha assinala que a Comissão desenvolve a sua tese da unidade económica formada pelos AIE e pelos seus membros, invocada pela primeira vez no Tribunal Geral. Essa tese vai contra a própria essência de um AIE, que é um simples instrumento que permite canalizar vantagens fiscais. De resto, se, quando se refere aos «AIE e/ou [aos] seus investidores» na decisão controvertida, a Comissão pretendesse indicar que estes constituíam uma única e mesma unidade económica, deveria ter fundamentado de forma suficiente essa apreciação. Do mesmo modo, a pertença dos AIE a um setor de atividade preciso não está claramente explicada nessa decisão. Entende, assim, que o Tribunal Geral decidiu bem ao considerar que essa decisão não estava suficientemente fundamentada.

78      Contrariamente ao que afirma a Comissão, o Tribunal Geral não exigiu, quanto ao risco de distorção da concorrência e à afetação das trocas, um nível de fundamentação maior do que o exigido pela jurisprudência e a referência ao Acórdão de 30 de abril de 2009, Comissão/Itália e Wam (C‑494/06 P, EU:C:2009:272), no acórdão recorrido, não é determinante para o raciocínio que levou à conclusão do Tribunal Geral sobre a fundamentação da decisão controvertida. Contudo, existem semelhanças entre as circunstâncias do processo que deu origem a esse acórdão e as do presente processo. Entende ainda que, não tendo a Comissão identificado o grupo ou a categoria de empresas que beneficiou das medidas fiscais em causa, não se pode criticar o Tribunal Geral por ter considerado que ela não tinha cumprido o seu dever de fundamentação igualmente quanto à distorção da concorrência e à afetação das trocas, visto existir uma correlação entre a seletividade de uma vantagem e a distorção da concorrência.

79      A Lico Leasing e a PYMAR consideram igualmente que, admitindo que a tese da unidade económica formada pelos AIE e pelos seus membros constava da decisão controvertida, esta estaria ferida de falta de fundamentação a esse respeito como subsidiariamente referiu o Tribunal Geral. Do mesmo modo, assinalam que o Tribunal Geral não exigiu uma fundamentação reforçada quanto ao risco de distorção da concorrência e à afetação das trocas, antes apurou uma total falta de fundamentação nesse ponto. Com efeito, num caso complexo em que a distorção da concorrência se verificava, segundo a Comissão, a dois níveis diferentes, entendem que era indispensável dar uma fundamentação adequada. Ora, a afirmação, na decisão controvertida, de que os beneficiários das vantagens resultantes das medidas fiscais em causa operavam em todos os setores da economia e de que essas vantagens reforçavam a sua posição nos respetivos mercados é geral e não explica por que razões o SLFFE apresentava em concreto um risco de distorção da concorrência e de afetação das trocas entre os Estados‑Membros. Quanto à afetação do mercado do fretamento em regime de casco nu e da compra e venda de navios, entendem que a decisão controvertida está ferida de numerosas contradições e incoerências no que respeita à atividade dos AIE e, portanto, no que respeita igualmente à capacidade das medidas fiscais em causa para darem origem a uma distorção da concorrência e para afetarem as trocas.

80      Segundo a Bankia e o., a existência de uma unidade económica formada pelos AIE e pelos seus membros foi invocada extemporaneamente e não resulta da decisão controvertida, pelo que teve razão o Tribunal Geral quando referiu subsidiariamente uma falta de fundamentação nessa decisão. Dadas as circunstâncias particulares da presente lide, entendem que cabia à Comissão fornecer mais indicações que permitissem compreender de que modo as vantagens obtidas pelos investidores, e não pelas companhias marítimas ou pelos estaleiros navais, eram suscetíveis de falsear ou de ameaçar falsear a concorrência e de afetar as trocas nos mercados em que esses investidores operavam.

81      A Aluminios Cortizo alega que a Comissão não indicou, na decisão controvertida, as razões pelas quais não apreciou a seletividade das vantagens resultantes das medidas fiscais em causa no mercado da construção naval, o único em causa. Entende ainda que nenhuma distorção da concorrência podia ser declarada, uma vez que os investidores operavam em todos os setores da economia, pois essa distorção só existe se a medida em causa for seletiva. Uma vez que a decisão controvertida não dá qualquer explicação a esse respeito, o Tribunal Geral decidiu bem ao declarar que tem falta de fundamentação. Pelo seu lado, visto os AIE serem apenas instrumentos financeiros, resultantes da simples execução de cláusulas contratuais, não participaram em qualquer mercado, pelo que também não se podia dar por provada uma distorção da concorrência a esse nível.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

82      Conforme lembra o Tribunal Geral no n.o 185 do acórdão recorrido, segundo jurisprudência constante, a fundamentação exigida no artigo 296.o TFUE deve ser adaptada à natureza do ato em causa e deixar transparecer, de forma clara e inequívoca, o raciocínio da instituição autora do ato impugnado, por forma a permitir aos interessados conhecerem as razões da medida adotada e ao juiz da União exercer a sua fiscalização. Não se exige que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito relevantes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um ato preenche os requisitos do artigo 296.o CE deve ser apreciada não só à luz do seu teor mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (v., nomeadamente, Acórdãos de 6 de setembro de 2006, Portugal/Comissão, C‑88/03, EU:C:2006:511, n.o 88, e de 2 de dezembro de 2009, Comissão/Irlanda e o., C‑89/08 P, EU:C:2009:742, n.o 77).

83      Aplicado à qualificação de uma medida de auxílio, este princípio exige que sejam indicadas as razões pelas quais a Comissão considera que a medida em causa entra no âmbito de aplicação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE. A este respeito, mesmo nos casos em que decorre das circunstâncias em que foi concedido que o auxílio é suscetível de afetar as trocas comerciais entre os Estados‑Membros e falsear ou ameaçar falsear a concorrência, compete à Comissão, pelo menos, invocar essas circunstâncias na fundamentação da sua decisão (Acórdãos de 6 de setembro de 2006, Portugal/Comissão, C‑88/03, EU:C:2006:511, n.o 89, e de 30 de abril de 2009, Comissão/Itália e Wam, C‑494/06 P, EU:C:2009:272, n.o 49).

84      No que respeita ao pressuposto da distorção da concorrência, conforme lembra o Tribunal Geral no n.o 188 do acórdão recorrido, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que os auxílios que se destinam a libertar uma empresa dos custos que normalmente teria que suportar no âmbito da sua gestão corrente ou das suas atividades normais falseiam, em princípio, as condições de concorrência (Acórdãos de 19 de setembro de 2000, Alemanha/Comissão, C‑156/98, EU:C:2000:467, n.o 30, e de 3 de março de 2005, Heiser, C‑172/03, EU:C:2005:130, n.o 55).

85      Quanto ao pressuposto da afetação das trocas, como lembra o Tribunal Geral no n.o 191 do acórdão recorrido, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a concessão de um auxílio por um Estado‑Membro, sob a forma de desagravamento fiscal, a alguns dos seus contribuintes deve ser considerada suscetível de afetar essas trocas e que, consequentemente, preenche esse pressuposto quando esses contribuintes exerçam uma atividade económica objeto dessas trocas ou não se possa excluir a possibilidade de estarem em concorrência com operadores estabelecidos noutros Estados‑Membros (Acórdãos de 3 de março de 2005, Heiser, C‑172/03, EU:C:2005:130, n.o 35, e de 30 de abril de 2009, Comissão/Itália e Wam, C‑494/06 P, EU:C:2009:272, n.o 51). Acresce que, quando um auxílio concedido por um Estado‑Membro reforça a posição de uma empresa face a outras empresas concorrentes nas trocas comerciais na União, deve entender‑se que essas trocas comerciais são influenciadas pelo auxílio (Acórdão de 10 de janeiro de 2006, Cassa di Risparmio di Firenze e o., C‑222/04, EU:C:2006:8, n.o 141).

86      Segundo jurisprudência igualmente constante, para se qualificar uma medida nacional de «auxílio de Estado», não é necessário demonstrar uma incidência real desse auxílio nas trocas comerciais entre os Estados‑Membros nem uma distorção efetiva da concorrência, mas apenas examinar se o auxílio é suscetível de afetar essas trocas e de falsear a concorrência (Acórdão de 10 de janeiro de 2006, Cassa di Risparmio di Firenze e o., C‑222/04, EU:C:2006:8, n.o 140, e jurisprudência aí referida).

87      No caso, nos n.os 169 a 173 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral, tentando determinar se a análise das medidas fiscais em causa pela Comissão permitia considerar que as vantagens obtidas pelos investidores, e não pelos AIE, preenchiam o pressuposto da seletividade, considerou que as atividades referidas na decisão controvertida, que teriam beneficiado dessas medidas, a saber, a aquisição de navios através de contratos de locação financeira, em particular com vista ao seu fretamento em regime de casco nu e à sua posterior revenda, eram exercidas pelos AIE constituídos para efeitos do SLFFE. Referiu que, desse modo, se a Comissão tivesse considerado que as vantagens obtidas pelos investidores eram seletivas devido ao exercício dessas atividades, cabia‑lhe precisar que as atividades dos AIE correspondiam às dos seus membros ou, pelo menos, que lhes podiam ser atribuídas. O Tribunal Geral referiu que a decisão controvertida não dava nenhuma explicação a esse respeito, que a Comissão se tinha limitado a concluir que as medidas fiscais em causa conferiam uma vantagem seletiva aos AIE e/ou aos seus investidores sem dar qualquer outra precisão e sem explicar, nomeadamente, por que razão se poderia considerar que os membros dos AIE exerciam as atividades económicas destes últimos como se formassem uma entidade jurídica ou económica única.

88      O Tribunal Geral referiu igualmente, no n.o 174 do acórdão recorrido, que a afirmação, no considerando 172 da decisão controvertida, de que os investidores «atuam através do AIE nos mercados de fretamento em regime de casco nu e da aquisição e venda de navios» parece contradizer outros considerandos dessa decisão.

89      Assim, o Tribunal Geral concluiu, nos n.os 176 e 177 do acórdão recorrido, que o único facto dado por provado no considerando 157 da decisão controvertida, o de o SLFFE favorecer as atividades exercidas pelos AIE, não podia demonstrar a seletividade das vantagens obtidas pelos investidores e que, caso fosse de interpretar essa decisão no sentido de que os investidores exerciam, através dos AIE constituídos para efeitos do SLFFE, as atividades particulares destes, essa decisão estaria ferida de falta de fundamentação ou mesmo de fundamentação contraditória nesse ponto.

90      Por outro lado, o Tribunal Geral considerou, no n.o 208 do acórdão recorrido, que a Comissão tinha violado o seu dever de fundamentação ao concluir, nos considerandos 171 a 173 da decisão controvertida, que as medidas fiscais em causa podiam falsear a concorrência e afetar as trocas entre os Estados‑Membros. O Tribunal Geral decidiu deste modo por, em primeiro lugar, nos n.os 198 a 204 desse acórdão, ter considerado, em substância, que o facto apurado pela Comissão de os investidores operarem em todos os setores da economia e de as vantagens reforçarem a sua posição nos respetivos mercados estava insuficientemente fundamentado, pois era uma afirmação geral suscetível de ser aplicada a qualquer tipo de apoio estatal, uma vez que a Comissão não refere qualquer circunstância específica que explique essa consideração, quando, tendo em conta as circunstâncias específicas referidas nessa decisão, lhe cabia fornecer mais indicações que permitissem compreender de que modo as vantagens obtidas pelos investidores, e não pelas companhias marítimas ou os estaleiros navais, eram suscetíveis de falsear ou de ameaçar falsear a concorrência e de afetar as trocas nos mercados em que esses investidores operavam.

91      Em segundo lugar, nos n.os 205 a 207 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou que também não respeitava o dever de fundamentação a afirmação feita no considerando 172 da decisão controvertida de que, por meio das operações que beneficiavam do SLFFE, os investidores operavam através dos AIE nos mercados do fretamento em regime de casco nu e da compra e venda de navios, que estão abertos ao comércio no interior da União, uma vez que a Comissão não explicou nessa decisão as razões pelas quais os AIE constituídos para efeitos do SLFFE e os seus membros formavam uma entidade jurídica ou económica única, de forma a poderem as atividades do AIE ser atribuídas aos seus membros.

92      A esse respeito, há que observar que todas estas considerações assentam na premissa de que só os investidores, e não os AIE, podiam ser considerados os beneficiários das vantagens resultantes das medidas fiscais em causa e que se teria, portanto, que analisar se as vantagens que os investidores, e não os AIE, tinham obtido tinham natureza seletiva, se havia o risco de falsearem a concorrência e de afetarem as trocas entre os Estados‑Membros e se a decisão controvertida estava suficientemente fundamentada quanto à análise desses critérios. Ora, conforme resulta da análise da primeira alegação do primeiro fundamento do presente recurso, essa premissa está errada.

93      Acresce que, para se verificar se a decisão controvertida está suficientemente fundamentada no que respeita à seletividade das vantagens resultantes das medidas fiscais em causa, à distorção da concorrência e à afetação das trocas entre os Estados‑Membros, há que examinar o conteúdo dessa decisão no seu conjunto.

94      Descrevendo a estrutura fiscal do SLFFE no ponto 2.2. da decisão controvertida, a Comissão, nos considerandos 15 a 20 dessa mesma decisão, indicou que o objetivo do SLFFE era permitir o benefício de certas medidas fiscais ao AIE e aos investidores que nele participavam. Explicou de que modo, como se expõe no n.o 9 do presente acórdão, o AIE recolhia as vantagens fiscais em duas fases, graças à conjugação das medidas fiscais em causa. No ponto 5.3.2.6. dessa decisão, a Comissão expôs que as vantagens económicas daí resultantes correspondiam às vantagens que os AIE não teriam obtido da mesma operação se tivesse unicamente aplicado as medidas gerais, a saber, os juros poupados sobre os montantes dos pagamentos de impostos diferidos graças à amortização antecipada, o montante dos impostos evitados ou dos juros poupados sobre os impostos diferidos ao abrigo do regime do imposto sobre a arqueação e o montante dos impostos evitados sobre a mais‑valia realizada no momento da venda do navio. Considerou, no ponto 5.3.3. da mesma decisão, que o SLFFE implicava, portanto, a utilização de recursos públicos sob a forma de uma perda de receitas fiscais e de juros não recebidos.

95      No que respeita às companhias marítimas e aos estaleiros navais, a Comissão expôs, nomeadamente, nos considerandos 162 e 167 a 170 da decisão controvertida, que, no plano económico, uma parte substancial das vantagens fiscais obtidas pelos AIE era transferida para as companhias marítimas por meio de um abatimento no preço, mas que as vantagens obtidas por estas e indiretamente pelos estaleiros navais não eram imputáveis ao Estado, pois resultavam de uma conjugação de operações jurídicas entre entidades privadas.

96      Quanto aos AIE e aos «investidores», é certo que a Comissão enunciou, no considerando 28 da decisão controvertida, que, «[u]ma vez que os seus membros consideram que estes AIE que participam em operações do [SLFFE] constituem um instrumento de investimento — mais do que uma forma de realizar uma atividade conjunta —, a presente decisão refere‑os enquanto os investidores» e não considerou nessa decisão que os AIE e os investidores formavam uma unidade económica.

97      De resto, não resulta desse considerando nem do conjunto da decisão controvertida que a Comissão tenha feito sua a tese de que os AIE mais não eram do que simples vetores de investimento nem que aqueles que designou de «investidores» tenham sido por ela considerados de forma que não fossem os membros dos AIE. Pelo contrário, a Comissão indicou, no considerando 126 da decisão controvertida, que os AIE em causa eram empresas na aceção do artigo 107.o TFUE e, no considerando 140, que a sua transparência fiscal simplesmente permitia que diferentes operadores se unissem para financiar ou levar a cabo uma qualquer atividade económica. No âmbito da sua análise da seletividade das vantagens resultantes das medidas fiscais em causa, no ponto 5.3.2. dessa decisão, em particular no seu considerando 161, descreveu os AIE como as entidades a quem eram concedidas as medidas fiscais em causa e como os seus beneficiários, e referiu, no considerando 157 dessa decisão, que essas medidas favoreciam a atividade de aquisição de navios através de contratos de locação financeira, em particular com vista ao seu fretamento em regime de casco nu e à sua posterior revenda, exercida pelos AIE.

98      Em vários sítios da decisão controvertida, em particular nos seus considerandos 16, 17, 28, 29 e 45, a Comissão referiu o conceito de «transparência fiscal» dos AIE cuja consequência foi a transferência para os seus membros da totalidade das vantagens resultantes das medidas fiscais em causa. Assim, no considerando 166 dessa decisão, referiu que «[n]o contexto das operações do SLFFE, o Estado transfere inicialmente os seus recursos para o AIE ao financiar as vantagens seletivas[, e o AIE] transfere em seguida os recursos estatais para os seus investidores».

99      Foi nomeadamente ao expor todos estes elementos que, analisando o pressuposto da distorção da concorrência e da alteração das trocas nos considerandos 171 a 173 da decisão controvertida, a Comissão referiu que os membros dos AIE operavam em todos os setores da economia, particularmente em setores abertos ao comércio entre os Estados‑Membros e que, além disso, através das operações que beneficiavam do SLFFE, operavam através dos AIE nos mercados do fretamento em regime de casco nu e da compra e venda de navios, que são igualmente abertos ao comércio entre Estados‑Membros, pelo que as vantagens resultantes do SLFFE reforçavam a sua posição nos respetivos mercados, o que falseava ou ameaçava falsear a concorrência. Concluiu que as vantagens económicas de que beneficiavam os AIE e os seus investidores podiam afetar o comércio entre os Estados‑Membros e falsear a concorrência no mercado interno.

100    Além da consideração de que os investidores operavam através dos AIE no mercado do afretamento em regime de casco nu e da compra e venda de navios não estar em contradição com o considerando 28 da decisão controvertida, também não está, ao contrário ao que refere o Tribunal Geral no n.o 175 do acórdão recorrido, em contradição com o considerando 27 dessa decisão, segundo o qual os AIE tinham personalidade jurídica distinta da dos seus membros.

101    Verifica‑se destes elementos que a Comissão forneceu, na decisão controvertida, as indicações que permitiam compreender as razões pelas quais considerou que as vantagens resultantes das medidas fiscais em causa tinham caráter seletivo e eram suscetíveis de afetar as trocas entre os Estados‑Membros e de falsear a concorrência e que, em face das circunstâncias específicas da presente lide, fundamentou suficientemente essa decisão e sem qualquer contradição a esse respeito, respeitando os requisitos do artigo 296.o TFUE, conforme descritos na jurisprudência lembrada nos n.os 82 a 86 do presente acórdão.

102    Daí resulta serem procedentes a segunda alegação da primeira parte do primeiro fundamento e o segundo fundamento.

103    Consequentemente, há que anular o acórdão recorrido.

 Quanto à remessa do processo ao Tribunal Geral

104    Em conformidade com o artigo 61.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, em caso de anulação da decisão do Tribunal Geral, o Tribunal de Justiça pode decidir definitivamente o litígio, se estiver em condições de ser julgado, ou remeter o processo ao Tribunal Geral.

105    No caso, uma vez que o Tribunal Geral apenas apreciou parte dos fundamentos apresentados pelas partes, o Tribunal de Justiça considera que o presente litígio não está em condições de ser julgado. Por conseguinte, há que devolver o processo ao Tribunal Geral.

 Quanto às despesas

106    Tendo o processo sido remetido ao Tribunal Geral, há que reservar para final a decisão quanto às despesas.

107    Em conformidade com o artigo 140.o, n.o 3, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 184.o, n.o 1, do mesmo regulamento, a Bankia e o. e a Aluminios Cortizo, intervenientes no presente recurso, suportarão as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) decide:

1)      É anulado o Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 17 de dezembro de 2015, Espanha e o./Comissão (T515/13 e T719/13, EU:T:2015:1004).

2)      Remetese o processo ao Tribunal Geral da União Europeia.

3)      Reservase para final a decisão quanto às despesas.

4)      A Bankia SA, a Asociación Española de Banca, a Unicaja Banco SA, a Liberbank SA, a Banco de Sabadell SA, a Banco Gallego SA, a Catalunya Banc SA, a Caixabank SA, a Banco de Santander SA, a Santander Investment SA, a Naviera Séneca AIE, a Industria de Diseño Textil SA, a Naviera Nebulosa de Omega AIE, a Banco Mare Nostrum SA, a Abanca Corporación Bancaria SA, a Ibercaja Banco SA, a Banco Grupo Cajatres SAU, a Naviera Bósforo AIE, a Joyería Tous SA, a Corporación Alimentaria Guissona SA, a Naviera Muriola AIE, a Poal Investments XXI SL, a Poal Investments XXII SL, a Naviera Cabo Vilaboa C1658 AIE, a Naviera Cabo Domaio C1659 AIE, a Caamaño Sistemas Metálicos SL, a Blumaq SA, a Grupo Ibérica de Congelados SA, a RNB SL, a Inversiones Antaviana SL, a Banco de Caja España de Inversiones, a Salamanca y Soria SAU, a Banco de Albacete SA, a Bodegas Muga SL e a Aluminios Cortizo SAU suportarão as suas próprias despesas.

Assinaturas


*      Língua do processo: espanhol.