Language of document : ECLI:EU:C:2018:703

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção)

12 de setembro de 2018 (*)

«Reenvio prejudicial — Fiscalidade — Imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Direito a dedução — Aquisições efetuadas por um contribuinte declarado “inativo” pela Administração Fiscal — Recusa do direito a dedução — Princípios da proporcionalidade e da neutralidade do IVA»

No processo C‑69/17,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Curtea de Apel București (Tribunal de Recurso de Bucareste, Roménia), por decisão de 16 de novembro de 2016, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 8 de fevereiro de 2017, no processo

Siemens Gamesa Renewable Energy România SRL, anteriormente Gamesa Wind România SRL,

contra

Agenția Națională de Administrare Fiscală — Direcția Generală de Soluționare a Contestațiilor,

Agenţia Naţională de Administrare Fiscală — Direcţia Generală de Administrare a Marilor Contribuabili,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção),

composto por: A. Rosas (relator), presidente de secção, C. Toader e A. Prechal, juízes,

advogado‑geral: P. Mengozzi,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Siemens Gamesa Renewable Energy România SRL, por A. Stănoiu e O. Marian, avocaţi,

–        em representação do Governo romeno, inicialmente por H. R. Radu, e em seguida por C.‑R. Canţăr, R. I. Haţieganu e L. Liţu, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por G.‑D. Balan e R. Lyal, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogada‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1), conforme alterada pela Diretiva 2010/45/UE do Conselho, de 13 de julho de 2010 (JO 2010, L 189, p. 1) (a seguir «Diretiva 2006/112»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Siemens Gamesa Renewable Energy România SRL, anteriormente Gamesa Wind România SRL (a seguir «Gamesa»), à Agenţia Naţională de Administrare Fiscală — Direcţia Generală de Soluţionare a Contestaţiilor (Agência Nacional da Administração Fiscal — Direção‑Geral do Tratamento das Reclamações, Roménia) e à Agenţia Naţională de Administrare Fiscală — Direcţia Generală de Administrare a Marilor Contribuabili (Agência Nacional da Administração Fiscal — Direção‑Geral para a Gestão dos Grandes Contribuintes, Roménia), a respeito do direito da Gamesa a deduzir o imposto sobre o valor acrescentado (IVA) pago sobre as aquisições efetuadas durante um período em que o seu número de identificação para efeitos de IVA esteve anulado.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O artigo 1.o da Diretiva 2006/112, que figura no título I com a epígrafe «Objeto e âmbito de aplicação», prevê, no n.o 2, segundo parágrafo:

«Em cada operação, o IVA, calculado sobre o preço do bem ou serviço à taxa aplicável ao referido bem ou serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto que tenha incidido diretamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço.»

4        O artigo 9.o, n.o 1, desta diretiva enuncia:

«Entende‑se por “sujeito passivo” qualquer pessoa que exerça, de modo independente e em qualquer lugar, uma atividade económica, seja qual for o fim ou o resultado dessa atividade.

Entende‑se por “atividade económica” qualquer atividade de produção, de comercialização ou de prestação de serviços […]. É em especial considerada atividade económica a exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com caráter de permanência.»

5        O artigo 167.o da referida diretiva dispõe:

«O direito à dedução surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível.»

6        O artigo 168.o da mesma diretiva, que figura no título X com a epígrafe «Deduções», tem a seguinte redação:

«Quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado‑Membro em que efetua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor os montantes seguintes:

a)      O IVA devido ou pago nesse Estado‑Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo;

[…]»

7        Nos termos do artigo 178.o da Diretiva 2006/112:

«Para poder exercer o direito à dedução, o sujeito passivo deve satisfazer as seguintes condições:

a)      Relativamente à dedução referida na alínea a) do artigo 168.o, no que respeita às entregas de bens e às prestações de serviços, possuir uma fatura emitida em conformidade com as secções 3 a 6 do capítulo 3 do título XI;

[…]»

8        Por força do artigo 179.o, primeiro parágrafo, desta diretiva:

«O sujeito passivo efetua a dedução subtraindo do montante total do imposto devido relativamente ao período de tributação o montante do IVA em relação ao qual, durante o mesmo período, surgiu e é exercido o direito à dedução por força do disposto no artigo 178.o»

9        O artigo 213.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da referida diretiva dispõe:

«Os sujeitos passivos devem declarar o início, a alteração e a cessação da sua atividade na qualidade de sujeitos passivos.»

10      O artigo 214.o, n.o 1, da mesma diretiva prevê:

«Os Estados‑Membros tomam as medidas necessárias para que sejam identificadas através de um número individual as seguintes pessoas:

a)      Os sujeitos passivos, com exceção dos referidos no n.o 2 do artigo 9.o, que efetuem, no respetivo território, entregas de bens ou prestações de serviços que lhes confiram direito a dedução e que não sejam entregas de bens ou prestações de serviços em relação às quais o IVA seja devido unicamente pelo destinatário em conformidade com os artigos 194.o a 197.o e 199.o;

[…]»

11      O artigo 250.o, n.o 1, da Diretiva 2006/112 dispõe:

«Os sujeitos passivos devem apresentar uma declaração de IVA da qual constem todos os dados necessários para o apuramento do montante do imposto exigível e do montante das deduções a efetuar, incluindo, na medida em que tal seja necessário para o apuramento do valor tributável, o montante global das operações relativas a esse imposto e a essas deduções, bem como o montante das operações isentas.»

12      O artigo 252.o dessa mesma diretiva precisa:

«1.      A declaração de IVA deve ser entregue num prazo a fixar pelos Estados‑Membros. Esse prazo não pode exceder em mais de dois meses o termo de cada período de tributação.

2.      O período de tributação é fixado pelos Estados‑Membros em um, dois ou três meses.

Os Estados‑Membros podem, todavia, fixar períodos diferentes, desde que não excedam um ano.»

13      Nos termos do artigo 273.o, primeiro parágrafo, da referida diretiva:

«Os Estados‑Membros podem prever outras obrigações que considerem necessárias para garantir a cobrança exata do IVA e para evitar a fraude, sob reserva da observância da igualdade de tratamento das operações internas e das operações efetuadas entre Estados‑Membros por sujeitos passivos, e na condição de essas obrigações não darem origem, nas trocas comerciais entre Estados‑Membros, a formalidades relacionadas com a passagem de uma fronteira.»

 Direito romeno

14      O artigo 11.o, n.o (1‑A), da Legea nr. 571/2003 privind Codul fiscal (Lei n.o 571/2003 que aprova o Código Tributário), de 22 de dezembro de 2003 (Monitorul Oficial al României, parte I, n.o 927, de 23 de dezembro de 2003), na sua versão em vigor à data dos factos do processo principal (a seguir «Código Tributário»), prevê:

«As autoridades tributárias não tomam em consideração as operações efetuadas por um contribuinte declarado inativo por despacho do presidente da Agência Nacional da Administração Fiscal, com exceção das entregas de bens efetuadas no âmbito de um processo de execução coerciva.»

15      O artigo 147.o‑A, n.o(2), deste código prevê:

«Se não estiverem reunidas as condições e as formalidades para o exercício do direito a dedução no período tributário tomado em consideração para efeitos da declaração, ou no caso de não terem sido recebidos os documentos justificativos do imposto referidos no artigo 146.o, o sujeito passivo pode exercer o direito a dedução através da declaração relativa ao período tributário em que estejam reunidas tais condições e formalidades ou através de uma declaração posterior, mas dentro do prazo de cinco anos a partir de 1 de janeiro do ano posterior àquele em que surgiu o direito a dedução.»

16      O artigo 153.o, n.o (9), do referido código enuncia:

«Os órgãos tributários competentes podem anular o registo de uma pessoa para efeitos de IVA, em conformidade com o presente artigo, quando, nos termos das disposições do presente título, a pessoa não esteja obrigado a pedir o registo ou não tenha o direito de pedir o registo para efeitos de IVA, nos termos do presente artigo. Do mesmo modo, os órgãos tributários competentes podem anular oficiosamente o registo de uma pessoa para efeitos de IVA, em conformidade com o presente artigo, no caso de sujeitos passivos constantes da lista dos contribuintes declarados inativos nos termos do artigo 11.o, bem como de contribuintes temporariamente inativos inscritos no Registo Comercial nos termos da lei. O procedimento de cancelamento é decidido nos termos das normas processuais em vigor. Após a anulação do registo para efeitos de IVA, [essas pessoas] têm a obrigação de pedir o registo para efeitos de IVA aos órgãos tributários competentes, se cessar a situação que levou ao cancelamento, sem que sejam aplicáveis, no ano civil em causa, as disposições relativas aos limiares de isenção para as pequenas empresas previstas no artigo 152.o»

17      O artigo 158.o‑B do mesmo código prevê:

«1. A partir de 1 de agosto de 2010 é instituído e organizado, no âmbito da Agência Nacional da Administração Fiscal, o registo dos operadores intracomunitários, que abrange todos os sujeitos passivos e as pessoas coletivas que não sejam sujeitos passivos que realizem operações intracomunitárias, a saber:

a)      entregas intracomunitárias de bens efetuadas na Roménia em conformidade com o artigo 132.o, n.o (1), alínea a), e isentas de imposto em conformidade com o artigo 143.o, n.o (2), alíneas a) e d);

b)      entregas ulteriores de bens efetuadas no âmbito de operações triangulares previstas no artigo 132.o‑A, n.o (5), realizadas no Estado‑Membro de chegada dos bens e declaradas como entregas intracomunitárias com o código T na Roménia;

c)      prestações de serviços intracomunitárias — a saber, serviços abrangidos pelas disposições do artigo 133.o, n.o (2) — efetuadas por sujeitos passivos estabelecidos na Roménia em benefício de sujeitos passivos não estabelecidos na Roménia, mas estabelecidos na Comunidade, que não sejam prestações isentas de IVA no Estado‑Membro em que estes são sujeitos passivos;

d)      aquisições intracomunitárias de bens tributados efetuadas na Roménia em conformidade com as disposições do artigo 132.o‑A;

e)      aquisições intracomunitárias de serviços — a saber, serviços abrangidos pelas disposições do artigo 133.o, n.o (2) — efetuadas em benefício de sujeitos passivos estabelecidos na Roménia, incluindo pessoas coletivas que não sejam sujeitos passivos identificados para efeitos de IVA em conformidade com o artigo 153.o ou com o artigo 153.o‑A, por sujeitos passivos não estabelecidos na Roménia, mas estabelecidos na Comunidade, e cujo beneficiário seja devedor do imposto em conformidade com o artigo 150.o, n.o (2);

[…]

3.      Caso pretendam realizar uma ou mais operações intracomunitárias previstas no n.o (1), as pessoas identificadas para efeitos de IVA em conformidade com o artigo 153.o e com o artigo 153.o‑A devem, antes de efetuarem essas operações, pedir a sua inscrição no registo dos operadores intracomunitários.

[…]

10.      O órgão tributário competente cancela oficiosamente do registo dos operadores intracomunitários:

a)      os sujeitos passivos e as pessoas coletivas que não sejam sujeitos passivos que figurem na lista dos contribuintes declarados inativos nos termos da lei;

[…]»

18      O artigo 78.o, n.o (5), do ordonanța Guvernului nr. 92/2003 privind Codul de procedură fiscală (Decreto do Governo n.o 92/2003 que aprova o Código de Processo Tributário), na sua versão em vigor à data dos factos do processo principal, enuncia:

«Os contribuintes pessoas coletivas ou qualquer outra entidade sem personalidade jurídica são declarados inativos, sendo‑lhes aplicadas as disposições do artigo 11.o, n.os (1‑A) e (1‑B), da Lei n.o 571/2003 que aprova o Código Tributário, conforme alterada e completada, caso se verifique uma das seguintes condições:

a)      não cumprimento, durante um semestre civil, de nenhuma das suas obrigações declarativas previstas por lei;

b)      subtração à inspeção fiscal através da declaração de dados relativos à identificação da sede social que não permitam ao órgão tributário identificá‑la;

c)      constatação pelos órgãos tributários que não exercem a sua atividade na sede social ou no domicílio fiscal declarado.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

19      A Gamesa, uma sociedade de direito romeno sediada em Bucareste (Roménia), tem por objeto a atividade de montagem, instalação e manutenção de parques eólicos.

20      Para o exercício da sua atividade económica, a Gamesa adquiriu vários bens e serviços a fornecedores estabelecidos e identificados para efeitos de IVA na Roménia e noutros países da União Europeia. Exerceu o seu direito a dedução do IVA relativo às aquisições efetuadas, através da apresentação de uma declaração de IVA.

21      Entre de 7 de outubro de 2010 e 24 de maio de 2011, a Gamesa foi declarada contribuinte inativo na aceção do artigo 11.o, n.o (1‑A), do Código Tributário, por não ter cumprido, durante um semestre civil, nenhuma das obrigações declarativas previstas por lei.

22      Entre 26 de novembro de 2014 e 29 de julho de 2015, a Gamesa foi objeto de uma inspeção fiscal destinada a verificar a sua situação em matéria de IVA e de imposto sobre as sociedades relativamente às operações efetuadas entre 15 de maio de 2009 e 31 de dezembro de 2013. Com base no relatório elaborado na sequência dessa inspeção, a Gamesa recebeu um aviso de liquidação pelo qual lhe foi recusado o direito a dedução do IVA no montante de 3 875 717 leus romenos (RON) (cerca de 890 000 euros) e lhe foram aplicadas penalidades no montante de 2 845 308 RON (cerca de 654 000 euros), com o fundamento, designadamente, de que não beneficiava do direito a dedução pelas aquisições efetuadas durante o período da sua inatividade.

23      A reclamação apresentada pela Gamesa contra a liquidação adicional foi indeferida por Decisão de 15 de dezembro de 2015 da Agência Nacional da Administração Fiscal — Direção‑Geral do Tratamento das Reclamações.

24      Por petição registada em 10 de junho de 2016, a Gamesa demandou judicialmente a Agência Nacional da Administração Fiscal — Direção‑Geral do Tratamento das Reclamações e a Agência Nacional da Administração Fiscal — Direção‑Geral para a Gestão dos Grandes Contribuintes, perante a Curții de Apel București (Tribunal de Recurso de Bucareste, Roménia). Pede, por um lado, a anulação parcial do aviso de liquidação na medida em que, com este, a Administração Fiscal lhe recusou o direito a dedução do IVA no montante de 3 875 717 RON (cerca de 890 000 euros) relativamente ao período compreendido entre 15 de maio de 2009 e 31 de dezembro de 2013 e lhe aplicou penalidades no montante de 2 845 308 RON (cerca de 654 000 euros) e, por outro, a anulação da Decisão de 15 de dezembro de 2015 da Agência Nacional da Administração Fiscal — Direção‑Geral do Tratamento das Reclamações na sua totalidade.

25      Na sua petição, a Gamesa critica principalmente a Administração Fiscal por ter infringido o princípio da proporcionalidade e o princípio da neutralidade do IVA, quando a Gamesa cumpria todas as obrigações necessárias para a reativação do seu número de identificação para efeitos de IVA. Na contestação, essa Administração invoca a necessidade de cobrar corretamente o IVA e de prevenir a evasão fiscal.

26      Nestas circunstâncias, a Curții de Apel București (Tribunal de Recurso de Bucareste) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      A Diretiva [2006/112] (em particular, os artigos 213.o, 214.o e 273.o) opõe‑se, em circunstâncias como as do processo principal, a uma legislação nacional ou a uma prática fiscal nos termos da qual um contribuinte não beneficia do direito [a] dedução do IVA exercido mediante várias declarações de IVA posteriormente à reativação do número de identificação [para efeitos do] IVA do contribuinte, pelo facto de o IVA em questão respeitar a aquisições efetuadas durante um período em que o número de identificação [para efeitos do] IVA do contribuinte estava inativo?

2)      A Diretiva [2006/112] (em particular, os artigos 213.o, 214.o e 273.o) opõe‑se, em circunstâncias como as do processo principal, a uma legislação nacional ou a uma prática fiscal nos termos da qual um contribuinte não beneficia do direito [a] dedução do IVA exercido mediante várias declarações de IVA posteriormente à reativação do número de identificação [para efeitos do] IVA do contribuinte, pelo facto de o IVA em questão, apesar de ser relativo a faturas emitidas posteriormente à reativação do número de identificação [para efeitos do] IVA do contribuinte, respeitar a aquisições efetuadas durante um período em que o número de identificação [para efeitos do] IVA do contribuinte estava inativo?»

 Quanto às questões prejudiciais

27      Com as suas questões prejudiciais, que importa analisar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se a Diretiva 2006/112, designadamente os seus artigos 213.o, 214.o e 273.o, deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que permite à Administração Fiscal recusar a um sujeito passivo que efetuou aquisições no período em que o seu número de identificação para efeitos do IVA esteve anulado, em razão da falta de apresentação de declarações fiscais, o direito de deduzir o IVA relativo a essas aquisições através de declarações de IVA efetuadas — ou de faturas emitidas — após a reativação do seu número de identificação.

28      A título preliminar, há que recordar que o direito dos sujeitos passivos de deduzir do IVA de que são devedores o IVA devido ou pago em relação aos bens adquiridos e aos serviços que lhes foram prestados a montante constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA instituído pela legislação da União (Acórdão de 19 de outubro de 2017, Paper Consult, C‑101/16, EU:C:2017:775, n.o 35 e jurisprudência referida).

29      Como o Tribunal de Justiça sublinhou reiteradamente, o direito a dedução previsto nos artigos 167.o e seguintes da Diretiva 2006/112 faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado. Em especial, esse direito é imediatamente exercido em relação à totalidade dos impostos que tenham onerado as operações efetuadas a montante (Acórdão de 19 de outubro de 2017, Paper Consult, C‑101/16, EU:C:2017:775, n.o 36 e jurisprudência referida).

30      O regime das deduções visa desonerar inteiramente o empresário do encargo do IVA devido ou pago no quadro de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA garante, por conseguinte, a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, independentemente dos respetivos fins ou resultados, desde que essas atividades estejam, em princípio, elas próprias sujeitas a IVA (Acórdão de 19 de outubro de 2017, Paper Consult, C‑101/16, EU:C:2017:775, n.o 37 e jurisprudência referida).

31      Não obstante, o direito a dedução do IVA está subordinado à observância de exigências ou de requisitos tanto materiais como de natureza formal.

32      No que se refere às exigências ou aos requisitos materiais, resulta do artigo 168.o, alínea a), da Diretiva 2006/112 que, para poder beneficiar do direito a dedução, é necessário, por um lado, que o interessado seja um «sujeito passivo» na aceção desta diretiva e, por outro, que os bens ou serviços invocados para basear esse direito sejam utilizados a jusante pelo sujeito passivo para os fins das suas próprias operações tributadas e que, a montante, esses bens sejam entregues ou esses serviços prestados por outro sujeito passivo (Acórdão de 19 de outubro de 2017, Paper Consult, C‑101/16, EU:C:2017:775, n.o 39).

33      Quanto às modalidades de exercício do direito a dedução, que se assemelham a exigências ou a requisitos de natureza formal, o artigo 178.o, alínea a), da Diretiva 2006/112 prevê que o sujeito passivo deve possuir uma fatura emitida em conformidade com os artigos 220.o a 236.o e com os seus artigos 238.o a 240.o da mesma (Acórdão de 19 de outubro de 2017, Paper Consult, C‑101/16, EU:C:2017:775, n.o 40).

34      Segundo jurisprudência constante, o princípio fundamental da neutralidade do IVA exige que a dedução deste imposto pago a montante seja concedida se as exigências materiais estiverem satisfeitas, mesmo que os sujeitos passivos tenham omitido certas exigências formais (Acórdãos de 28 de julho de 2016, Astone, C‑332/15, EU:C:2016:614, n.o 45; de 19 de outubro de 2017, Paper Consult, C‑101/16, EU:C:2017:775, n.o 41; e de 26 de abril de 2018, Zabrus Siret, C‑81/17, EU:C:2018:283, n.o 44).

35      Em especial, a identificação para efeitos de IVA, prevista no artigo 214.o da Diretiva 2006/112, assim como a obrigação do sujeito passivo de declarar o início, a alteração e a cessação da atividade, prevista no artigo 213.o da mesma diretiva, são meras exigências formais para efeitos de controlo, que não podem pôr em causa o direito a dedução do IVA, se os requisitos materiais de constituição desse direito estiverem preenchidos (Acórdãos de 9 de julho de 2015, Salomie e Oltean, C‑183/14, EU:C:2015:454, n.o 60, e de 7 de março de 2018, Dobre, C‑159/17, EU:C:2018:161, n.o 32).

36      Por conseguinte, um sujeito passivo de IVA não pode ser impedido de exercer o seu direito a dedução porque não estava identificado para efeitos de IVA antes de utilizar os bens adquiridos no âmbito da sua atividade tributada (Acórdãos de 21 de outubro de 2010, Nidera Handelscompagnie, C‑385/09, EU:C:2010:627, n.o 51, e de 7 de março de 2018, Dobre, C‑159/17, EU:C:2018:161, n.o 33).

37      Além disso, o Tribunal de Justiça declarou que sancionar o não cumprimento das obrigações contabilísticas e declarativas do sujeito passivo com a recusa do direito a dedução vai claramente além do que é necessário para atingir o objetivo de assegurar a correta aplicação destas obrigações, tanto mais que o direito da União não impede os Estados‑Membros de aplicarem, sendo caso disso, multas ou sanções pecuniárias proporcionadas à gravidade da infração (Acórdãos de 9 de julho de 2015, Salomie e Oltean, C‑183/14, EU:C:2015:454, n.o 63, e de 7 de março de 2018, Dobre, C‑159/17, EU:C:2018:161, n.o 34).

38      Poderia assim não suceder se a violação dessas exigências formais tivesse por efeito impedir a prova certa de que as exigências materiais foram observadas (Acórdãos de 28 de julho de 2016, Astone, C‑332/15, EU:C:2016:614, n.o 46 e jurisprudência referida, e de 7 de março de 2018, Dobre, C‑159/17, EU:C:2018:161, n.o 35).

39      Do mesmo modo, o direito a dedução pode ser recusado quando se provar, com base em elementos objetivos, que esse direito é invocado de maneira fraudulenta ou abusiva (Acórdãos de 19 de outubro de 2017, Paper Consult, C‑101/16, EU:C:2017:775, n.o 43, e de 7 de março de 2018, Dobre, C‑159/17, EU:C:2018:161, n.o 36).

40      No caso em apreço, resulta da decisão de reenvio que, entre 7 de outubro de 2010 e 24 de maio de 2011, a Gamesa foi declarada contribuinte inativo, por não ter cumprido, durante um semestre civil, nenhuma das obrigações declarativas previstas por lei. No entanto, foi reativada e novamente identificada para efeitos de IVA a partir de 25 de maio de 2011. Na sequência dessa reativação, exerceu o seu direito a dedução através de declarações de IVA efetuadas ou de faturas emitidas posteriormente à reativação.

41      Há que observar que a data em que a declaração de IVA foi efetuada ou a fatura emitida não tem necessariamente incidência nas exigências materiais que conferem o direito a dedução.

42      Resulta destes elementos que, se as exigências materiais que conferem direito a dedução do IVA estiverem satisfeitas e se o direito a dedução não for invocado de maneira fraudulenta ou abusiva, uma sociedade numa situação como a da Gamesa pode exercer o seu direito a dedução através de declarações de IVA efetuadas ou de faturas emitidas posteriores à sua reativação.

43      Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, nomeadamente, se a Administração Fiscal dispõe dos dados necessários para determinar se as exigências materiais que conferem direito a dedução do IVA pago a montante pela Gamesa estavam satisfeitas, independentemente da data da declaração de IVA ou da fatura.

44      Tendo em conta estas considerações, a Diretiva 2006/112, nomeadamente os seus artigos 213.o, 214.o e 273.o, deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que permite à Administração Fiscal recusar a um sujeito passivo que efetuou aquisições no período em que o seu número de identificação para efeitos do IVA esteve anulado, em razão da falta de apresentação de declarações fiscais, o direito de deduzir o IVA relativo a essas aquisições através de declarações de IVA efetuadas — ou de faturas emitidas — após a reativação do seu número de identificação com o simples fundamento de que estas aquisições ocorreram durante o período de desativação, quando as exigências materiais estiverem reunidas e o direito a dedução não for invocado de maneira fraudulenta ou abusiva.

 Quanto às despesas

45      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sétima Secção) declara:

A Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, conforme alterada pela Diretiva 2010/45/UE do Conselho, de 13 de julho de 2010, nomeadamente os seus artigos 213.o, 214.o e 273.o, deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que permite à Administração Fiscal recusar a um sujeito passivo que efetuou aquisições no período em que o seu número de identificação para efeitos do imposto sobre o valor acrescentado esteve anulado, em razão da falta de apresentação de declarações fiscais, o direito de deduzir o imposto sobre o valor acrescentado relativo a essas aquisições através de declarações de imposto sobre o valor acrescentado efetuadas — ou de faturas emitidas — após a reativação do seu número de identificação com o simples fundamento de que estas aquisições ocorreram durante o período de desativação, quando as exigências materiais estiverem reunidas e o direito a dedução não for invocado de maneira fraudulenta ou abusiva.

Assinaturas


*      Língua do processo: romeno.