Language of document : ECLI:EU:C:2012:518

Processos apensos C‑71/11 e C‑99/11

Bundesrepublik Deutschland

contra

Y e Z

(pedidos de decisão prejudicial apresentados pelo Bundesverwaltungsgericht)

«Diretiva 2004/83/CE — Normas mínimas relativas às condições de concessão do estatuto de refugiado ou do estatuto conferido pela proteção subsidiária — Artigo 2.°, alínea c) — Qualidade de ‘refugiado’ — Artigo 9.°, n.° 1 — Conceito de ‘atos de perseguição’ — Artigo 10.°, n.° 1, alínea b) — Religião como motivo da perseguição — Nexo entre esse motivo de perseguição e os atos de perseguição — Nacionais paquistaneses membros da comunidade religiosa ahmadiyya — Atos das autoridades paquistanesas destinados a limitar o direito de manifestar a sua religião em público — Atos suficientemente graves para que o interessado possa ter receios fundados de ser perseguido devido à sua religião — Apreciação individual dos factos e das circunstâncias — Artigo 4.°»

Sumário — Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 5 de setembro de 2012

1.        Controlos nas fronteiras, asilo e imigração — Política de asilo — Estatuto de refugiado ou estatuto conferido pela proteção subsidiária — Diretiva 2004/83 — Condições de concessão do estatuto de refugiado — Risco de ser alvo de perseguição — Conceito de ato de perseguição — Ingerência na manifestação externa da liberdade de religião — Inclusão — Requisitos — Risco real de ser perseguido ou de ser submetido a tratamentos ou a penas desumanas ou degradantes

[Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigo 10.°, n.° 1; Diretiva 2004/83 do Conselho, artigos 6.° e 9.°, n.° 1, alínea a)]

2.        Controlos nas fronteiras, asilo e imigração — Política de asilo — Estatuto de refugiado ou estatuto conferido pela proteção subsidiária — Diretiva 2004/83 — Condições de concessão do estatuto de refugiado — Risco real de atos de perseguição durante práticas religiosas

[Diretiva 2004/83 do Conselho, artigo 2.°, alínea c)]

1.        O artigo 9.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva 2004/83, que estabelece normas mínimas relativas às condições a preencher por nacionais de países terceiros ou apátridas para poderem beneficiar do estatuto de refugiado ou de pessoa que, por outros motivos, necessite de proteção internacional, bem como relativas ao respetivo estatuto, e relativas ao conteúdo da proteção concedida, deve ser interpretado no sentido de que nem toda a ingerência no direito à liberdade de religião que viole o artigo 10.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia é suscetível de constituir um «ato de perseguição» na aceção da referida disposição desta diretiva. Com efeito, resulta da redação do artigo 9.°, n.° 1, desta diretiva que, para que os atos em causa possam ser considerados uma perseguição, é necessário que exista uma «violação grave» da referida liberdade que afete a pessoa em causa de maneira significativa. Por conseguinte, os atos cuja gravidade não equivale à da violação dos direitos humanos fundamentais, em relação aos quais não é possível nenhuma derrogação por força do n.° 2 do artigo 15.° da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, também não podem ser considerados uma perseguição na aceção do referido artigo 9.°, n.° 1, da Diretiva 2004/83 e do ponto A do artigo 1.° da Convenção de Genebra, relativa ao estatuto dos refugiados.

Os atos que podem constituir uma «violação grave» na aceção deste artigo incluem os atos graves de ingerência na liberdade do requerente não apenas de praticar o seu credo num círculo privado mas igualmente de professá‑lo em público. Assim, a existência de um ato de perseguição pode resultar de uma ingerência na manifestação externa da referida liberdade.

Para apreciar se uma ingerência no direito à liberdade de religião que viole o artigo 10.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia é suscetível de constituir um «ato de perseguição», as autoridades competentes devem verificar, tendo em conta a situação pessoal do interessado, se este, devido ao exercício dessa liberdade no seu país de origem, corre um risco real, nomeadamente, de ser perseguido ou de ser submetido a tratamentos ou a penas desumanas ou degradantes por parte de um dos agentes referidos no artigo 6.° da Diretiva 2004/83.

(cf. n.os 59, 61, 63, 72, disp. 1)

2.        O artigo 2.°, alínea c), da Diretiva 2004/83, que estabelece normas mínimas relativas às condições a preencher por nacionais de países terceiros ou apátridas para poderem beneficiar do estatuto de refugiado ou de pessoa que, por outros motivos, necessite de proteção internacional, bem como relativas ao respetivo estatuto, deve ser interpretado no sentido de que o receio do requerente de ser perseguido é fundado a partir do momento em que as autoridades competentes, tendo em conta a situação pessoal do requerente, considerem que é razoável assumir que, quando regressar ao seu país de origem, irá praticar atos religiosos que o irão expor a um risco real de perseguição. Na apreciação individual de um pedido para obtenção do estatuto de refugiado, as referidas autoridades não podem razoavelmente pressupor que o requerente renunciará a estes atos religiosos.

(cf. n.° 80, disp. 2)