Language of document : ECLI:EU:T:2019:201

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção alargada)

28 de março de 2019 (*)

«Concorrência — Acordos, decisões e práticas concertadas — Mercado europeu dos abrasivos em aço — Decisão que declara uma infração ao artigo 101.o TFUE e ao artigo 53.o do Acordo EEE — Concertação dos preços em todo o EEE — Processo “híbrido” desfasado cronologicamente — Presunção de inocência — Princípio de imparcialidade — Carta dos Direitos Fundamentais — Prova da infração — Infração única e continuada — Restrição da concorrência pelo objeto — Duração da infração — Coima — Adaptação excecional do montante de base — Dever de fundamentação — Proporcionalidade — Igualdade de tratamento — Competência de plena jurisdição»

No processo T‑433/16,

Pometon SpA, com sede em Maerne di Martellago (Itália), representada por E. Fabrizi, V. Veneziano e A. Molinaro, advogados,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por P. Rossi e B. Mongin, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objeto um pedido baseado no artigo 263.o TFUE e destinado à anulação da Decisão C(2016) 3121 final da Comissão, de 25 de maio de 2016, relativa a um procedimento nos termos do artigo 101.o TFUE e do artigo 53.o do Acordo EEE (Processo AT.39792 — Abrasivos de aço),

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção alargada),

composto por: S. Frimodt Nielsen, presidente, V. Kreuschitz, I. S. Forrester, N. Półtorak e E. Perillo (relator), juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador principal,

vistos os autos e após a audiência de 31 de maio de 2018,

profere o presente

Acórdão

I.      Antecedentes do litígio

1        A recorrente, Pometon SpA, é uma empresa italiana especializada no tratamento de metais. Esteve ativa no mercado dos abrasivos em aço até 16 de maio de 2007, data em que vendeu o seu ramo de atividade nesse setor a um dos seus concorrentes, a sociedade francesa Winoa SA. Com efeito, nessa data, a atividade acima referida da recorrente foi transferida para a sociedade Pometon Abrasives Srl, detida pelo grupo Winoa.

2        Os abrasivos em aço (a seguir «abrasivos») são compostos por partículas de aço, esféricas ou angulares, e são utilizados principalmente na indústria siderúrgica, automóvel, metalúrgica, petroquímica e no corte de pedra. São produzidos a partir de resíduos de sucata de aço.

3        Com a sua Decisão C(2016) 3121 final, de 25 de maio de 2016, relativa a um procedimento nos termos do artigo 101.o TFUE e do artigo 53.o do Acordo EEE (Processo AT.39792 — Abrasivos de aço; a seguir «decisão impugnada»), a Comissão Europeia considerou que, durante o período de 3 de outubro de 2003 a 16 de maio de 2007, a recorrente tinha participado, diretamente ou por intermédio dos seus representantes ou dos representantes de duas das suas filiais, a Pometon España SA e a Pometon Deutschland GmbH, num cartel que consistia em acordos ou práticas concertadas com quatro outras empresas, a saber o grupo americano Ervin Industries Inc. (a seguir «Ervin»), a sociedade francesa Winoa SA (a seguir «Winoa») e as sociedades alemãs MTS GmbH e Würth GmbH, essencialmente com vista a coordenar os preços dos abrasivos no Espaço Económico Europeu (a seguir «EEE»). A recorrente, e as suas duas filiais acima referidas são a seguir designadas conjuntamente, «Pometon».

A.      Fase de investigação e início do procedimento

4        Em 13 de abril de 2010, a Ervin apresentou um pedido de imunidade em matéria de coimas ao abrigo da Comunicação da Comissão Relativa à imunidade em matéria de coimas e à redução do seu montante nos processos relativos a cartéis (JO 2006, C 298, p. 17).

5        Na sequência desse pedido, a Ervin fez declarações orais e apresentou provas documentais. Em 31 de maio de 2010, a Comissão concedeu‑lhe uma imunidade condicional nos termos do ponto 8, alínea a), da referida comunicação.

6        Entre15 e 17 de junho de 2010, a Comissão procedeu a inspeções inopinadas nas instalações de diversos produtores de abrasivos, entre os quais se encontrava a Pometon. Posteriormente, a Comissão enviou vários pedidos de informações às empresas que, no seu entender, eram partes no cartel.

7        Em 16 de janeiro de 2013, a Comissão, em conformidade com o artigo 2.o do seu Regulamento (CE) n.o 773/2004, de 7 de abril de 2004, relativo à instrução de processos pela Comissão para efeitos dos artigos [101.o] e [102.o TFUE] (JO 2004, L 123, p. 18), deu início ao processo de investigação previsto no artigo 11.o, n.o 6, do Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos [101.o] e [102.o TFUE] (JO 2003, L 1, p. 1), contra a Pometon e as outras quatro participantes no cartel (a Ervin, a Winoa, a MTS e a Würth). A Comissão fixou‑lhes um prazo para que lhe declarassem por escrito que estavam dispostas a participar em conversações, tendo em vista uma eventual transação, em conformidade com o artigo 10.o‑A, n.o 1, do Regulamento n.o 773/2004.

B.      Procedimento de transação e opção da Pometon de se retirar deste processo

8        As cinco partes no alegado cartel manifestaram a sua disponibilidade para participar em conversações com vista a alcançar uma transação. Assim, entre fevereiro e dezembro de 2013, realizaram‑se três rondas de reuniões bilaterais entre a Comissão e as partes no cartel, no decurso das quais lhes foi apresentado o essencial das acusações e as provas subjacentes, A Comissão comunicou a cada participante no cartel o intervalo provável das coimas respetivas.

9        Em janeiro de 2014, as empresas em causa apresentaram as suas propostas de transação no prazo fixado, com exceção da recorrente, que decidiu retirar‑se desse processo. Assim, em 10 de fevereiro de 2014, a recorrente entregou à Comissão o CD‑ROM que lhe tinha sido enviado em 21 de fevereiro de 2013 no âmbito do procedimento de transação.

10      Em 13 de fevereiro de 2014, a Comissão enviou uma comunicação de acusações a cada uma das outras quatro partes no alegado cartel e, em 2 de abril de 2014, a Comissão adotou a decisão interlocutória C(2014) 2074 final, com base nos artigos 7.o e 23.o do Regulamento n.o 1/2003 (a seguir «decisão interlocutória»).

C.      Adoção da decisão impugnada segundo o processo ordinário e conteúdo da referida decisão

11      Em 3 de dezembro de 2014, a Comissão enviou uma comunicação de acusações à recorrente, que lhe respondeu em 16 de fevereiro de 2015, depois de ter tido acesso ao processo. Em seguida, a recorrente participou numa audição realizada em 17 de abril de 2015.

12      Em 25 de maio de 2016, a Comissão adotou a decisão impugnada, com base nos artigos 7.o e 23.o do Regulamento n.o 1/2003. O dispositivo desta decisão tem a seguinte redação:

«Artigo 1. o

A Pometon SpA infringiu o artigo 101.o, n.o 1, do Tratado e o artigo 53.o, n.o 1, do acordo EEE ao participar numa infração única e continuada sobre os preços no setor dos abrasivos de aço, consistindo a referida infração na coordenação do seu comportamento em matéria de preços e abrangendo todo o EEE.

A duração da infração prolongou‑se entre 3 de outubro de 2003 e 16 de maio de 2007.

Artigo 2. o

Para a infração referida no artigo 1.o, a coima aplicada à Pometon SpA é a seguinte: 6 197 000 euros […]»

13      Resulta, no essencial, da decisão impugnada no seu todo que a Pometon e as outras participantes no cartel, por um lado, tinham introduzido (primeira vertente do cartel) um método de cálculo uniforme que lhes permitia chegar a uma sobretaxa coordenada do preço dos abrasivos, baseada em índices do preço da sucata (a seguir «sobretaxa sobre a sucata», v. n.os 132 e 136, infra). Por outro lado, e paralelamente, tinham acordado (segunda vertente do cartel) coordenar o seu comportamento no que se refere aos preços de venda dos abrasivos praticados em relação a clientes individuais, comprometendo‑se em especial a não fazer concorrência entre si através de baixas de preços (considerandos 32, 33, 37 e 57 da decisão impugnada; v. n.o 173, infra).

14      Em relação à qualificação da infração em causa, a Comissão considerou que se tratava de uma infração única e continuada ao artigo 101.o TFUE e ao artigo 53.o do Acordo EEE. Com efeito, não só os acordos anticoncorrenciais dos participantes tinham todos por objeto a coordenação dos preços e respeitado aos mesmos produtos, mas também ocorreram de acordo com as mesmas modalidades durante todo o período da infração, compreendido entre 3 de outubro de 2003 e 16 de maio de 2007, data em que a recorrente vendeu a sua atividade no setor dos abrasivos à Winoa. Por último, as empresas que participaram na infração, bem como as pessoas que agiram em sua representação foram essencialmente as mesmas (considerandos 107 e 166 da decisão impugnada).

15      Em conclusão, segundo a Comissão, esse cartel teve por objeto restringir a concorrência, com efeitos significativos sobre o comércio do produto em causa entre os Estados‑Membros e as Partes Contratantes do Acordo EEE (considerandos 142 e 154 da decisão impugnada).

16      No que se refere à duração da participação da recorrente na infração, a Comissão fixou o início dessa participação em 3 de outubro de 2003 e, com base no facto de a Pometon não se ter formalmente dissociado do referido cartel, considerou que a participação desta empresa no cartel tinha continuado até 16 de maio de 2007, data em que a recorrente vendeu a sua atividade no setor dos abrasivos à Winoa (considerandos 160 e 166 da decisão impugnada; v., também, n.o 1, supra).

17      Com base nas Orientações para o Cálculo das Coimas aplicadas por força do artigo 23.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento (CE) n.o 1/2003 (JO 2006, C 210, p. 2; a seguir «Orientações para o Cálculo das Coimas»), a Comissão fixou o montante de base da coima da Pometon em 16 % do valor das vendas realizadas pela recorrente nos mercados dos países do EEE durante 2006, a saber o último ano completo da participação da Pometon na infração em causa, antes de vender a sua atividade relativa aos abrasivos à sua concorrente francesa.

18      Esta percentagem corresponde à tomada em conta de uma taxa de base de 15 %, que foi, por outro lado, aumentada de 1 %, para ter em conta a extensão geográfica da infração a todo o EEE (considerandos 214 a 216 da decisão impugnada). A parte variável do montante de base da coima foi, em seguida, aumentada de um valor adicional fixo de 16 %, aplicado com o objetivo de dissuadir as empresas de celebrar acordos de coordenação dos preços, em conformidade com o ponto 25 das Orientações para o Cálculo das Coimas (considerando 220 da decisão impugnada).

19      Por outro lado, o montante de base da coima assim calculado não foi objeto de nenhum aumento por circunstâncias agravantes. Pelo contrário, a Pometon beneficiou de uma redução de 10 % desse montante por circunstâncias atenuantes, por ter participado, em menor medida que as outras empresas, na segunda vertente do cartel (considerando 225 da decisão impugnada).

20      Por último, nos termos do ponto 37 das Orientações para o Cálculo das Coimas, disposição que permite à Comissão afastar‑se da metodologia prevista pelas referidas orientações quando as «especificidades de um dado processo» o possam justificar, esta instituição procedeu a uma adaptação do montante de base ajustado da coima (considerandos 228 a 231 da decisão impugnada), que consistiu numa redução de 60 %.

21      Em conclusão, como resulta do artigo 2.o da decisão impugnada, após esse cálculo o montante da coima aplicada à recorrente ascendia a 6 197 000 euros (v. n.o 12, supra).

II.    Tramitação processual e pedidos das partes

22      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 3 de agosto de 2016, a recorrente interpôs o presente recurso.

23      O encerramento da fase escrita foi notificado às partes em 21 de fevereiro de 2017. Por articulado apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 24 de março de 2017, a recorrente apresentou um pedido fundamentado com vista à realização de uma audiência, nos termos do artigo 106.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral.

24      Por decisão de 21 de março de 2018, o Tribunal Geral remeteu o processo à formação alargada, em conformidade com o artigo 28.o do Regulamento de Processo.

25      Por despacho de 22 de março de 2018, que julgou procedente o pedido subsidiário da recorrente destinado à adoção de diligências de investigação, o Tribunal Geral ordenou à Comissão, com base no artigo 91.o, alínea b), no artigo 92.o, n.o 1, e no artigo 103.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, por um lado, que apresentasse uma cópia da versão integral da decisão interlocutória, bem como uma cópia das declarações do requerente de clemência constantes dos documentos ID 5, ID 10, ID 136 e ID 643 do processo administrativo e, por outro, indicasse o volume de negócios total, em 2009, das destinatárias da decisão interlocutória, que foi tomado em consideração na referida decisão.

26      Por Despacho de 4 de maio de 2018, Pometon/Comissão (T‑433/16), o Tribunal Geral, pronunciando‑se sobre os pedidos de tratamento confidencial dos documentos apresentados pela Comissão em cumprimento do despacho de 22 de março de 2018 acima referido, decidiu que os documentos ID 5, ID 10, ID 136 e ID 643, que contêm a transcrição das declarações orais do requerente de clemência, podiam ser consultados pelos advogados da recorrente na Secretaria do Tribunal Geral. Em contrapartida, indeferiu o pedido de confidencialidade no que diz respeito, por um lado, ao volume de negócios, em 2009, das quatro empresas destinatárias da decisão interlocutória e, por outro, aos dados que figuram no quadro n.o 1 (considerando 90), n.o 3 (considerando 100) e n.o 4 (considerando 103) da referida decisão.

27      Como medidas de organização do processo, por um lado, o Tribunal Geral convidou a recorrente a apresentar as suas observações escritas sobre o impacto dos dados não confidenciais a que se refere o n.o 26, supra, sobre o quinto fundamento, relativo à adaptação do montante de base da coima nos termos do ponto 37 das Orientações para o Cálculo das Coimas. A recorrente deu cumprimento a este pedido no prazo fixado. Por outro lado, convidou as partes a responder oralmente, na audiência, a um conjunto de questões escritas.

28      Acresce que, na audiência, a Comissão pediu para ser autorizada a apresentar um documento que consistia num quadro de dados relativos às cinco empresas partes no cartel em causa, sobre os quais declarou ter‑se baseado para determinar, relativamente a cada uma delas, o nível de adaptação do montante de base da coima nos termos do ponto 37 das Orientações para o Cálculo das Coimas. A Comissão requereu um tratamento confidencial desses dados em relação ao público.

29      O Tribunal Geral decidiu juntar esse documento aos autos, sem prejuízo da apreciação da sua admissibilidade, e fixou à recorrente um prazo que expirava em 2 de julho de 2018, para apresentar as suas observações sobre o referido documento, em conformidade com o artigo 85.o, n.o 4, do Regulamento de Processo. Tendo a recorrente apresentado as suas observações em 2 de julho de 2018, a fase oral do processo foi encerrada nessa data.

30      Por despacho de 8 de novembro de 2018, o presidente da Terceira Secção ordenou a reabertura da fase oral do processo. A Comissão foi convidada a apresentar as suas observações sobre um dado novo constante das observações da recorrente de 2 de julho de 2018 e cumpriu esse pedido no prazo fixado. Por decisão de 17 de janeiro de 2019, o presidente da Terceira Secção declarou encerrada a fase oral do processo.

31      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        a título subordinado, anular ou reformar a decisão impugnada, na medida em que a Comissão afirma que a recorrente participou na infração até 16 de maio de 2007 e lhe aplica uma coima apesar da prescrição;

–        a título ainda mais subordinado, anular ou diminuir o montante da coima;

–        condenar a Comissão no reembolso dos montantes eventualmente pagos pela recorrente da prolação do acórdão a proferir, e de quaisquer outras despesas em que eventualmente tenha incorrido em execução dessa decisão;

–        adotar as medidas de organização do processo ou, a título subsidiário, as diligências de investigação que requereu;

–        condenar a Comissão nas despesas.

32      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        indeferir o pedido de medidas de organização do processo ou de investigação;

–        condenar a recorrente nas despesas.

III. Questão de direito

33      A recorrente invoca quatro fundamentos em apoio dos seus dois primeiros pedidos. Em primeiro lugar, a decisão impugnada está viciada pela violação do princípio de imparcialidade do tribunal, do princípio da presunção de inocência e dos direitos de defesa, na medida em que a Comissão lhe atribuiu comportamentos específicos, já na decisão interlocutória, condicionando assim as acusações formuladas posteriormente a seu respeito na decisão impugnada.

34      Em segundo lugar, a recorrente invoca a violação do artigo 101.o TFUE e do artigo 53.o do Acordo EEE, o caráter insuficiente e contraditório da fundamentação e a violação dos direitos de defesa e das regras relativas ao ónus da prova, na medida em que a Comissão lhe imputou, na falta de provas, a participação num cartel em que, na realidade, nunca participou.

35      Em terceiro lugar, a decisão impugnada está viciada pela violação do artigo 101.o TFUE e do artigo 53.o do Acordo EEE, na medida em que a Comissão considerou que o cartel constituía uma restrição da concorrência pelo objeto.

36      Em quarto lugar, a recorrente contesta a duração da sua participação no cartel e invoca a prescrição.

37      Por último, em apoio do terceiro pedido, destinado à anulação ou à reforma do montante da coima, a recorrente invoca a violação do dever de fundamentação e dos princípios da proporcionalidade e da igualdade de tratamento, no que diz respeito à adaptação excecional do montante de base da coima a que a Comissão procedeu em aplicação do ponto 37 das Orientações para o Cálculo das Coimas.

A.      Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do dever de imparcialidade, do princípio da presunção de inocência e dos direitos de defesa, na medida em que a Comissão atribuiu, na decisão interlocutória, comportamentos específicos à recorrente, condicionando assim as apreciações enunciadas na decisão impugnada

1.      Argumentos das partes

38      A recorrente salienta que, embora não sendo destinatária da decisão interlocutória, é mencionada diversas vezes no ponto 4 dessa decisão («descrição dos factos»), enquanto empresa que, em substância, participou ativamente no cartel. Mais especificamente destaca as seguintes passagens da decisão interlocutória, nas quais a Comissão fez expressamente referência ao seu comportamento:

«26. A Ervin, a Winoa, a Pometon, a MTS e a Würth, mantiveram contactos frequentes numa base bilateral, mas também multilateral, nos quais discutiram os principais componentes dos preços aplicáveis às suas vendas de abrasivos em aço no EEE, a saber, a “sobretaxa sobre a sucata” e o suplemento de preço para a energia. Também analisaram (principalmente nos contactos bilaterais) os parâmetros da concorrência que podiam estabelecer entre si relativamente aos clientes individuais. Nesse contexto global, as partes atuaram de forma a cobrir o EEE.

[…]

28. Em outubro de 2003, a Winoa, a Ervin, e a Pometon reuniram‑se […] para acordarem num modelo de cálculo uniforme para uma “sobretaxa sobre a sucata” comum que seria aplicada por todas estas empresas […].

29. A MTS e a Würth […] não participaram nas fases iniciais do processo quando foi celebrado o acordo entre a Winoa, a Ervin e a Pometon;

[…]

31. Os contactos com a Pometon prosseguiram até 16 de maio de 2007, data em que a Pometon vendeu a sua atividade de abrasivos em aço à Winoa e saiu do mercado.

[…]

38. Os elementos de prova demonstram que os contactos entre a Winoa, a Ervin, e a Pometon evoluíram para um comportamento a partir de outubro de 2003.»

39      Ora, a recorrente considera que referidas referências não eram indispensáveis nem sequer úteis. Em especial, alega, em primeiro lugar, que os elementos referidos no considerando 31 da decisão interlocutória ‑ que enuncia, em substância, que participou no cartel até 16 de maio de 2007, data em que vendeu a sua atividade à Winoa e abandonou o mercado — não constavam das propostas de transação das outras quatro empresas envolvidas. Em segundo lugar, e em todo o caso, num procedimento de transação, a decisão final deve dizer respeito apenas aos comportamentos das empresas partes na transação, bem como as sanções que lhes forem aplicadas.

40      Esta análise é, de resto, confirmada pela comparação da decisão interlocutória com a Decisão C (2014) 4227 final da Comissão, de 25 de junho de 2014, no processo AT.39965 — Cogumelos, também relativa a um procedimento de transação. Segundo a recorrente, essa decisão não continha, com efeito, na descrição dos factos relevantes, nenhuma referência à empresa que não tinha aceitado celebrar uma transação.

41      Nestas condições, as referências, na decisão interlocutória, a comportamentos imputados à recorrente demonstram inequivocamente que, antes mesmo de esta última ter tido a possibilidade de se defender, a Comissão já tinha presumido a sua culpabilidade. A decisão impugnada está assim viciada por uma violação do princípio de imparcialidade do tribunal, do princípio da presunção de inocência e dos direitos de defesa da recorrente.

42      Por outro lado, a este propósito, a recorrente contesta a argumentação da Comissão baseada na interpretação feita pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (a seguir «TEDH»), do artigo 6.o, n.o 2, da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950, relativo à presunção de inocência.

43      A respeito desta disposição, alega designadamente que, ao contrário do que a Comissão defende (v. n.o 51, infra), o TEDH, no seu Acórdão de 27 de fevereiro de 2014, Karaman c. Alemanha (CE:ECHR:2014:0227JUD001710310), considerou que, quando, num processo penal que envolve diversas pessoas que não podem ser julgadas ao mesmo tempo, é indispensável, para apreciar a culpabilidade dos arguidos, referir, numa primeira decisão, a participação na infração de um arguido que será em seguida julgado no âmbito de um segundo processo penal desfasado no tempo, o tribunal competente deve evitar fornecer mais informações do que as necessárias para efeitos de apreciação da responsabilidade penal dos arguidos que são julgados nesse processo (TEDH, 27 de fevereiro de 2014, Karaman c. Alemanha, CE:ECHR:2014:0227JUD 001710310, n.os 64 e 65).

44      Ora, segundo a recorrente, este mesmo critério devia ser aplicado quando a Comissão, como no presente processo, depois de ter iniciado um procedimento de infração em relação às cinco empresas suspeitas de terem participado num cartel, adota, numa primeira fase, uma decisão interlocutória em relação a quatro delas, e em seguida, numa segunda fase, contra a quinta que entretanto se retirou do procedimento de transação, adota uma decisão de infração no termo de um procedimento ordinário conduzido com base em disposições gerais do Regulamento n.o 773/2004.

45      Além disso, no que respeita à argumentação da Comissão de que o nome do recorrente tinha sido mencionado inadvertidamente na publicação da versão provisória da decisão interlocutória, a recorrente esclarece que a violação do princípio da presunção de inocência resulta neste caso do facto de, independentemente das modalidades de publicação da decisão interlocutória, a Pometon ter sido alvo, na referida decisão, de acusações precisas quanto à sua participação no cartel em causa. A substituição do nome da recorrente, na versão da decisão interlocutória publicada, posteriormente, em 6 de janeiro de 2015, pela expressão «uma outra empresa», não é, consequentemente, suscetível de eliminar a violação do referido princípio na decisão impugnada.

46      A Comissão contesta esta argumentação.

47      Antes de mais, as referências denunciadas pela recorrente destinavam‑se apenas a estabelecer a responsabilidade das outras quatro empresas que participaram no cartel, e não tinham, por outro lado, nenhum efeito sobre o dever da Comissão de concluir o processo contraditório em relação à recorrente, após a sua saída do procedimento de transação.

48      Qualquer outra solução, afirma ainda a Comissão, resultaria, num plano processual e substancial da sanção, numa espécie de «imunidade em matéria de coimas» a favor das empresas que se retiram de um procedimento de transação que tinham aceitado inicialmente.

49      A sequência destes dois procedimentos, esclarece ainda a Comissão, constitui certamente um processo complexo, também designado «híbrido», dado que é regulado por disposições legais distintas, sendo o procedimento de transação especificamente regulado pelo artigo 10.o‑A do Regulamento n.o 773/2004, ao passo que o processo contraditório subsequente é regulado por outras disposições desse mesmo regulamento, não tendo a recorrente, por outro lado, posto minimamente em dúvida a legalidade dessas disposições. No entanto, mesmo no âmbito de um processo híbrido, a posição de uma empresa que não é parte na transação não lhe pode conferir uma vantagem de natureza processual que lhe permita derrogar as regras aplicáveis.

50      Seguidamente, a Comissão sustenta que, em todo o caso, respeitou devidamente, em relação à recorrente, o princípio da presunção de inocência e, nomeadamente, os requisitos enunciados pelo TEDH no Acórdão de 27 de fevereiro de 2014, Karaman c. Alemanha (CE:ECHR:2014:0227JUD001710310). A este propósito, a Comissão esclarece que, ao fazer prova de precaução, referiu expressamente, na nota 4 da decisão interlocutória, e nos considerandos 27 e 28 da decisão impugnada, que a descrição dos factos que constam da decisão interlocutória não permitia retirar nenhuma conclusão relativa à culpabilidade da Pometon quanto à sua participação nesse cartel, devendo esta empresa ser posteriormente objeto de um procedimento contraditório de declaração de infração.

51      Em última análise, para determinar se, no caso vertente, o princípio da presunção de inocência foi violado, deve‑se atender, segundo a Comissão, ao respeito dos direitos de defesa da Pometon, que, neste caso, foi garantido ao longo de todo o processo ordinário que conduziu à adoção da decisão impugnada.

2.      Apreciação do Tribunal Geral

a)      Quadro jurídico do presente litígio à luz dos principais aspetos da decisão interlocutória da Comissão

52      Antes de passar à análise do presente fundamento, há que esclarecer brevemente que a recorrente invoca a violação dos seus direitos de defesa apenas em relação ao facto de a Comissão ter mencionado alguns dos seus comportamentos na decisão interlocutória, de que não é, no entanto, destinatária. Por conseguinte, não censura a Comissão de não ter respeitado, no âmbito do processo que conduziu à adoção da decisão impugnada, todas as garantias processuais relacionadas com os direitos de defesa, como as previstas, nomeadamente, pelas disposições gerais do Regulamento n.o 773/2004.

53      Estando deste modo precisado o objeto do presente fundamento, importa salientar, a título preliminar, que as partes discordam, nomeadamente, quanto ao alcance do artigo 41.o, n.o 1, e do artigo 48.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), em especial, no que se refere a esta última disposição, em relação à interpretação que cada uma delas faz o Acórdão de 27 de fevereiro de 2014, Karaman c. Alemanha (CE:ECHR:2014:0227JUD 001710310), proferido pelo TEDH quanto ao respeito do princípio da presunção de inocência num processo penal complexo que envolve várias pessoas que não podem ser julgadas em conjunto (v. n.os 43 e 50, supra). Estes dois artigos da Carta têm a seguinte redação:

«Artigo 41. o

1. Todas as pessoas têm direito a que os seus assuntos sejam tratados pelas instituições e órgãos da União de forma imparcial, equitativa e num prazo razoável.

[…]

Artigo 48. o

1. Todo o arguido se presume inocente enquanto não tiver sido legalmente provada a sua culpa.

2. É garantido a todo o arguido o respeito dos direitos de defesa.»

54      A este propósito, por um lado, importa lembrar que, segundo jurisprudência assente, ainda que, no exercício das suas prerrogativas no domínio da repressão das infrações ao direito da concorrência, a Comissão não possa ser qualificada de «tribunal» na aceção do artigo 6.o da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, e designadamente de autoridade pública que exerça funções de natureza penal, não está menos obrigada a respeitar os direitos fundamentais da União Europeia ao longo do procedimento administrativo, entre os quais figura o direito a uma boa administração, consagrado no artigo 41.o da Carta. Em particular, é este último, e não o artigo 47.o da Carta, relativo ao direito à ação e a um tribunal imparcial, que rege o procedimento administrativo em matéria de acordos na Comissão (Acórdão de 11 de julho de 2013, Ziegler/Comissão, C‑439/11 P, EU:C:2013:513, n.o 154).

55      Por outro lado, decorre da jurisprudência que o princípio da presunção de inocência, aplicável, devido à sua origem, ao domínio do direito penal, e tal como consagrado atualmente em direito da União pelo artigo 48.o, n.o 1, da Carta, aplica‑se, mutatis mutandis, também aos processos administrativos relativos ao cumprimento das regras europeias em matéria de concorrência, atenta a natureza das infrações em causa, bem como a natureza e grau de severidade das sanções aplicáveis (Acórdão de 8 de julho de 1999, Hüls/Comissão, C‑199/92 P, EU:C:1999:358, n.o 150; v. também, neste sentido, Acórdãos de 21 de janeiro de 2016, Eturas e o., C‑74/14, EU:C:2016:42, n.os 38 a 40, e de 12 de abril de 2013, CISAC/Comissão, T‑442/08, EU:T:2013:188, n.os 93 e 94).

56      Daqui resulta que, no âmbito do atual quadro do direito da União em matéria de repressão das infrações às regras da concorrência, o fundamento da garantia do respeito dos direitos fundamentais e processuais de que uma empresa acusada pela Comissão de uma infração ao artigo 101.o, n.o 1, TFUE deve poder beneficiar, reside, por um lado, no dever dessa instituição agir, em qualquer fase de um processo de aplicação das regras da concorrência, com total imparcialidade (artigo 41.o da Carta), o que inclui também a obrigação de respeitar a presunção de inocência das sociedades envolvidas na investigação em curso a seu respeito (artigo 48.o da Carta) e, por outro, no direito de qualquer empresa destinatária de um ato vinculativo, adotado por essa instituição nos termos do referido artigo 101.o, n.o 1, TFUE, de recorrer, para a sua defesa, aos órgãos jurisdicionais da União, antes de mais o Tribunal Geral em primeira instância, e em seguida, sendo caso disso, o Tribunal de Justiça em sede de recurso.

57      Enunciados estes pressupostos gerais, importa recordar, a propósito das regras processuais aplicáveis neste caso, que nos termos do artigo 2.o do Regulamento n.o 773/2004, quando a Comissão decide dar início a um processo relativamente a determinadas empresas para instruir «os casos de presumível infração» (v. artigo 105.o TFUE), «[emite] uma comunicação de objeções ou um pedido para que os interessados diretos expressem o seu interesse em encetar conversações de transação».

58      Nesta segunda perspetiva, o artigo 10.o‑A, n.o 1, deste regulamento prevê que, «[a]pós ter dado início ao processo […] a Comissão pode fixar um prazo para que os interessados diretos declarem por escrito que estão dispostos a participar em conversações, tendo em vista a eventual apresentação de propostas de transação».

59      A este propósito, o ponto 11 da Comunicação da Comissão relativa à condução de procedimentos de transação para efeitos da adoção de decisões nos termos do artigo 7.o e do artigo 23.o do Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho nos processos de cartéis (JO 2008, C 167, p. 1; a seguir «Comunicação da Comissão relativa à Condução de Procedimentos de Transação») esclarece, por outro lado, que as declarações escritas das empresas que manifestaram o seu interesse em participar nas conversações «não implica que as partes reconheçam ter participado numa infração, nem a sua responsabilidade face à mesma».

60      Nestas circunstâncias, para poder mais concretamente progredir nas conversações previstas, o n.o 2 do artigo 10.o‑A do Regulamento n.o 773/2004 prevê o seguinte:

«Os interessados diretos que participam nas conversações de transação podem ser informados pela Comissão:

a)      Das objeções que contra eles tenciona deduzir;

b)      Dos elementos de prova utilizados para estabelecer as objeções previstas;

c)      Das versões não confidenciais de qualquer documento acessível específico constante do processo nessa data; e

d)      Do intervalo das coimas potenciais.»

61      No caso em apreço, resulta dos autos que cada uma das cinco empresas partes no suposto cartel dos abrasivos, incluindo a Pometon, recebeu, na sequência da sua declaração escrita, todas as informações previstas no artigo 10.o‑A, n.o 2, do Regulamento n.o 773/2004 (v. n.os 8 e 60, supra).

62      É neste contexto de direito e de facto que cabe então apreciar, quanto ao mérito, o presente fundamento.

b)      Quanto ao alcance do dever de imparcialidade da Comissão e do princípio da presunção de inocência, nomeadamente no caso específico de um processo híbrido desfasado no tempo

63      Para verificar, em primeiro lugar, se a Comissão respeitou o seu dever de imparcialidade em relação à Pometon, nomeadamente no âmbito do procedimento de transação ao qual esta última, no entanto, renunciou, há que salientar que a decisão interlocutória que a Comissão adotou quanto às outras quatro empresas partes no cartel, pôs termo, sem qualquer dúvida, à infração de que tinham sido acusadas por esta instituição e, por conseguinte, pôs também termo ao cartel em causa, bem como aos seus efeitos negativos sobre o mercado em questão, uma vez que quatro das cinco empresas abrangidas admitiram de facto a sua coordenação em relação aos preços dos abrasivos e aceitaram pôr‑lhe imediatamente termo.

64      Em contrapartida, essa mesma decisão interlocutória não pôs termo à ação da Comissão no que respeita ao procedimento de infração iniciado, em 16 de janeiro de 2013, relativamente à Pometon (v. n.o 7, supra), dado que esta última tinha renunciado a prosseguir o procedimento de transação relativamente ao qual tinha manifestado inicialmente algum interesse e que, consequentemente, a instrução do seu processo devia prosseguir de modo contraditório, no âmbito de um procedimento de infração que se tornou assim hibrido. Com efeito, na sequência da retirada da Pometon do procedimento de transação, «o processo administrativo baseado no artigo 7.o do Regulamento n.o 1/2003 contra [a Pometon] está [ainda] em curso», precisa a nota de pé de página n.o 4 dessa decisão interlocutória.

65      Neste contexto, a interpretação proposta pelo recorrente, segundo a qual as referências a alguns dos seus comportamentos constantes da decisão interlocutória tinham violado o seu direito à presunção de inocência, pondo em causa a imparcialidade de que a Comissão devia fazer prova a seu respeito, é objetivamente incompatível com o facto de a Comissão, nomeadamente na nota de pé de página n.o 4 da decisão interlocutória, excluir expressamente, na presente fase do processo, a culpabilidade da Pometon, precisamente porque a instrução do seu processo deveria prosseguir de modo contraditório, com base num ato de acusação específico, a saber, a comunicação de acusações que a Comissão adotará efetivamente em 3 de dezembro de 2014.

66      Em especial, a referência ao comportamento da Pometon que consta do considerando 38 da decisão interlocutória, na qual a Comissão declara que os elementos de prova de que dispõe «demonstram que os contactos entre a Winoa, a Ervin [a requerente de clemência] e a Pometon evoluíram para um comportamento a partir de outubro de 2003» (v. n.o 38, supra), não é suscetível de pôr em causa essa constatação.

67      Antes de mais, estes termos não comportam, com efeito, nenhuma qualificação jurídica dos factos em causa nem permitem concluir, objetivamente, que a Comissão já tinha estabelecido, na fase da decisão interlocutória, a culpabilidade da Pometon, uma vez que também não tinha provado, na parte introdutória da decisão interlocutória, a culpabilidade das outras quatro partes no cartel, que são as únicas destinatárias da referida decisão.

68      Depois, a circunstância de que essa mesma decisão interlocutória menciona, no ponto seguinte relativo à qualificação jurídica dos factos imputados a essas quatro outras empresas («Legal assessment»), o facto de estas últimas terem admitido a sua participação na infração e, reconhecido a sua culpabilidade, não pode transformar automaticamente, de facto e de jure, as referências a determinados comportamentos da recorrente constantes da descrição dos factos numa espécie de «sentença disfarçada» da Comissão que abrange também a culpabilidade da Pometon.

69      Nestas circunstâncias, aquando da redação de uma decisão interlocutória adotada, como no caso em apreço, no âmbito de um procedimento tornado híbrido, a demarcação entre, por um lado, a exposição dos factos relativos ao cartel no seu todo e, por outro, a qualificação jurídica dos factos especificamente imputados às empresas que admitiram a sua culpabilidade, deve permanecer tão clara e transparente quanto possível, precisamente para não equiparar, no âmbito do próprio processo administrativo, neste caso o do cartel dos abrasivos (v. n.o 3, supra), a situação jurídica definitiva das empresas que transigiram com a da empresa que usou do seu direito de se retirar do procedimento de transação e em relação à qual o processo administrativo está ainda em curso (v. n.o 64, supra).

70      Por este motivo, surge em primeiro lugar a obrigação fundamental de imparcialidade, que o artigo 41.o da Carta impõe a qualquer instituição da União como o Tribunal de Justiça recordou no seu Acórdão de 11 de julho de 2013, Ziegler/Comissão (C‑439/11 P, EU:C:2013:513, n.o 154), que deve orientar a Comissão quando redige uma decisão interlocutória no contexto específico de um processo tornado híbrido em relação a uma empresa que se retirou deste procedimento (v. n.o 54, supra).

71      Com efeito, uma empresa que decidiu por fim renunciar à transação não perdeu, no entanto, o seu direito de ser tratada de forma imparcial, nem o seu direito à presunção de inocência no que diz respeito à infração em causa, mesmo que só seja formalmente acusada aquando da adoção da comunicação de acusações que dá início ao processo contraditório, que, neste caso, foi notificada à recorrente em 3 de dezembro de 2014.

72      Por conseguinte, o respeito do dever de imparcialidade, consagrado no artigo 41.o da Carta implica que, no âmbito de um processo tornado híbrido, a Comissão redija e fundamente a decisão interlocutória utilizando todas as precauções de redação necessárias para que essa decisão, embora não seja dirigida à empresa que se retirou do procedimento de transação, não afete todas as garantias processuais de que esta última deve beneficiar no âmbito do processo contraditório subsequente. É certo que estas precauções de redação devem motivar a Comissão a evitar, na medida do possível, designar na decisão interlocutória a empresa que não tenha transigido. Todavia, essas precauções não podem resultar numa proibição de qualquer referência — direta ou indireta — à mesma.

73      Com efeito, a jurisprudência do TEDH no processo que deu origem ao Acórdão de 27 de fevereiro de 2014, Karaman c. Alemanha (CE:ECHR:2014:0227JUD001710310 (v. n.o 53, supra), não pode justificar a tese da recorrente de que a Comissão, por força do seu dever de imparcialidade e do princípio do respeito da presunção de inocência, conforme aplicáveis a um processo administrativo que visa a declaração da existência de uma infração ao artigo 101.o TFUE, devia evitar referir‑se a alguns dos seus comportamentos.

74      No Acórdão de 27 de fevereiro de 2014, Karaman c. Alemanha (CE:ECHR:2014:0227JUD 001710310), o TEDH reconheceu que, perante um processo penal complexo que implique vários coarguidos, a manutenção de processos separados e desfasados no tempo está, no entanto, conforme com o princípio do respeito da presunção de inocência no direito penal, desde que, no entanto, o órgão jurisdicional em causa demonstre alguma precaução na redação da primeira das duas decisões penais que foram necessárias e desfasadas no tempo precisamente para melhor conduzir o processo em relação a um número significativo de coarguidos.

75      Ora, no caso em apreço, foi o que, mutatis mutandis, a Comissão fez em relação à recorrente quando redigiu a decisão interlocutória contra as outras quatro empresas abrangidas pelo mesmo cartel, como resulta das conclusões constantes dos n.os 63 a 68, supra.

76      Além disso, com a leitura da decisão interlocutória, o público eventualmente interessado também não pode objetivamente inferir das referências feitas a determinados comportamentos da Pometon na decisão interlocutória provisória (v. n.o 45, supra) a culpabilidade definitiva dessa empresa, uma vez que a referida decisão sublinha, sem qualquer equívoco possível, que se destina exclusivamente às outras quatro empresas que aceitaram transigir na sua infração e que o processo relativo à Pometon será tratado, posteriormente, num processo distinto e sujeito a contraditório.

77      Por conseguinte, com base nas considerações que precedem, só falta verificar, por uma questão de exaustividade da análise deste fundamento, se as referências ao nome e a determinados comportamentos da recorrente contidos na «descrição dos factos» da decisão interlocutória podiam ser efetivamente consideradas necessárias para uma descrição tão completa quanto possível dos factos que estão na origem do cartel em causa.

78      Nesta perspetiva, há, em primeiro lugar, que salientar que, no que se refere às partes num mesmo cartel, essa análise deve ser feita à luz não só do contexto factual e jurídico relativo às quatro empresas destinatárias da decisão interlocutória, mas também no âmbito mais alargado de um processo de investigação que se tornou híbrido e que, por isso, deve, inevitavelmente, incluir também a situação da recorrente enquanto parte na pretensa infração de que se trata e relativamente à qual a Comissão adotou, com efeito, em 16 de janeiro de 2013, a decisão de início do procedimento da instrução do cartel dos abrasivos (v. n.o 7, supra).

79      Com efeito, com respeito à continuidade da ação da Comissão entre o processo de transação seguido, no caso em apreço, relativamente às quatro outras empresas e o processo ordinário que levou à adoção da decisão impugnada contra a recorrente (v. n.o 64, supra), as referências controvertidas a determinados comportamentos desta última, que constam da decisão interlocutória, podem revelar‑se objetivamente úteis à descrição da origem do cartel no seu todo.

80      Nestas circunstâncias, para verificar se a Comissão respeitou a sua obrigação de imparcialidade ao longo de todo o processo híbrido em causa, importa que se baseie, como fazem, aliás, também as partes, nos critérios interpretativos enunciados pelo TEDH no Acórdão de 27 de fevereiro de 2014, Karaman c. Alemanha (CE:ECHR:2014:0227JUD 001710310). Estes critérios só podem, bem entendido, ser aqui tidos em consideração, mutatis mutandis, pelo facto de, no processo Karaman, esses parâmetros se referirem a um processo desfasado no tempo de natureza exclusivamente penal (v. n.o 74, supra), o que não é o caso no processo administrativo hibrido seguido no caso em apreço.

81      Ora, em primeiro lugar, em relação às precauções tomadas pela Comissão na decisão interlocutória, importa salientar, uma vez mais, que as referências contestadas pela recorrente, que figuram unicamente no ponto 4 da decisão interlocutória, intitulado «Descrição dos factos», não contêm nenhuma qualificação jurídica relativamente ao comportamento desta empresa.

82      Acresce que, no ponto 2 da decisão interlocutória, imediatamente após a identificação, no n.o 1, das quatro empresas destinatárias da decisão interlocutória, a Comissão designa expressamente a recorrente, no ponto 2.25, na sua qualidade de empresa objeto do processo de investigação iniciado relativamente às participantes no cartel em causa, e não enquanto parte no procedimento de transação. A este respeito, aliás, para eliminar qualquer risco de ambiguidade, a Comissão salienta que a recorrente não é destinatária da referida decisão.

83      Além disso, como já foi referido nos n.os 64 e 65, supra, na nota 4 da decisão interlocutória, a Comissão esclarece que se baseia nos elementos de facto reconhecidos pelas quatro empresas que aceitaram transigir e que as referências ao comportamento da Pometon se destinam a estabelecer apenas a responsabilidade destas quatro empresas na infração, uma vez que o processo contra a Pometon tem ainda de seguir o seu curso.

84      Daqui resulta que as referências à Pometon não permitem, objetivamente, pressupor que a Comissão formulou deliberadamente um juízo prévio da culpabilidade e da responsabilidade desta empresa no âmbito desse cartel a partir da fase da decisão interlocutória dirigida às outras quatro empresas partes no cartel em causa.

85      Em segundo lugar, em relação à questão de saber se as referências, na decisão interlocutória, ao comportamento da recorrente eram necessárias para estabelecer a responsabilidade das destinatárias dessa decisão, importa, antes de mais, afastar a comparação feita pela recorrente com a decisão interlocutória da Comissão no processo que deu lugar à Decisão C(2014) 4227 final, em que uma das empresas participante no cartel se tinha também retirado da transação (v. n.o 40, supra).

86      Com efeito, os dados factuais destes dois processos não são idênticos. Em todo o caso, a recorrente não identifica uma semelhança plausível entre o cartel no processo acima referido e o que está em causa no processo em apreço.

87      Nestas circunstâncias, há que, seguidamente, recordar que os termos do considerando 38 da decisão interlocutória, segundo os quais as referências à situação da recorrente, que figuram nos considerandos anteriores, «demonstram que os contactos entre a Winoa, a Ervin e a Pometon evoluíram para um comportamento a partir de outubro de 2003», marcando assim o início da infração, não significam que, nesta fase da fundamentação da decisão interlocutória, a Comissão já tinha estabelecido a totalidade das condições de facto e de direito que provam que a Pometon, tal como as outras quatro empresas que tinham admitido a sua culpabilidade, se tinha tornado culpada da participação na infração em causa (v. n.os 66 e 67, supra).

88      Além disso, no que respeita ao considerando 37 da decisão interlocutória, relativo ao alcance geográfico do cartel que abrange, para as cinco empresas em causa, todo o EEE, há que salientar que, na medida em que a Comissão declarou a existência de uma infração única e continuada, era necessário clarificar a extensão territorial do cartel no seu conjunto (v. n.o 259, infra).

89      Por último, há que salientar que o considerando 31 da decisão interlocutória, que refere que «[o]s contactos com a Pometon prosseguiram até 16 de maio de 2007, data em que a Pometon vendeu a sua atividade de abrasivos à Winoa e saiu do mercado» em causa, não tem por objeto demonstrar a responsabilidade da recorrente na infração em questão, mas destina‑se a clarificar a evolução do cartel no tempo no qual as quatro empresas destinatárias da decisão interlocutória admitiram ter participado, atendendo, precisamente, à aquisição, nessa data, da atividade da Pometon pela Winoa (considerandos 32 a 35 da decisão interlocutória).

90      Nestas circunstâncias, e de acordo com as disposições aplicáveis no presente caso, conforme recordadas nos n.os 57 a 60, supra, e cuja legalidade a recorrente não contestou, esta última não pode validamente acusar a Comissão de ter violado o seu dever fundamental de imparcialidade no tratamento posterior do seu processo sobre os abrasivos ainda pendente, ao referir alguns dos seus comportamentos na decisão interlocutória, em relação com os das outras quatro empresas interessadas, nem de ter violado a sua presunção de inocência, enquanto empresa que optou por não prosseguir o procedimento de transação, que as outras quatro empresas concorrentes tinham, pelo contrário, aceitado.

91      No entanto, a recorrente sustenta que, no caso em apreço, a violação da presunção de inocência decorria do facto de os dois processos relativos ao cartel dos abrasivos de que foi alvo, antes de mais o procedimento de transação e depois o do contraditório, terem sido desfasados no tempo, o que devia ter obrigado a Comissão a omitir, na decisão de interlocutória, qualquer referência à sua situação específica (v. n.os 7, 10 e 11, supra).

92      Efetivamente, é evidente que, no caso em apreço, o facto de quatro das cinco empresas partes no cartel em causa terem admitido sua culpabilidade é uma circunstância suscetível de se repercutir de forma restrita e inevitável nos factos relativos à participação da quinta empresa suspeita de ter participado no mesmo cartel, a saber a Pometon.

93      Todavia, quando uma empresa decide, livremente, optar pelo procedimento híbrido em vez de apresentar à Comissão uma proposta de transação, não pode pretender, invocando o princípio do respeito da presunção de inocência, que a Comissão, enquanto autoridade responsável pelo respeito das regras em matéria de concorrência, deve ignorar totalmente, na decisão de interlocutória, determinados factos admitidos pelas outras empresas que transigiram e que, mesmo que se refiram a comportamentos da recorrente que não prosseguiu no procedimento de transação, são relevantes para apreciar a existência desse cartel no seu todo.

94      Por outro lado, o argumento da Comissão que sustenta, a este respeito, que a tese da recorrente equivale, na prática, a conferir às empresas que se retirem de um procedimento de transação uma espécie de «imunidade em matéria de coimas», também não pode ser acolhido.

95      Com efeito, a questão de direito suscitada a este respeito pela recorrente não pretende contestar o poder da Comissão de lhe aplicar uma coima, mas sim o dever de imparcialidade que esta instituição é obrigada a respeitar no tratamento do seu processo sobre os abrasivos e, por conseguinte, também o respeito do princípio da presunção de inocência no âmbito de um processo híbrido desfasado no tempo.

96      No entanto, o direito de uma empresa de se retirar de um procedimento de transação não lhe pode conferir o direito a uma presunção de inocência inilidível, ou seja, uma presunção que não pode ser ilidida por prova em contrário, prova que compete, neste caso, à Comissão apresentar durante precisamente um procedimento contraditório com a empresa em causa.

97      Por conseguinte, não obstante a sua natureza híbrida e o seu desfasamento no tempo, esse procedimento permite no entanto, por um lado, à Comissão cumprir adequadamente a sua missão de fiscalização e de repressão relativamente a qualquer comportamento suscetível de impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado interno (artigo 101.o, n.o 1, TFUE) e, por outro lado, às empresas afetadas invocarem plenamente os seus direitos de defesa, no âmbito precisamente de uma confrontação direta e contraditória com a Comissão.

98      De resto, a recorrente não sustenta que esse desfasamento no tempo entre estes dois procedimentos, quando são aplicados, é, enquanto tal, contrário às disposições pertinentes dos regulamentos aplicáveis na matéria, nem, de resto, às do artigo 41.o da Carta, relativo ao dever de imparcialidade das instituições da União. Em contrapartida, considera que, no caso em apreço, um desfasamento no tempo entre a decisão interlocutória e a decisão impugnada viola a presunção de inocência de que deve beneficiar até que a sua culpabilidade tenha sido legalmente demonstrada.

99      Importa, contudo, observar a este respeito que a decisão de dar início a um procedimento contraditório em relação a uma empresa que se retirou de um procedimento de transação não obriga a Comissão a adiar ou suspender a adoção de medidas «adequad[a]s para […] pôr termo» ao cartel em causa (artigo 105.o TFUE), nomeadamente as relativas às outras empresas que admitiram a sua responsabilidade e lhe apresentaram uma proposta definitiva de transação. A adoção de uma decisão interlocutória, quando todas as condições de direito o permitam, responde, na realidade, ao interesse geral e superior da proteção da concorrência em benefício dos consumidores. Com efeito, tal como refere também o considerando 3 do Regulamento (UE) 2015/1348 da Comissão, de 3 de agosto de 2015, que altera o Regulamento (CE) n.o 773/2004 (JO 2015, L 208, p. 3), «[p]ara os consumidores, a deteção e a sanção dos cartéis secretos revestem maior interesse do que a aplicação de coimas […] às empresas que permitem à Comissão detetar e proibir essas práticas».

100    Assim, em primeiro lugar, nenhuma disposição do direito da União aplicável no caso em apreço, obriga a Comissão a adotar uma decisão interlocutória, ao mesmo tempo que a decisão de infração e de sanção de uma empresa que, em contrapartida, se retirou do procedimento de transação, ou que, desde o início, nem sequer aceitou participar em tal processo. Neste contexto, a possibilidade de um desfasamento no tempo decorre expressamente do n.o 19 da comunicação relativa aos procedimentos de transação que especifica o seguinte:

«Caso os interessados diretos em causa não apresentem uma proposta de transação, a instrução do processo que leva à decisão final da Comissão a seu respeito, desenrolar‑se‑á em conformidade com as disposições gerais, nomeadamente o n.o 2 do artigo 10.o, o n.o 1 do artigo 12.o e o n.o 1 do artigo 15.o do Regulamento (CE) n.o 773/2004 e não com as disposições que regem o procedimento de transação.»

101    Em segundo lugar, e consequentemente, mesmo no contexto específico de um processo híbrido desfasado no tempo, as disposições do direito da União aplicáveis na matéria permitem à Comissão cumprir a sua missão de fiscalização e de repressão dos cartéis de forma eficaz, desde que, no entanto, respeite plenamente o seu dever de imparcialidade e da presunção de inocência relativamente à parte que renunciou à transação e optou por ver o ser processo tratado por esta instituição no âmbito de um procedimento contraditório específico.

102    Com efeito, durante esse procedimento contraditório, a empresa em causa pode, invocando, designadamente, todas as prerrogativas ligadas aos direitos de defesa que lhe são reconhecidos pelo direito da União, contestar, por um lado, os elementos de prova apresentados contra si pela Comissão e, por outro, alegar, ao mesmo tempo, todos os argumentos úteis à sua defesa.

103    Por todas estas razões, há que declarar que, tanto pelas precauções relativas à redação tomadas pela Comissão na elaboração da decisão interlocutória como pelo seu conteúdo substantivo, as menções controvertidas relativas à recorrente na referida decisão, não podem ser consideradas um indício de falta de imparcialidade desta instituição em relação à recorrente e, por conseguinte, de um incumprimento da presunção de inocência na decisão impugnada.

104    Por todos estes motivos, há que julgar improcedente o primeiro fundamento.

B.      Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do artigo 101.o TFUE e do artigo 53.o do Acordo EEE, ao caráter insuficiente e contraditório da fundamentação, bem como à violação dos direitos da defesa e das regras relativas ao ónus da prova, na medida em que a Comissão imputou à recorrente uma participação no cartel

105    Este fundamento divide‑se em três partes. No âmbito das duas primeiras partes, a recorrente contesta a sua participação em cada uma das duas vertentes do alegado cartel, relativas, a primeira, ao modo de cálculo da sobretaxa sobre a sucata e, a segunda, à coordenação relativa aos clientes individuais. No âmbito da terceira parte, alega que não participou na referida infração única e continuada. Em apoio destas três partes, a recorrente invoca, em substância, a insuficiência dos elementos de prova em que a Comissão se baseia na decisão impugnada, dado que, na sua opinião, estes elementos são imprecisos, incoerentes e contraditórios.

106    Antes de examinar cada uma das três partes do presente fundamento, importa recordar, a título preliminar, as regras relativas ao ónus e à produção da prova.

1.      Observações preliminares relativas ao ónus e à produção da prova

107    O artigo 2.o do Regulamento n.o 1/2003 prevê expressamente que «o ónus da prova de uma violação do [n.o 1 do artigo 101.o, ou do artigo 102.o TFUE] incumbe à parte ou à autoridade que alega tal violação». Assim, compete à Comissão apresentar a prova das infrações por ela declaradas e demonstrar suficientemente a existência dos factos constitutivos de uma infração (v., neste sentido, Acórdão de 12 de abril de 2013, CISAC/Comissão, T‑442/08, EU:T:2013:188, n.o 91 e jurisprudência referida).

108    Consequentemente, em conformidade com o princípio da presunção da inocência, a existência de dúvidas no espírito do juiz quando é chamado a apreciar se a Comissão provou suficientemente a culpabilidade de uma empresa quanto a uma infração ao artigo 101.o TFUE deve aproveitar à empresa destinatária da decisão que declara essa infração (v., neste sentido, Acórdão de 12 de abril de 2013, CISAC/Comissão, T‑442/08, EU:T:2013:188, n.o 92 e jurisprudência referida).

109    Assim, é necessário, neste contexto, que a Comissão apresente um conjunto de provas precisas e concordantes que permitam considerar que a infração e a sanção em causa foram legalmente demonstradas, a saber no respeito das regras de direito aplicáveis e nomeadamente do direito de defesa, que é garantido a qualquer arguido. Porém, as provas que a Comissão apresenta não têm de necessariamente cumprir estes critérios relativamente a todos os elementos da infração. Basta que o conjunto dos indícios apresentados por essa instituição, apreciados globalmente, satisfaça esta exigência (v., neste sentido, Acórdãos de 26 de janeiro de 2017, Comissão/Keramag Keramische Werke e o., C‑613/13 P, EU:C:2017:49, n.o 52, e de 12 de abril de 2013, CISAC/Comissão, T‑442/08, EU:T:2013:188, n.os 96 e 97).

110    Com efeito, sendo notórias a proibição de participar em práticas ou acordos anticoncorrenciais, bem como as sanções em que os infratores podem incorrer, é normal que as atividades colusórias decorram cada vez mais clandestinamente, que as reuniões entre os representantes das empresas se realizem secretamente, a maioria das vezes num país terceiro, e que a documentação que lhes diz respeito seja reduzida ao estrito mínimo, precisamente com o objetivo de evitar a identificação do cartel e as sanções justamente severas.

111    Assim, mesmo que a Comissão descubra documentos que comprovem de maneira explícita a existência de contactos ilegais entre os operadores das sociedades em causa, como as atas de uma reunião, esses documentos são normalmente fragmentados e dispersos, pelo que, muitas vezes, é necessário reconstituir por dedução determinados pormenores (Acórdãos de 7 de janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão, C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, EU:C:2004:6, n.os 55 e 56, e de 26 de janeiro de 2017, Comissão/Keramag Keramische Werke e o., C‑613/13 P, EU:C:2017:49, n.o 50).

112    Consequentemente, a existência de uma prática ou de um acordo anticoncorrencial deve, na maior parte dos casos, ser inferida de um determinado número de coincidências e de indícios que, considerados no seu todo, podem constituir, na falta de outra explicação coerente, a prova de uma violação das regras da concorrência (Acórdãos de 17 de setembro de 2015, Total Marketing Services/Comissão, C‑634/13 P, EU:C:2015:614, n.o 26, e de 26 de janeiro de 2017, Comissão/Keramag Keramische Werke e o., C‑613/13 P, EU:C:2017:49, n.o 51).

113    Perante essas práticas anticoncorrenciais cada vez mais inacessíveis, a Comissão pode ter em conta elementos apurados fora do período de infração, se esses elementos fizerem parte do conjunto de indícios que invoca para prova dessa infração. Assim, pode invocar circunstâncias factuais anteriores a um comportamento anticoncorrencial para confirmar o conteúdo de um elemento objetivo de prova (v., neste sentido, Acórdão de 2 de fevereiro de 2012, Denki Kagaku Kogyo e Denka Chemicals/Comissão, T‑83/08, não publicado, EU:T:2012:48, n.o 188), ou até factos posteriores a esse comportamento (Acórdão de 16 de junho de 2015, FSL e o./Comissão, T‑655/11, EU:T:2015:383, n.o 178).

114    Por outro lado, quando, na demonstração de uma infração ao direito da concorrência, a Comissão se baseia em provas documentais, cabe às empresas em causa não só apresentarem uma alternativa plausível à tese da Comissão, mas também arguirem a insuficiência das provas em que a decisão recorrida se baseia para dar por provada a existência da presumida infração (v. Acórdão de 16 de junho de 2015, FSL e o./Comissão, T‑655/11, EU:T:2015:383, n.o 181 e jurisprudência referida).

115    Aliás, no que se refere aos meios de prova que podem ser invocados para demonstrar uma infração ao artigo 101.o TFUE, o princípio que prevalece no direito da União é o da livre produção de provas de que resulta, por um lado, que, desde que um elemento de prova tenha sido legalmente obtido, a sua admissibilidade não pode ser contestada no Tribunal Geral e, por outro, que o único critério pertinente para apreciar a força probatória das provas regularmente apresentadas reside na sua credibilidade (Acórdão de 19 de dezembro de 2013, Siemens e o./Comissão, C‑239/11 P, C‑489/11 P e C‑498/11 P, não publicado, EU:C:2013:866, n.o 128).

116    Segundo as regras normalmente aplicáveis em matéria de prova, a credibilidade e, portanto, o valor probatório de um documento depende da sua origem, das circunstâncias da sua elaboração, do seu destinatário e do caráter razoável e fidedigno do seu conteúdo.

117    Assim, deve‑se atribuir uma importância especial aos documentos que foram elaborados numa relação imediata com os factos ou por uma testemunha direta desses factos. Este é o caso, em especial, dos documentos que se referem diretamente a reuniões nas quais foi analisada a planificação e o desenvolvimento do cartel e que manifestamente foram elaboradas sem que se pensasse que podiam ser levados ao conhecimento de terceiros não interessados (v., neste sentido, Acórdãos de 27 de setembro de 2012, Shell Petroleum e o./Comissão, T‑343/06, EU:T:2012:478, n.o 207, e de 15 de dezembro de 2016, Philips e Philips France/Comissão, T‑762/14, não publicado, EU:T:2016:738, n.o 109).

118    Nesta perspetiva, as declarações de outras empresas arguidas podem assumir uma importância significativa para efeitos da constatação da existência de um cartel. Em especial, as declarações feitas no âmbito de um pedido apresentado para beneficiar do programa de clemência da Comissão (v. considerando 3 do Regulamento 2015/1348, referido no n.o 99, supra) têm um valor probatório elevado (v., neste sentido, Acórdãos de 8 de julho de 2004, JFE Engineering e o./Comissão, T‑67/00, T‑68/00, T‑71/00 e T‑78/00, EU:T:2004:221, n.os 205, 211 e 212, e de 20 de maio de 2015, Timab Industries e CFPR/Comissão, T‑456/10, EU:T:2015:296, n.o 115). Com efeito, qualquer tentativa do requerente de clemência de induzir a Comissão em erro podia pôr em causa a sinceridade e a integridade da sua cooperação e, portanto, expô‑lo a perder o benefício dessa cooperação (v., neste sentido, Acórdão de 19 de dezembro de 2013, Siemens e o./Comissão, C‑239/11 P, C‑489/11 P e C‑498/11 P, não publicado, EU:C:2013:866, n.o 138).

119    Por essa razão, a declaração de uma empresa acusada de ter participado num cartel, cuja exatidão é contestada por várias outras empresas acusadas, não pode ser considerada prova suficiente da existência de uma infração cometida por estas últimas sem ser sustentada noutros elementos de prova, entendendo‑se que o grau de corroboração exigido pode ser menor, devido à fiabilidade das declarações em causa (Acórdãos de 19 de dezembro de 2013, Siemens e o./Comissão, C‑239/11 P, C‑489/11 P e C‑498/11 P, não publicado, EU:C:2013:866, n.o 135, e de 26 de janeiro de 2017, Comissão/Keramag Keramische Werke e o., C‑613/13 P, EU:C:2017:49, n.o 28).

120    Em última análise, para efeitos da tomada em conta da prova da infração que a Comissão alega, cada facto apresentado por esta instituição não tem de ser necessariamente preciso e constituir, por si só, uma prova autónoma da infração, basta que o quadro acusatório no seu todo e o conjunto de indícios e de factos apresentados pela Comissão, apreciados no seu conjunto, respondam aos requisitos fundamentais para a prova da culpabilidade, de forma que o juiz da União eventualmente chamado a se pronunciar no seguimento da fiscalização da decisão de infração possa considerar que essa culpabilidade foi legalmente demonstrada (v. n.o 109, supra).

2.      Quanto à primeira parte do segundo fundamento, relativa à alegada não participação da recorrente na primeira vertente do cartel, sobre o modo de cálculo da sobretaxa sobre a sucata

a)      Argumentos das partes

121    A recorrente sustenta que a conclusão da Comissão, de que tinha participado no acordo sobre o modo de cálculo da sobretaxa sobre a sucata é inexata e não assenta em nenhum elemento de prova. Alega que a sobretaxa sobre a sucata não podia ser aplicada automaticamente, mas que exigia, por um lado, uma troca regular de informações entre as empresas abrangidas e, por outro, a realização de reuniões e de contactos diversos, que constituíam a própria essência do cartel.

122    A este propósito, em primeiro lugar, a recorrente alega que não bastava que cada produtor consultasse os índices do preço da sucata, a saber o índice CAEF 225 para a Itália e o índice Eurofer para os outros países do EEE, e que de seguida calculasse, de forma autónoma, o montante da sobretaxa sobre a sucata aplicando a fórmula previamente acordada. Pelo contrário, resultava das conclusões da Comissão que constam da decisão impugnada (considerandos 40, 121, 124 e 125) que os produtores deviam receber, para fixar a sobretaxa sobre a sucata, a informação que Winoa devia enviar todos os meses por correio eletrónico a cada participante no cartel (a seguir «folha de cálculo») ou, na falta dela, consultar o sítio Internet da Winoa, no qual esta última tinha com efeito publicado, a partir de maio de 2004, as informações relativas à sobretaxa sobre a sucata, informando também as outras partes dessa publicação.

123    A este propósito, a recorrente alega em todo o caso que, nunca recebeu da Winoa nem as folhas de cálculo nem a informação relativa à publicação da sobretaxa sobre a sucata no seu sítio Internet. Além disso, contesta que essa publicação pudesse substituir o envio das folhas de cálculo (considerando 127 da decisão impugnada).

124    Em segundo lugar, em relação à participação em determinadas reuniões, a recorrente alega que, das 27 reuniões realizadas durante o período que termina em 16 de maio de 2007, só participou em duas reuniões com as outras empresas abrangidas — a primeira em 28 de setembro de 2004 e a segunda em 9 de junho de 2005 (considerando 69 da decisão impugnada).

125    Em concreto, considera que não houve nenhuma reunião em 16 de maio de 2007. O encontro em Milão (Itália), evocado nos considerandos 52 a 56 da decisão impugnada, na realidade, teve lugar em 17 de maio de 2017, ou seja, no dia seguinte à data em que a recorrente vendeu a sua atividade no setor dos abrasivos à Winoa e deixou assim,definitivamente o referido mercado (considerandos 11, 129 e 166 da decisão impugnada).

126    Em terceiro lugar, no que se refere aos outros contactos, a recorrente alega que não resulta dos documentos invocados na decisão impugnada (considerandos 48 a 55) que os seus contactos com os outros participantes no cartel eram suscetíveis de demonstrar que tinha continuado a aplicar, a partir de 2004, a sobretaxa sobre a sucata acordada em outubro de 2003.

127    Em última análise, a Comissão desvirtuou os factos e não provou que a recorrente tinha estado implicada em contactos colusórios.

128    A Comissão contesta esta argumentação.

b)      Apreciações do Tribunal Geral

1)      Quanto ao papel inicial da recorrente na implementação, durante 2003, da sobretaxa sobre a sucata

129    A recorrente não questiona a sua responsabilidade inicial na primeira vertente do cartel, e isto a partir de 3 de outubro de 2003. Aliás, também não tinha contestado essa responsabilidade na sua resposta à comunicação de acusações de 3 de dezembro de 2004 (considerandos 114 e 160 da decisão impugnada). Assim, é pacífico que a recorrente não só assinou o acordo sobre o método de cálculo da sobretaxa sobre a sucata, com a Winoa e a Ervin, na reunião dos representantes destas três empresas, em 3 de outubro de 2003, num restaurante na margem do lago de Garda (Itália), como também desempenhou um papel importante, em 2003, na preparação dessa reunião e na escolha do novo sistema de cálculo uniforme.

130    Além disso, resulta dos autos que a recorrente esteve implicada, após a celebração do acordo de 3 de outubro de 2003, na coordenação e na implementação efetiva do novo sistema de cálculo da sobretaxa sobre a sucata. Com efeito, esse envolvimento está demonstrado, antes de mais, por um conjunto de mensagens de correio eletrónico que trocou com a Winoa, em outubro de 2003 (considerandos 42 a 45 da decisão impugnada), e que não são contestadas pela recorrente e pela mensagem de correio eletrónico de 1 de dezembro de 2003 do «general manager» da Pometon Deutschland para o diretor‑geral da recorrente (considerando 46). Este documento, em particular, demonstra claramente que a recorrente pediu à sua filial alemã para aplicar a sobretaxa sobre a sucata, uma instrução que é perfeitamente coerente com a estratégia do cartel em causa. Por último, a mensagem de correio eletrónico interna da Winoa de 9 de dezembro de 2003 revela que a introdução da referida sobretaxa pelas filiais espanholas da Winoa e da recorrente foi também objeto de uma coordenação entre estas empresas (considerando 47 da decisão impugnada).

131    Estes factos também não são contestados.

2)      Quanto à aplicação automática da sobretaxa sobre a sucata após 1 de fevereiro de 2004

132    A fórmula de cálculo uniforme da sobretaxa sobre a sucata, tal como acordada na reunião de 3 de outubro de 2003 e aplicada, segundo a Comissão, por todos os participantes no cartel a partir de fevereiro de 2004, está descrita no considerando 37 da decisão impugnada.

133    Esta fórmula baseava‑se, por um lado e para todo o EEE, exceto em relação ao mercado italiano, no índice Eurofer do preço da sucata. Este índice foi publicado mensalmente, até 2 de março de 2016, no sítio Internet da Eurofer, a Associação Europeia do ferro e do aço. Esse índice era calculado com base no preço médio em euros por tonelada a partir dos preços da oferta e da procura obtidos junto dos principais operadores da Alemanha, da França, da Itália e do Reino Unido (considerando 7 da decisão impugnada).

134    Por outro lado, para a Itália, onde os preços da sucata eram significativamente mais elevados do que na maior parte dos outros países europeus, essa fórmula baseava‑se no índice CAEF 225, a saber um índice nacional, elaborado pela Câmara de Comércio de Milão e publicado no sítio Internet da Assofermet, a Associação italiana das empresas ativas no setor dos produtos siderúrgicos.

135    Ao contrário do índice Eurofer, o índice CAEF 225 não se apresentava sob a forma de um valor mensal, único, a saber, um indicador único, mas sob a forma de um intervalo de preço mínimo e máximo, publicado de duas em duas semanas pela Assofermet (considerandos 37 e 126 da decisão impugnada).

136    Ora, com base nestes elementos, o cálculo da sobretaxa sobre a sucata era efetuado, segundo os termos do Acordo, deduzindo, a título de «compensação», o dígito 68 do índice Eurofer e o dígito 62 do índice CAEF 225. Para se obter o preço de base dos abrasivos aplicável aos clientes, o montante assim obtido era somado aos outros custos, nomeadamente ao preço de compra efetivo da sucata.

137    Sem contestar nos seus articulados esta modalidade de cálculo, a recorrente sustenta, no entanto, que os produtores abrangidos não podiam aplicar automaticamente a sobretaxa sobre a sucata, apenas com base nesses dois índices.

138    Com efeito, segundo a recorrente, para aplicar essa sobretaxa era necessário que cada produtor recebesse, mensalmente, a folha de cálculo, a saber, a mensagem de correio eletrónico mensal relativa à sobretaxa sobre a sucata que a Winoa se tinha comprometido a enviar aos participantes no cartel até meados de 2007 ou que consultasse, a partir de maio de 2004, a informação relativa à sobretaxa sobre a sucata publicada no sítio Internet da Winoa.

139    Em resposta a uma questão do Tribunal Geral, a recorrente alegou, na audiência, que, em especial na Itália, tinha sido muito difícil aplicar a sobretaxa sobre a sucata sem se poder basear nos dados constantes das folhas de cálculo, uma vez que o índice CAEF 225 consistia num intervalo de preços publicado quinzenalmente, o que representava, em termos concretos, quatro indicadores por mês (v. n.o 135, supra). Na audiência, a recorrente também esclareceu, a este respeito, que a transformação desses quatro indicadores num único valor tinha sido feita pela Winoa, nas folhas de cálculo, as quais indicavam, aliás, não só esse valor único, mas também o valor real da sobretaxa sobre a sucata.

140    Por conseguinte, segundo a recorrente, as alegações da Comissão relativas à sua participação nesta primeira vertente do cartel estão erradas e não se baseiam em nenhum elemento de prova suficiente, na medida em que nunca recebeu as folhas de cálculo mensais, em seu entender indispensáveis à implementação da primeira vertente do cartel, nem mesmo a mensagem de correio eletrónico da Winoa a comunicar aos outros participantes no cartel a publicação, a partir de maio de 2004, das informações relativas à sobretaxa sobre a sucata no seu sítio Internet e a informá‑los da ligação para esse sítio (v. n.o 122, supra).

141    No entanto, m esta argumentação da recorrente, baseada essencialmente na natureza impraticável, para não dizer impossível, de uma aplicação automática do acordo relativo à sobretaxa sobre a sucata, designadamente em Itália, não pode ser acolhida.

142    Antes de mais, no que se refere à aplicação do acordo relativo à sobretaxa sobre a sucata em Itália, há que salientar que, uma vez que a recorrente não contesta ter participado na conceção e na implementação inicial desse acordo, não é verosímil que, na execução efetiva desse plano de ação anticoncorrencial, a Pometon, que foi, no essencial, uma das arquitetas do cartel, tenha podido razoavelmente renunciar à aplicação dessa sobretaxa, sem suscitar reações por parte dos seus parceiros no cartel, pelo simples facto de não ter disposto de informações suficientes por parte da Winoa. Com efeito, essa sobretaxa tinha sido concebida pela Pometon e acordada com as outras empresas em causa, precisamente para ser aplicada de forma autónoma e automática, por cada parte no cartel, incluindo no mercado italiano, que é em primeiro lugar o da Pometon.

143    A este propósito, decorre explicitamente dos elementos de prova documentais apresentados pela Comissão, como a mensagem de correio eletrónico de 5 de setembro de 2003 do diretor‑geral da recorrente para a Winoa, que o sistema da sobretaxa sobre a sucata estava na realidade destinado a ser aplicado automaticamente e que os índices em que este sistema se devia basear tinham, aliás, sido escolhidos precisamente por essa razão. Isto confirma que o envio de informação mensal aos participantes no cartel não era absolutamente indispensável para efeitos da aplicação da sobretaxa sobre a sucata.

144    Em seguida, relativamente ao cálculo, propriamente dito, da sobretaxa sobre a sucata em Itália, o argumento da recorrente sugerindo que dificilmente podia determinar o montante dessa sobretaxa por não receber a folha de cálculo feita pela Winoa (v. n.o 139, supra) também não pode proceder. Com efeito, resulta expressamente da troca de mensagens de correio eletrónico internas da Winoa, de 31 de maio de 2007 — invocada pela recorrente, na audiência, em resposta a uma questão do Tribunal Geral ‑ que, para determinar o nível do índice CAEF 225 a ter em consideração no cálculo da referida sobretaxa, os trabalhadores da Winoa limitavam‑se a recolher, junto da Câmara de Comércio de Milão, o intervalo estabelecido duas vezes por mês por esse organismo e a calcular a média desses quatro valores. Ora, não é minimamente contestado que este modo de proceder não se alterou a partir do acordo de 3 de outubro de 2003, relativo ao novo sistema de cálculo da sobretaxa sobre a sucata em questão (v. n.o 129, supra). Nestas circunstâncias, não há nada que permita supor que as outras partes no cartel não estavam em condições, sendo caso disso, de efetuar a operação acima referida.

145    Por último, resulta dos documentos invocados pela Comissão no considerando 125 da decisão impugnada, e apresentados pelas partes, que, antes da introdução do novo sistema de cálculo da sobretaxa sobre a sucata a Winoa já enviava mensalmente à recorrente uma folha de cálculo que mencionava o antigo índice em que se baseava então a sobretaxa sobre a sucata, bem como o montante desta última. Com efeito, atestam‑no, por um lado, o faxe enviado pelo diretor‑geral da recorrente à Winoa, em 14 de fevereiro de 2003, e, por outro, algumas dessas folhas de cálculo juntas ao processo da Comissão. Ora, tendo em conta o envolvimento da recorrente na criação do novo sistema (v. n.os 129 e 130, supra), é pouco verosímil que a Winoa tenha deixado de enviar, a partir de 1 de fevereiro de 2004, folhas de cálculo à recorrente, tanto mais que estava convencionado que esta se encarregaria das informações mensais relativas à sobretaxa sobre a sucata destinadas aos participantes no cartel (considerando 38 da decisão impugnada).

146    Em conclusão, resulta do conjunto dos elementos de prova analisados nos n.os 141 a 144, supra, que a aplicação automática da primeira vertente do cartel não pode ser posta em dúvida pelo simples facto de a introdução do método de cálculo da sobretaxa sobre a sucata ser acompanhado da criação de um sistema de informação mensal, ou mesmo de coordenação, assegurado pela Winoa.

147    Por todas estas razões, uma vez que a Comissão fez prova juridicamente bastante de que a sobretaxa sobre a sucata era, em todo o caso, aplicável, automaticamente, a falta — invocada pela recorrente — de prova documental do envio pela Winoa de folhas de cálculo à Pometon durante o período da sua participação na infração não é de molde a suscitar dúvidas quanto ao envolvimento desta empresa na primeira vertente do cartel, a partir de 1 de fevereiro de 2004.

3)      Quanto aos contactos entre a recorrente e os outros participantes no cartel a partir de 2004

148    Tendo em conta o automatismo da sobretaxa sobre a sucata, a argumentação da recorrente de que a participação em reuniões e outros contactos era necessária para a implementação da primeira vertente do cartel pela Pometon, a partir de 2004, também não pode ser validamente acolhida.

149    Em primeiro lugar, no que respeita à realização de reuniões, a recorrente contesta a afirmação da Comissão, no considerando 111 da decisão impugnada, segundo a qual, «[d]urante o período subsequente à implementação do modelo uniforme para uma “sobretaxa sobre a sucata”, no outono de 2003, e até à revisão da “sobretaxa sobre a sucata,” no verão de 2007, os contactos foram menos intensos», e alega que a Comissão referia que a recorrente só participou em 2 das 27 reuniões que se realizaram durante o período em causa.

150    Ora, em consequência do automatismo do sistema e admitindo mesmo que os outros participantes no cartel, ou alguns deles, tenham efetivamente tido reuniões, mais ou menos regularmente, para assegurar o acompanhamento da aplicação da sobretaxa sobre a sucata, a ausência da recorrente em tais reuniões não permite inferir que tinha deixado de aplicar o referido sistema.

151    Em segundo lugar, no que respeita aos outros contactos, os argumentos avançados pela recorrente também não são suscetíveis de pôr em dúvida o valor probatório dos factos que a Comissão invoca a este propósito para fundamentar as suas conclusões relativas à participação da Pometon na primeira vertente do cartel.

152    Antes de mais, a Comissão salienta, com razão, que a mensagem de correio eletrónico interna da Winoa, de 24 de março de 2004, invocada no considerando 48 da decisão impugnada e que relata uma conversa com o diretor‑geral da Pometon España, tinha precisamente por objeto o acompanhamento da implementação da sobretaxa sobre a sucata, o que confirma assim a participação da Pometon na primeira vertente. A este respeito, a circunstância, invocada pela recorrente, de que essa conversa tinha incidido mais especificamente sobre o cumprimento, pela Pometon, do acordo relativo à sobretaxa sobre a sucata no que se refere a um dos seus clientes em Espanha, a sociedade Acerinox, não é suscetível de infirmar esta conclusão.

153    Em seguida, as mensagens de correio eletrónico trocadas entre a Würth e a Pometon, entre 16 e 18 de novembro de 2005, invocadas no considerando 50 da decisão impugnada, incidiam, conforme sublinha a Comissão, sobre a extensão da aplicação do sistema de sobretaxa sobre a sucata contestado aos fornecimentos de abrasivos entre os membros do cartel.

154    Contrariamente às alegações da recorrente, essas mensagens de correio eletrónico referem‑se claramente ao referido sistema. Em especial, na sua mensagem de correio eletrónico de 17 de novembro de 2005, o diretor‑geral da recorrente referia à Würth que, para fixar o preço de venda dos abrasivos da Pometon à Würth em 2006, «[a] solução seria aplicar mensalmente a sobretaxa sobre a sucata como acontece atualmente nos mercados». Referia‑se assim explicitamente ao facto de o referido sistema ser aplicado pelos participantes no cartel, incluive pela Pometon, nos mercados em causa e que preconizava então alargá‑lo aos fornecimentos entre produtores.

155    Por último, a existência de contactos anticoncorrenciais entre Pometon e os outros participantes no cartel é também confirmada pela mensagem de correio eletrónico interna da Ervin, de 20 de março de 2007, invocada no considerando 52 da decisão impugnada, e que enuncia que os representantes da Winoa e da Pometon tinham convidado o autor desta mensagem de correio eletrónico para participar numa reunião em Milão, em «16/17 de maio» de 2007 para debater a aplicação da sobretaxa sobre a sucata (v. n.o 301, infra).

156    Em terceiro lugar, as referências, na decisão impugnada (considerandos 69, 95, 107, 108, 110, 113 e 143), à participação da recorrente em reuniões ou em outros contactos entre os participantes no cartel não podem ser interpretadas no sentido de que a própria Comissão tinha considerado que esses contactos eram necessários para implementar a primeira vertente do cartel, o que estaria em contradição com os elementos de prova relativos ao automatismo do sistema da sobretaxa sobre a sucata.

157    Antes de mais, as referências mencionadas no n.o 156, supra, invocadas pela recorrente, não se referem apenas a contactos que têm especificamente por objeto a aplicação da primeira vertente a partir de 2004. Depois, quando dizem respeito à primeira vertente, essas referências não comprovam nenhuma necessidade de tais contactos para efeitos da aplicação da sobretaxa sobre a sucata, mas confirmam, por elementos de prova precisos e concordantes, as conclusões da Comissão relativas à responsabilidade da recorrente nessa primeira vertente do cartel.

158    Em especial, a conclusão da Comissão, no considerando 95 da decisão impugnada, segundo a qual «a Pometon participou em acordos colusórios anticoncorrenciais relativos aos preços dos abrasivos ao participar em várias reuniões e outros contactos com os seus concorrentes», deve ser entendida, tendo em atenção as constatações que precedem, no sentido de que inclui os contactos preparatórios, em 2003, com vista à reunião de 3 de outubro de 2003. Além disso, esta conclusão não diz apenas respeito à sobretaxa sobre a sucata, mas ao conjunto das duas vertentes do cartel. O mesmo é válido quanto aos considerandos 107, 108, 110, 113 e 143 da decisão impugnada. Por último, quanto às reuniões de 28 de setembro de 2004 e de 9 de junho de 2005, só são mencionadas no considerando 69 dessa decisão, em relação com a implementação da segunda vertente do cartel pela recorrente, na Alemanha (v. n.os 215 a 218, infra).

159    Portanto, no que se refere á primeira vertente do cartel, a Comissão provou a existência, após a fase inicial da implementação do novo sistema de sobretaxa sobre a sucata, de um determinado número de contactos colusórios entre a Pometon e outras participantes no cartel (v. n.os 153 a 156, supra), que, sem serem necessários para permitir a aplicação do referido sistema, destinavam‑se em contrapartida a assegurar o acompanhamento da sua aplicação.

4)      Conclusão relativa às provas da participação da recorrente na primeira vertente do cartel

160    Tendo em atenção todas as considerações que precedem, há que concluir que os factos alegados pela recorrente não permitem considerar que a Comissão não provou, de forma juridicamente bastante, a sua responsabilidade individual na primeira vertente do cartel, atendendo, em primeiro lugar, ao automatismo da aplicação da sobretaxa sobre a sucata (v. n.o 148, supra) e, em segundo lugar, ao facto de os contactos limitados mas significativos da recorrente com os outros participantes no cartel, invocados pela Comissão (v. n.o 160, supra) mostrarem que aquela esteve não só na origem da introdução desse sistema, facto que não contestou, mas que também participou no acompanhamento da sua aplicação. Tendo em conta estas conclusões, a participação da recorrente na primeira vertente do cartel está plenamente demonstrada, sem prejuízo da apreciação da duração dessa participação, questão esta que é com efeito objeto da contestação que a recorrente apresenta no âmbito do quarto fundamento do presente recurso (v. n.os 289 a 315, infra).

3.      Quanto à segunda parte do segundo fundamento, relativa à alegada não participação da recorrente na segunda vertente do cartel, que consiste numa coordenação relativa a clientes individuais

a)      Argumentos das partes

161    A recorrente considera, a este respeito, que a reconstrução dos factos que deram origem ao cartel, objeto da decisão impugnada, é incoerente e contraditória com as provas apresentadas pela própria Comissão, nomeadamente com as declarações do requerente de clemência, que evocou reuniões regulares não só na Alemanha, mas também em Itália, onde, de acordo com a segunda dessas declarações, «os concorrentes se reuniam […] três ou quatro vezes por ano».

162    A este propósito, a recorrente observa, em primeiro lugar, que nenhuma das declarações do requerente de clemência menciona a Pometon entre as empresas que participaram no sistema global de coordenação relativo aos clientes individuais. Pelo contrário, estas declarações revelavam frequentes contactos colusórios entre os outros participantes no cartel, no que diz nomeadamente respeito à atuação sobre o mercado das principais regiões de venda dos abrasivos na Europa, a saber, a Alemanha, a Itália, a Espanha, a França e o Reino Unido.

163    A única menção da Pometon, pelo requerente de clemência, relativa ao mercado alemão dizia respeito na realidade a comportamentos imputáveis à Pometon Abrasives, sociedade pertencente ao grupo Winoa, ou a comportamentos não confirmados por provas documentais (considerando 132 da decisão impugnada). Por outro lado, no que diz respeito ao mercado italiano, o requerente de clemência tinha declarado que a recorrente participou em duas reuniões, em 6 de junho e em 4 de outubro de 2007, quando, nessas datas, já tinha cedido a sua atividade no setor dos abrasivos à Winoa.

164    Em segundo lugar, em relação mais especificamente ao mercado espanhol, a recorrente salienta que os contactos, «até 5 de abril de 2004», entre a Pometon e a Winoa, invocados pela Comissão no considerando 64 da decisão impugnada, eram meramente bilaterais e só se realizaram durante seis meses, entre outubro de 2003 e abril de 2004. Quanto à mensagem de correio eletrónico interna da Winoa, de 15 de julho de 2005, invocada no considerando 67 da decisão impugnada, demonstrava a falta de qualquer acordo de repartição de clientes.

165    Por outro lado, os documentos do processo confirmavam a inexistência de qualquer coordenação relativa aos clientes individuais entre a Pometon e a Winoa. Tal era o caso da ata de uma reunião de 18 de maio de 2004, anexa a uma mensagem de correio eletrónico interna da Winoa, que evocava «dificuldades para aplicar [a sobretaxa sobre a sucata] a diversos clientes devido à concorrência da Ilarduya e da Pometon sobre o preço fixo», e da mensagem de correio eletrónico interna da Winoa, de 15 de julho de 2005, referida nos considerandos 67 e 131 da decisão impugnada. Em todo o caso, essa mensagem de correio eletrónico não foi seguida de nenhuma reunião com a Pometon.

166    Em terceiro lugar, em relação aos mercados francês e belga, a recorrente salienta que a Comissão invoca, no considerando 63 da decisão impugnada, uma mensagem de correio eletrónico interna da Winoa, de 19 de janeiro de 2004, que relata uma conversa entre a MTS e a Winoa, na qual a Winoa suspeitava que a Pometon tinha reduzido o seu preço a um cliente francês. Contrariamente à afirmação da Comissão, esse documento demonstrava que a Pometon era considerada pela Winoa um concorrente agressivo. Aliás, isso estava em conformidade com as declarações do requerente de clemência, que nunca mencionavam a Pometon no que se refere aos «contactos dos concorrentes relativamente à França e ao Benelux».

167    Em quarto lugar, em relação ao mercado alemão, a recorrente recorda que, nos termos do considerando 164 da decisão impugnada, a Alemanha era o único país onde os contactos estavam organizados de forma estruturada. Ora, das 14 reuniões multilaterais e das 10 reuniões bilaterais que se realizaram durante o período em que a Pometon ainda estava ativa no mercado dos abrasivos (ou seja, até 16 de maio de 2007), a participação da Pometon foi confirmada no máximo numa reunião multilateral e numa reunião bilateral. Por outro lado, a recorrente contesta o valor probatório da segunda declaração do requerente de clemência, citada no considerando 68 da decisão impugnada. Com efeito, os recibos das despesas apresentadas por este último não a referiam. Relativamente ao recibo do hotel NodingerHof, onde teve lugar a reunião de 16 de novembro de 2006, demonstrava a falta de representantes da Pometon nessa reunião, na medida em que esse recibo não menciona os nomes destes últimos, mas unicamente os dos outros participantes. Por último, a falta de fiabilidade das declarações acima referidas, no que se refere à alegada participação da Pometon nas reuniões com os outros concorrentes, era confirmada pelo facto de evocarem uma participação da recorrente numa reunião de 13 de novembro de 2017, quando esta já tinha saído do mercado há seis meses.

168    Além disso, a recorrente contesta as provas documentais invocadas pela Comissão para corroborar a sua participação nas reuniões de 28 de setembro de 2004 e de 9 de junho de 2005. Alega, nomeadamente, que não existe nenhuma prova documental dos temas analizados nessas reuniões e que o requerente de clemência não fornece qualquer descrição, mesmo sumária.

169    Em quinto lugar, em relação ao mercado italiano, a recorrente observa antes de mais que a Comissão não lhe atribui nenhuma participação em reuniões com os seus concorrentes (v. n.o 161, supra, in fine). Em seguida, alega que os cinco documentos, mencionados nos considerandos 75 a 79 da decisão impugnada, nos quais a Comissão se baseia não permitem «concluir sem qualquer dúvida razoável» pela sua participação na coordenação relativa aos clientes individuais.

170    Em relação especificamente ao quinto documento (considerando 79 da decisão impugnada) que contém mensagens de correio eletrónico trocadas em maio de 2008 entre T., um trabalhador da Pometon Abrasives, e um trabalhador da MTS, a recorrente sublinha que a mensagem de correio eletrónico de 28 de maio de 2008 de T. para este último, que declara que «[c]omo sabem perfeitamente, a política da [Pometon Abrasives] não é reduzir os preços, mas pelo contrário aumentá‑los», dizia respeito à política da empresa após a sua aquisição pela Winoa, e não à da recorrente.

171    A Comissão contesta toda esta argumentação. Esclarece antes de mais que ela própria reconheceu que o papel da Pometon na segunda vertente do cartel era menor e concedeu‑lhe, em consequência, uma redução de 10 % do montante da coima a título de circunstâncias atenuantes.

172    No entanto, ainda que a recorrente só tivesse tido contactos colusórios esporádicos, de natureza bilateral e relativos a apenas alguns países, os contactos que foram provados tinham sido significativos e demonstravam a existência do cartel e a participação da Pometon neste.

b)      Apreciação do Tribunal Geral

173    A segunda vertente do cartel incide sobre a coordenação das condições comerciais praticadas pelos participantes em relação a determinados clientes individuais, a fim de restringir a concorrência pelos preços quanto a esses clientes. Em especial, a Comissão considera que os participantes no cartel discutiam, essencialmente de forma bilateral, parâmetros concorrenciais referentes aos preços de venda dos abrasivos a praticar em relação aos seus respetivos clientes, ao passo que a qualidade, os serviços e as demais condições comerciais continuavam sujeitas à concorrência.

174    Assim, no considerando 57 da decisão impugnada, a Comissão constata o seguinte:

«Os elementos de prova constantes do processo, em especial um determinado número de documentos de inspeção e outros documentos apresentados pelo requerente de clemência, mostram que a Pometon também coordenou o seu comportamento com os outros participantes na infração no que respeita aos clientes individuais. Paralelamente à coordenação relativa à sobretaxa sobre a sucata (v., por exemplo, considerandos 35, 45, 52, 61 e 77), os participantes concordaram não proceder, em princípio, ao desvio dos seus clientes certos, pelo menos através de reduções de preços, de coordenação dos preços, incluindo os aumentos de preços, e de aplicação de sobretaxas quando os clientes tinham diversas de fontes de abastecimento (considerandos 76, 78 e 79). Embora a forma e a intensidade desse comportamento tenham variado de Estado‑Membro para Estado‑Membro, era aplicado o mesmo princípio geral: não fazer concorrência em matéria de preços no que se refere aos clientes individuais.»

1)      Observações preliminares quanto ao alcance da segunda parte do segundo fundamento

175    Importa salientar, a título preliminar, que a Comissão reconhece, na decisão impugnada (considerandos 58 e 59), que, enquanto os contactos entre a Ervin e a Winoa com vista a coordenar o seu comportamento em relação a clientes individuais eram mais frequentes, a recorrente só esporadicamente participou nesses contactos, principalmente quando um ou outro dos participantes não cumpria ou era suspeito de não cumprir esta segunda vertente do cartel.

176    Em contrapartida, a Comissão considera (considerandos 225 e 226 da decisão impugnada) que esse facto não exclui a participação nem a responsabilidade da Pometon na segunda vertente do cartel, uma vez que o caráter mais limitado da sua participação nessa vertente do cartel era, no entanto, suscetível de ser tomado como circunstância atenuante. Por conseguinte, a Comissão concedeu à recorrente uma redução de 10 % do montante da coima, tal como tinha feito, aliás, na decisão interlocutória (considerando 103) em relação à MTS e à Würth, que também tinham contribuído em menor medida do que a Winoa e a Ervin para a segunda vertente do cartel.

177    No entanto, a recorrente contesta qualquer responsabilidade na segunda vertente do cartel.

178    A este propósito, importa, antes de mais, recordar que a jurisprudência distingue entre, por um lado, a constatação da responsabilidade de uma empresa numa infração única e continuada considerada no seu todo, ainda que essa empresa só tenha participado numa parte dos comportamentos colusórios e, por outro, o âmbito da sua responsabilidade individual na infração devido a comportamentos que lhe eram próprios, e isso para efeitos do cálculo do montante da coima que só pode ser aplicada em conformidade com o princípio da individualização da sanção.

179    Com efeito, uma empresa que tenha conscientemente participado numa infração única e continuada através de comportamentos que lhe eram próprios pode igualmente ser considerada responsável pelos comportamentos praticados por outras empresas no âmbito do mesmo cartel durante todo o período da sua participação na referida infração (v. n.os 243 a 249, infra).

180    Por conseguinte, o facto de uma empresa não ter participado em todos os elementos constitutivos de um acordo ou de ter desempenhado um papel secundário em determinados comportamentos em que participou não é relevante para efeitos da determinação da existência de uma infração, que lhe é imputável, às regras da concorrência, dado que estes elementos apenas devem ser tomados em consideração aquando da apreciação da gravidade da sua participação na infração e, eventualmente, da determinação da coima (Acórdãos de 7 de janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão, C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, EU:C:2004:6, n.o 86, e de 6 de dezembro de 2012, Comissão/Verhuizingen Coppens, C‑441/11 P, EU:C:2012:778, n.o 45).

181    A este propósito, o ponto 29, terceiro travessão, das Orientações para o Cálculo das Coimas menciona, aliás, entre as circunstâncias atenuantes suscetíveis de serem aceites em relação a uma empresa, a prova de que a sua participação na infração é substancialmente reduzida e que, durante o período em que aderiu aos acordos ilícitos, se subtraiu efetivamente à respetiva aplicação adotando um comportamento concorrencial adequado no mercado em causa.

182    No caso em apreço, resulta daqui que a reduzida participação da Pometon nas numerosas reuniões e noutros contactos que tiveram lugar a respeito da segunda vertente do cartel não pode excluir a sua responsabilidade nesta segunda vertente, se a Comissão demonstrar, de acordo com os critérios da jurisprudência recordados nos n.os 245 e 246, infra, que essa empresa pretendia contribuir para a infração única e continuada no seu todo, o que será analisado nos n.os 252 a 269, infra.

183    Assim, o facto, aliás não contestado pela Comissão (v. n.os 172 e 173, supra) de que a recorrente não participou nem no sistema estruturado de coordenação organizada sob a forma de reuniões multilaterais cerca de duas vezes por ano na Alemanha (v. considerandos 68 e164 da decisão impugnada) nem nas reuniões que se realizaram regularmente em Itália (v. n.os 162, supra, e 222, infra) não significa necessariamente que não participou na coordenação relativa aos clientes individuais.

184    Por conseguinte, no âmbito da presente parte do fundamento, há apenas que analisar a responsabilidade individual da recorrente na segunda vertente do cartel, verificando se os elementos de prova invocados pela Comissão têm um valor probatório suficiente para demonstrar a existência dos comportamentos colusórios relativos à coordenação dos preços em relação a determinados clientes que imputou à Pometon na decisão impugnada.

2)      Análise dos elementos de prova relativos à participação da recorrente na segunda vertente do cartel

185    Antes de mais, há que salientar que a Comissão reconhece que só há provas da participação da Pometon na segunda vertente do cartel em cinco Estados‑Membros da União, a saber, a Bélgica, a Alemanha, a Espanha, a França, e a Itália.

186    Por conseguinte, há que verificar se, tendo em atenção todos os factos invocados pelas partes, as conclusões relativas ao comportamento da Pometon no âmbito da segunda vertente do cartel estão fundamentadas de forma bastante.

i)      Quanto ao mercado espanhol

187    Antes de mais, no que respeita ao mercado espanhol, a Comissão baseia‑se num determinado número de provas documentais que comprovam a existência de contactos bilaterais entre a Pometon e a Winoa escalonados, quanto ao referido mercado, entre 20 de fevereiro de 2003 e 15 de julho de 2005. Trata‑se, antes de mais, de mensagens de correio eletrónico trocadas, entre 22 de outubro e 21 de novembro de 2003, entre o diretor‑geral da recorrente e a Winoa (considerandos 61 e 62 da decisão impugnada); em seguida, sínteses das reuniões bilaterais e de conversas telefónicas entre a Pometon a filial espanhola da Winoa, que decorreram entre 20 de fevereiro de 2003 e 5 de abril de 2004, e que foram redigidas por um trabalhador da Winoa que tinha participado nas mesmas (considerando 64 da decisão impugnada); por último, um documento interno da Winoa que relata uma reunião de 12 de fevereiro de 2004 com a filial espanhola da Pometon em Saragoça (Espanha) (considerando 65) e mensagens de correio eletrónico internas da Winoa trocadas entre 17 e 23 de março de 2004 (considerando 66) e em 15 de julho de 2005 (considerando 67).

188    Em primeiro lugar, importa constatar que a participação direta da Pometon na coordenação relativa a clientes individuais, desde o início do cartel, resulta claramente da mensagem de correio eletrónico de 22 de outubro de 2003, já referida, que foi expressamente citada no considerando 61 da decisão impugnada. Nessa mensagem de correio eletrónico, o diretor‑geral da recorrente, referindo‑se a três clientes espanhóis da Pometon, censurava, em substância, a Winoa de baixar os seus preços ao passo que a Pometon aumentava os seus e, consequentemente, pedia explicações à Winoa.

189    Em segundo lugar, a participação da Pometon na coordenação dos preços em relação a determinados clientes, em Espanha, é demonstrada nomeadamente por alguns contactos entre esta empresa e a Winoa, antes e depois do início do cartel. Assim, os preços praticados relativamente a determinados clientes individuais foram discutidos em reuniões bilaterais durante as quais a Pometon era representada nomeadamente pelo «general manager» da Pometon España, por exemplo em 20 de fevereiro de 2003, em 12 de fevereiro ou em 16 de março de 2004, como resulta das atas das referidas reuniões invocadas na decisão impugnada e juntas aos autos. Essa coordenação é também confirmada pelos relatórios de conversas telefónicas, por exemplo em 15 e 24 de março de 2004, nas quais foi confirmada a necessidade de respeitar o acordo e discutido o nível de preços a praticar relativamente a determinados clientes.

190    Em terceiro lugar, a mensagem de correio eletrónico interna da Winoa de 15 de julho de 2005 (v. n.os 165 e 187, supra), invocada no considerando 67 da decisão impugnada, refere que a Pometon «fez propostas a clientes exclusivos da TFM [filial da Winoa em Espanha]» e que «durante a reunião com [a Pometon], devem perceber que não podemos aceitar este tipo de abordagem». Daqui resulta que a Pometon estava pelo menos informada de um acordo destinado a manter os clientes exclusivos de cada participante («non poaching agreement»), pelo que, segundo a Winoa, não se devia ter aproximado de clientes exclusivos da filial dessa empresa em Espanha.

191    A este propósito, a questão de saber se foi efetivamente realizada ou não a reunião com um representante da Pometon prevista para a semana seguinte, em 15 de julho de 2005, é irrelevante quanto ao alcance dessa prova que demonstra, no contexto em causa e de forma juridicamente bastante, que a Pometon era parte no cartel, precisamente porque, no caso de determinados clientes espanhóis da Winoa, esta última, enquanto também parte nesse cartel, considerou que era necessário lembrar à Pometon o cumprimento dos acordos celebrados.

192    Segundo jurisprudência pertinente na matéria (v. n.o 115, supra), os elementos de prova analisados nos n.os 188 a 191, supra, cujo conteúdo se refere a contactos bilaterais que tinham claramente por objeto a coordenação dos preços relativamente a clientes individuais, têm um valor probatório importante na medida em que se trata ou de mensagens de correio eletrónico trocadas entre o diretor‑geral da recorrente, por um lado, e a Winoa, por outro lado, ou de documentos destinados a utilização interna, que relatam o conteúdo de reuniões ou conversas telefónicas entre trabalhadores da Pometon e da Winoa, e redigidos por uma testemunha direta (v. n.o 117, supra).

193    Por conseguinte incumbe à recorrente, em conformidade com a jurisprudência (v. n.o 114, supra), não apresentar uma alternativa plausível à tese da Comissão, mas demonstrar a insuficiência das provas documentais acima referidas.

194    Ora, a recorrente limita‑se a alegar, em termos gerais, que os seus contactos com a Winoa se enquadravam, na realidade, num contexto muito concorrencial, caracterizado por conflitos tensos e sistemáticos com essa empresa pelo facto de a Pometon ter feito a sua entrada no mercado espanhol dos abrasivos há pouco tempo, enquanto a Winoa era, desde há muito, o principal operador nesse mesmo mercado.

195    No entanto, a recorrente invoca a ata de uma reunião interna da Winoa, a saber a reunião de 18 de maio de 2004 (v. n.o 165, supra) que evoca «dificuldades para aplicar a [sobretaxa sobre a sucata] a alguns clientes por causa da concorrência da Ilarduya e da Pometon sobre o preço fixo».

196    A este propósito, importa, todavia, referir que este documento se refere essencialmente à primeira vertente do cartel. É certo que, decorre também daqui que, relativamente a diversos clientes da Winoa em Espanha, a Pometon não aplicava a segunda vertente. No entanto, não resulta de maneira nenhuma do referido documento, que apenas refere à concorrência pelos preços da Pometon relativamente a um «determinado número de clientes» que operam no setor da indústria, que esta empresa não cumpria o acordo relativamente a outros clientes da Winoa em Espanha. O simples facto de a recorrente não se conformar sempre com a segunda vertente do cartel não permite inferir que não participava nele.

197    De qualquer modo, o facto, alegado pela recorrente, de que era um novo operador no mercado espanhol e que se encontrava por conseguinte numa situação de concorrência intensa com a Winoa, a tal ponto que procurava fazer‑lhe concorrência pelos preços para lhe tirar clientes para se implantar nesse mercado, não é suscetível de ilidir as provas, apresentadas pela Comissão, do seu envolvimento, embora numa medida reduzida, na segunda vertente do cartel no território desse Estado‑Membro.

198    Portanto, a argumentação da recorrente (v. n.os 193 a 197, supra) que visa contestar o valor probatório dos elementos de prova do seu envolvimento na coordenação relativa a determinados clientes em Espanha, tal como apresentados pela Comissão e analisados nos n.os 187 a 192, supra, não pode ser acolhida.

ii)    Quanto aos mercados francês e belga

199    No que respeita aos mercados francês e belga, a Comissão invoca, antes de mais, no considerando 62 da decisão impugnada, a mensagem de correio eletrónico de 21 de novembro de 2003 da Winoa para o diretor‑geral da recorrente, que menciona, na epígrafe, «Espanha/Bélgica», e na qual o representante da Winoa se refere a um cliente belga que devia ser normalmente fornecido pela sua empresa, convidando a Pometon a não aumentar os seus fornecimentos para esse cliente. A recorrente não contesta estes elementos de prova.

200    Em seguida, no considerando 63 da decisão impugnada, a Comissão baseia‑se numa mensagem de correio eletrónico interna da Winoa, de 19 de janeiro de 2004, que transcreve uma conversa, ocorrida em 15 de janeiro de 2004, entre o autor da mensagem de correio eletrónico e o responsável das vendas da MTS para a França e a Bélgica, na qual este último lhe confirmava que a MTS não fornecia um cliente francês da Winoa que tinha obtido um preço inferior de um concorrente. Nessa mensagem de correio eletrónico, o trabalhador da Winoa deduzia que era preciso «por conseguinte, ver da parte da Ervin ou [da Pometon]» e que «[ele] se inclina[va] para o lado da [Pometon que é] perfeitamente capaz» de conceder uma tal redução de preços.

201    A este propósito, há que salientar que a explicação da recorrente de que esse documento apenas provava que era considerada pela Winoa um concorrente agressivo, não se afigura plausível. Uma leitura imparcial e objetiva dessa mensagem de correio eletrónico mostra, pelo contrário, que se enquadra no âmbito do acompanhamento do cumprimento da segunda vertente do cartel. Com efeito, resulta desse texto que a Winoa e a MTS consideravam tanto a Pometon como a Ervin partes no acordo de não concorrência entre si pelos preços em relação a determinados clientes, e que a Winoa, depois de ter verificado junto da mesma que não se tratava da MTS, suspeitou que a Pometon não tinha respeitado devidamente esse compromisso. O facto de a Winoa ter então suspeitado da Pometon em vez da Erwin a propósito desse cliente individual não permite, de modo algum, inferir que a Pometon não participava na segunda vertente do cartel.

202    Neste contexto, a mera circunstância, invocada pela recorrente (v. n.o 166, supra), de que as declarações do requerente de clemência não mencionavam a Pometon no que se referia a «contactos dos concorrentes em relação à França e ao Benelux» não é suscetível de pôr em causa o valor probatório dos documentos analisados nos n.os 199 a 201, supra, e, portanto, a própria responsabilidade da Pometon na infração em relação aos mercados francês e belga. Com efeito, esses documentos constituem indícios significativos quanto à existência de contactos colusórios entre a Pometon e a Winoa, bem como da convicção desta última, e pelo menos de uma outra empresa parte no cartel, de que a Pometon participava na coordenação em relação a clientes individuais. Neste contexto, a falta de menção da Pometon pelo requerente de clemência não significa que essa empresa não teve contactos colusórios com as outras partes no cartel no que diz respeito à França e ao Benelux, mas pode simplesmente explicar‑se pela menor participação da Pometon na segunda vertente do cartel, aliás, expressamente admitida pela Comissão (v. n.o 176, supra).

203    Daqui resulta que a Comissão fundamentou de forma bastante as suas conclusões relativamente à participação da recorrente na coordenação relativa a determinados clientes individuais em França e na Bélgica.

iii) Quanto ao mercado alemão

204    No que respeita ao mercado alemão, o único mercado em que, segundo a Comissão, a coordenação relativa aos clientes individuais estava organizada de forma estruturada (v. n.os 161 e 167, supra), esta instituição invoca, em especial, a segunda declaração do requerente de clemência, segundo a qual a Pometon tinha participado na maior parte das reuniões multilaterais que se tinham realizado duas vezes por ano neste país (considerandos 68 e 132 da decisão impugnada). Para corroborar esta afirmação, a Comissão baseia‑se em provas documentais da participação da Pometon nas reuniões multilaterais de 28 de setembro de 2004 e de 9 de junho de 2005 (considerandos 69 a 72 da decisão impugnada). Por outro lado, a Comissão apoia‑se num faxe interno dessa empresa, de 16 de fevereiro de 2005, relativo a um cliente individual e que demonstrava também o seu envolvimento na segunda vertente do cartel (considerandos 73 e 74 da decisão impugnada).

205    Importa em primeiro lugar, analisar o argumento da recorrente (v. n.o 163, supra), segundo o qual as declarações do requerente de clemência, invocadas nos considerandos 68 e 132 da decisão impugnada não eram credíveis, uma vez que lhe eram atribuídos erradamente comportamentos que, na realidade, são imputáveis à Pometon Abrasives, sociedade que fazia parte do grupo Winoa.

206    Nesta linha, a recorrente alega que é também erradamente que a Ervin lhe imputou a participação numa reunião de 13 de novembro de 2007, uma vez que, nessa data, já tinha deixado o mercado há seis meses.

207    Ora, há que salientar que o facto de a Ervin ter mencionado a Pometon em vez da Pometon Abrasives, no que se refere à reunião de 13 de novembro de 2007, em nada pode afetar a credibilidade das suas declarações relativas às reuniões anteriores a 16 de maio de 2007, às quais há que reconhecer, em conformidade com a jurisprudência (v. n.o 118, supra) um valor probatório elevado. Aliás, não é de excluir que a referida menção da Pometon pelo requerente de clemência resulta antes de um erro ou de uma inadvertência deste último, uma vez que os antigos diretores comerciais da recorrente, T. e B., que representavam muitas vezes a Pometon nas reuniões com os outros participantes no cartel, foram empregados, a partir de 16 de maio de 2007, pela Pometon Abrasives.

208    Assim, o erro cometido pela Ervin no que se refere à reunião de 13 de novembro de 2007 não permite pôr em dúvida a fiabilidade da sua declaração, referida no considerando 68 da decisão impugnada, de que os representantes da Pometon, W. e T., tinham participado na maior parte das reuniões multilaterais que se realizaram cerca de duas vezes por ano. Quanto à declaração referida no considerando 132 da decisão impugnada, a sua precisão permite afastar qualquer risco de confusão por parte da Ervin, quando declarou que «tinha começado a participar em reuniões regulares com a [Winoa], a MTS, a Würth e com a Pometon, enquanto esta ainda era uma empresa independente antes de ser comprada pela [Winoa], durante as quais foi discutido o mercado alemão».

209    No entanto, e em todo o caso, na medida em que a recorrente contesta a exatidão das declarações acima referidas, estas só podem ser consideradas como uma prova bastante da sua participação em reuniões com os outros participantes no cartel se forem corroboradas por outros elementos de prova.

210    Portanto, importa, em segundo lugar, verificar, em conformidade com a jurisprudência referida nos n.os 118 e 119, supra, se as declarações da Ervin, referidas no n.o 208, supra, e contestadas pela recorrente, são corroboradas por outros elementos de prova.

211    A este respeito, importa salientar, em primeiro lugar, que, na decisão impugnada (considerando 69), a Comissão admite implicitamente que dispunha apenas de elementos de prova no que respeita à participação da recorrente em duas reuniões, uma em 28 de setembro de 2004 e outra em 9 de junho de 2005 (v. n.o 204, supra), e não invoca de forma circunstanciada a participação da recorrente noutras reuniões.

212    Ora, há que recordar que não é necessário que a recorrente tenha participado no sistema estruturado de coordenação para considerar que estava implicada na segunda vertente do cartel (v. n.o 183, supra). Em relação às reuniões, a única questão a analisar consiste, por conseguinte, em verificar se a alegação da Comissão, na decisão impugnada (considerando 69), de que a recorrente participou nas duas reuniões atrás referidas está suficientemente fundamentada. Se assim for, esses indícios serão analisados em conjunto com os outros elementos de prova (v. n.os 220 e 221, infra).

213    Neste contexto, a argumentação da recorrente destinada a contestar outros elementos de prova que não respeitam ao seu comportamento, mas são mencionados no considerando 68 da decisão impugnada para confirmar determinadas declarações da Ervin, mencionadas no referido considerando (v. n.o 208, supra) é irrelevante. Com efeito, esses factos, que não têm nenhuma relação com as reuniões de 28 de setembro de 2004 e de 9 de junho de 2005, são invocados pela Comissão apenas para confirmar, de forma geral, que eram organizadas reuniões regulares na Alemanha, no que se refere à segunda vertente do cartel, e não para demonstrar a participação da recorrente nessas reuniões.

214    Por essa mesma razão, é irrelevante a fatura de hotel apresentada pela recorrente em anexo à petição, e que confirmava, de acordo com as alegações da Comissão na contestação, a participação do «general manager» da filial alemã da recorrente na reunião multilateral de 16 de novembro de 2006. Com efeito, não tendo a Comissão sustentado de forma alguma, na decisão impugnada, que a recorrente tinha participado na referida reunião, a argumentação da recorrente baseada nessa fatura também é irrelevante. Além disso, e em todo o caso, há que salientar que essa fatura, em parte ilegível, não permite retirar nenhuma conclusão quanto à participação ou à ausência da recorrente na reunião de 16 de novembro de 2006. Por conseguinte, essa participação não pode, em caso algum, ser considerada estabelecida.

215    Em segundo lugar, há que analisar os elementos de prova invocados pela Comissão para corroborar a participação da recorrente nas reuniões de 28 de setembro de 2004 e de 9 de junho de 2005. Trata‑se, para a primeira dessas reuniões, de uma mensagem de correio eletrónico da MTS para a Würth, a Pometon, a Ervin e a Winoa, datada de 13 de setembro de 2004, referindo que a data de 28 de setembro de 2004 convinha a todos e que o «general manager» da Pometon Deutschland tinha confirmado que estaria presente. A segunda reunião é confirmada por uma mensagem de correio eletrónico de 16 de maio de 2005 da Pometon para a Winoa, enviada por cópia à Würth e à MTS, informando‑as de que «a próxima reunião [estava] marcada para 9 de junho de 2005, [num hotel] de Düsseldorf».

216    A recorrente alega, no entanto, que não há nenhuma prova dos temas analisados nessas duas reuniões, nem na declaração do requerente de clemência, nem em nenhum outro documento. Além disso, cita uma passagem dessa declaração, no qual a Ervin refere que a maioria das reuniões sobre a coordenação relativa aos clientes tinham lugar no final do ano (geralmente entre o fim de setembro e novembro) e no início do ano (entre janeiro e março), uma vez que a maior parte dos clientes tinha contratos anuais, renováveis até ao final do ano. As reuniões no início do ano eram, em geral, centradas sobre a questão de saber se os aumentos de preços tinham sido bem aplicados.

217    No entanto, há que salientar que a recorrente não contesta a sua participação nas duas referidas reuniões. Além disso, não esclarece qual tinha sido, na sua opinião, o objeto destas reuniões, além do da coordenação relativa a clientes individuais. Por outro lado, resulta da declaração do requerente de clemência invocada pela recorrente, que refere que a maioria das reuniões anticoncorrenciais se realizavam no fim ou no início do ano, que algumas dessas reuniões se puderam também realizar a meio do ano.

218    Neste contexto, os dois documentos em que a Comissão se baseia (v. n.o 215, supra) constituem indícios suficientemente sérios para corroborar as declarações do requerente de clemência no que respeita à participação da recorrente nas reuniões anticoncorrenciais de 28 de setembro de 2004 e de 9 de junho de 2005.

219    Em terceiro lugar, a participação da recorrente na segunda vertente do cartel é também evidenciada pelo faxe de 16 de fevereiro de 2005 do «general manager» da Pometon Deutschland para o diretor‑geral da recorrente, invocado pela Comissão nos considerandos 73 e 74 da decisão impugnada (v. n.o 204, supra).

220    A este propósito, a Comissão salienta, com razão, na decisão impugnada, que resulta desse documento, cujo valor probatório a recorrente, aliás, não contesta, que a Pometon participava na segunda vertente do cartel, na Alemanha. Com efeito, o faxe de 16 de fevereiro de 2005, relativo a um dos clientes da Pometon na Alemanha, enunciava que «a Ervin não aumentou o seu preço tal como estava acordado», que «[s]e a Ervin tivesse aumentado o seu preço como previsto, a Ervin teria sido afastada tendo em conta a sua posição na comparação qualitativa» e que o seu autor «considera que as nossas conversas a propósito da proteção estão concluídas» e que não quer «esperar, além disso, perder outras quantidades (como no Reino Unido)» e concluía com uma interrogação do destinatário quanto à sua opinião sobre esta questão. Contrariamente às alegações da recorrente na sua resposta à comunicação de acusações de 3 de dezembro de 2014, refutada no considerando 74 da decisão impugnada, essa passagem não refere que as conversações com a Ervin sobre esse cliente específico estavam concluídas, mas revela, pelo contrário, que o «general manager» da filial alemã da Pometon solicitava as instruções do diretor‑geral da recorrente sobre a maneira de reagir ao incumprimento do acordo pela Ervin.

221    Daqui resulta que a Comissão fundamentou de forma juridicamente bastante as suas conclusões sobre a participação da recorrente na coordenação relativa a determinados clientes individuais na Alemanha.

iv)    Quanto ao mercado italiano

222    No que se refere ao mercado italiano, importa observar, em primeiro lugar, que a não participação da recorrente nas reuniões em Itália, ainda que se admita demonstrada, não permitia afastar a sua responsabilidade na segunda vertente do cartel, uma vez que essa participação não era indispensável para coordenar os preços relativamente a clientes individuais e que o envolvimento da Pometon nessa coordenação, em Itália, está suficientemente fundamentada (v. n.os 182 a 184, supra).

223    Ora, nos seus articulados, a Comissão afirma que, embora o requerente de clemência não tenha mencionado a recorrente entre os participantes em reuniões específicas em Itália, declarou, no entanto, que o território italiano tinha sido objeto de uma repartição entre a Ervin, a Winoa e a Pometon, antes de 16 de maio de 2007.

224    A este propósito, a Comissão baseia‑se, quanto a esta questão, essencialmente em cinco provas documentais (considerandos 75 a 79 da decisão impugnada).

225    Portanto, há que verificar se essas provas documentais constituem indícios fiáveis suscetíveis de justificar o envolvimento da recorrente na segunda vertente do cartel.

226    Antes de mais, contrariamente às alegações da recorrente, resulta da troca de mensagens de correio eletrónico internas da MTS, de 5 de outubro de 2005, relativas aos clientes perdidos por esta empresa no mercado italiano (considerando 75 da decisão impugnada) e que referem a inexistência de «problemas com a Pometon e a Ervin», que a Pometon, a Winoa e a Ervin, eram aí designadas — ao contrário de outros concorrentes citados e que não eram partes no cartel — como «amigos», para os quais era «absolutamente inaceitável» perder clientes sem reagir. Por conseguinte, nessas mensagens de correio eletrónico, pretendia‑se ou conversar com as três empresas acima referidas, ou enviar‑lhes uma «nota», manifestando‑lhes algumas críticas fazendo referência às conversações havidas durante a última viagem a Itália do destinatário de uma dessas mensagens de correio eletrónico. Aliás, decorre dessas mensagens de correio eletrónico que a MTS suspeitava sobretudo da Winoa de não ter respeitado o acordo, e não da Pometon ou da Ervin, uma vez que enunciava: «[a Winoa] já sabe, e nenhum problema com a Pometon e ou a Er[v]in».

227    Em seguida, a mensagem de correio eletrónico interna da Ervin, do 20 de março de 2007, relativa a um cliente, Zanardi (considerando 76 da decisão impugnada), refere expressamente que, no mês anterior, «a Pometon tinha‑se apropriado desse cliente» que estava acordado que voltava à Ervin. Acresce que essa mensagem de correio eletrónico sugere que a Pometon parecia conformar‑se com a linha convencionada depois de ter sido contactada pela Ervin. Assim, contrariamente à tese da recorrente, essa mensagem de correio eletrónico não refere que as relações entre a Pometon e a Ervin eram muito competitivas, mas atesta antes que as partes no cartel controlavam, cuidadosamente, o acompanhamento do acordo relativo à repartição dos clientes.

228    Além disso, este acompanhamento é confirmado pela mensagem de correio eletrónico interna da Ervin, de 19 de abril de 2007 (considerandos 52 e 77 da decisão impugnada), ainda que a existência do acordo sobre a coordenação dos preços não resulte explicitamente da referida mensagem de correio eletrónico. Esta mensagem de correio eletrónico atesta a intenção do seu autor de conversar sobre um determinado número de clientes individuais com os representantes da Winoa e da Pometon, na reunião de Milão, prevista para 16 e 17 de maio de 2007.

229    Quanto à mensagem de correio eletrónico interna da Winoa, de 26 de abril de 2007 (considerando 78 da decisão impugnada), que relata uma reunião no mesmo dia com a MTS na qual o trabalhador da Winoa, que tinha participado na reunião, tinha pedido à MTS para não atacar a Pometon, refere que a Winoa queria que o acordo fosse respeitado, incluindo em relação à Pometon. É verdade que, como alega a recorrente, a Winoa se preparava para adquirir a atividade da Pometon no setor dos abrasivos vinte dias mais tarde e tinha, por isso, interesse em que esta última mantivesse os seus clientes. No entanto, segundo os elementos dos autos, a MTS não parecia estar ao corrente do projeto de aquisição (v. n.o 302, infra). Por conseguinte, o facto de a MTS se concertar com a Winoa no que se refere a uma restrição da concorrência pelos preços, relativamente à Pometon, constitui um indício da existência de um acordo anticoncorrencial entre as três empresas.

230    Por último, no que respeita às mensagens de correio eletrónico de 27 e 28 de maio de 2008, trocadas entre um trabalhador da MTS e um trabalhador da Pometon Abrasives, T., que tinha sido anteriormente diretor comercial (Commercial Director Industry) da recorrente, até 16 de maio de 2007 (considerando 79 da decisão impugnada; v. também n.o 170, supra), a recorrente salienta, efetivamente, com razão (v. n.o 170, supra), que, em princípio não é de forma alguma abrangida pela afirmação desse trabalhador, de que a política da Pometon Abrasives e do grupo Winoa (ao qual essa sociedade pertence) não era reduzir os preços, mas aumentá‑los.

231    Todavia, esta troca de mensagens de correio eletrónico refere‑se explicitamente à aplicação do acordo relativamente a determinados clientes italianos ou alemães, desde há vários anos, e, portanto, antes mesmo da saída da recorrente do mercado. Com efeito, na mensagem de correio eletrónico inicial, de 27 de maio de 2008, a MTS acusava a Pometon Abrasives de não ter respeitado o acordo em relação a um cliente alemão, filial de uma sociedade italiana, a Riva Fire SpA, cujo estabelecimento em Itália «a Pometon fornec[ia] desde há vários anos». Além disso, as mensagens de correio eletrónico de 28 de maio de 2008 referem‑se também ao fornecimento de outros clientes italianos e alemães.

232    Neste contexto, a Comissão invoca a passagem de uma dessas mensagens de correio eletrónico de T., na qual este afirmava ter sempre protegido os clientes da MTS na Alemanha, quando era trabalhador da Pometon, referindo: «[d]urante os últimos anos protegi sempre o vosso cliente na Alemanha, ainda que a sociedade mãe na Itália me pedisse regularmente para fornecer a fábrica na Alemanha […] vocês sabem que eu respeitei sempre integralmente os nossos acordos». Em resposta a esta declaração, a MTS referiu em diversas mensagens de correio eletrónico datadas também de 28 de maio de 2008: «Protegemos sempre a Pom[…]»; «desde há anos que tentamos proteger a Pom […]»; «o acordo sempre foi que a concorrência é ok, mas não quanto aos preços!».

233    Tendo em conta o elevado nível de responsabilidade de T., quando era diretor comercial da recorrente, o conteúdo dessas mensagens de correio eletrónico atesta de forma fiável que a política de não concorrência pelos preços da Pometon Abrasives se inscrevia na continuidade da Pometon, o que confirma que esta última já estava implicada na coordenação relativa aos clientes individuais, em Itália e na Alemanha. Neste contexto, o facto de poder haver reservas a nível interno pela Pometon — como parece resultar da referida mensagem de correio eletrónico de T. — não é suscetível de a isentar da sua responsabilidade.

234    Por conseguinte, a argumentação da recorrente que visa contestar o valor probatório das provas da sua participação na coordenação relativa a determinados clientes em Itália deve ser julgada improcedente.

v)      Conclusões relativas às provas da participação da recorrente na segunda vertente do cartel

235    A análise das provas documentais invocadas na decisão impugnada (v. n.os 187 a 233, supra) demonstra, assim, que a Comissão se baseou num conjunto de provas suficientemente sérias, circunstanciadas, precisas e concordantes para declarar a participação da recorrente na coordenação relativa a determinados clientes individuais nos cinco Estados‑Membros referidos (Bélgica, Alemanha, Espanha, França e Itália).

4.      Quanto à terceira parte do segundo fundamento, relativa à alegada não participação da recorrente numa infração única e continuada

a)      Argumentos das partes

236    Em primeiro lugar, a recorrente contesta a análise da Comissão, nos considerandos 105 a 109 da decisão impugnada, segundo a qual a recorrente tinha participado, com as outras quatro empresas, numa infração única e continuada, constituída pelas duas vertentes do cartel.

237    Alega que, contrariamente às alegações da Comissão que constam do considerando 109 da decisão impugnada, o facto de a Pometon «manter contactos com diversos participantes na infração», não permite de modo algum concluir que «podia razoavelmente prever todas as ações projetadas e implementadas pelos outros participantes na infração». Com efeito, nada prova que, por ocasião dos seus contactos limitados e quase exclusivamente bilaterais, a Pometon tenha tido conhecimento da existência da alegada infração única e continuada. Portanto, a Comissão não cumpriu o ónus da prova.

238    Em segundo lugar, a recorrente contesta a sua participação numa coordenação relativa a clientes individuais em todo o EEE.

239    Alega, antes de mais, que a Comissão não tinha provado a referida participação. Salienta, a este propósito, que vendia abrasivos em 21 países do EEE. Ora, a Comissão só lhe imputava, no considerando 60 da decisão impugnada, uma participação na segunda vertente do cartel em cinco países (a Bélgica, a Alemanha, a Espanha, a França e a Itália), o que confirma a inexistência de qualquer prova relativa à sua participação numa cooperação geral abrangendo todo o EEE.

240    Aliás, no referido considerando 60 da decisão impugnada, a Comissão tinha remetido para o considerando 37 da decisão interlocutória, precisamente para demonstrar a sua afirmação de que «[o]s acordos relativos aos clientes individuais abrangiam todo o território do EEE», sem, contudo, demonstrar que a recorrente tinha conhecimento do alcance geográfico desses acordos.

241    Em seguida, a recorrente contesta a declaração da Comissão, nos considerandos 133 e 134 da decisão impugnada, de que a recorrente estava necessariamente informada de que a segunda vertente do cartel abrangia a totalidade do EEE. As comunicações entre a recorrente e a Pometon Deutschland, invocadas pela Comissão, não eram relevantes, uma vez que ocorreram um ano antes do início do cartel alegado. A título acessório, a recorrente alega que esses dois documentos demonstram que a Pometon rejeitou qualquer pedido de reunião por parte da MTS.

242    A Comissão contesta esta argumentação.

b)      Apreciação do Tribunal Geral

1)      Conceito jurisprudencial de infração única e continuada

243    Segundo jurisprudência constante, a violação do artigo 101.o TFUE pode resultar não apenas de um ato isolado, mas igualmente de uma série de atos, ou mesmo de um comportamento continuado, quando efetivamente um ou diversos elementos dessa série de atos ou desse comportamento continuado também possam constituir, por si sós e considerados isoladamente, uma violação da referida disposição. Assim, quando as diferentes ações das empresas em causa se inscrevem num «plano de conjunto», em razão do seu objeto idêntico que falseia o jogo da concorrência no interior do mercado comum, a Comissão pode imputar a responsabilidade por essas ações em função da participação na infração considerada no seu todo (v. Acórdão de 6 de dezembro de 2012, Comissão/Verhuizingen Coppens, C‑441/11 P, EU:C:2012:778, n.o 41 e jurisprudência referida).

244    Com efeito uma empresa pode ter participado apenas diretamente numa parte dos comportamentos anticoncorrenciais que integram a infração única e continuada, mas ter tido conhecimento de todos os outros comportamentos ilícitos previstos ou adotados por outros participantes no cartel na prossecução dos mesmos objetivos, ou ter podido razoavelmente prevê‑los e ter estado pronta a aceitar o risco, mas também os eventuais benefícios. Neste caso, a Comissão tem o direito de imputar a essa empresa a responsabilidade de todos os comportamentos anticoncorrenciais que compõem essa infração e, por consequência, de toda a infração. (Acórdão de 6 de dezembro de 2012, Comissão/Verhuizingen Coppens, C‑441/11 P, EU:C:2012:778, n.o 43; v., também, Acórdão de 26 de janeiro de 2017, Duravit e o./Comissão, C‑609/13 P, EU:C:2017:46, n.o 119 e jurisprudência referida).

245    Daqui decorre, antes de mais, que, para constatar a existência de uma infração única, compete à Comissão estabelecer que os acordos ou as práticas concertadas em questão, incidindo embora sobre produtos, serviços ou territórios distintos, se inscrevem num plano de conjunto posto conscientemente em prática pelas empresas em causa com vista à realização de um objetivo anticoncorrencial único (Acórdão de 15 de dezembro de 2016, Philips e Philips France/Comissão, T‑762/14, não publicado, EU:T:2016:738, n.o 168).

246    Ora, relações de complementaridade entre acordos ou práticas concertadas constituem indícios objetivos da existência de um plano de conjunto. Essas relações existem, por exemplo, quando os referidos acordos ou as práticas concertadas se destinam a enfrentar uma ou mais consequências do jogo normal da concorrência e contribuem, através da sua interação, para a realização do objetivo único anticoncorrencial (v. Acórdão de 15 de dezembro de 2016, Philips e Philips France/Comissão, T‑762/14, não publicado, EU:T:2016:738, n.o 169).

247    Em todo o caso, a Comissão deve analisar todos os elementos factuais suscetíveis de demonstrar ou de pôr em causa um plano de conjunto (Acórdão de 15 de dezembro de 2016, Philips e Philips France/Comissão, T‑762/14, não publicado, EU:T:2016:738, n.o 169; v., também, neste sentido, Acórdão de 28 de abril de 2010, Amann & Söhne e Cousin Filterie/Comissão, T‑446/05, EU:T:2010:165, n.o 92 e jurisprudência referida). Com este objetivo, deve ter em conta nomeadamente o período de aplicação, o conteúdo, incluindo os métodos utilizados e, correlativamente, o objetivo das diversas atuações em causa (Acórdão de 23 de janeiro de 2014, Gigaset/Comissão, T‑395/09, não publicado, EU:T:2014:23, n.o 103). Além disso, o facto de as mesmas pessoas estarem implicadas em todos os comportamentos anticoncorrenciais tende a demonstrar a complementaridade destes últimos (v., neste sentido, Acórdão de 15 de dezembro de 2016, Philips e Philips France/Comissão, T‑762/14, não publicado, EU:T:2016:738, n.o 197).

248    Em seguida, em relação ao elemento intencional que permite estabelecer a participação de uma empresa numa infração única e continuada, importa recordar que a existência dessa infração não significa necessariamente que uma empresa que participe numa ou noutra dessas atividades colusórias possa ser considerada responsável pela totalidade dessa infração. Antes de mais, é ainda necessário que a Comissão demonstre que essa empresa conhecia o conjunto das operações anticoncorrenciais implementadas à escala do EEE, pelas ouras empresas partes no cartel ou, em todo o caso, que podia razoavelmente prever esses comportamentos. Por outras palavras, a simples identidade de objeto entre um acordo no qual participou uma empresa e um cartel global não basta para imputar a essa empresa a participação no cartel no seu todo. Com efeito, o artigo 101.o, n.o 1, TFUE só é aplicável quando haja uma convergência de vontades entre as partes em causa (v., neste sentido, Acórdãos de 10 de outubro de 2014, Soliver/Comissão, T‑68/09, EU:T:2014:867, n.o 62, e de 15 de dezembro de 2016, Philips e Philips France/Comissão, T‑762/14, não publicado, EU:T:2016:738, n.o 172).

249    Por conseguinte, compete à Comissão demonstrar que a empresa que tendo participado numa infração através de comportamentos específicos que lhe eram próprios pretendia no entanto associar‑se, através desses comportamentos, aos objetivos prosseguidos pelo conjunto dos participantes e que tinha conhecimento dos comportamentos ilícitos previstos ou adotados por outras empresas na prossecução desses mesmos objetivos, ou que os podia, razoavelmente, prever, de modo que estava pronta a aceitar o risco de tal participação, na perspetiva de obter, sendo caso disso, benefícios importantes, ainda que ilegais, dessa participação (v. neste sentido, Acórdão de 6 de dezembro de 2012 Comissão/Verhuizingen Coppens, C‑441/11 P, EU:C:2012:778, n.o 42).

2)      Participação da recorrente na infração única e continuada que inclui as duas vertentes do cartel

250    No caso em apreço, a recorrente não contesta a qualificação de infração única e continuada, contida nos considerandos 105 e 106 da decisão impugnada no que respeita às duas vertentes do cartel.

251    Em contrapartida, a recorrente contesta a sua participação nessa infração, alegando que a Comissão não provou que tinha tido conhecimento do conjunto dos comportamentos ilícitos com vista à realização dos objetivos prosseguidos pelos outros participantes e que pretendia associar‑se a eles.

252    No entanto esta argumentação não pode ser acolhida. Com efeito, para demonstrar a participação de uma empresa numa infração única e continuada, a Comissão não tem de provar que essa empresa teve um conhecimento direto de cada comportamento material previsto ou adotado por todas as outras empresas implicadas na mesma infração. Basta, como o confirma a jurisprudência referida nos n.os 248 e 249, supra, que demonstre que a empresa em causa podia razoavelmente prever esses comportamentos e que estava disposta a aceitar as vantagens, mas também os riscos (v., neste sentido, Acórdão de 23 de janeiro de 2014, Gigaset/Comissão, T‑395/09, não publicado, EU:T:2014:23, n.o 117).

253    Ora, resulta do conjunto dos elementos de prova analisados no âmbito do segundo fundamento que, pelo seu comportamento colusório, a recorrente contribuiu de forma intencional para a realização do plano global referido no n.o 250, supra, um plano que visa precisamente restringir a concorrência pelos preços.

254    Com efeito, em primeiro lugar, a recorrente esteve na origem do acordo relativo ao sistema de cálculo da sobretaxa sobre a sucata, concebida, aliás, segundo modalidades que permitem aplicá‑la automaticamente em todo o EEE e contribuiu ativamente para a implementação desse sistema (v. n.os 129 e 130, supra).

255    Em segundo lugar, em relação à coordenação relativa a clientes individuais, há que recordar que a Comissão demonstrou que a Pometon estava implicada nos contactos anticoncorrenciais com vista à realização dessa coordenação (v. n.o 235, supra). Por conseguinte, a participação relativamente fraca desta empresa nas reuniões multilaterais e noutros contactos destinados a discutir ou a analisar, com as outras empresas envolvidas, os comportamentos anticoncorrenciais que fazem parte do cartel no seu conjunto não pode ser interpretada no sentido de que não podia ter tido conhecimento ou não podia prever quais iam ser as atividades anticoncorrenciais das outras participantes no cartel e que ela não aderia a ele.

256    Em terceiro lugar, as duas vertentes do cartel prosseguiam exatamente o mesmo objetivo de restrição da concorrência pelos preços, diziam respeito a produtos idênticos e eram implementadas pelas mesmas empresas, sob o impulso, aliás, dos mesmos protagonistas. A este respeito, resulta das provas documentais que os principais dirigentes da Pometon, nomeadamente o seu diretor‑geral, estiveram diretamente implicados nas duas vertentes do cartel e que, aquando dos contactos colusórios sobre este acordo, a recorrente foi geralmente representada pelos mesmos responsáveis. Aliás, este facto confirma, no contexto do presente litígio, não só a complementaridade dessas duas vertentes, mas também a vontade da recorrente de contribuir para todas as ações destinadas à sua execução (v., neste sentido, Acórdão de 17 de maio de 2013, Trelleborg Industrie e Trelleborg/Comissão, T‑147/09 e T‑148/09, EU:T:2013:259, n.o 60).

257    Daqui resulta que a Comissão podia concluir legitimamente que a recorrente tinha conhecimento dos comportamentos ilícitos dos outros participantes no cartel ou podia razoavelmente prevê‑los e que estava disposta a aceitar o risco.

3)      Participação da recorrente na infração única e continuada abrangendo todo o EEE

258    A recorrente não põe em causa a existência de uma infração única e continuada à escala do EEE, mas contesta a sua responsabilidade numa infração com tal extensão geográfica.

259    A Comissão define a extensão geográfica do cartel no considerando 60 da decisão impugnada, por remissão para o considerando 37 da decisão interlocutória, que tem a seguinte redação: «A extensão geográfica do comportamento litigioso, no que se refere às cinco partes, cobria todo o EEE durante a totalidade do período considerado [pela presente decisão].»

260    Nestas circunstâncias, importa salientar que, em conformidade com a jurisprudência (v. n.o 245, supra), no caso de uma infração única, o facto de uma empresa só ter participado materialmente num cartel numa parte limitada do EEE não é suscetível de excluir a sua responsabilidade nesse cartel enquanto prática anticoncorrencial que abrange a totalidade desse território.

261    No entanto, para estabelecer que a recorrente participou numa infração única e continuada que abrange a totalidade do EEE, compete à Comissão demonstrar, em conformidade com a jurisprudência (v. n.os 248 e 249, supra), que a Pometon estava informada do alcance geográfico da coordenação relativa aos clientes individuais ou que a podia razoavelmente prever e estava assim pronta para aceitar o risco.

262    Ora, contrariamente às alegações da recorrente (v. n.o 241, supra), os elementos de prova invocados na decisão impugnada demonstram que os seus dirigentes estavam plenamente conscientes do âmbito geográfico global da coordenação relativa aos clientes individuais.

263    Com efeito, em primeiro lugar, na sua resposta de 7 de outubro de 2002 a um faxe do «general manager» da Pometon Deutschland sobre as queixas da MTS relativas às reduções de preços praticadas pela recorrente para clientes na Alemanha (considerando 133 da decisão impugnada), o diretor‑geral desta última sublinha, nomeadamente, que as ameaças de represálias são normalmente «mundiais». Embora esse documento seja anterior ao período da infração, constitui um indício de que a coordenação relativa aos clientes individuais tinha, no espírito dos dirigentes da Pometon, um alcance geográfico geral. Contrariamente às alegações da recorrente, esse indício pode, em conformidade com a jurisprudência (v. n.o 113, supra), ser tido em consideração juntamente com outros elementos de prova, nomeadamente quando se trata de apreciar a extensão geográfica do cartel. Por outro lado, essas duas mensagens de correio eletrónico não revelam nenhuma recusa da Pometon de fazer uma reunião com a MTS, mas antes a vontade de ganhar tempo.

264    Em segundo lugar, numa mensagem de correio eletrónico, de 21 de novembro de 2003, que versa nomeadamente sobre a coordenação relativa aos clientes individuais na Bélgica (v. considerandos 62 e 134 da decisão impugnada e n.o 199, supra), a Winoa propôs ao diretor‑geral da recorrente discutir diferentes opções relativas a clientes na «Escandinávia e [nos] Países de Leste».

265    Por conseguinte, ainda que a recorrente não estivesse presente nos mercados de todo o EEE e que a sua participação na coordenação relativa a determinados clientes só esteja comprovada em cinco Estados‑Membros, tinha necessariamente conhecimento de que a segunda vertente do cartel se estendia a todo esse território.

266    Decorre de tudo o que precede que a Comissão provou, de forma bastante, que a recorrente tinha pleno conhecimento não só das características essenciais do cartel (v. n.o 257, supra), mas também da sua extensão geográfica e que pretendia assim participar na infração única e continuada em causa.

267    Daqui resulta que a Comissão teve razão ao concluir pela responsabilidade da recorrente nessa infração, sem prejuízo da apreciação da duração da sua participação na mesma, no âmbito do quarto fundamento, nem da gravidade da sua responsabilidade individual, no âmbito da análise do pedido de reforma da coima que lhe foi aplicada, em conformidade com o princípio da individualidade da pena.

268    Por conseguinte, deve ser julgado improcedente ao segundo fundamento nas suas três partes.

C.      Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação do artigo 101.o TFUE e do artigo 53.o do Acordo EEE, na medida em que a Comissão considerou que o cartel constituía uma restrição da concorrência pelo objeto

1.      Argumentos das partes

269    Em primeiro lugar, a recorrente sustenta que a Comissão violou o artigo 101.o TFUE e o artigo 53.o do Acordo EEE ao considerar que o cartel em causa tinha por objeto restringir a concorrência. A decisão impugnada (considerandos 142 a 148) estava, a este respeito, viciada de erros manifestos de apreciação, de falta de instrução e de manifesta falta de lógica. A recorrente critica, em especial, a Comissão por não ter procedido a uma análise, ainda que superficial, do mercado afetado pelo cartel e de não ter tomado em consideração, em conformidade com o que é exigido pela jurisprudência (v. n.o 277, infra), a natureza dos bens afetados e as condições reais do funcionamento e da estrutura do mercado em questão.

270    Em segundo lugar, a recorrente salienta que a Comissão também não provou a existência de efeitos restritivos da concorrência. Tinha‑se limitado a afirmar, de forma aliás não fundamentada, que «resulta dos factos descritos no ponto 4.2.1.3 [relativo à fórmula de cálculo da sobretaxa sobre a sucata] que o acordo anticoncorrencial estava implementado» (considerando 148 da decisão impugnada).

271    Pelo seu lado, a Comissão, alega que a coordenação entre concorrentes na qual a Pometon participou tinha como finalidade a fixação horizontal de preços, como resultava dos factos descritos nos considerandos 145, 146 e 148 da decisão impugnada. A este propósito, esclarece que identificou e descreve suficientemente o mercado em causa e os seus participantes (n.o 2 da decisão impugnada), que destacou amplamente o comportamento censurado à recorrente e que sublinhou as consequências desse comportamento sobre o preço de venda dos abrasivos (n.o 5.2.4 da decisão impugnada).

272    Portanto, a Comissão considera que, sem cometer um erro manifesto de apreciação, pode concluir que o cartel era restritivo pelo objeto, sem que fosse necessário proceder a uma análise detalhada do mercado em causa.

2.      Apreciações do Tribunal Geral

273    Há que recordar que, para ser abrangido pela proibição enunciada no artigo 101.o TFUE, um acordo, uma decisão de associação de empresas ou uma prática concertada deve ter «por objetivo ou efeito» impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado interno.

274    Segundo a jurisprudência, o conceito de restrição da concorrência «pelo objetivo» deve ser interpretado de forma restritiva e só pode ser aplicado a certos tipos de coordenação entre empresas que podem ser consideradas, pela sua própria natureza, nocivas para o bom funcionamento do jogo normal da concorrência (Acórdão de 27 de abril de 2017, FSL e o./Comissão, C‑469/15 P, EU:C:2017:308, n.o 103).

275    Ora, o critério jurídico essencial para determinar se um acordo contém uma restrição da concorrência «pelo objetivo» reside na verificação de que esse acordo apresenta, por si próprio, suficiente grau de nocividade para a concorrência, para se considerar que não se tem de tentar descobrir os seus efeitos (Acórdão de 27 de abril de 2017, FSL e o./Comissão, C‑469/15 P, EU:C:2017:308, n.o 104; v., igualmente, neste sentido, Acórdão de 11 de setembro de 2014, CB/Comissão, C‑67/13 P, EU:C:2014:2204, n.os 49 e 57).

276    A fim de apreciar se um acordo apresenta um grau suficiente de nocividade para ser considerado uma restrição da concorrência «por objetivo» na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, há que atender‑se ao teor das suas disposições, aos objetivos que visa atingir, bem como ao contexto económico e jurídico em que o mesmo se insere (Acórdãos de 11 de setembro de 2014, CB/Comissão, C‑67/13 P, EU:C:2014:2204, n.o 53; de 20 de janeiro de 2016, Toshiba Corporation/Comissão, C‑373/14 P, EU:C:2016:26, n.o 27; e de 27 de abril de 2017, FSL e o./Comissão, C‑469/15 P, EU:C:2017:308, n.o 105).

277    É verdade que, resulta da jurisprudência invocada pela recorrente (v. n.o 269, supra) que, em certas circunstâncias, para determinar se um acordo tem por objetivo restringir a concorrência, há que analisar a natureza dos bens ou dos serviços afetados e as condições reais do funcionamento e da estrutura do mercado ou dos mercados em causa (v., neste sentido, Acórdãos de 14 de março de 2013, Allianz Hungária Biztosító e o., C‑32/11, EU:C:2013:160, n.o 36; de 11 de setembro de 2014, CB/Comissão, C‑67/13 P, EU:C:2014:2204, n.o 53; e de 26 de novembro de 2015, Maxima Latvija, C‑345/14, EU:C:2015:784, n.o 21). Tal é, em princípio, o caso quando o acordo apresenta características que o tornam, atípico ou complexo (Conclusões do advogado‑geral M. Wathelet no processo Toshiba Corporation/Comissão, C‑373/14 P, EU:C:2015:427, n.os 90 e 91).

278    No entanto, é pacífico que determinados comportamentos colusórios, como os que levam à fixação horizontal dos preços por cartéis, podem em princípio, ser considerados suscetíveis de terem efeitos de tal forma negativos sobre o preço, sobre a quantidade ou sobre a qualidade dos produtos e dos serviços que se pode considerar inútil, para efeitos de aplicação do artigo 101.o TFUE, demonstrar que produzem efeitos concretos no mercado. Por outro lado, a experiência mostra que esses comportamentos provocam em geral reduções da produção e subidas de preços, conduzindo a uma má repartição dos recursos em prejuízo, especialmente, dos consumidores (Acórdãos de 11 de setembro de 2014, CB/Comissão, C‑67/13 P, EU:C:2014:2204, n.o 51; de 26 de novembro de 2015, Maxima Latvija, C‑345/14, EU:C:2015:784, n.o 19; e de 15 de dezembro de 2016, Philips e Philips France/Comissão, T‑762/14, não publicado, EU:T:2016:738, n.o 56).

279    Relativamente a esse tipo de acordos, que constituem violações particularmente graves da concorrência, a análise do contexto económico e jurídico em que essa prática se insere pode, portanto, limitar‑se ao estritamente necessário para concluir pela existência de uma restrição da concorrência pelo objetivo (v. Acórdão de 27 de abril de 2017, FSL e o./Comissão, C‑469/15 P, EU:C:2017:308, n.o 107 e jurisprudência referida).

280    No caso em apreço, a recorrente critica em primeiro lugar a Comissão por ter considerado que o cartel em causa constituía uma restrição da concorrência pelo objeto, sem sequer ter analisado a natureza dos bens afetados e as condições reais do funcionamento e da estrutura do mercado ou dos mercados em causa (v. n.o 269, supra).

281    No entanto, este argumento não pode ser acolhido. Com efeito, em conformidade com a jurisprudência referida nos n.os 278 e 279, supra, e tendo em conta as características intrínsecas do cartel horizontal em causa, que tinha por objeto a fixação dos preços e constituía, assim, uma violação especialmente grave da concorrência, a Comissão pôde efetuar a uma análise adequada do contexto económico e jurídico em que este cartel se inseria, sem que fosse necessário analisar, em detalhe, a natureza dos produtos afetados bem como as condições do funcionamento e a estrutura do ou dos mercados em causa. Em relação ao objeto da infração e à sua gravidade, estes aspetos tornam‑se efetivamente secundários.

282    Por conseguinte, foi com razão que a Comissão concluiu, no considerando 142 da decisão impugnada, que a infração era restritiva da concorrência pelo objeto, na medida em que a recorrente estava implicada nos acordos anticoncorrenciais horizontais que se inscrevem num plano de conjunto que tem por único objeto influenciar os preços, através, por um lado, da instauração da sobretaxa sobre a sucata e, por outro lado, da coordenação dos preços relativamente a clientes individuais.

283    Em relação em especial à primeira vertente do cartel, a Comissão esclareceu, no considerando 143 da decisão impugnada, que os participantes na infração coordenavam o seu comportamento a fim de afastar qualquer incerteza entre si, no que dizia respeito a um elemento essencial do preço, na medida em que a sucata em aço representava 25 a 45 % dos custos de produção dos abrasivos enquanto o mercado da sucata em aço era caracterizado por flutuações importantes do preço de compra, bem como por diferenças significativas de preços entre determinados Estados‑Membros da União.

284    Por outro lado, importa salientar que, tanto durante o procedimento administrativo como nos seus articulados apresentados no Tribunal Geral, a recorrente não invocou nenhum argumento concreto e nem sequer alegou que o referido cartel apresentava uma especial complexidade ou certas características específicas que implicavam que fosse necessária uma análise mais aprofundada do contexto económico e jurídico para determinar, de acordo com a jurisprudência referida no n.o 277, supra, se este cartel se encontrava entre os acordos suscetíveis de ser considerados, pela sua própria natureza, nocivos ao bom funcionamento da concorrência.

285    Por conseguinte, há que concluir que a Comissão não cometeu nenhum erro de apreciação ao considerar que o cartel em causa constituía, em si mesmo, um grau suficiente de nocividade relativamente à concorrência, na medida em que tinha por objeto impedir, restringir ou falsear o jogo da concorrência pelos preços, em detrimento dos consumidores.

286    Daqui decorre que o fundamento relativo à inexistência de restrição da concorrência pelo objeto não pode ser acolhido.

287    Tendo em conta as considerações que precedem, o segundo fundamento invocado pela recorrente, relativo à falta de prova da existência de efeitos anticoncorrenciais (v. n.o 270, supra), só pode ser considerado inoperante. Com efeito, tendo em conta o objeto anticoncorrencial do cartel, a análise dos seus efeitos não é, em qualquer caso, suscetível de ter a mínima incidência na declaração da existência de uma infração.

288    Consequentemente, o terceiro fundamento deve ser julgado improcedente na sua totalidade.

D.      Quanto ao quarto fundamento, relativo à duração da participação da recorrente na infração e à prescrição

1.      Argumentos das partes

289    A título subsidiário, a recorrente contesta a duração da sua participação no cartel. Na sua opinião, a Comissão não tinha apresentado nenhum elemento de prova que demonstrasse que essa participação se tinha prolongado até 16 de maio de 2007, data em que teve lugar a reunião de Milão, correspondente, segundo a Comissão, ao «último contacto entre a Pometon e os outros participantes na infração a respeito da sobretaxa sobre a sucata» (considerandos 55 e 163 da decisão impugnada).

290    A recorrente explica, em substância, que, em 16 de maio de 2007, não se realizou nenhuma reunião «ilegítima» em que tivesse participado. A segunda declaração do requerente de clemência menciona uma única reunião em Milão, em 17 de maio de 2007 e esta data era confirmada por duas mensagens de correio eletrónico internas da Ervin, de 17 de maio de 2007, dando conta do conteúdo dessa reunião.

291    Em todo o caso, a participação da recorrente nessa reunião, em 16 de maio de 2007, também não é plausível, na medida em que não teria nenhum interesse em reencontrar os seus concorrentes para debater a continuação do cartel no que se refere à sobretaxa sobre a sucata no mesmo dia da assinatura do ato de cessão da sua atividade relativa aos abrasivos. A este propósito, a argumentação da Comissão de que era muito provável que essa reunião se tivesse realizado, que o ato de cessão tivesse sido celebrado no mesmo dia num cartório notarial próximo desse local e que a Ervin não tivesse sido informada, equivaleria a impor à recorrente provar a inexistência dessa reunião, o que constituiria, em última análise, uma probatio diabolica.

292    Por último, segundo a recorrente, na falta de provas, o fim do período de infração coincidia, no máximo, no que lhe diz respeito, com os últimos contactos colusórios alegadamente imputáveis à Pometon, a saber, a reunião de 9 de junho de 2005 ou, o mais tardar, com a mensagem de correio eletrónico de 18 de novembro de 2005 (v. n.os 153, 154 e 215, supra).

293    A recorrente conclui, nesta fase, que tendo decorrido mais de cinco anos entre o fim da sua participação no cartel, em 9 de junho de 2005, e a notificação, em 15 de junho de 2015, do ato interruptivo da prescrição, o poder de aplicar uma coima, conferido à Comissão, tinha prescrito, em conformidade com o artigo 25.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003.

2.      Apreciações do Tribunal Geral

294    Importa, antes de mais, verificar se a Comissão provou, de forma juridicamente bastante, a duração da participação da recorrente no cartel em causa (v., neste sentido, Acórdão de 24 de março de 2011, Viega/Comissão, T‑375/06, não publicado, EU:T:2011:106, n.o 36).

295    Ora, não existindo elementos de prova dos quais se infira diretamente a duração da participação de uma empresa numa infração continuada, a Comissão é obrigada a alegar factos suficientemente próximos no tempo, de modo a que seja razoável concluir que essa infração decorreu de forma ininterrupta entre duas datas precisas. (Acórdão de 19 de maio de 2010, IMI e o./Comissão, T‑18/05, EU:T:2010:202, n.o 88).

296    No caso em apreço, e em primeiro lugar, resulta da análise do segundo fundamento, pelo Tribunal Geral, que a Comissão provou de forma bastante que a recorrente participou num determinado número de reuniões e em outros contactos colusórios que se distribuem pelo menos entre 3 de agosto de 2003, data do acordo relativo à sobretaxa sobre a sucata (v. n.o 129, supra), e a troca de mensagens de correio eletrónico de 16 a 18 de novembro de 2005 entre a Würth e a Pometon (v. n.o 153, supra).

297    Além disso, esta instituição também demonstrou que a recorrente esteve implicada na preparação da reunião de Milão, prevista para 16 e 17 de maio de 2007.

298    É verdade que, no que respeita à questão de saber se a recorrente participou nessa reunião de Milão, há que sublinhar que alega com razão que a Comissão opera uma inversão do ónus da prova, limitando‑se a afirmar que é muito provável que tenha havido uma primeira reunião ‑ na qual a recorrente teria participado — em 16 de maio de 2007 para debater a continuação do cartel, e que foi seguida de uma segunda reunião em 17 de maio de 2007.

299    A este propósito, a proximidade, invocada pela Comissão, do local dessa reunião e daquele onde se situa o cartório notarial onde foi celebrado o ato de cessão à Winoa do ramo de atividade da Pometon no setor da abrasivos, em 16 de maio de 2007, não pode constituir um indício suficientemente sério e fiável da realização de uma reunião anticoncorrencial no mesmo dia. Em contrapartida, a segunda declaração do requerente de clemência menciona uma única reunião em Milão, em 17 de maio de 2007. Ora, não há nada que permita pressupor que a recorrente tenha participado numa reunião anticoncorrencial no dia anterior.

300    No entanto, independentemente da presença da recorrente nessa reunião que se teria realizado em 16 de maio de 2007, a participação da recorrente no cartel em causa, antes da cessão da sua atividade no setor da abrasivos à Winoa, em 16 de maio de 2007, é justificada, na decisão recorrida, por um conjunto de indícios suficientemente precisos, sérios e concordantes, que permitem estabelecer que a Pometon estava diretamente implicada na infração única e continuada em causa no período anterior à cessão.

301    Em especial, resulta da mensagem de correio eletrónico interna da Ervin, de 20 de março de 2007, invocada no considerando 52 da decisão impugnada — não contestada pela recorrente e que refere que os representantes da Winoa e da Pometon tinham pedido ao autor da referida mensagem de correio eletrónico para assistir a uma reunião que se devia realizar em Milão, em 16 e 17 de maio de 2007, para discutir a aplicação da fórmula de cálculo da sobretaxa sobre a sucata (v. n.o 155, supra) — que a Pometon tinha tomado parte ativa na convocação e na programação dessa reunião.

302    Além disso, o facto de a participação da Pometon nessa reunião não suscitar nenhuma dúvida no espírito dos outros participantes é corroborado pela mensagem de correio eletrónico interna da Ervin, de 19 de abril de 2007 (v. n.o 228, supra). Aliás, a mensagem de correio eletrónico interna da Ervin, de 17 de maio de 2007 (considerando 55 da decisão impugnada), parece indicar que os outros participantes no cartel não tinham sido informados, antes da reunião de Milão, da cessão do ramo de atividade em causa da Pometon a Winoa. Com efeito, resulta dessa mensagem de correio eletrónico que o seu autor, um trabalhador da Ervin presente na reunião de 17 de maio de 2007, tinha ficado admirado com a atitude reservada, durante esta reunião, de B. que tinha sido um dos representantes da recorrente, antes de ser empregado pela Winoa a partir da cessão acima referida, em 16 de maio de 2007.

303    Por último, o conteúdo das mensagens de correio eletrónico internas da Ervin, de 20 de março e de 19 de abril de 2007 (v. n.os 227 e 228, supra), e da Winoa, de 26 de abril de 2007 (v. n.º 229, supra), demonstra que, pelo menos durante o período de dois meses que precedeu a sua saída do mercado dos abrasivos, a Pometon não só desempenhou um papel ativo no que respeita à primeira vertente do cartel, como esteve também implicada na sua segunda vertente.

304    Assim, em segundo lugar, tendo a Comissão provado devidamente que a recorrente esteve diretamente implicada nos contactos colusórios relativos às duas vertentes do cartel, entre 3 de outubro de 2003 e 18 de novembro de 2005 (v. n.o 296, supra) bem como durante os dois meses que precederam a sua saída do mercado em 16 de maio de 2007 (v. n.os 297 a 303, supra), há que analisar se a inexistência de prova de contactos anticoncorrenciais durante um período de quase dezasseis meses, entre 18 de novembro de 2005 e março de 2007, significa que a recorrente tinha efetivamente interrompido a sua participação no cartel durante esse período, como sugere (v. n.o 292, supra), antes de retomar e repetir a sua participação na mesma infração alguns meses antes de sair do mercado dos abrasivos (v., neste sentido, Acórdão de 15 de setembro de 2016, Philip Morris/Comissão, T‑18/15, não publicado, EU:T:2016:487, n.o 97).

305    A questão de saber se o período que separa duas manifestações de um comportamento ilícito é ou não suficientemente longo para consubstanciar uma interrupção da infração deve ser apreciada no contexto do funcionamento do cartel em questão (Acórdão de 19 de maio de 2010, IMI e o./Comissão, T‑18/05, EU:T:2010:202, n.o 89; v., também, neste sentido, Acórdão de 24 de março de 2011, Tomkins/Comissão, T‑382/06, EU:T:2011:112, n.o 51).

306    Em especial, é neste contexto e com base numa avaliação global de todos os indícios disponíveis que há que apreciar concretamente se esse período era suficientemente longo para permitir às outras partes no cartel compreender a intenção da empresa em causa de interromper a sua participação, uma vez que tal entendimento é determinante para estabelecer se essa empresa tem a intenção de se distanciar do acordo ilícito (v., neste sentido, Acórdão de 20 de janeiro de 2016, Toshiba Corporation/Comissão, C‑373/14 P, EU:C:2016:26, n.os 62 e 63).

307    A este propósito, há que recordar que a aprovação tácita de uma iniciativa ilícita, sem se distanciar publicamente do seu conteúdo ou sem a denunciar às entidades administrativas, tem por efeito incentivar a continuidade da infração e compromete a sua descoberta. Esta cumplicidade constitui um modo passivo de participação na infração, que é, portanto, de natureza a fazer a empresa incorrer em responsabilidade no âmbito de um acordo único. Além disso, a circunstância de uma empresa não dar seguimento aos resultados de uma reunião com objeto anticoncorrencial não é suscetível de afastar a sua responsabilidade pela sua participação num cartel, a menos que se tenha distanciado publicamente do seu conteúdo (v. Acórdão de 26 de janeiro de 2017, Duravit e o./Comissão, C‑609/13 P, EU:C:2017:46, n.o 136 e jurisprudência referida).

308    No caso em apreço, dadas as especificidades do cartel em causa, a inexistência de contactos colusórios entre a recorrente e os outros partes no cartel, mesmo durante o período acima referido de cerca de dezasseis meses, não permite considerar que a recorrente tinha interrompido a sua participação no cartel. Com efeito, este cartel caracterizava‑se, por um lado, pela aplicação automática da sobretaxa sobre a sucata (v. n.o 147, supra) e, por outro, pelas relações estreitas entre as duas vertentes do cartel (v. n.os 228, 256 e 303, supra) bem como pela inexistência fora do mercado alemão, de uma organização estruturada de contactos entre os participantes para implementar a coordenação relativa aos clientes individuais, havendo contactos pontuais apenas em caso de falta de acordo (v. n.o 222, supra).

309    Ora, no âmbito de tal infração única e continuada, a recorrente não invoca nenhum facto que permita pressupor que eram, no entanto, indispensáveis contactos colusórios para continuar a sua participação no cartel, sem interrupção, durante o período compreendido entre 9 de junho de 2005 e março de 2007. Especificamente, não se refere a nenhuma circunstância que tivesse afetado o funcionamento do cartel conforme resulta dos elementos de prova apresentados pela Comissão, e a necessidade, durante esse período, do estabelecimento de contactos com os outros participantes no cartel para o relançar (v., neste sentido, Acórdão de 17 de maio de 2013, Trelleborg Industrie e Trelleborg/Comissão, T‑147/09 e T‑148/09, EU:T:2013:259, n.o 65).

310    Consequentemente, tendo em conta as características deste cartel (v. n.o 308, supra), a eventual não participação da recorrente em reuniões ou em outros contactos colusórios no período de dezasseis meses acima referido ainda menos podia ser interpretada pelos outros participantes como um distanciamento do cartel, tanto mais que a Pometon era a responsável pela implementação do sistema da sobretaxa sobre a sucata e tinha contribuído ativamente para a sua aplicação (v. n.os 129 e 130, supra).

311    Além disso, a circunstância de a recorrente ter desempenhado um papel ativo na preparação da reunião de Milão e não ter anunciado previamente aos outros participantes no cartel a cessão do seu ramo de atividade no setor dos abrasivos à Winoa atesta a continuidade da conduta ilegal da Pometon e da Winoa. Aliás, essa continuidade é claramente confirmada pela mensagem de correio eletrónico de T., de 28 de maio de 2008 (v. n.o 231, supra).

312    Por todas estas razões, ainda que a participação da recorrente no cartel, não esteja demonstrada por provas documentais diretas que abranjam toda a duração da infração, entre 3 de outubro de 2003 e 16 de maio de 2007, a sua participação contínua resulta claramente da análise global de todos os elementos de prova apresentados pela Comissão, que se reforçam mutuamente e permitem assim demonstrar a responsabilidade da recorrente relativamente a todo o período considerado (v., neste sentido, Acórdão de 26 de janeiro de 2017, Comissão/Keramag Keramische Werke e o., C‑613/13 P, EU:C:2017:49, n.o 55).

313    Portanto, na falta do menor indício de distanciamento da interessada em relação ao cartel, a Comissão provou de forma juridicamente bastante que a Pometon não tinha interrompido a sua participação na infração única e continuada em causa, ainda que, para um período de cerca de dezasseis meses, não disponha de prova direta de contactos colusórios (v., neste sentido, Acórdão de 16 de junho de 2015, FSL e o./Comissão, T‑655/11, EU:T:2015:383, n.o 481).

314    Consequentemente, uma vez que a Pometon participou no cartel até 16 de maio de 2007, e que a Comissão procedeu a vistorias nesses locais a partir de junho de 2010 e que iniciou o procedimento nomeadamente a seu respeito em 16 de janeiro de 2013 (v. n.os 6 e 7, supra), o poder desta instituição para lhe aplicar uma coima não estava prescrito aquando da adoção da decisão impugnada, ocorrida nos prazos legais estabelecidos no artigo 25.o do Regulamento n.o 1/2003.

315    Daqui resulta que o quarto fundamento deve ser julgado improcedente na sua totalidade.

316    Assim, tendo o Tribunal Geral concluído pela falta de fundamento dos segundo, terceiro e quarto fundamentos destinados a contestar os comportamentos ilícitos imputados à Pometon e a sua participação, entre 3 de outubro de 2003 a 16 de maio de 2007, na infração única e continuada em causa, há que negar provimento aos primeiro e segundo pedidos da recorrente, na medida em que se destinam a obter a anulação do artigo primeiro da decisão impugnada (v. n.o 31, supra).

E.      Quanto à adaptação do montante de base da coima nos termos do ponto 37 das Orientações para o Cálculo das Coimas

1.      Argumentos das partes

317    A título ainda mais subsidiário, a recorrente pede a anulação da coima ou a sua reforma, alegando que o nível de adaptação do montante de base da coima, nos termos do ponto 37 das Orientações para o Cálculo das Coimas, não está suficientemente fundamentado e não está em conformidade com os princípios da proporcionalidade e da igualdade de tratamento.

318    Neste contexto, as explicações dadas pela Comissão no Tribunal Geral, incluindo o quadro apresentado na audiência, eram totalmente novas e não permitiram sanar a insuficiência de fundamentação inicial. Além disso, a apresentação do referido quadro na audiência era extemporânea e, por conseguinte, inadmissível.

319    Por outro lado, nas suas observações de 2 de julho de 2018 (v. n.o 29, supra), a recorrente invocou a inexatidão da percentagem das vendas específicas da Pometon a nível mundial, em 2006, mencionada no quadro acima referido e tidas em consideração pela Comissão para fixar o nível de adaptação a seu respeito. Esta percentagem não era de 21 %, mas de 31 %.

320    Pelo seu lado, a Comissão sustenta que os fundamentos expostos nos considerandos 228 e 229 da decisão impugnada (v. n.os 345 e 346, infra) permitem compreender facilmente os critérios que aplicou para calcular a adaptação do montante de base da coima. Com efeito, resulta daqui que a Comissão concedeu à recorrente uma redução excecional, semelhante às atribuídas às outras quatro empresas abrangidas pela decisão interlocutória, a fim de definir um nível de coima proporcional à responsabilidade individual da Pometon, tendo em conta a gravidade e a duração da sua participação no cartel em comparação com a das outras empresas acima referidas e assegurar, além disso, o efeito dissuasor da coima.

321    Na contestação, a Comissão explicou que, para determinar o nível de adaptação em relação à recorrente, tomou em consideração um coeficiente de redução de 21 %, correspondente à relação entre o montante do volume de negócios da Pometon relativo às vendas de abrasivos e o do seu volume de negócios total, em 2006. No entanto, tinha ajustado essa percentagem em alta ao conceder à recorrente uma redução adicional de 39 %, devido à duração mais curta da participação da Pometon no cartel, à sua dimensão relativamente reduzida e ao facto de não dispor de uma carteira de produtos muito diversificada. Na tréplica, a Comissão admitiu que a percentagem das vendas específicas da Pometon no EEE, em 2006, era de 23,7 %, e alegou que a diferença, em relação à percentagem de 21 % que tinha tomado em consideração, tinha sido compensada pelo ajustamento.

322    Na audiência, a Comissão esclareceu que se tinha baseado na relação entre o valor das vendas específicas a nível mundial e o volume de negócios total de cada uma das empresas em causa, tal como indicavam, de forma densa mas completa, os considerandos 228 e 229 da decisão impugnada, e não na percentagem das referidas vendas no EEE.

323    Quanto em especial ao ratio das vendas específicas globais da Pometon, a Comissão ‑ nas suas observações escritas acerca da inexatidão, alegada pela recorrente (v. n.o 319, supra), da percentagem de 21 % referida a este respeito no quadro apresentado na audiência — alegou, apresentando provas, que se tinha baseado nos dados quantitativos fornecidos pela recorrente em resposta aos seus pedidos de informação durante o procedimento administrativo.

324    Por outro lado, a Comissão também esclareceu, na audiência, que, para garantir a igualdade de tratamento e respeitar a equidade, tinha ajustado a percentagem das vendas específicas a nível global acima referida, para cada uma das partes no cartel, de modo a não favorecer de forma excessiva as empresas cujas vendas específicas têm um impacto particularmente elevado no volume de negócios a nível mundial. Este ajustamento tinha sido efetuado com base nos três critérios seguintes, referidos no quadro apresentado na audiência, quadro este que engloba também os dados relativos à recorrente.

325    O critério mais importante tinha sido o da diversificação das vendas. A recorrente tinha assim obtido a redução adicional mais elevada (39 %), principalmente porque as suas vendas eram muito diversificadas, ao passo que a Ervin, a Winoa e a MTS tinham, pelo contrário, sido objeto de uma penalização (de, respetivamente, 13 %, 8 % e 4 %) devido à concentração das suas carteiras de produtos (88 % para a Ervin, 83 % para a Winoa e 94 % para a MTS). Os outros dois critérios tinham sido a dimensão da empresa e o seu papel «limitado» ou «não limitado» na infração.

2.      Apreciações do Tribunal Geral

a)      Quanto à admissibilidade do quadro apresentado na audiência e ao pedido de confidencialidade da Comissão

326    Tendo a recorrente invocado uma exceção de inadmissibilidade contra o quadro apresentado pela Comissão na audiência, há que começar por analisar esta exceção.

327    A este propósito e em primeiro lugar, há que recordar que, nos termos do artigo 85.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, «[a] título excecional, as partes principais podem ainda apresentar ou oferecer provas antes do encerramento da fase oral […] desde que o atraso na apresentação desses elementos seja justificado».

328    Ora, no contexto específico do presente litígio, a apresentação do referido documento pela Comissão, na audiência, inscreve‑se no prolongamento das questões colocadas pelo Tribunal Geral e contém informações necessárias para lhe permitir identificar e apreciar os critérios aplicados por esta instituição no cálculo da coima aplicada à recorrente (v. n.os 366 e 376, infra), a qual, aliás, foi convidada a apresentar observações escritas sobre os dados que figuram no referido quadro. A apresentação deste documento na fase da audiência parece, portanto, justificada, na aceção do artigo 85.o, n.o 3, do Regulamento de Processo.

329    Em segundo lugar, há que rejeitar o pedido de confidencialidade, apresentado verbalmente pela Comissão na audiência, quanto a determinados dados constantes do quadro acima referido e que a Comissão justifica pelo simples facto de que, consultadas a este respeito por si própria, as empresas em causa tinham considerado que esses dados deviam conservar um caráter confidencial.

330    Com efeito, segundo jurisprudência assente, informações que eram secretas ou confidenciais, mas que datam de há cinco anos ou mais, pelo decurso do tempo, em princípio, são históricas e perderam, por esse facto, o seu caráter secreto ou confidencial, a menos que, excecionalmente, a parte que invoca esse caráter demonstre que, apesar da sua antiguidade, tais informações ainda constituem elementos essenciais da sua posição comercial ou de terceiros (Acórdão de 14 de março de 2017, Evonik Degussa/Comissão, C‑162/15 P, EU:C:2017:205, n.o 64).

331    No caso em apreço, há que concluir que os dados contidos no quadro acima já não têm caráter confidencial. Antes de mais, relativamente ao valor das vendas específicas globais de cada uma das destinatárias da decisão interlocutória em 2009, a Comissão não apresentou nenhum argumento que permita concluir que, apesar do seu caráter atualmente histórico, tais dados constituem ainda um elemento essencial da posição concorrencial das empresas abrangidas. Seguidamente, os diferentes ajustamentos feitos pela Comissão para determinar o nível das adaptações do montante de base das coimas impostas às referidas empresas não se referem de modo algum às suas políticas comerciais e não podem, em razão dessa natureza, ter um caráter confidencial. Por último, os outros dados apresentados no quadro em causa já foram declarados não confidenciais no Despacho de 4 de maio de 2018, Pometon/Comissão (T‑433/16), referido no n.o 26, supra.

332    Portanto, por um lado, a apresentação do quadro em questão, embora extemporâneo, deve ser considerado admissível e, por outro, não há qualquer razão para omitir, no presente acórdão e em relação ao público, alguns dos dados que contém.

b)      Quanto ao pedido de anulação do montante da coima por violação do dever de fundamentação

333    A recorrente sustenta, em substância, que a Comissão não fundamentou, de forma juridicamente bastante, a adaptação do montante de base da coima que fez nos termos do ponto 37 das Orientações para o Cálculo das Coimas.

1)      Observações preliminares acerca da jurisprudência relativa à fundamentação das coimas

334    Em primeiro lugar, há que salientar que as exigências de fundamentação das coimas que a Comissão deve respeitar no âmbito de um procedimento ordinário ou de um procedimento de transação relativo a um determinado cartel são também transponíveis no caso de um procedimento híbrido, mesmo quando esse procedimento é desfasado no tempo (v., por analogia, Acórdão de 13 de dezembro de 2016, Printeos e o./Comissão, T‑95/15, EU:T:2016:722, n.o 47).

335    Com efeito, ainda que o procedimento de transação e o procedimento ordinário de infração sejam dois processos distintos, tendo em conta nomeadamente o objetivo específico que visam, são regulados, um e outro, pela decisão inicial de iniciar a investigação do cartel adotada pela Comissão com base no artigo 2.o do Regulamento n.o 773/2004 (v. n.o 7, supra) e respondem também ao mesmo objetivo de interesse geral, que é o de por termo à prática anticoncorrencial em causa, em benefício dos consumidores abrangidos pelo mercado correspondente.

336    Em segundo lugar, a fundamentação de uma decisão que aplica uma coima por violação do artigo 101.o TFUE deve, nomeadamente, permitir às empresas que dela são destinatárias identificar e compreender os critérios efetivamente utilizados pela Comissão para a fixação da coima, bem como verificar se esses critérios foram aplicados de acordo com os princípios da igualdade de tratamento e da proporcionalidade.

337    Nestas circunstâncias, tratando‑se mais especificamente da adaptação excecional do montante de base da coima, há que recordar que, nos termos do ponto 37 das Orientações para o Cálculo das Coimas, «as especificidades de um dado processo ou a necessidade de atingir um nível dissuasivo num caso particular podem justificar que a Comissão se afaste [da metodologia geral para a fixação de coimas exposta nas orientações]».

338    Por conseguinte, quando a Comissão decide afastar‑se da metodologia geral exposta nas Orientações para o Cálculo das Coimas, a fundamentação relativa ao montante dessa sanção deve ser ainda mais precisa na medida em que o ponto 37 das referidas orientações se limita a uma referência vaga às «especificidades de um dado processo» deixando assim uma ampla margem de apreciação à Comissão para proceder, como no presente caso, a um ajustamento excecional dos montantes de base das coimas das empresas em causa (v. Acórdão de 13 de dezembro de 2016, Printeos e o./Comissão, T‑95/15, EU:T:2016:722, n.o 48 e jurisprudência referida).

339    É precisamente nessas circunstâncias que o dever de fundamentação de um ato juridicamente vinculativo, correspondente atualmente ao direito fundamental consagrado no artigo 41.o, n.o 2, alínea c), da Carta, reveste todo o alcance jurídico específico de um requisito legal, que visa assegurar a salvaguarda do direito de qualquer pessoa a uma boa administração por parte das instituições, órgãos ou organismos da União (v., neste sentido, Acórdão de 21 de novembro de 1991, Technische Universität München, C‑269/90, EU:C:1991:438, n.o 14).

340    Ora, para determinar o nível de adaptação excecional do montante de base da coima, a Comissão está, em princípio, obrigada a aplicar os mesmos critérios e a mesma metodologia de cálculo em relação a todas as partes no cartel e a avaliar para cada uma delas, no respeito do princípio da igualdade de tratamento, os elementos nos quais se baseia.

341    Por conseguinte, no caso de um processo híbrido como o dos autos, o dever de fundamentação que incumbe à Comissão engloba todos os elementos pertinentes exigidos para poder apreciar se a empresa que recusou transacionar se encontrava ou não numa situação comparável à dos seus concorrentes destinatários da decisão interlocutória e se um eventual tratamento igual ou desigual das referidas situações era objetivamente justificado (v., por analogia, Acórdão de 13 de dezembro de 2016, Printeos e o./Comissão, T‑95/15, EU:T:2016:722, n.o 49).

342    No presente caso, há então que verificar se a fundamentação da decisão impugnada permite compreender, de forma juridicamente bastante, a metodologia de cálculo e os critérios aplicados pela Comissão para fixar o nível de adaptação efetuado em relação à recorrente e, assim, apreciar a proporcionalidade dessa adaptação excecional e a sua conformidade com o princípio da igualdade de tratamento.

343    Ora, importa recordar a este propósito que o princípio da igualdade de tratamento ou da não discriminação exige que situações comparáveis não sejam tratadas de forma diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de forma igual, a não ser que esse tratamento seja objetivamente justificado (Acórdão de 14 de maio de 2014, Donau Chemie/Comissão, T‑406/09, EU:T:2014:254, n.o 238). Quanto ao princípio da proporcionalidade, implica que a Comissão deve fixar a coima proporcionalmente aos elementos tomados em consideração para apreciar a gravidade da infração e que deve, a este respeito, aplicar esses elementos de forma coerente e objetivamente justificada (Acórdãos de 5 de outubro de 2011, Romana Tabacchi/Comissão, T‑11/06, EU:T:2011:560, n.o 105, e de 20 de maio de 2015, Timab Industries e CFPR/Comissão, T‑456/10, EU:T:2015:296, n.o 161).

344    Daqui resulta que, quando da determinação do montante da coima, a Comissão não pode fazer discriminação entre as partes no mesmo cartel no que diz respeito aos elementos e aos métodos de cálculo que não são afetados pelas especificidades inerentes ao procedimento de transação, como a aplicação de uma redução de 10 % por transação em conformidade com o ponto 32 da Comunicação relativa à condução de procedimentos de transação (v. Acórdão de 20 de maio de 2015, Timab Industries e CFPR/Comissão, T‑456/10, EU:T:2015:296, n.o 74 e jurisprudência referida).

2)      Quanto à fundamentação da adaptação excecional do montante da coima na decisão impugnada

345    No considerando 228 da decisão impugnada, sob a epígrafe «Adaptação do montante de base ajustado», a Comissão recordou, antes de mais, que, na decisão interlocutória (considerando 104), tinha adaptado, para todas as empresas que aceitaram transigir, os respetivos montantes de base, pelas seguintes razões. Em primeiro lugar, os montantes de base ajustados tinham excedido o limite legal de 10 % do volume de negócios global fixado no artigo 23.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1/2003. Em segundo lugar, para cada uma dessas empresas, o «valor das vendas de produtos abrangidos pelo cartel» representava uma parte significativa do seu volume de negócios total. Em terceiro lugar, havia diferenças quanto à participação individual na infração de cada uma das empresas que tinham optado por transigir.

346    Em seguida, no considerando 229 da decisão impugnada, a Comissão constatou, em substância, que, nas circunstâncias específicas deste caso e tendo em conta a necessidade de assegurar o respeito do princípio da igualdade de tratamento, era adequado usar o seu poder discricionário e aplicar, relativamente a Pometon, também o ponto 37 das Orientações para o Cálculo das Coimas, pelas seguintes razões. Em primeiro lugar, o montante de base da coima, ajustado a título de circunstâncias atenuantes, tinha ultrapassado o limite legal de 10 % do volume de negócios total previsto no artigo 23.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1/2003. Em segundo lugar, havia diferenças entre a participação individual da Pometon na infração e a das outras participantes no cartel. Em terceiro lugar, a coima devia ser fixada num nível proporcional à infração cometida pela Pometon e ser suficientemente dissuasiva.

347    Resulta, assim, da decisão impugnada que a Comissão concedeu à recorrente, ao abrigo do ponto 37 das Orientações para o Cálculo das Coimas, uma redução específica, como tinha feito na decisão interlocutória em relação às outras empresas que participaram no cartel, pelo facto de, para a Pometon como para as outras participantes no cartel, o montante de base ajustado da coima ter excedido o limite máximo legal de 10 % do volume de negócios total da empresa em causa.

348    Por conseguinte, a Comissão fundamentou claramente o recurso a essa adaptação excecional pela necessidade de ter em conta, em conformidade com a jurisprudência, um grau de responsabilidade individual diferente de cada uma das partes na participação no cartel (v., neste sentido, Acórdão de 16 de junho de 2011, Putters International/Comissão, T‑211/08, EU:T:2011:289, n.o 75).

349    Em contrapartida, os fundamentos da decisão impugnada não fornecem nenhuma indicação suficientemente precisa quanto ao método de cálculo utilizado e aos elementos de apreciação tomados em consideração para diferenciar a percentagem de redução atribuída à recorrente das aplicadas às outras partes no cartel em função da respetiva responsabilidade de cada empresa. Com efeito, no considerando 229 da referida decisão, a Comissão referiu‑se essencialmente, em termos gerais, à existência de diferenças entre a participação individual da Pometon e a dos outros participantes no cartel, assim como à necessidade de fixar uma coima proporcional à infração cometida por essa empresa e que seja também suficientemente dissuasiva.

350    A única indicação concreta que decorre, a este respeito, dos considerandos 228 e 229 da decisão impugnada resulta do facto de, para as empresas objeto da decisão interlocutória, a Comissão mencionar, entre as razões que justificam essa adaptação excecional, o facto de que o valor das vendas específicas representava uma parte significativa do volume de negócios total de cada uma delas. Pelo contrário, esse fator não é de forma alguma mencionado entre as razões que justificam a redução concedida à recorrente.

351    Ora, a mera falta de menção desse fator, no que diz respeito à recorrente, não permite compreender a diferença entre a percentagem de redução que lhe foi concedida e aquela de que beneficiaram os outros participantes no cartel.

352    Com efeito, nem o conteúdo da decisão impugnada nem o da decisão interlocutória referem que a Comissão se tenha principalmente baseado, como esclareceu na audiência, sobre a relação entre o valor das vendas específicas de cada uma das empresas em causa abrangidas a nível mundial e o seu volume de negócios total durante o último ano completo da sua participação na infração.

353    A este propósito, a redação do considerando 228 da decisão impugnada, que enuncia que o «valor das vendas dos produtos abrangidos pelo acordo representava uma parte significativa do volume de negócios total [dos destinatários da decisão interlocutória]» (v. n.º 345, supra), é, pelo menos, uma formulação ambígua.

354    Na falta de uma qualquer explicação, esta redação parece referir‑se, no âmbito da decisão impugnada e da decisão interlocutória, ao valor das vendas específicas de cada uma das empresas destinatárias da decisão interlocutória à escala do EEE, que corresponde ao âmbito de aplicação geográfico do cartel. Com efeito, estas decisões não têm em conta, em nenhum momento o valor das vendas específicas das empresas abrangidas a nível mundial, o qual, aliás, não reflete a sua participação individual no cartel, tal como referida no considerando 229 da decisão impugnada (v. n.o 346, supra).

355    Ora, a circunstância, invocada pela Comissão na audiência, de que, para estabelecer um rácio em relação ao volume de negócios total das empresas abrangidas, também tomou em consideração, por uma preocupação de coerência, as suas vendas específicas globais, em vez de no EEE, não resulta de modo algum da decisão impugnada. A este propósito, no contexto descrito nos n.os 353 e 354, supra, a referência feita no considerando 228 da mencionada decisão (v. n.o 345, supra) ao volume de negócios total realizado pelas empresas destinatárias da decisão interlocutória não basta para compreender que esta instituição se baseou na percentagem das vendas específicas globais de cada uma destas empresas.

356    Acresce que, na tréplica, a própria Comissão admitiu que, em relação à recorrente, a percentagem adequada a seu respeito era de 23,7 %, e não de 21 %, o que correspondia efetivamente à relação entre as vendas específicas da Pometon no EEE (considerando 210 da decisão impugnada) e o seu volume de negócios total em 2006. Foi apenas na audiência que esclareceu que na realidade se tinha baseado na relação entre o valor das vendas específicas a nível mundial de cada uma das empresas em causa, durante o último ano da sua participação no cartel, e o seu volume de negócios total (v. n.os 321 e 322, supra).

357    Por outro lado, a recorrente salienta, igualmente com razão, que a fundamentação da decisão impugnada também não permite identificar o método de cálculo utilizado pela Comissão para fixar o nível das adaptações e apreciar, assim, tendo em conta este método, se a redução que lhe foi concedida estava em conformidade com os princípios da proporcionalidade e da igualdade de tratamento.

358    Com efeito, não há nada na referida decisão que permita compreender que, apesar da falta de referência a esse fator, o rácio entre as vendas específicas globais e o volume de negócios total da empresa em causa foi tomado em consideração, como precisou a Comissão na audiência (v. n.o 375, infra), no cálculo do nível de adaptação concedido à recorrente, para assegurar a proporcionalidade da coima. Em especial, não resulta nem desta decisão nem, aliás, da decisão interlocutória que, em relação a todas as empresas que participaram na infração, a Comissão se baseou nesse ratio e ajustou‑o, acompanhando‑o, conforme o caso, de uma redução adicional ou de uma penalização, como explicou no Tribunal Geral.

359    Por último, não resulta de forma alguma da decisão impugnada que, para não favorecer de forma excessiva as empresas cujas atividades eram concentradas, a Comissão ajustou o rácio acima referido à sua «pequena dimensão» e ao seu «papel limitado» na segunda vertente do cartel, com base em três critérios mencionados no quadro que apresentou na audiência, relativos à diversificação das vendas da recorrente.

360    Com efeito, apenas este último critério, relativo à responsabilidade individual da recorrente na infração, face à das outras partes no cartel, é mencionado no considerando 228 da decisão impugnada. Em contrapartida, nenhum dos outros elementos de apreciação tomados em consideração pela Comissão para determinar o montante da adaptação excecional efetuada em relação à recorrente a fim de assegurar a proporcionalidade da coima que lhe foi aplicada, relativamente às aplicadas às outras empresas, resulta da fundamentação da referida decisão.

361    Por conseguinte, resulta do que precede que os considerandos 228 e 229 da decisão impugnada não permitem apreciar, com base na fundamentação que contêm, se a recorrente se encontrava, tendo em conta a metodologia de cálculo e os critérios que a Comissão aplicou, numa situação comparável ou distinta da das outras empresas abrangidas, e se esta instituição lhe reservou um tratamento igual ou diferente.

362    Ora, uma vez que a fundamentação deve, em princípio, ser comunicada ao interessado, ao mesmo tempo que a decisão de acusação, a insuficiência de fundamentação da decisão impugnada não pode ser regularizada pelas explicações relativas ao método de cálculo empregue e aos critérios aplicados neste caso pela Comissão, dadas por esta última durante a tramitação dos autos no Tribunal Geral (v., neste sentido, Acórdão de 13 de dezembro de 2016, Printeos e o./Comissão, T‑95/15, EU:T:2016:722, n.o 46 e jurisprudência referida).

363    Por conseguinte, face ao exposto, há que concluir que a decisão impugnada está ferida de uma violação do dever de fundamentação no que respeita à percentagem de redução excecional concedida à recorrente nos termos do ponto 37 das orientações.

364    Consequentemente, há, pois, que julgar procedente o terceiro pedido na medida em que se destina à anulação do montante da multa e, em consequência, anular o artigo 2.o da decisão impugnada.

c)      Quanto ao pedido de reforma do montante da coima

365    Importa salientar que, não obstante a anulação do artigo 2.o da decisão impugnada por falta de fundamentação, o Tribunal Geral não está privado, por essa razão, do seu poder de exercer a sua competência de plena jurisdição, uma vez que a recorrente pediu também a reforma do montante da coima.

366    Com efeito, na sequência das explicações dadas pela Comissão nos seus articulados e, em especial, tendo em atenção as informações que decorrem do quadro relativo às respetivas adaptações dos montantes de base das coimas efetuadas pela Comissão, nos termos do ponto 37 das Orientações para o Cálculo das Coimas, relativamente à recorrente e às outras quatro empresas destinatárias da decisão interlocutória, o Tribunal Geral está em condições de conhecer o método de cálculo e os critérios aplicados por essa instituição, tanto na decisão impugnada como na decisão interlocutória, e apreciar, por conseguinte, no exercício da sua competência de plena jurisdição, o seu caráter adequado (v. n.os 376 e 377, infra).

367    A este propósito, há que recordar que, quando exerce a sua competência de plena jurisdição, o juiz da União está habilitado, para além da simples fiscalização da legalidade da sanção, a substituir a apreciação da Comissão, autora do ato em que esse montante foi inicialmente fixado, pela sua própria apreciação para a determinação do montante dessa sanção, com exclusão de quaisquer modificações dos elementos constitutivos da infração legalmente declarada pela Comissão na decisão de que o Tribunal Geral é chamado a conhecer (v., neste sentido, Acórdão de 21 de janeiro de 2016, Galp Energía España e o./Comissão, C‑603/13 P, EU:C:2016:38, n.os 75 a 77).

368    Consequentemente, o juiz da União pode reformar o ato impugnado, aliás mesmo sem o anular, a fim de suprimir, reduzir ou aumentar a coima aplicada, uma vez que o exercício dessa competência implica a transferência definitiva para este último do poder de aplicar sanções (v., neste sentido, Acórdãos de 15 de outubro de 2002, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, C‑238/99 P, C‑244/99 P, C‑245/99 P, C‑247/99 P, C‑250/99 P a C‑252/99 P e C‑254/99 P, EU:C:2002:582, n.os 692 e 693; de 26 de setembro de 2013, Alliance One International/Comissão, C‑679/11 P, não publicado, EU:C:2013:606, n.o 104; e de 22 de outubro de 2015, AC‑Treuhand/Comissão, C‑194/14 P, EU:C:2015:717, n.o 74).

369    Por conseguinte, no caso em apreço, no exercício da sua competência de plena jurisdição, compete ao Tribunal Geral — à luz das conclusões da Comissão relativas à participação da recorrente na infração única e continuada em causa, conforme confirmadas no âmbito da análise dos quatro primeiros fundamentos invocados em apoio do presente recurso — determinar o valor adequado da adaptação excecional do montante de base da coima, tendo em conta todas as circunstâncias do caso concreto (v., neste sentido, Acórdãos de 26 de setembro de 2013, Alliance One International/Comissão, C‑679/11 P, não publicado, EU:C:2013:606, n.o 104, e de 16 de junho de 2011, Putters International/Comissão, T‑211/08, EU:T:2011:289, n.o 75).

370    Este exercício pressupõe, por força do artigo 23.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1/2003, que seja tomada em consideração a gravidade e a duração da infração em causa cometida pela recorrente, respeitando os princípios, designadamente, da proporcionalidade, da individualização das sanções e da igualdade de tratamento, uma vez que, em contrapartida, o Tribunal Geral não está vinculado pelas regras indicativas definidas pela Comissão nas suas Orientações para o Cálculo das Coimas (v., neste sentido, Acórdão de 21 de janeiro de 2016, Galp Energía España e o./Comissão, C‑603/13 P, EU:C:2016:38, n.o 90 e jurisprudência referida), das quais esta instituição já se tinha, aliás, afastado na decisão impugnada por força do ponto 37 dessas orientações (v. n.o 348, supra), nem pelo método de cálculo aplicado por esta instituição na decisão interlocutória.

371    Daqui resulta que, no limite máximo de 10 % do volume de negócios total da empresa em causa no decurso do exercício social anterior, o poder de apreciação do Tribunal Geral é limitado unicamente pelos critérios relativos à gravidade e à duração da infração, enunciados no artigo 23.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1/2003, que confere uma ampla margem de apreciação à autoridade competente, sujeita, evidentemente, ao cumprimento dos princípios recordados no n.o 370, supra.

372    Nestas circunstâncias, no âmbito do seu dever de fundamentação, compete ao Tribunal Geral expor de forma detalhada os factos que toma em conta para fixar o montante da coima (v., neste sentido, Acórdão de 14 de setembro de 2016, Trafilerie Meridionali/Comissão, C‑519/15 P, EU:C:2016:682, n.o 52).

373    Por conseguinte, no que se refere ao critério relativo à duração da participação da recorrente na infração única e continuada em causa, há que salientar que esta condição já foi devidamente tomada em consideração, nos termos do ponto 24 das Orientações para o Cálculo das Coimas, aquando da fixação, pela Comissão, do montante de base da coima, não contestado pela recorrente, uma vez que cada ano suplementar de participação na infração, para cada uma das partes no cartel, se traduziu assim num aumento de 100 % do montante de base.

374    Em seguida, no que se refere à aplicação do critério legal da gravidade da infração (v. n.o 371, supra), resulta de jurisprudência constante que a fixação de uma coima pelo Tribunal não é um exercício aritmético preciso (Acórdãos de 5 de outubro de 2011, Romana Tabacchi/Comissão, T‑11/06, EU:T:2011:560, n.o 266, e de 15 de julho de 2015, SLM e Ori Martin/Comissão, T‑389/10 e T‑419/10, EU:T:2015:513, n.o 436).

375    No entanto, incumbe ao Tribunal Geral determinar um nível de adaptação do montante de base da coima que seja proporcionada, à luz dos critérios que considera adequados, à gravidade da infração cometida pela recorrente, e que seja também suficientemente dissuasivo.

376    Ora, no caso em apreço, o Tribunal Geral considera apropriado tomar em consideração, no exercício da sua competência de plena jurisdição, antes de mais a responsabilidade individual da Pometon na participação no cartel em causa, em seguida, a capacidade desta empresa de prejudicar, pelo seu comportamento ilícito, a concorrência no mercado dos abrasivos e, por último, a sua dimensão, comparando, para cada um destes diferentes fatores, a responsabilidade e a situação individual da recorrente com a das outras partes no cartel.

377    Com efeito, nas circunstâncias do caso em apreço, os fatores acima referidos ‑ mesmo reproduzindo aliás parcialmente os tomados em consideração pela Comissão (v. n.o 325, supra) — permitem determinar melhor a gravidade da infração imputável a cada uma das partes no cartel do que o fator adotado em última análise pela Comissão, a saber, a relação entre o valor das vendas específicas da empresa em causa a nível mundial e o seu volume de negócios total durante o ano de referência, ainda que esta relação tenha sido ajustada pela Comissão para não «favorecer de forma excessiva» as empresas cuja concentração das vendas a nível mundial era especialmente elevada (v. n.os 322 e 323, supra).

378    Assim, em primeiro lugar, no que se refere ao fator relativo à responsabilidade individual da Pometon na participação no cartel em causa, é pacífico que a recorrente desempenhou um papel importante na primeira vertente do cartel, em especial na conceção e na implementação da sobretaxa sobre a sucata, que era de aplicação automática, o que o Tribunal Geral declarou, nos n.os 129, 130 e 160, supra.

379    No entanto, a participação da Pometon na segunda vertente do cartel foi esporádica, como aliás a Comissão também reconheceu e como foi salientado no n.o 175, supra.

380    O comportamento ilícito da recorrente, pelo caráter ocasional dessa participação, distingue‑se assim do da Ervin e da Winoa, às quais Comissão tinha imputado, no considerando 36 da decisão interlocutória, contactos anticoncorrenciais «mais frequentes que os que implicam as outras três partes» no cartel, no que respeitava precisamente à coordenação relativa a clientes individuais. Além disso, as apreciações emitidas nesse mesmo considerando relativamente a outros destinatários da referida decisão permitem também constatar que a participação da recorrente na coordenação relativa a clientes individuais era comparável à da MTS, à qual a Comissão só imputa também contactos ocasionais, mas que no entanto era superior à da Würth, uma vez que a Comissão dispunha de bem menos elementos de prova da sua participação em contactos anticoncorrenciais.

381    Por outro lado, é pacífico entre as partes que, contrariamente às outras quatro participantes no cartel, a recorrente não foi de forma alguma implicada no acordo relativo ao aumento do custo da energia, o qual, em contrapartida, foi tomado em consideração pela Comissão para efeitos da determinação do montante das coimas aplicadas aos destinatários da decisão interlocutória, conforme resulta dos considerandos 51 e 52 da referida decisão.

382    Tendo em conta todos estes elementos, há que, no caso vertente, ter em conta o facto de a recorrente, ao contrário da Ervin e da Winoa, mas à semelhança da MTS e da Würth, ter desempenhado globalmente um papel mais limitado no cartel, como, aliás, a Comissão salientou no quadro que apresentou na audiência.

383    Em segundo lugar, no que se refere ao fator relativo ao impacto concreto do comportamento ilícito da Pometon na concorrência pelos preços e, correlativamente, ao lucro realizado por esta empresa graças à restrição da concorrência resultante da sua infração, importa ter em conta o valor das suas vendas específicas no EEE, que se elevava a 23 686 000 euros, em comparação com os da Ervin (13 974 000 euros), da Winoa (101 470 000 euros), da MTS (20 978 000 euros) e da Würth (3 603 000 euros), durante o último ano completo da participação de cada uma destas empresas na infração.

384    Com efeito, uma vez que a infração única e continuada em causa abrange todo o EEE (v. n.os 265 e 266, supra), o valor das vendas específicas da empresa em causa nesse território permite só tomar em consideração as vendas realizadas por esta empresa no mercado relevante afetado pela infração, refletindo assim de maneira mais adequada o peso económico desta empresa na infração e o prejuízo que causou à concorrência que o valor das suas vendas específicas a nível mundial, as quais incluem também as vendas sem relação direta com a infração.

385    Por conseguinte, na medida em que a percentagem das vendas específicas globais da Pometon em 2009, tomadas em consideração pela Comissão, não constitui um elemento relevante para efeitos da aplicação dos critérios adotados pelo Tribunal Geral (v. n.o 376, supra), não há que verificar a exatidão ‑ contestada pela recorrente ‑ da percentagem de 21 % mencionada a este respeito no quadro apresentado pela Comissão e no qual esta instituição se fundamentou na decisão impugnada (v. n.os 319 e 323, supra).

386    No caso em apreço, a comparação do valor das vendas específicas no EEE de cada uma das cinco empresas participantes no cartel, referida no n.o 383, supra, mostra que, se se tomasse por base este critério, o peso da Pometon na infração aparecia quatro vezes menos importante que o da Winoa, mas relativamente próximo do da MTS e muito superior aos da Ervin e da Würth.

387    No entanto, a tomada em consideração desse fator, plenamente justificado no que se refere à primeira vertente do cartel, no qual a recorrente desempenhou um papel importante, deve ser ajustado para ter em conta o facto de esta última só ter aplicado a segunda vertente de forma esporádica e, por conseguinte, ter desempenhado um papel mais limitado no cartel que a Ervin, ou a Winoa, como já foi salientado no n.o 382, supra.

388    Em terceiro lugar, numa preocupação de equidade, e de forma a garantir, no entanto, o efeito dissuasivo que a coima deve assegurar, há que ter também em conta a dimensão respetiva das empresas em causa, refletida pelos seus volumes de negócios totais, que constituem, em conformidade com a jurisprudência, uma indicação, ainda que aproximada e imperfeita, da dimensão e do poder económico relativo de cada uma delas (v., neste sentido, Acórdão de 7 de setembro de 2016, Pilkington Group e o./Comissão, C‑101/15 P, EU:C:2016:631, n.o 17).

389    Ora, uma vez que a recorrente deixou o mercado dos abrasivos em maio de 2007, ao vender a sua atividade neste setor à Winoa, há que comparar o volume de negócios total da recorrente em 2006 com os das outras partes no cartel em 2009, na medida em que o volume de negócios total de cada uma dessas cinco empresas, durante o último ano completo da sua participação na infração, reflete adequadamente a sua situação económica durante o período em que a infração foi cometida.

390    No caso em apreço, resulta dos dados apresentados pela Comissão na sequência de uma medida de investigação (v. n.o 25, supra), bem como do quadro apresentado por esta instituição na audiência, que o volume de negócios da Pometon em 2006 (99 890 000 euros) não atingia um terço do da Winoa (311 138 000 euros), mas era muito superior aos da Ervin (70 590 766 euros), da MTS (25 082 293 euros) e da Würth (11 760 787 euros) em 2009.

391    Em quarto lugar, a ponderação, à luz destes diferentes fatores, da situação da recorrente com a das destinatárias da decisão interlocutória mostra, antes de mais, que, enquanto a Ervin e a Winoa, cujo papel no cartel era importante, obtiveram uma redução excecional de 75 %, a MTS e a Würth que, à semelhança da recorrente, tinham desempenhado um papel limitado no cartel, obtiveram pelo seu lado, respetivamente, uma redução de 90 % e de 67 %, podendo a importância da redução concedida à MTS em particular, ser explicada pela concentração da sua atividade, tal como foi tomada em consideração pela Comissão (v. n.os 322 e 377, supra). Aliás, resulta do quadro apresentado pela Comissão que as três empresas cujas vendas eram muito pouco diversificadas, a saber, a MTS, a Ervin e a Winoa, obtiveram, consequentemente, reduções claramente mais importantes que a Pometon e Würth cuja atividade era diversificada.

392    Ora, na medida em que as diferentes percentagens de adaptação acima referidas, fixadas pela Comissão em relação às empresas destinatárias da decisão interlocutória, resultam da tomada em consideração preponderante, no método de cálculo da Comissão, da percentagem das vendas específicas a nível mundial da empresa em causa, o nível dessas adaptações é irrelevante no caso em apreço e não pode servir de elemento de referência para efeitos da fixação, pelo Tribunal Geral, do montante da adaptação em relação à recorrente com base em critérios que adotou (v. n.os 376 e 377, supra).

393    Por conseguinte, à luz dos factos expostos nos n.os 378 a 392, supra, proceder‑se‑á a uma justa apreciação de todas as circunstâncias do caso em apreço acima referidas concedendo‑se à Pometon uma percentagem de redução excecional de 75 % sobre o montante de base da coima ajustado a título de circunstâncias atenuantes (v. n.o 19, supra), conforme foi fixado na decisão impugnada.

394    Por todos estes motivos, o montante da coima aplicada à recorrente é fixado em 3 873 375 euros.

395    Por último, há que julgar improcedente o quarto pedido do recurso, na medida em que o Tribunal Geral não tem competência para dirigir injunções à Comissão.

396    Resulta de tudo o que precede que há que, em primeiro lugar, anular o artigo 2.o da decisão impugnada, em segundo lugar, fixar o montante da coima aplicada à recorrente em 3 873 375 euros e, em terceiro lugar, negar provimento ao recurso quanto ao restante.

IV.    Quanto às despesas

397    Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Ao abrigo do n.o 3, deste artigo, se as partes obtiverem vencimento parcial, cada uma das partes suporta as suas próprias despesas.

398    No caso em apreço, tendo cada parte obtido apenas vencimento parcial, há que condená‑las a suportar as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção alargada)

decide:

1)      O artigo 2.o da Decisão C(2016) 3121 final da Comissão, de 25 de maio de 2016, relativa a um procedimento nos termos do artigo 101.o TFUE e do artigo 53.o do Acordo EEE (Processo AT.39792 — Abrasivos de aço), é anulado.

2)      O montante da coima aplicada à Pometon SpA é fixado em 3 873 375 euros.

3)      É negado provimento ao recurso quanto ao restante.

4)      Cada parte suportará as suas próprias despesas.

Frimodt Nielsen

Kreuschitz

Forrester

Półtorak

 

      Perillo

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 28 de março de 2019.

Assinaturas

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*      Língua do processo: italiano.