Language of document : ECLI:EU:T:2015:492

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção)

15 de julho de 2015 (*)

«Marca comunitária — Processo de declaração de nulidade — Registo internacional que designa a Comunidade Europeia — Marca figurativa HOT — Motivos absolutos de recusa — Inexistência de caráter descritivo — Caráter distintivo — Artigo 7.°, n.° 1, alíneas b) e c), do Regulamento (CE) n.° 207/2009 — Artigo 75.°, segunda frase, do Regulamento (CE) n.° 207/2009 — Recurso subordinado na Câmara de Recurso — Artigo 8.°, n.° 3, do Regulamento (CE) n.° 216/96 — Recurso subordinado no Tribunal Geral — Artigo 134.°, n.° 3, do Regulamento de Processo de 2 de maio de 1991»

No processo T‑611/13,

Australian Gold LLC, com sede em Indianapolis, Indiana (Estados Unidos), representada por A. von Mühlendahl e H. Hartwig, advogados,

recorrente,

contra

Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), representado por A. Poch e S. Hanne, na qualidade de agentes,

recorrido,

sendo a outra parte no processo na Câmara de Recurso do IHMI, interveniente no Tribunal Geral,

Effect Management & Holding GmbH, com sede em Vöcklabruck (Áustria), representada por H. Pernez, advogado,

que tem por objeto um recurso da decisão da Quarta Câmara de Recurso do IHMI de 10 de setembro de 2013 (processo R 1881/2012‑4), relativa a um processo de declaração de nulidade entre a Australian Gold LLC e a Effect Management & Holding GmbH,

O TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção),

composto por: M. E. Martins Ribeiro, presidente, S. Gervasoni (relator) e L. Madise, juízes,

secretário: J. Weychert, administrador,

vista a petição entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 21 de novembro de 2013,

vista a resposta do IHMI, apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 15 de julho de 2014,

vistas as observações da interveniente, apresentadas na Secretaria do Tribunal Geral em 21 de julho de 2014,

após a audiência de 27 de fevereiro de 2015,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        A interveniente, Effect Management & Holding GmbH, é titular do registo internacional que designa a Comunidade Europeia, obtido através da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) em 13 de agosto de 2009, para o sinal figurativo seguinte:

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2        O Instituto de Harmonização do Mercado Interior (marcas, desenhos e modelos) (IHMI) foi notificado deste registo em 12 de novembro de 2009 e admitiu a sua proteção no território da União, por decisão de 26 de novembro de 2010, para os produtos que integram as classes 3 e 5 do Acordo de Nice, relativo à Classificação Internacional de Produtos e Serviços para efeitos do Registo de Marcas, de 15 de junho de 1957, conforme revisto e alterado, que correspondem à seguinte descrição:

–        classe 3: «Preparações para branquear e outras substâncias para a lavagem; preparações para limpar, polir, desengordurar e raspar; sabões; perfumaria, óleos essenciais, cosméticos, designadamente champôs, géis para o duche, loções para o corpo, óleos de massagem, géis, cremes para o rosto»;

–        classe 5: «Produtos higiénicos para a medicina; suplementos alimentares (de uso médico); lubrificantes para uso farmacêutico».

3        Em 6 de abril de 2011, a recorrente, Australian Gold LLC, pediu a declaração de nulidade da marca controvertida com fundamento no artigo 52.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento (CE) n.° 207/2009 do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, sobre a marca comunitária (JO L 78, p. 1).

4        Por decisão de 10 de agosto de 2012, a Divisão de anulação do IHMI deferiu parcialmente este pedido e declarou a nulidade da marca controvertida para as «preparações para branquear e outras substâncias para a lavagem; sabões; perfumaria, óleos essenciais, cosméticos, designadamente champôs, géis para o duche, loções para o corpo, óleos de massagem, géis, cremes para o rosto», que integram a classe 3, bem como os «suplementos alimentares (de uso médico); lubrificantes para uso farmacêutico», que integram a classe 5.

5        Em 10 de outubro de 2012, a interveniente interpôs recurso no IHMI da decisão da Divisão de Anulação, na parte em que deferiu o pedido de declaração de nulidade. Na sua resposta, apresentada em 20 de fevereiro de 2013, a recorrente interpôs recurso subordinado da decisão da Divisão de Anulação, na parte em que lhe foi desfavorável.

6        Por decisão de 10 de setembro de 2013 (a seguir, «decisão impugnada»), a Quarta Câmara de Recurso do IHMI anulou parcialmente a decisão da Divisão de Anulação, na parte em que esta declarou a nulidade da marca controvertida para as «preparações para branquear e outras substâncias para a lavagem; sabões; perfumaria, óleos essenciais, cosméticos, designadamente champôs, géis para o duche, loções para o corpo, óleos de massagem, géis, cremes para o rosto», bem como os «suplementos alimentares (de uso médico)». Com efeito, a Câmara de Recurso considerou que o elemento verbal «hot» da referida marca não era descritivo e era distintivo para os produtos em causa (n.os 13 a 42 da decisão impugnada). Após confirmar as apreciações da Divisão de Anulação, relativas aos «óleos de massagem, géis» e aos «lubrificantes para uso farmacêutico», reformou, além disso, essa decisão ao declarar a nulidade da marca apenas para os produtos «óleos de massagem, géis», que integram a classe 3, e «lubrificantes para uso farmacêutico», que integram a classe 5 (n n.° 47 da decisão impugnada). Por outro lado, considerou que as observações apresentadas pela recorrente na resposta ao recurso da interveniente, que contém o recurso subordinado visado, foram extemporâneas e não as examinou (n.os 44 a 46 da decisão impugnada).

 Pedidos das partes

7        A recorrente conclui, no essencial, pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada, na parte em que anulou a decisão da Divisão de Anulação e não examinou o mérito do seu recurso subordinado;

–        negar provimento ao recurso apresentado pela interveniente da decisão da Divisão de Anulação;

–        condenar o IHMI e a interveniente nas despesas, incluindo as despesas efetuadas na Câmara de Recurso.

8        O IHMI conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

9        A interveniente conclui, no essencial, pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        confirmar a decisão impugnada, na parte em que anulou a decisão da Divisão de Anulação;

–        alterar a decisão impugnada, na parte em que declarou a nulidade da marca controvertida para os «óleos de massagem, géis» e os «lubrificantes para uso farmacêutico»;

–        confirmar a decisão da Divisão de Anulação, na parte em que negou provimento ao pedido de declaração de nulidade para as «preparações para limpar, polir, desengordurar e raspar» e os «produtos higiénicos para a medicina»;

–        condenar a recorrente nas despesas.

10      Como confirmou a interveniente na audiência em resposta a uma questão colocada pelo Tribunal, que ficou registada na respetiva ata, os primeiro e terceiro pedidos consistem na negação de provimento ao recurso interposto pela recorrente.

 Questão de direito

11      A recorrente apresenta, no essencial, três fundamentos de recurso: o primeiro, relativo ao direito de audiência, em conformidade com o artigo 75.°, segunda frase, do Regulamento n.° 207/2009; o segundo, relativo à violação do artigo 8.°, n.° 3, do Regulamento (CE) n.° 216/96 da Comissão, de 5 de fevereiro de 1996, que estabelece o Regulamento Processual das Câmaras de Recurso do IHMI (JO L 28, p. 11), conforme alterado; o terceiro, relativo à violação do artigo 7.°, n.° 1, alíneas b) e c), do Regulamento n.° 207/2009.

12      Por sua vez, ao pedir ao Tribunal Geral a alteração da decisão impugnada, a interveniente utilizou a possibilidade que lhe é concedida pelo artigo 134.°, n.° 3, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral de 2 de maio de 1991 de formular, na sua resposta, pedidos de anulação ou de alteração da decisão da Câmara de Recurso sobre uma questão não suscitada na petição inicial. A recorrente e o IHMI não fizeram uso da possibilidade que lhes é dada pelo artigo 135.°, n.° 3, do Regulamento de Processo de 2 de maio de 1991 de apresentar um articulado, cujo objeto se limite a responder aos pedidos apresentados pela primeira vez na resposta da interveniente, e tomaram posição sobre o pedido da interveniente na audiência, em conformidade com o princípio do contraditório. No respeito deste princípio, a interveniente teve igualmente a ocasião de apresentar na audiência os seus argumentos em resposta às alegações da recorrente e do IHMI.

13      Para sustentar o pedido apresentado ao abrigo do artigo 134.°, n.° 3, do Regulamento de Processo no Tribunal Geral de 2 de maio de 1991, a interveniente invoca um único fundamento, relativo à violação do artigo 7.°, n.° 1, alíneas b) e c), do Regulamento n.° 207/2009. Os argumentos avançados para apoiar este fundamento serão examinados conjuntamente com os apresentados pela recorrente em apoio do seu terceiro fundamento.

 Quanto ao fundamento relativo à violação do artigo 75.°, segunda frase, do Regulamento n.° 207/2009, invocado pela recorrente

14      A recorrente alega que a Câmara de Recurso não admitiu erradamente, por extemporâneas, as observações que apresentou em resposta ao recurso interposto pela interveniente perante a mesma Câmara de Recurso. Ora, na medida em que as suas observações continham argumentos que visavam contestar o recurso interposto na Câmara de Recurso, bem como uma decisão da Bundespatentgericht (Tribunal Federal das Patentes, Alemanha) que apoiava estes argumentos, a Câmara de Recurso violou o artigo 75.°, segunda frase, do Regulamento n.° 207/2009, ao decidir sobre o recurso sem ter em consideração estes argumentos e este elemento de prova.

15      Há que considerar, como aliás reconhece o IHMI na sua resposta, que a Câmara de Recurso entendeu erradamente que as observações da recorrente foram apresentadas extemporaneamente.

16      Com efeito, a recorrente recebeu, em 20 de dezembro de 2012, uma carta do IHMI a comunicar‑lhe a interposição do recurso pela interveniente na Câmara de Recurso. Nesta carta, o IHMI informou‑a de que dispunha do prazo de dois meses para apresentar as suas observações relativas ao recurso. Assim, de acordo com as disposições combinadas da regra 65, n.° 1, e da regra 70, n.os 2 e 4, do Regulamento (CE) n.° 2868/95 da Comissão, de 13 de dezembro de 1995, relativo à execução do Regulamento (CE) n.° 40/94 do Conselho, sobre a marca comunitária (JO L 303, p. 1), conforme alterado, esse prazo de dois meses expirava a 20 de fevereiro de 2013, e não a 19 de fevereiro de 2013, como entendeu a Câmara de Recurso na decisão impugnada (n.° 45). Tendo as observações da recorrente sido apresentadas em 20 de fevereiro de 2013, a Câmara de Recurso não as poderia ter rejeitado por extemporaneidade. Consequentemente, decidiu o recurso interposto pela interveniente sem ter em conta as observações da recorrente, em violação do artigo 75.°, segunda frase, do Regulamento n.° 207/2009.

17      Todavia, o IHMI entende que esta irregularidade não teve consequências no presente caso pois a Câmara de Recurso não teria dado provimento à argumentação da recorrente se tivesse feito uma apreciação de mérito.

18      Efetivamente, decorre da jurisprudência relativa ao artigo 75.°, segunda frase, do Regulamento n.° 207/2009, que o desrespeito desta regra destinada a proteger os direitos de defesa, que dispõe que as decisões do IHMI «só se podem basear em motivos a respeito dos quais as partes tenham podido pronunciar‑se», só pode viciar o procedimento administrativo se se demonstrar que este teria podido conduzir a um resultado diferente se esse desrespeito não se tivesse verificado [v. acórdão de 12 de maio de 2009, Jurado Hermanos/IHMI (JURADO), T‑410/07, Colet, EU:T:2009:153, n.° 32 e jurisprudência aí referida].

19      No presente caso, não está assente que a Câmara de Recurso tivesse podido adotar uma solução diferente se tivesse tido em conta os argumentos e o elemento de prova contidos nas observações da recorrente em resposta ao recurso interposto contra si.

20      Com efeito, por um lado, nas suas observações, a recorrente limitou‑se a remeter para os argumentos que apresentou à Divisão de Anulação e a retomar certas passagens da decisão da referida Divisão. Assim, na medida em que a Câmara de Recurso é obrigada a fundamentar a sua decisão em todos os elementos de facto e de direito que as partes apresentaram no processo perante a unidade que decidiu em primeira instância [v., neste sentido, acórdão de 10 de julho de 2006, La Baronia de Turis/IHMI — Barão Philippe de Rothschild (LA BARONNIE), T‑323/03, Colet, EU:T:2006:197, n.os 56 a 58 e jurisprudência aí referida], não deve ser considerado que a Câmara de Recurso não tomou em consideração um argumento apresentado pela recorrente nas suas observações que poderia ter conduzido a adotar uma solução diferente.

21      Por outro lado, como decorre de jurisprudência constante, o IHMI não é obrigado a seguir, mesmo se as pode ter em consideração, as decisões tomadas ao nível dos Estados‑Membros [v. acórdão de 21 de março de 2013, Event/IHMI — CBT Comunicación Multimedia (eventer EVENT MANAGEMENT SYSTEMS), T‑353/11, EU:T:2013:147, n.° 58 e jurisprudência referida]. Por conseguinte, a Câmara de Recurso podia considerar sem cometer qualquer erro, no ponto 42 da decisão impugnada, que não era obrigada a ter em conta as decisões das administrações e dos órgãos jurisdicionais nacionais (ver n.os 60 a 65 a seguir). Deste modo, não se deve considerar que o reconhecimento feito pela Câmara de Recurso sobre a admissibilidade da decisão da Bundespatentgericht, anexa às observações da recorrente, bem como dos extratos dessas decisões retomados nas referidas observações a poderia ter levado a adotar, no presente caso, uma solução diferente [ver, neste sentido, acórdão de 27 de setembro de 2012, Tuzzi fashion/IHMI — El Corte Inglés (Emidio Tucci), T‑535/08, EU:T:2012:495, n.° 91].

22      Improcede, portanto, o fundamento relativo à violação do artigo 75.°, segunda frase, do Regulamento n.° 207/2009.

 Quanto ao fundamento relativo à violação do artigo 8.°, n.° 3, do Regulamento n.° 216/96, invocado pela recorrente

23      A recorrente sustenta que a errada rejeição, por extemporaneidade, das observações que apresentou em resposta ao recurso interposto pela interveniente na Câmara de Recurso viola igualmente o artigo 8.°, n.° 3, do Regulamento n.° 216/96, uma vez que estas observações incluíam um recurso subordinado que visava a anulação parcial da decisão da Divisão de Anulação, o qual não foi examinado pela Câmara de Recurso.

24      Importa relembrar, a este respeito, que a Câmara de Recurso rejeitou erradamente as observações da recorrente por extemporaneidade (ver n.os 15 e 16 supra).

25      Acresce que, nos termos do artigo 8.°, n.° 3, do Regulamento n.° 216/96, «[n]os processos inter partes, o demandado pode, nas suas observações, enunciar conclusões destinadas a anular ou a reformular a decisão impugnada relativamente a um aspeto não contemplado no recurso».

26      Por conseguinte, a Câmara de Recurso violou o artigo 8.°, n.° 3, do Regulamento n.° 216/96 ao omitir a análise do pedido de anulação parcial da decisão da Divisão de Anulação incluída nas observações da recorrente. O fundamento baseado na violação desta disposição deve, consequentemente, ser acolhido.

 Quanto aos fundamentos relativos à violação do artigo 7.°, n.° 1, alíneas b) e c), do Regulamento n.° 207/2009, invocados pela recorrente e pela interveniente

27      Na decisão impugnada, a Ccâmara de Recurso analisou os diferentes significados da palavra «hot» em relação com as «preparações para branquear e outras substâncias para a lavagem; sabões; perfumaria, óleos essenciais, cosméticos, designadamente champôs, géis para o duche, loções para o corpo, óleos de massagem, géis, cremes para o rosto» e os suplementos alimentares (de uso médico)» em que, designadamente, a temperatura elevada, o gosto apimentado ou o caráter excitante, e deduziu que a marca controvertida era desprovida de caráter descritivo relativamente a esses produtos (n.os 15 a 34 da decisão impugnada). Em contrapartida, considerou que, na medida em que os «óleos de massagem, géis» e os «lubrificantes de uso farmacêutico» são aplicáveis a quente ou produzem um efeito de calor, a referida marca era descritiva a esse respeito (n.° 17 da decisão impugnada). Entendeu, em seguida, que, com exceção dos produtos para os quais a marca apresenta um caráter descritivo, a saber, os «óleos de massagem, géis» e os «lubrificantes para uso farmacêutico», esta marca goza, para os outros produtos, de um caráter distintivo, desde que, apesar da sua vaga conotação positiva, a concisão do sinal impeça o consumidor de o confundir com um anúncio publicitário (n.os 36 a 41 da decisão impugnada). Por último, relembrou o caráter não vinculativo das decisões das autoridades nacionais que foram igualmente proferidas sobre a mesma marca (n.os 10 e 42 de decisão impugnada).

28      A recorrente e a interveniente não contestam a falta de tomada em consideração da moldura retangular que envolve a palavra «hot» e da representação gráfica dessa palavra e, assim, a análise do caráter descritivo e do caráter distintivo da marca controvertida apenas com base na designação «hot» (n.° 13 da decisão impugnada). Também não contestam o facto de esta análise dever ser efetuada relativamente à lista dos produtos descritos em francês, que é a língua do registo internacional (n.° 10 da decisão impugnada).

29      Em contrapartida, a recorrente, assim como a interveniente em apoio do seu recurso subordinado, contestam as apreciações da Câmara de Recurso que lhe são respetivamente desfavoráveis, relativas ao caráter descritivo e ao caráter distintivo da marca controvertida. A requerente critica igualmente a falta de tomada em consideração das decisões das autoridades nacionais relativamente a esta mesma marca.

 Sobre as queixas relativas ao caráter descritivo da marca controvertida

30      A recorrente entende que, contrariamente ao que a Câmara de Recurso considerou, resulta dos princípios aplicáveis à análise do caráter descritivo das marcas que uma marca composta pela designação «hot» é descritiva do conjunto das «preparações para branquear e outras substâncias para a lavagem; sabões; perfumaria, óleos essenciais, cosméticos, designadamente champôs, géis para o duche, loções para o corpo, óleos de massagem, géis, cremes para o rosto» e os suplementos alimentares (de uso médico)». Com efeito, o termo «hot», enquanto indicação da temperatura destes produtos ou da sua temperatura de utilização, seria uma indicação que poderia ser utilizada por todos os produtos em causa. Segundo a recorrente, os outros significados de «hot», entre os quais designadamente «na moda», «atraente», «sexy», constituem igualmente uma outra utilização possível desta palavra para os produtos considerados.

31      A interveniente contesta, por sua vez, a apreciação da Câmara de Recurso do caráter descritivo da marca controvertida relativamente aos «óleos de massagens, géis» (classe 3) e dos «lubrificantes para uso farmacêutico» (classe 5). Sustenta que se os lubrificantes para uso farmacêutico produzissem sensações de queimadura ou um efeito de calor, afastar‑se‑iam da sua finalidade, que os géis que produzem efeitos de calor integram a classe 5 e não a classe 3, e, por último, que a sensação de calor decorrente das massagens provém do esfregar das mãos e não do óleo de massagem.

32      A este respeito, cumpre recordar que, nos termos do artigo 7.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 207/2009, será recusado o registo «[d]e marcas compostas exclusivamente por sinais ou indicações que possam servir, no comércio, para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica ou a época de fabrico do produto ou da prestação do serviço, ou outras características destes».

33      Segundo a jurisprudência, o artigo 7.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 207/2009 obsta a que os sinais ou indicações nele contemplados sejam reservados a uma única empresa com base no seu registo como marca. Esta disposição prossegue, portanto, um fim de interesse geral, que exige que esses sinais ou indicações possam ser livremente utilizados por todos [acórdãos de 23 de outubro de 2003, IHMI/Wrigley, C‑191/01 P, Colet., Eu:C:2003:579, n.° 31; de 27 de fevereiro de 2002, Ellos/IHMI (ELLOS), T‑219/00, Colet., EU:T:2002:44, n.° 27, e de 2 de maio de 2012, Universal Display/IHMI (UniversalPHOLED), T‑435/11, EU:T:2012:210, n.° 14].

34      Por outro lado, os sinais ou as indicações que possam servir, no comércio, para designar as características do produto ou do serviço para o qual o registo é pedido são, por força do artigo 7.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 207/2009, considerados incapazes de exercer a função essencial da marca, a saber, a de identificar a origem comercial do produto ou do serviço, a fim de permitir assim ao consumidor que adquire o produto ou o serviço designado pela marca fazer, aquando de uma ulterior aquisição, a mesma escolha, se a experiência se revelar positiva, ou fazer outra escolha, se se revelar negativa (acórdãos IHMI/Wrigley, n.° 33 supra, e UniversalPHOLED, n.° 33 supra, EU:T:2012:210, n.° 15).

35      Daqui resulta que, para que um sinal seja abrangido pela proibição prevista nessa disposição, é necessário que apresente com os produtos ou serviços em causa um nexo suficientemente direto e concreto suscetível de permitir ao público relevante perceber imediatamente, e sem outra reflexão, uma descrição dos produtos e dos serviços em causa ou de uma das suas características (v. acórdão UniversalPHOLED, n.° 33 supra, EU:T:2012:210, n.° 16 e jurisprudência aí referida).

36      Por último, importa recordar que a apreciação do caráter descritivo de um sinal só pode ser feita, por um lado, em relação à compreensão que dele tem o público em causa e, por outro, em relação aos produtos ou aos serviços em causa [v. acórdão de 7 de junho de 2005, Münchener Rückversicherungs‑Gesellschaft/IHMI (MunichFinancial Services), T‑316/03, Colet., EU:T:2005:201, n.° 26, e jurisprudência aí referida].

37      No presente caso, a Câmara de Recurso considerou que o público relevante para a perceção do caráter descritivo do sinal pedido era o consumidor anglófono (n.° 14 da decisão impugnada). Esta definição do público relevante, que não é contestada pela recorrente nem pela interveniente, deve ser adotada.

–       Sobre a falta de caráter descritivo da marca controvertida para os «óleos de massagem, géis» e «lubrificantes para uso farmacêutico», invocada pela recorrente

38      Os argumentos avançados pela interveniente para fundamentar a falta de caráter descritivo da marca controvertida para os «óleos de massagem, géis» e «lubrificantes para uso farmacêutico» devem ser rejeitados.

39      É certo, como defende acertadamente a interveniente, que o termo «hot», ao remeter para uma temperatura elevada, não designa as condições térmicas de utilização destes produtos. Com efeito, os referidos produtos podem ser utilizados tanto a temperaturas elevadas como a temperaturas pouco elevadas, aliás como reconhece, no essencial, a Câmara de Recurso ao indicar na decisão impugnada que «estes produtos podem ser aplicados mesmo a alta temperatura». Por conseguinte, a Câmara de Recurso considerou erradamente, no n.° 17 da decisão impugnada, que o termo «hot» descrevia, na aceção do artigo 7.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 207/2009, o facto de estes produtos serem aplicados estando quentes.

40      Em contrapartida, há que considerar, como fez a Câmara de Recurso e contrariamente ao que defende a interveniente, que o termo «hot» designa os efeitos provocados pelos «óleos de massagem, géis» e «lubrificantes para uso farmacêutico». Com efeito, esses produtos, sejam ou não para utilização médica, estão vocacionados para ser aplicados sobre a pele através de movimentos mais ou menos repetidos que criam uma sensação de calor. É indiferente para o efeito o facto, alegado pela interveniente, de este aquecimento ser provocado pela fricção das mãos sobre o corpo e não pelos produtos enquanto tais, uma vez que há necessariamente uma fricção no momento da aplicação desses produtos.

41      Por conseguinte, a Câmara de Recurso considerou acertadamente, na decisão impugnada, que a marca controvertida era descritiva de «óleos de massagem, géis» e de «lubrificantes para uso farmacêutico».

–       Quanto ao caráter contraditório da decisão impugnada, invocado pela recorrente

42      A recorrente defende que a Câmara de Recurso não podia reconhecer, sem se contradizer, o caráter descritivo da marca controvertida para os «óleos de massagem, géis» e «lubrificantes para uso farmacêutico» e excluí‑lo para a «perfumaria, óleos essenciais, cosméticos».

43      Esta censura à Câmara de Recurso por, no essencial, não ter tirado consequências do reconhecimento do caráter descritivo da marca controvertida para os «óleos de massagem, géis» e «lubrificantes para uso farmacêutico» no que se refere à apreciação do seu caráter descritivo para a «perfumaria, óleos essenciais, cosméticos», deve ser acolhida.

44      Com efeito, segundo jurisprudência constante, o reconhecimento do caráter descritivo de uma marca aplica‑se não apenas aos produtos para os quais ela é diretamente descritiva, mas também para a categoria mais ampla à que pertencem estes produtos, na falta de uma limitação adequada feita por quem pediu a marca [acórdãos de 7 de junho de 2001, DKV/IHMI (EuroHealth), T‑359/99, Colet., EU:T:2001:151, n.° 33, e de 15 de setembro de 2009, Wella/IHMI (TAME IT), T‑471/07, Colet, EU:T:2009:328, n.° 18].

45      Ora, no presente caso, há que considerar que a recorrente afirmou corretamente, como aliás o IHMI na sua resposta, que os «óleos de massagem, géis» se integravam nas categorias mais gerais «perfumes, óleos essenciais, cosméticos», como demonstra o termo «designadamente» que as reúne [ver, por analogia, no que se refere ao termo «designadamente», acórdãos de 8 de junho de 2005, Wilfer/IHMI (ROCKBASS), T‑315/03, Colet, EU:T:2005:211, n.os 3 e 64, e de 12 de novembro de 2008, Scil proteins/IHMI — Indena (affilene), T‑87/07, EU:T:2008:487, n.os 38 e 39].

46      Importa precisar, a este respeito, que, contrariamente ao que defende a interveniente, o termo «designadamente» não se refere apenas aos cosméticos. Com efeito, por um lado, na lista dos produtos para os quais a proteção da marca controvertida foi admitida, os produtos «perfumes», «óleos essenciais» e «cosméticos» estão separados por vírgulas e dissociados dos outros produtos da lista por um ponto e vírgula (ver, neste sentido, acórdão de 15 de maio de 2014, Louis Vuitton Malletier/IHMI, C‑97/12 P, EU:C:2014:324, n.os 96 e 97). Por outro lado, existem ligações diretas e concretas entre estas três categorias de produtos, podendo os perfumes e os óleos essenciais ser qualificados como cosméticos, na medida em que os cosméticos são geralmente definidos como sendo destinados a ser postos em contacto com as partes superficiais do corpo humano para o seu cuidado ou embelezamento.

47      Pelas mesmas razões acima expostas no n.° 46 deve ser rejeitado, sem que seja necessário examinar a sua admissibilidade, o argumento avançado pela primeira vez pelo IHMI na audiência, segundo o qual os «óleos de massagem» e os «géis» não integram as categorias gerais «perfumaria, óleos essenciais, cosméticos». Concretamente, os óleos de massagem» e os «géis», mencionados sem outra precisão, podem ser considerados destinados ao cuidado ou embelezamento do corpo.

48      Por conseguinte, a Câmara de Recurso cometeu um erro ao não extrair consequências do reconhecimento do caráter descritivo da marca controvertida para os «óleos de massagem, géis» e «lubrificantes para uso farmacêutico» no que se refere à apreciação do seu caráter descritivo para os «perfumes, óleos essenciais, cosméticos» e as outras categorias de produtos citados a título de ilustração destas categorias gerais de produtos. Há que considerar, portanto, que a Câmara de Recurso excluiu erradamente o caráter descritivo da referida marca para os «perfumes, óleos essenciais, cosméticos, designadamente champôs, géis para o duche, loções para o corpo, óleos de massagem, géis, cremes para o rosto», sem que seja necessário examinar os outros argumentos da recorrente, relativos ao caráter descritivo desta marca para os referidos produtos.

–       Quanto ao caráter descritivo da marca controvertida para as «preparações para branquear e outras substâncias para a lavagem; sabões» e os «suplementos alimentares (de uso médico)» invocado pela recorrente

49      Estando em causa, desde logo, a indicação pelo termo «hot» de uma temperatura elevada, não pode ser considerado, como defende a recorrente, que este termo «hot» designa a temperatura elevada das «preparações para branquear e outras substâncias para a lavagem; sabões» e os «suplementos alimentares (de uso médico)». Com efeito, estes produtos, que se destinam ao cuidado da roupa e também ao cuidado e à alimentação das pessoas, não têm uma temperatura elevada por natureza. Pelo contrário, como sublinha justamente o IHMI, para alguns deles, como os sabões, uma tal temperatura pode mesmo alterá‑los.

50      O termo «hot» também não designa a temperatura de utilização dos produtos em causa. Com efeito, embora alguns destes produtos possam ser utilizados a uma temperatura elevada, tais como as «preparações para branquear e outras substâncias para a lavagem» ou mesmo os «suplementos alimentares», esta condição de utilização não caracteriza os referidos produtos, os quais podem ainda assim ser utilizados a temperaturas pouco elevadas. Uma adaptação às temperaturas pouco elevadas, como salienta justamente a interveniente, é mesmo particularmente apreciada pelos consumidores para as substâncias de lavagem.

51      Em seguida, quanto aos outros significados do termo «hot», há que considerar que o único argumento avançado pela recorrente em apoio da sua alegação sobre o caráter descritivo dos produtos a que respeitam os outros significados do termo «hot», que são a expressão «na moda» e os termos «atraente» ou «sexy», deve ser rejeitado. O facto, aliás hipotético, de os produtos em causa serem comercializados em sex‑shops não intervém no exame do caráter descrito de um sinal quando o lugar de comercialização não está especificado na lista dos produtos para os quais é pedido o registo de um sinal. Com efeito, segundo jurisprudência constante, os motivos absolutos de recusa são apreciados relativamente ao texto dos produtos e dos serviços que figura no pedido de registo (acórdão de 22 de junho de 2006, Storck/IHMI, C‑24/05 P, Colet, EU:C:2006:421, n.° 23). Importa acrescentar que, em todo o caso, a conotação positiva dos significados associados ao termo «hot» decorre mais da evocação vaga e indireta do que da designação direta e imediata de uma qualidade ou de uma característica dos produtos em causa [ver, neste sentido, acórdão de 9 de outubro de 2002, Dart Industries/IHMI (UltraPlus), T‑360/00, Colet, EU:T:2002:244, n.os 27 e 28].

52      Os argumentos da recorrente, relativos ao caráter descritivo da marca controvertida devem, portanto, ser rejeitados para as «preparações para branquear e outras substâncias para a lavagem; sabões» e para os «suplementos alimentares (de uso médico)».

 Quanto às queixas relativas ao caráter distintivo da marca controvertida

53      A recorrente defende que, ainda que o termo «hot» não fosse descritivo de «preparações para branquear e outras substâncias para a lavagem; sabões; perfumaria, óleos essenciais, cosméticos, designadamente champôs, géis para o duche, loções para o corpo, óleos de massagem, géis, cremes para o rosto» e os «suplementos alimentares (de uso médico)», constituiria um «anúncio atrativo» desprovido de qualquer indicação de origem e seria, consequentemente, desprovido de caráter distintivo.

54      A interveniente sustenta que, por sua vez, a Câmara de Recurso considerou erradamente que a marca controvertida não era distintiva para os «óleos de massagem, géis» e «lubrificantes para uso farmacêutico».

55      Há que recordar desde logo que, como resulta do artigo 7.°, n.° 1, do Regulamento n.° 207/2009, basta que um dos motivos absolutos de recusa aí enumerados se aplique para que o sinal não possa ser registado como marca comunitária [ver acórdão de 12 de janeiro de 2005, Wieland‑Werke/IHMI (SnTEM, SnPUR, SnMIX), T‑367/02 à T‑369/02, Colet, EU:T:2005:3, n.° 45 e jurisprudência aí referida]. Tendo a Câmara de Recurso considerado corretamente que a marca controvertida era descritiva para os «óleos de massagem, géis» e «lubrificantes para uso farmacêutico» (ver n.° 41 supra) e visto não ter, erradamente, inferido desse caráter descritivo o caráter igualmente descritivo da referida marca para «perfumaria, óleos essenciais, cosméticos designadamente champôs, géis para o duche, loções para o corpo, óleos de massagem, géis, cremes para o rosto» (ver n.° 48 supra), os argumentos invocados pela recorrente e pela interveniente quanto ao caráter distintivo ou não dessa marca relativamente a estes produtos devem ser rejeitados por serem inoperantes.

56      Uma vez que improcedem os argumentos da interveniente em apoio do pedido apresentado ao abrigo do artigo 134.°, n.° 3, do Regulamento de Processo de 2 de maio de 1991 (ver igualmente n.° 38 supra), este pedido deve ser indeferido.

57      Importa recordar, em seguida, que quanto à argumentação da recorrente relativamente aos produtos para os quais a marca controvertida não é descritiva, a saber, as «preparações para branquear e outras substâncias para a lavagem; sabões» e os «suplementos alimentares (de uso médico)», a jurisprudência constante segundo a qual o simples facto de uma marca ser entendida pelo público relevante como uma fórmula promocional e de, tendo em conta o seu caráter elogioso, poder em princípio ser utilizada por outras empresas não é por si só suficiente para concluir que essa marca é desprovida de caráter distintivo. Com efeito, a conotação elogiosa de uma marca nominativa não exclui que esta seja, não obstante, apta a garantir aos consumidores a proveniência dos produtos ou dos serviços que designa. Assim, tal marca pode concomitantemente ser entendida pelo público relevante como uma fórmula promocional e uma indicação da origem comercial dos produtos ou dos serviços (ver acórdão de 12 de julho de 2012, Smart Technologies/IHMI, C‑311/11 P, Colet, EU:C:2012:460, n.os 29 e 30 e jurisprudência aí referida).

58      Assim, a alegação da recorrente sobre o caráter essencialmente promocional do termo «hot» não é por si só suficiente para pôr em causa a constatação da Câmara de Recurso quanto ao caráter distintivo da marca controvertida. Falta ainda determinar se esse termo constitui exclusivamente uma fórmula promocional. Ora, a própria recorrente admite, no âmbito da sua argumentação relativa ao caráter descritivo da marca controvertida, que o termo «hot» tem vários significados, tais como «quente» ou «apimentado», que não têm um caráter promocional. Assim, a recorrente não demonstrou que o termo «hot» constituía, tal como as outras palavras que citou em apoio do seu argumento (como as palavras «super» ou «best»), exclusivamente um anúncio publicitário que obstava ao reconhecimento do seu caráter distintivo (ver, neste sentido, acórdão de 21 de janeiro de 2010, Audi/IHMI, C‑398/08 P, Colet, EU:C:2010:29, n.° 47).

 Quanto à alegação relativa à falta de tomada em consideração das decisões das entidades administrativas e dos órgãos jurisdicionais nacionais

59      A recorrente censura a Câmara de Recurso por não ter tomado em consideração as decisões das entidades administrativas e dos órgãos jurisdicionais nacionais, concretamente as decisões do Bundespatentgericht de 9 de outubro de 2012 e do Bundesgerichtshof (Tribunal Federal de Justiça, Alemanha) de 19 de fevereiro de 2014 que excluíram a concessão de proteção à marca controvertida.

60      Segundo jurisprudência constante, o regime das marcas comunitárias é um sistema autónomo, constituído por um conjunto de regras e que prossegue objetivos que lhe são específicos, sendo a sua aplicação independente de qualquer sistema nacional. Por conseguinte, o caráter registável de um sinal como marca comunitária deve ser apreciado apenas com base na regulamentação comunitária pertinente. O IHMI e, sendo esse o caso, o juiz da União não estão vinculados, mesmo que possam tomá‑las em consideração, por decisões ocorridas ao nível dos Estados‑Membros, mesmo na hipótese de essas decisões serem tomadas em aplicação de uma legislação nacional harmonizada por força da Diretiva 2008/95/CEE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2008, que aproxima as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas (JO L 299, p. 25) (v. jurisprudência acima referida no n.° 21). Acresce que nenhuma disposição do Regulamento n.° 207/2009 obriga o IHMI ou, em recurso, o Tribunal Geral a chegar a resultados idênticos aos alcançados pelas entidades administrativas ou pelos órgãos jurisdicionais nacionais numa situação similar (v. acórdão de 12 de janeiro de 2006, Deutsche SiSi‑Werke/IHMI, C‑173/04 P, Colet, EU:C:2006:20, n.° 49 e jurisprudência aí referida).

61      Com efeito, nos termos do sexto considerando do Regulamento n.° 207/2009, o direito das marcas comunitário não substitui os direitos das marcas dos Estados‑Membros. É, pois, possível não apenas que, devido a diferenças linguísticas, culturais, sociais e económicas, uma marca que não é protegida num Estado‑Membro o seja noutro Estado‑Membro ou à escala da União (v., neste sentido, acórdão de 25 de outubro de 2007, Develey/IHMI, C‑238/06 P, Colet, EU:C:2007:635, n.os 57 a 59 e jurisprudência aí referida).

62      Contrariamente ao que defende a recorrente, as disposições do Regulamento n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2001, L 12, p. 1), na versão já alterada, e o artigo 109.° do Regulamento n.° 207/2009 em nada infirmam esta constatação. Com efeito, como decorre do considerando 15 do Regulamento n.° 44/2001 citado pela recorrente, esta regulamento visa unicamente evitar que sejam proferidas decisões judiciais inconciliáveis em dois Estados‑Membros, e não se aplica ao IHMI. Além disso, o artigo 109.° do Regulamento n.° 207/2009 pretende evitar que ações de contrafação propostas perante órgãos jurisdicionais nacionais, fundadas uma sobre uma marca comunitária e outra sobre uma marca nacional, não deem lugar a decisões contraditórias. Como sublinha justamente a interveniente, este regulamento diz, assim, apenas respeito aos efeitos e não às condições de proteção das referidas marcas.

63      A constatação feita acima também não é posta em causa pelo artigo 7.°, n.° 2, do Regulamento n.° 207/2009, que dispõe que os motivos absolutos de recusa enunciados no n.° 1 são aplicáveis mesmo que apenas existam numa parte da União. Com efeito, a recusa de registo nacional funda‑se numa das disposições nacionais aplicadas segundo um procedimento nacional e num contexto nacional (v. n.° 61 supra) e não equivale, consequentemente, ao reconhecimento da existência num Estado de um motivo absoluto de recusa na aceção do Regulamento n.° 207/2009.

64      Também não é pertinente no presente caso o acórdão de 10 de março de 2011, Agencja Wydawnicza Technopol/IHMI (C‑51/10 P, Rec, EU:C:2011:139, n.os 73 a 77), referido pela recorrente, na medida em que diz respeito à obrigação do IHMI de tomar em consideração as suas próprias decisões, tomadas sobre pedidos similares relativos a marcas comunitárias.

65      Em consequência, embora seja desejável que o IHMI tome em consideração as decisões das autoridades nacionais que digam respeito a marcas idênticas àquelas por que se devem pronunciar, e reciprocamente, o IHMI não é obrigado a ter em consideração essas decisões, incluindo as que se pronunciam sobre marcas idênticas, e, supondo que as tem em conta, não está vinculado às referidas decisões.

66      Assim, no presente caso, sem que seja necessária pronúncia sobre a admissibilidade da decisão da Bundesgerichtshof, comunicada por carta ulterior à da petição inicial, contestada pelo IHMI, há que afastar a queixa da recorrente, relativa à falta de tomada em consideração pela Câmara de Recurso das decisões das administrações e dos órgãos jurisdicionais nacionais relativamente à marca controvertida.

67      Resulta do exposto que a decisão impugnada deve ser anulada na parte em que a Câmara de Recurso não decidiu sobre o pedido da recorrente relativo às «preparações para limpar, polir, desengordurar e raspar», que integram a classe 3, e aos «produtos higiénicos para a medicina», que integram a classe 5 (ver n.° 26 supra), e na parte em que anulou e reformou a decisão da Divisão de anulação para «perfumaria, óleos essenciais, cosméticos, designadamente champôs, géis para duche, loções para o corpo, cremes para o rosto» que integram a classe 3 (ver n.° 48 supra).

68      Acresce que, alterando a decisão impugnada, há que negar provimento ao recurso interposto pela interveniente da decisão da Divisão de anulação no que respeita à «perfumaria, óleos essenciais, cosméticos, designadamente champôs, géis para duche, loções para o corpo, cremes para o rosto» [v., neste sentido, acórdão de 29 de janeiro de 2013, Fon Wireless/IHMI — nfon (nfon), T‑283/11, EU:T:2013:41, n.° 83], em conformidade com o que pediu a recorrente no seu segundo pedido. Com efeito, o Tribunal Geral dispõe do poder de alterar a decisão impugnada neste ponto, na parte em que a Câmara de Recurso tomou posição sobre o caráter descritivo da marca controvertida para os produtos em causa e considerou erradamente, como decorre dos n.os 43 a 48 acima, que esta não era descritiva para a «perfumaria, óleos essenciais, cosméticos, designadamente champôs, géis para duche, loções para o corpo, cremes para o rosto» (v., neste sentido, acórdão de 5 de julho de 2011, Edwin/IHMI, C‑263/09 P, Colet, EU:C:2011:452, n.° 72).

69      Deve ser negado provimento ao recurso da recorrente quanto ao mais, assim como ao pedido da interveniente, apresentado ao abrigo do artigo 134.°, n.° 3, do Regulamento de Processo (ver n.° 55 supra).

 Quanto às despesas

70      Por força do disposto no artigo 134.°, n.° 3, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, se as partes obtiverem vencimento parcial, cada uma das partes suporta as suas próprias despesas. No entanto, se tal se afigurar justificado tendo em conta as circunstâncias do caso, o Tribunal pode decidir que, além das suas próprias despesas, uma parte suporte uma fração das despesas da outra parte.

71      No caso em apreço, tendo as três partes obtido parcial ganho de causa e na falta de circunstâncias particulares, cada parte suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção)

decide:

1)      A decisão da Quarta Câmara de Recurso do Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI) de 10 de setembro de 2013 (Processo R 1881/2012‑4), na parte em que não decidiu sobre o pedido da Australian Gold LLC relativo às «preparações para limpar, polir, desengordurar e raspar», que integram a classe 3, e aos «produtos higiénicos para a medicina», que integram a classe 5 (ver n.° 26 supra), e na parte em que anulou e reformou a decisão da Divisão de anulação para a «perfumaria, óleos essenciais, cosméticos, designadamente champôs, géis para o duche, loções para o corpo, cremes para o rosto» que integram a classe 3, é anulada.

2)      É negado provimento ao recurso interposto pela Effect Management & Holding GmbH na Câmara de Recurso relativamente à «perfumaria, óleos essenciais, cosméticos, designadamente champôs, géis para o duche, loções para o corpo, cremes para o rosto».

3)      É negado provimento ao recurso quanto ao restante.

4)      É negado provimento ao pedido de alteração apresentado pela Effect Management & Holding.

5)      Cada parte suportará as suas próprias despesas.

Martins Ribeiro

Gervasoni

Madise

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 15 de julho de 2015.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.