Language of document : ECLI:EU:C:2020:311

DESPACHO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção)

29 de abril de 2020 (*)

«Reenvio prejudicial – Artigo 99.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça – Fiscalidade – Imposto sobre o valor acrescentado (IVA) – Diretiva 2006/112/CE – Artigos 90.° e 273.° – Valor tributável – Redução – Não pagamento – Insolvência do devedor com domicílio fora do país – Decisão proferida por um órgão jurisdicional de outro Estado‑Membro que certifica a incobrabilidade dos créditos reclamados – Princípios da neutralidade fiscal e da proporcionalidade»

No processo C‑756/19,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Tribunal Arbitral Tributário (Centro de Arbitragem Administrativa) (Portugal), por Decisão de 8 de outubro de 2019, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 15 de outubro de 2019, no processo

Ramada Storax, SA

contra

Autoridade Tributária e Aduaneira,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção),

composto por: P. G. Xuereb, presidente de secção, T. von Danwitz e A. Kumin (relator), juízes,

advogado‑geral: G. Hogan,

secretário: A. Calot Escobar,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de decidir por meio de despacho fundamentado, nos termos do artigo 99.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça,

profere o presente

Despacho

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 90.° e 273.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1; a seguir «Diretiva IVA»), dos princípios da neutralidade fiscal e da proporcionalidade e, bem assim, das liberdades fundamentais.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Ramada Storax, SA, à Autoridade Tributária e Aduaneira (Portugal), a propósito da recusa de esta última lhe conceder a regularização de montantes de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) pago e respeitante a créditos por pagar e considerados incobráveis com fundamento no facto de o devedor insolvente ter estabelecimento fora do território nacional.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Diretiva IVA

3        Nos termos do artigo 90.° da Diretiva IVA:

«1.      Em caso de anulação, rescisão, resolução, não pagamento total ou parcial ou redução do preço depois de efetuada a operação, o valor tributável é reduzido em conformidade, nas condições fixadas pelos Estados‑Membros.

2.      Em caso de não pagamento total ou parcial, os Estados‑Membros podem derrogar o disposto no n.° 1.»

4        O artigo 273.° desta diretiva prevê:

«Os Estados‑Membros podem prever outras obrigações que considerem necessárias para garantir a cobrança exata do IVA e para evitar a fraude, sob reserva da observância da igualdade de tratamento das operações internas e das operações efetuadas entre Estados‑Membros por sujeitos passivos, e na condição de essas obrigações não darem origem, nas trocas comerciais entre Estados‑Membros, a formalidades relacionadas com a passagem de uma fronteira.

A faculdade prevista no primeiro parágrafo não pode ser utilizada para impor obrigações de faturação suplementares às fixadas no capítulo 3.»

 Regulamento (CE) n.° 1346/2000

5        O artigo 1.° do Regulamento (CE) n.° 1346/2000 do Conselho, de 29 de maio de 2000, relativo aos processos de insolvência (JO 2000, L 160, p. 1), sob a epígrafe «Âmbito de aplicação», dispunha, no seu n.° 1:

«O presente regulamento é aplicável aos processos coletivos em matéria de insolvência do devedor que determinem a inibição parcial ou total desse devedor da administração ou disposição de bens e a designação de um síndico.»

6        O artigo 3.° deste regulamento, sob a epígrafe «Competência internacional», previa, no seu n.° 1:

«Os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro em cujo território está situado o centro dos interesses principais do devedor são competentes para abrir o processo de insolvência. Presume‑se, até prova em contrário, que o centro dos interesses principais das sociedades e pessoas coletivas é o local da respetiva sede estatutária.»

7        O artigo 16.°, n.° 1, primeiro parágrafo, do referido regulamento enunciava:

«Qualquer decisão que determine a abertura de um processo de insolvência, proferida por um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro competente por força do artigo 3.°, é reconhecida em todos os outros Estados‑Membros logo que produza efeitos no Estado de abertura do processo.»

8        O artigo 25.°, n.° 1, primeiro parágrafo, desse mesmo regulamento tinha a seguinte redação:

«As decisões relativas à tramitação e ao encerramento de um processo de insolvência proferidas por um órgão jurisdicional cuja decisão de abertura do processo seja reconhecida por força do artigo 16.°, bem como qualquer acordo homologado por esse órgão jurisdicional, são igualmente reconhecidos sem mais formalidades. [...]»

9        O Regulamento n.° 1346/2000 foi revogado e substituído, a partir de 26 de junho de 2017, pelo Regulamento (UE) 2015/848 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, relativo aos processos de insolvência (JO 2015, L 141, p. 19). No entanto, tendo em conta a data dos factos em causa, o Regulamento n.° 1346/2000 continua a ser aplicável ao litígio no processo principal.

 Direito português

10      O artigo 78.° do Código do IVA (a seguir «CIVA»), relativo às regularizações, dispõe, no seu n.° 7:

«Os sujeitos passivos podem deduzir ainda o imposto respeitante a créditos considerados incobráveis:

[...]

b)      Em processo de insolvência, quando a mesma for decretada de caráter limitado, após o trânsito em julgado da sentença de verificação e graduação de créditos prevista no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas ou, quando exista, a homologação do plano objeto da deliberação prevista no artigo 156.° do mesmo Código;

[...]»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

11      A Ramada Storax, sociedade com domicílio fiscal em Ovar (Portugal), celebrou, em 3 de julho de 1997, um contrato de distribuição em exclusivo com a Logisma, SA, estabelecida em Saragoça (Espanha), no âmbito do qual devia fornecer bens a crédito a esta última. Este contrato previa que o fornecimento de bens se efetuaria por meio de transmissões intracomunitárias.

12      Em 2007, foram entregues, em Portugal, bens fornecidos à Logisma pela Ramada Storax. Por este motivo, enquanto transmissões internas de bens, estas entregas foram sujeitas a IVA português, à taxa legal em vigor. A Ramada Storax emitiu faturas para cada uma dessas entregas e pagou o respetivo IVA, apesar de a Logisma não ter pago nenhuma dessas faturas. Assim, entre 19 de abril e 1 de junho de 2007, 186 804,03 euros de IVA, respeitante às seis faturas emitidas em nome da Logisma, foram liquidados pela Ramada Storax.

13      A Logisma, na qualidade de entidade não residente, pediu o reembolso do IVA suportado nessas seis faturas, pedido que foi deferido.

14      Em julho de 2007, a Logisma foi objeto de um processo voluntário de insolvência que correu termos num órgão jurisdicional espanhol. Em setembro de 2008, comprometeu‑se a pagar à Ramada Storax mais de 2 milhões de euros, para reembolsar as suas dívidas a esta sociedade, cujo montante excedia 9 milhões de euros.

15      Em 2010, a Ramada Storax reclamou os seus créditos no âmbito do processo de insolvência espanhol.

16      Em 27 de junho de 2011, foi aberta a fase de liquidação. Em 7 de março de 2012, as autoridades espanholas competentes aprovaram o plano de liquidação da Logisma, podendo esta obter indemnizações ou compensações de terceiros geradores de fundos para a massa insolvente e pagar determinados créditos. Assim ocorreu em setembro de 2014.

17      Em 4 de setembro de 2015, o órgão jurisdicional espanhol competente certificou, por despacho, que a Ramada Storax não iria receber nenhuma quantia do produto da liquidação da Logisma. Por decisão final proferida em 4 de novembro de 2016, esse órgão jurisdicional declarou que a massa insolvente não continha bens para pagar aos credores.

18      Além disso, no âmbito deste processo de insolvência, o órgão jurisdicional espanhol competente, por Despacho de 2 de fevereiro de 2017, reconheceu a inexistência de bens e direitos no património do devedor. Este despacho pôs igualmente termo ao processo de insolvência e ordenou a graduação das diligências pendentes, levantou as restrições às faculdades de administração e de disposição por parte do devedor ainda em vigor, aprovou a prestação de contas apresentada pelo administrador de insolvência e, por último, procedeu ao cancelamento da Logisma no registo comercial.

19      Em 2017, a Ramada Storax solicitou à Autoridade Tributária e Aduaneira, na declaração periódica de IVA do período de tributação de novembro de 2017, o reembolso de 424 137,95 euros, a título de IVA decorrente dos seus créditos sobre a Logisma relativos a fornecimentos diversos, montante que incluía os 186 804,03 euros de IVA liquidados pela Ramada Storax em seis faturas emitidas entre 19 de abril e 1 de junho de 2007.

20      A Autoridade Tributária e Aduaneira acolheu o pedido de reembolso relativamente ao montante de 237 333,92 euros. Rejeitou o pedido relativamente ao montante de 186 804,03 euros de IVA por não ter enquadramento no quadro legal vigente, com fundamento em que, não obstante resultar de créditos incobráveis, o processo de insolvência da Logisma não tinha corrido os seus termos ao abrigo do direito português.

21      A Ramada Storax recorreu ao Tribunal Arbitral Tributário (Centro de Arbitragem Administrativa) (Portugal), para que este declarasse a ilegalidade do ato de liquidação de IVA consubstanciado na demonstração de liquidação de IVA que lhe foi enviada.

22      Sustenta, a este respeito, que o seu pedido de reembolso de IVA respeitante aos fornecimentos em causa deve ser deferido na totalidade, com fundamento, nomeadamente, no facto de ter pagado o IVA respeitante a esses fornecimentos, embora não tivesse nunca obtido o pagamento destes últimos, não obstante ter promovido todas as diligências necessárias para o efeito. Os créditos que detém são incobráveis, o que lhe permitiria obter, com fundamento no artigo 78.° do CIVA, a regularização do IVA liquidado nas faturas respeitantes aos referidos fornecimentos.

23      Em resposta, a Autoridade Tributária e Aduaneira alega que o pedido de reembolso, na parte em que diz respeito ao montante de IVA de 186 804,03 euros, não pode ser acolhido, uma vez que a devedora dos créditos em causa é uma empresa que não tem estabelecimento em Portugal. Sustenta, a este respeito, que o artigo 78.°, n.° 7, alínea b), do CIVA permite a regularização do IVA respeitante a créditos incobráveis declarados nos processos de insolvência que correram os seus termos ao abrigo do direito português. Em contrapartida, esse procedimento não está acessível ao IVA relativo a créditos decorrentes de processos de insolvência instaurados em instâncias de outros Estados.

24      A Autoridade Tributária e Aduaneira acrescenta que a regularização ao abrigo do artigo 78.° do CIVA e, por conseguinte, o reconhecimento do reembolso desse imposto causavam um prejuízo ao Estado português, uma vez que a Logisma havia solicitado e obtido, na sua qualidade de sujeito passivo não estabelecido em território nacional, o reembolso do IVA suportado com base nas faturas emitidas pela Ramada Storax. O IVA já não pode ser recuperado junto da Logisma não só por ausência de enquadramento legal como também pelo facto de esta sociedade já não existir.

25      A Ramada Storax contesta essa posição. Observa, nomeadamente, que a limitação preconizada pela Autoridade Tributária e Aduaneira viola o princípio da não discriminação e as liberdades fundamentais, na medida em que uma empresa nacional que fornece bens a uma empresa estabelecida noutro Estado‑Membro da União Europeia é tratada de forma discriminatória, no que respeita à faculdade de recuperação do IVA, em relação a uma empresa nacional que fornece bens a outras empresas nacionais, quando a empresa à qual os bens foram fornecidos não paga total ou parcialmente o respetivo preço.

26      O órgão jurisdicional de reenvio refere que o litígio nele pendente tem por objeto a questão de saber se é possível que o sujeito passivo com domicílio fiscal no território nacional, como a Ramada Storax, possa regularizar o IVA que pagou, respeitante a créditos considerados incobráveis na sequência de um processo de insolvência da empresa devedora que teve o seu curso no Estado‑Membro de estabelecimento desta, ao abrigo do direito aí vigente, e no qual o órgão jurisdicional competente declarou a situação de insolvência da empresa.

27      A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se o CIVA pode, por remissão para um diploma distinto, ou seja, o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, vedar a aplicação de uma sentença de um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro que certifica a incobrabilidade de créditos a favor do sujeito passivo e, deste modo, limitar o direito à regularização do IVA.

28      Foi neste contexto que o Tribunal Arbitral Tributário (Centro de Arbitragem Administrativa) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«A correta interpretação dos artigos 90.° e 273.° da Diretiva [IVA] e dos princípios da neutralidade do IVA e da proporcionalidade e, bem assim das liberdades económicas fundamentais, permite que o legislador português, na alínea b) do n.°7 do artigo 78.° do [CIVA], restrinja a regularização do [IVA] relativa a créditos considerados incobráveis em processo de insolvência, aos casos nele previstos (ou seja, quando tenha sido decretada insolvência de caráter limitado, após o trânsito em julgado da sentença de verificação e graduação de créditos prevista no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), aprovado pelo Decreto‑Lei n.° 53/2004, de 18.03, ou, quando exista, a homologação do plano objeto da deliberação prevista no artigo 156.° do mesmo Código), com a consequente não aceitação, para esse efeito, de decisões de Tribunais de outros Estados‑Membros que certifiquem serem incobráveis os créditos reclamados em processo de insolvência?»

 Quanto à questão prejudicial

29      Nos termos do artigo 99.° do seu Regulamento de Processo, o Tribunal de Justiça pode, quando a resposta a uma questão submetida a título prejudicial possa ser claramente deduzida da jurisprudência ou quando a resposta à questão submetida não suscite nenhuma dúvida razoável, decidir, a qualquer momento, mediante proposta do juiz‑relator, ouvido o advogado‑geral, pronunciar‑se por meio de despacho fundamentado.

30      Há que aplicar esta disposição no âmbito do presente processo.

31      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 90.° e 273.° da Diretiva IVA devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual o direito à redução do IVA pago e respeitante a créditos considerados incobráveis na sequência de um processo de insolvência é recusado ao sujeito passivo quando a incobrabilidade dos créditos em causa tenha sido declarada por um órgão jurisdicional de outro Estado‑Membro com fundamento no direito vigente neste último Estado.

32      Para responder a esta questão, importa recordar que o artigo 90.°, n.° 1, da Diretiva IVA, que visa os casos de anulação, rescisão, resolução, não pagamento total ou parcial ou redução do preço depois de efetuada a operação, obriga os Estados‑Membros a reduzir o valor tributável do IVA e, por conseguinte, o montante do IVA devido pelo sujeito passivo, sempre que, depois de efetuada uma transação, este não receba uma parte ou a totalidade da contraprestação. Esta disposição constitui a expressão de um princípio fundamental da Diretiva IVA, nos termos do qual o valor tributável é constituído pela contraprestação efetivamente recebida e que tem por corolário que a autoridade tributária não pode cobrar a título de IVA um montante superior ao que o sujeito passivo recebeu (Acórdão de 6 de dezembro de 2018, Tratave, C‑672/17, EU:C:2018:989, n.° 29 e jurisprudência referida).

33      É certo que o artigo 90.°, n.° 2, dessa diretiva autoriza os Estados‑Membros a derrogar a essa regra em caso de não pagamento total ou parcial do preço da operação. Assim, quando o Estado‑Membro em causa tiver decidido aplicar essa derrogação, os sujeitos passivos não podem invocar, ao abrigo do n.° 1 desse artigo, um direito à redução do valor tributável do IVA (v. Acórdão de 15 de maio de 2014, Almos Agrárkülkereskedelmi, C‑337/13, EU:C:2014:328, n.° 23).

34      No entanto, tal faculdade de derrogação, estritamente limitada ao não pagamento total ou parcial, baseia‑se na ideia de que o não pagamento da contrapartida pode, em determinadas circunstâncias e em virtude da situação jurídica existente no Estado‑Membro em causa, ser difícil de verificar ou ser meramente transitório (Acórdão de 22 de fevereiro de 2018, T‑2, C‑396/16, EU:C:2018:109, n.° 37 e jurisprudência referida).

35      Por conseguinte, a referida faculdade de derrogação visa apenas permitir aos Estados‑Membros combater a incerteza associada à cobrança dos montantes devidos e não regula a questão de saber se uma redução do valor tributável do IVA pode não ser efetuada em caso de não pagamento definitivo (Despacho de 24 de outubro de 2019, Porr Építési Kft., C‑292/19, não publicado, EU:C:2019:901, n.° 22 e jurisprudência referida).

36      Com efeito, admitir a possibilidade de os Estados‑Membros excluírem, em tal caso, qualquer redução do valor tributável do IVA seria contrário ao princípio da neutralidade do IVA, do qual resulta, designadamente, que, na sua qualidade de cobrador de impostos por conta do Estado, o empresário deve ficar totalmente desonerado do encargo do imposto devido ou pago no âmbito das suas atividades económicas sujeitas ao IVA (Despacho de 24 de outubro de 2019, Porr Építési Kft., C‑292/19, não publicado, EU:C:2019:901, n.° 23 e jurisprudência referida).

37      Assim, nesse despacho, o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 90.° da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que um Estado‑Membro deve permitir a redução do valor tributável do IVA se o sujeito passivo puder demonstrar que o crédito que detém sobre o seu devedor é definitivamente incobrável, o que cabe aos órgãos jurisdicionais nacionais verificar.

38      No caso em apreço, resulta da decisão de reenvio que a Logisma foi objeto de um processo de liquidação judicial, no âmbito do qual o órgão jurisdicional competente declarou a inexistência de bens e direitos no património desta sociedade e ordenou o cancelamento da mesma no registo comercial.

39      Por conseguinte, afigura‑se que os créditos detidos pela Ramada Storax sobre a Logisma são incobráveis.

40      O órgão jurisdicional de reenvio refere que a Autoridade Tributária e Aduaneira recusa, no entanto, a redução do valor tributável do IVA, pedida pela Ramada Storax, com o fundamento de que, por força do artigo 78.°, n.° 7, alínea b), do CIVA, a regularização do IVA respeitante a créditos considerados incobráveis num processo de insolvência só é possível se esse processo correr os seus termos ao abrigo do direito nacional. Essa autoridade interpreta igualmente esta disposição no sentido de que o regime de regularização do IVA respeitante a créditos incobráveis só é aplicável quando o credor e o devedor são sujeitos passivos estabelecidos no território nacional. Todavia, estas condições não estão preenchidas no litígio no processo principal, uma vez que a Logisma tinha a sua sede social em Espanha e o processo de insolvência foi instaurado em instâncias deste Estado‑Membro.

41      A este respeito, há que constatar que essa abordagem, na medida em que equivale a sujeitar a redução do valor tributável do IVA em caso de incobrabilidade de um crédito à condição de o devedor ser residente no território nacional, não pode ser considerada conforme com o artigo 90.° da Diretiva IVA, uma vez que esta disposição não prevê tal condição.

42      Além disso, na medida em que a Autoridade Tributária e Aduaneira alega igualmente que a redução do valor tributável causava um prejuízo ao Estado português, uma vez que a Logisma havia solicitado e obtido o reembolso do IVA cujo pagamento já não lhe podia ser pedido, há que salientar que o artigo 90.° da Diretiva IVA também não faz depender o direito à redução do IVA da restituição do reembolso do IVA concedido à empresa devedora.

43      Há que acrescentar, neste contexto, que, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, não resulta dos factos do litígio no processo principal nenhum indício de colusão, de concertação ou de outra forma de planeamento fiscal abusivo.

44      Por outro lado, embora o artigo 90.°, n.° 1, da Diretiva IVA preveja que o valor tributável é reduzido «nas condições fixadas pelos Estados‑Membros», esta remissão para a competência destes últimos não lhes permite instituir uma condição material suplementar, não prevista por esta disposição, à qual possam subordinar a redução do valor tributável.

45      Com efeito, esta disposição confere aos Estados‑Membros uma margem de apreciação para fixar as formalidades que devem ser cumpridas pelos sujeitos passivos para poderem obter essa redução (v., neste sentido, Acórdão de 6 de dezembro de 2018, Tratave, C‑672/17, EU:C:2018:989, n.° 32 e jurisprudência referida). Estas formalidades devem limitar‑se às que permitem justificar que, depois de efetuada a transação, uma parte ou a totalidade da contraprestação não será definitivamente recebida (v., neste sentido, Acórdão de 6 de dezembro de 2018, Tratave, C‑672/17, EU:C:2018:989, n.° 34 e jurisprudência referida). Além disso, as medidas assim adotadas não devem exceder o que for necessário a essa justificação (v. Acórdão de 15 de maio de 2014, Almos Agrárkülkereskedelmi, C‑337/13, EU:C:2014:328, n.° 40).

46      Ora, por força do artigo 25.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1346/2000, as decisões relativas ao encerramento de um processo de insolvência proferidas por um órgão jurisdicional cuja decisão de abertura do processo seja reconhecida por força do artigo 16.° desse regulamento, como a decisão que certifica a incobrabilidade dos créditos em causa no processo principal, são reconhecidas sem mais formalidades em todos os outros Estados‑Membros.

47      Por último, embora, nos termos do artigo 273.° da Diretiva IVA, os Estados‑Membros possam prever, sob certas condições, obrigações que considerem necessárias para garantir a cobrança exata do IVA e para evitar a fraude, o Tribunal de Justiça declarou que o facto de excluir qualquer possibilidade de redução do valor tributável em caso de não pagamento de um crédito por um devedor insolvente e de fazer recair sobre o sujeito passivo credor o encargo de um montante de IVA que não teria recebido no âmbito das suas atividades económicas, ultrapassa, em qualquer caso, os limites estritamente necessários para atingir os objetivos previstos nesse artigo 273.° (Acórdão de 8 de maio de 2019, A‑PACK CZ, C‑127/18, EU:C:2019:377, n.° 27).

48      Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à questão submetida que os artigos 90.° e 273.° da Diretiva IVA devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual o direito à redução do IVA pago e respeitante a créditos considerados incobráveis na sequência de um processo de insolvência é recusado ao sujeito passivo quando a incobrabilidade dos créditos em causa tenha sido declarada por um órgão jurisdicional de outro Estado‑Membro com fundamento no direito vigente neste último Estado.

 Quanto às despesas

49      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sétima Secção) decide:

Os artigos 90.° e 273.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação de um EstadoMembro por força da qual o direito à redução do imposto sobre o valor acrescentado pago e respeitante a créditos considerados incobráveis na sequência de um processo de insolvência é recusado ao sujeito passivo quando a incobrabilidade dos créditos em causa tenha sido declarada por um órgão jurisdicional de outro EstadoMembro com fundamento no direito vigente neste último Estado.


Feito no Luxemburgo, em 29 de abril de 2020.


O Secretário

 

O Presidente da Sétima Secção

A. Calot Escobar

 

P. G. Xuereb


*      Língua do processo: português.