Language of document : ECLI:EU:C:2013:293

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

YVES BOT

apresentadas em 8 de maio de 2013 (1)

Processo C‑195/12

Industrie du bois de Vielsalm & Cie (IBV) SA

contra

Região da Valónia

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela Cour constitutionnelle (Bélgica)]

«Ambiente — Política energética — Regimes de apoio financeiro às instalações de cogeração — Desigualdade de tratamento entre a madeira e outros combustíveis de biomassa»





1.        O Tribunal de Justiça é, pela primeira vez, chamado a interpretar a Diretiva 2004/8/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de fevereiro de 2004, relativa à promoção da cogeração com base na procura de calor útil no mercado interno da energia e que altera a Diretiva 92/42/CEE (2).

2.        O presente pedido de decisão prejudicial foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a sociedade Industrie du bois de Vielsalm & Cie (IBV) SA (3) à Região da Valónia.

3.        A IBV exerce uma atividade principal de serração e transforma os resíduos de madeira provenientes desta atividade para garantir a sua própria alimentação de energia através da sua instalação de cogeração (produção simultânea, num processo único, de energia térmica e de energia elétrica e/ou mecânica). Para a aplicação da Diretiva 2004/8, o Reino da Bélgica optou pelo mecanismo dos certificados verdes como regime de apoio à cogeração. Estes certificados são concedidos aos produtores de eletricidade verde segundo regras de atribuição.

4.        No âmbito do presente processo, a Região da Valónia recusou conceder à IBV o apoio suplementar dos certificados verdes duplos que reserva para determinadas instalações, com o fundamento de que a IBV não preenchia os requisitos necessários para beneficiar desse apoio, nomeadamente, no que concerne ao objeto do presente litígio, uma vez que o referido apoio apenas se destina às instalações que transformam a biomassa diferente da proveniente da madeira e de resíduos de madeira.

5.        Foi neste contexto que a Cour constitutionnelle (tribunal constitucional belga) submeteu ao Tribunal de Justiça duas questões prejudiciais. Pergunta, no essencial, se o artigo 7.° da Diretiva 2004/8, relativa aos regimes de apoio, lido, eventualmente, em conjugação com os artigos 2.° e 4.° da Diretiva 2001/77/CE (4) e 22.° da Diretiva 2009/28/CE (5), deve, à luz, nomeadamente, do princípio geral da igualdade previsto no artigo 6.° do TUE e nos artigos 20.° e 21.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), ser interpretado no sentido de que, por um lado, a norma apenas se aplica às instalações de cogeração de elevada eficiência e, por outro lado, se opõe, ou não, a uma medida de apoio regional, como a do processo principal, que exclui do benefício dos certificados verdes duplos as instalações que transformam a biomassa proveniente da madeira e/ou de resíduos de madeira. O órgão jurisdicional de reenvio pergunta igualmente ao Tribunal de Justiça se a resposta a esta segunda questão difere consoante a instalação valorize apenas madeira ou, pelo contrário, apenas resíduos de madeira.

6.        Nas presentes conclusões, defenderei que o artigo 7.° da Diretiva 2004/8 deve ser interpretado no sentido de que se aplica a todas as instalações de cogeração e não apenas às instalações de cogeração de elevada eficiência. Depois, indicarei a razão pela qual, em meu entender, à luz do princípio da igualdade de tratamento, este artigo não se opõe a uma medida de apoio regional, como a que está em causa no processo principal, que exclui do benefício dos certificados verdes duplos as instalações que transformam a biomassa proveniente da madeira, sem prejuízo de o juiz nacional verificar, com base nos elementos de que dispõe, se esta medida é adequada para alcançar o objetivo de preservação dos recursos de madeira e de salvaguarda do setor industrial da madeira. Em contrapartida, exporei as razões pelas quais, na minha opinião, o referido artigo se opõe a tal medida relativamente às instalações que transformam a biomassa proveniente de resíduos de madeira.

I —    Quadro jurídico

A —    Direito da União

1.      Diretiva 2004/8

7.        Os considerandos 24 a 26, 31 e 32 da Diretiva 2004/8 têm a seguinte redação:

«(24) O apoio público deve ser coerente com as disposições do enquadramento comunitário dos auxílios estatais a favor do ambiente [(6)] […]

(25)      Os regimes de apoio público à promoção da cogeração devem concentrar‑se principalmente no apoio à cogeração com base na procura economicamente justificável de calor e de frio.

(26)      Os Estados‑Membros dispõem de vários mecanismos de apoio à cogeração a nível nacional, incluindo os […] certificados verdes […]

[…]

(31)      A eficiência global e sustentabilidade da cogeração dependem de muitos fatores como a tecnologia utilizada, os tipos de combustível, os diagramas de carga, a dimensão da unidade e as condições do calor. […]

(32)      Em conformidade com os princípios da subsidiariedade e proporcionalidade estabelecidos no artigo 5.° [TUE], os princípios gerais relativos ao estabelecimento de um quadro para a promoção da cogeração no mercado interno da energia devem ser fixados a nível comunitário, ficando porém ao critério dos Estados‑Membros as modalidades concretas da sua aplicação, permitindo assim que cada Estado‑Membro escolha o regime que melhor corresponda à sua situação específica. A presente diretiva limita‑se ao mínimo exigido para a consecução desses objetivos e não excede o necessário para o efeito.»

8.        O artigo 1.° da Diretiva 2004/8 prevê:

«É objetivo da presente diretiva aumentar a eficiência energética e a segurança do abastecimento mediante a criação de um quadro para a promoção e o desenvolvimento da cogeração de elevada eficiência de calor e de eletricidade com base na procura de calor útil e na poupança de energia primária no mercado interno da energia, tendo em conta as condições específicas nacionais, nomeadamente em matéria de condições climáticas e económicas.»

9.        O artigo 2.° desta diretiva dispõe que esta se aplica à cogeração tal como definida no artigo 3.° da referida diretiva e às tecnologias de cogeração enumeradas no seu anexo I.

10.      O artigo 3.° da Diretiva 2004/8 define a cogeração como a produção simultânea, num processo único, de energia térmica e de energia elétrica e/ou mecânica, e a cogeração de elevada eficiência como a cogeração que corresponde aos critérios do anexo III desta diretiva. Este artigo estabelece que também se aplicam as definições das Diretivas 2003/54/CE (7) e 2001/77.

11.      O anexo III da Diretiva 2004/8, sob a epígrafe «Metodologia para a determinação da eficiência do processo de cogeração», define a cogeração de elevada eficiência como devendo corresponder aos critérios seguintes:

—      a produção das unidades de cogeração deve permitir uma poupança de energia primária […] de pelo menos 10% em comparação com os dados de referência da produção separada de calor e de eletricidade,

—      a produção das unidades de cogeração de pequena dimensão e de micro‑cogeração que permita uma poupança de energia primária pode ser considerada cogeração de elevada eficiência.

12.      O artigo 7.° da referida diretiva, sob a epígrafe «Regimes de apoio», tem a seguinte redação:

«1.      Os Estados‑Membros devem assegurar que o apoio à cogeração — unidades existentes e futuras — seja baseado na procura de calor útil e na poupança de energia primária, tendo em conta as oportunidades disponíveis para reduzir a procura de energia através de outras medidas economicamente viáveis ou vantajosas do ponto de vista ambiental, como outras medidas de eficiência energética.

2.      Sem prejuízo dos artigos [107.° TFUE] e [108.° TFUE], a Comissão avalia a aplicação dos mecanismos de apoio utilizados nos Estados‑Membros segundo os quais os produtores de cogeração recebem, com base em regulamentações emitidas pelas entidades públicas, apoio direto ou indireto, que possa vir a restringir as trocas comerciais.

A Comissão verifica se esses mecanismos contribuem para a realização dos objetivos estabelecidos no artigo [11.° TFUE] e no n.° 1 do artigo [191.° TFUE].

3.      No relatório referido no artigo 11.°, a Comissão deve apresentar uma análise devidamente documentada da experiência adquirida com a aplicação e a coexistência dos diversos mecanismos de apoio referidos no n.° 2 do presente artigo. O relatório deve avaliar o sucesso, incluindo a relação custo‑eficácia, dos regimes de apoio na promoção da utilização da cogeração de elevada eficiência em conformidade com o potencial nacional referido no artigo 6.° O relatório deve examinar também em que medida os regimes de apoio contribuíram para a criação de condições estáveis para o investimento na cogeração.»

2.      Diretiva 2001/77

13.      O artigo 2.° da Diretiva 2001/77 enuncia:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

a)      ‘Fontes de energia renováveis’: as fontes de energia não fósseis renováveis (energia eólica, solar, geotérmica, das ondas, das marés, hidráulica, de biomassa, de gases dos aterros, de gases das instalações de tratamento de lixos e do biogás);

b)      ‘Biomassa’: a fração biodegradável de produtos e resíduos provenientes da agricultura (incluindo substâncias vegetais e animais), da silvicultura e das indústrias conexas, bem como a fração biodegradável de resíduos industriais e urbanos;

[…]»

14.      O artigo 4.° desta diretiva, sob a epígrafe «Regimes de apoio», prevê:

«1.      Sem prejuízo dos artigos [107.° TFUE] e [108.° TFUE], a Comissão avalia a aplicação dos mecanismos utilizados nos Estados‑Membros que, com base em regulamentações emitidas pelas entidades públicas, permitem a prestação de um apoio direto ou indireto aos produtores de eletricidade e possam vir a restringir as trocas comerciais, na medida em que contribuem para os objetivos estabelecidos nos artigos [11.° TFUE] e [191.° TFUE].

2.      A Comissão deve apresentar, até 27 de outubro de 2005, um relatório devidamente documentado sobre a experiência adquirida com a aplicação e a coexistência dos diversos mecanismos referidos no n.° 1. Esse relatório deve avaliar o êxito, incluindo a relação custo/eficácia, dos regimes de apoio referidos no n.° 1 no que se refere à promoção do consumo de eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis em conformidade com as metas indicativas nacionais mencionadas no n.° 2 do artigo 3.° Esse relatório será acompanhado, se necessário, de uma proposta de quadro comunitário relativo aos regimes de apoio à eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis.

A proposta de quadro deve:

a)      Contribuir para a realização das metas indicativas nacionais;

b)      Ser compatível com os princípios do mercado interno da eletricidade;

c)      Tomar em consideração as características de diferentes fontes de energia renováveis, bem como as diversas tecnologias e as diferenças geográficas;

d)      Favorecer a promoção da utilização eficaz de fontes de energia renováveis, sendo simples e simultaneamente tão eficiente quanto possível, designadamente em matéria de custos;

e)      Incluir períodos transitórios suficientes de, pelo menos, sete anos, para os regimes de apoio nacionais e manter a confiança dos investidores.»

3.      Enquadramento comunitário dos auxílios estatais a favor do ambiente

15.      No que concerne ao apoio público, o considerando 24 da Diretiva 2004/8 remete para as disposições do Enquadramento comunitário dos auxílios estatais a favor do ambiente, que foi substituído, a partir de 2 de abril de 2008, pelo Enquadramento comunitário dos auxílios estatais a favor do ambiente (8).

16.      O ponto 112 do enquadramento comunitário prevê:

«Os auxílios ao investimento e/ou ao funcionamento no domínio do ambiente a favor da cogeração serão considerados compatíveis com o mercado comum nos termos do n.° 3, alínea c), do artigo [107.° TFUE], desde que a unidade de cogeração cumpra as condições da definição de cogeração de elevada eficiência apresentada no n.° 11 do ponto 70 […]»

17.      O n.° 11 do ponto 70 deste enquadramento define a cogeração de elevada eficiência nos seguintes termos: «a cogeração que preenche os critérios enunciados no anexo III da Diretiva 2004/8 […] e que respeita os valores harmonizados de referência em matéria de eficiência estabelecidos na Decisão 2007/74/CE da Comissão, de 21 de dezembro de 2006, que estabelece valores de referência harmonizados em matéria de eficiência para a produção separada de eletricidade e de calor em conformidade com a Diretiva 2004/8[…] [(9)]».

B —    Direito da Região da Valónia

18.      O Decreto do Parlamento regional da Valónia de 12 de abril de 2001, relativo à organização do mercado regional de eletricidade (10), conforme alterado pelo Decreto do Parlamento regional da Valónia de 4 de outubro de 2007 (11), transpõe parcialmente as Diretivas 2001/77, 2003/54 e 2004/8.

19.      O Decreto de 2001 enuncia, no seu artigo 37.° que, «[p]ara encorajar o desenvolvimento da produção de eletricidade a partir de fontes de energia renováveis e/ou de cogeração de qualidade, o governo institui um sistema de certificados verdes».

20.      A gestão deste mecanismo de apoio foi confiada à Commission wallonne pour l’Énergie (CWaPE) (Comissão da Valónia para a Energia, a seguir «CWaPE»). Em termos concretos, o sistema é o seguinte. O Governo da Valónia fixa, para cada ano, a quota de certificados verdes a aplicar. Os fornecedores de eletricidade e os operadores das redes entregam estes certificados trimestralmente à CWaPE sob pena de aplicação de uma coima (100 euros por cada certificado em falta). Os referidos certificados são concedidos trimestralmente pela CWaPE a cada produtor de eletricidade verde na proporção da quantidade de eletricidade líquida produzida e em função, por um lado, do custo adicional de produção estimado do setor e, por outro, do desempenho ambiental (poupança de dióxido de carbono) medido a partir da instalação de cogeração relativamente às produções convencionais de referência. Os certificados verdes são depois vendidos pelos produtores aos fornecedores ou aos operadores das redes com o objetivo de lhes permitir cumprir as suas obrigações relativas à quota.

21.      O artigo 38.° do Decreto de 2001 dispõe:

«§ 1.      Mediante o parecer da CWaPE, o governo determina os requisitos de atribuição e fixa as modalidades e o processo de concessão dos certificados verdes atribuídos à eletricidade verde produzida na Região da Valónia com observância das disposições seguintes.

§ 2.      Será atribuído um certificado verde para um número de kWh produzidos correspondente a 1 MWh dividido pela taxa de poupança de dióxido de carbono.

A taxa de poupança de dióxido de carbono determina‑se dividindo o ganho de dióxido de carbono realizado pelo setor em causa pelas emissões de dióxido de carbono do setor elétrico convencional cujas emissões são definidas e publicadas anualmente pela CWaPE. A taxa de poupança de dióxido de carbono está limitada a 1 para a produção gerada por instalação para além da potência de 5 MW. Abaixo desse limiar, tem o limite máximo de 2.

§ 3.      Todavia, quando uma instalação que explora principalmente a biomassa, com exceção da madeira, proveniente de atividades industriais desenvolvidas no local da instalação de produção, implementa um processo particularmente inovador e se enquadra numa perspetiva de desenvolvimento sustentável, o governo pode, após parecer da CWaPE sobre o caráter particularmente inovador do processo utilizado, decidir limitar a 2 a taxa de poupança de dióxido de carbono para o conjunto da produção da instalação resultante do somatório das potências desenvolvidas no mesmo local de produção, num limite inferior a 20 MW.

[…]»

22.      O artigo 57.° do Decreto do Parlamento regional da Valónia de 17 de julho de 2008, que altera o Decreto de 2001, relativo à organização do mercado regional de eletricidade (12), dispõe que «[o] artigo 38.°, [n.°] 3, do [Decreto de 2001] é interpretado no sentido de que a exclusão das instalações que exploram a madeira do benefício do regime que prevê compreende as instalações que exploram todo o material lenhocelulósico proveniente da árvore, de todas as folhosas e de todas as resinosas sem exceção (incluindo as talhadias de rotação curta ou de rotação muito curta), antes e/ou depois de qualquer tipo de transformação».

II — Litígio no processo principal

23.      Em 23 de junho de 2008, a IBV solicitou a concessão de certificados verdes duplos para a sua instalação, nos termos do artigo 38.°, n.° 3, do Decreto de 2001, o qual, recorde‑se, reserva o apoio suplementar destes certificados verdes duplos às instalações que preencham três condições, a saber, essas instalações devem valorizar principalmente biomassa com exceção da madeira ou resíduos de madeira, devem enquadrar‑se num processo de desenvolvimento sustentável e devem ter um caráter particularmente inovador.

24.      Por decisão de 18 de junho de 2009, o Governo da Valónia considerou que a IBV não preenchia nenhum dos três requisitos necessários para beneficiar desse apoio.

25.      O Conseil d’État, que foi chamado a pronunciar‑se pela IBV no âmbito de um recurso de anulação dessa decisão, considerou que esta preenchia efetivamente os dois últimos requisitos. Tendo dúvidas quanto à constitucionalidade do mecanismo de apoio no que se refere ao primeiro requisito, decidiu submeter à Cour constitutionnelle a seguinte questão:

«O artigo 38.°, n.° 3, do Decreto [de] 2001 […] viola os artigos 10.° e 11.° da Constituição, ao criar uma diferença de tratamento entre instalações que transformam principalmente a biomassa, uma vez que exclui do benefício do mecanismo de apoio dos certificados verdes duplos as instalações de cogeração de biomassa que transformam madeira ou resíduos de madeira e inclui as instalações de cogeração biomassa que exploram todos os outros tipos de resíduos?»

III — Questões prejudiciais

26.      No seguimento da questão que lhe foi submetida pelo Conseil d’État, a Cour constitutionnelle, antes de decidir a questão de mérito, submete, por sua vez, ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O artigo 7.° da Diretiva 2004/8[…], conjugado, eventualmente, com os artigos 2.° e 4.° da Diretiva 2001/77[…] e com o artigo 22.° da Diretiva 2009/28[…], deve ser interpretado, à luz do princípio geral da igualdade, do artigo 6.° [TUE] e dos artigos 20.° e 21.° da Carta […], no sentido de que:

a)      é unicamente aplicável às instalações de cogeração de elevada eficiência, na aceção do anexo III da [D]iretiva [2004/8];

b)      impõe, permite ou proíbe que uma medida de apoio, como a constante do artigo 38.°, n.° 3, do decreto [de 2001], seja acessível a todas as instalações de cogeração que [transformam], principalmente, biomassa e que preenchem os requisitos estabelecidos por esse artigo, com exceção das instalações de cogeração que [transformam], principalmente, madeira ou [resíduos] de madeira?

2)      A resposta difere consoante a instalação de cogeração [transforme], principalmente, madeira ou [resíduos] de madeira?»

IV — Análise

A —    Observações preliminares

27.      A Cour constitutionnelle pede ao Tribunal de Justiça que interprete o artigo 7.° da Diretiva 2004/8 conjugado, eventualmente, com os artigos 2.° e 4.° da Diretiva 2001/77 e com o artigo 22.° da Diretiva 2009/28. Ora, esta última diretiva entrou em vigor em 25 de junho de 2009, ou seja, após a data da decisão do Governo da Valónia que declarou que a IBV não preenchia os requisitos para beneficiar do mecanismo de apoio previsto no artigo 38.°, n.° 3, do Decreto de 2001. Por conseguinte, não deve ser tida em conta no âmbito do exame das questões submetidas ao Tribunal de Justiça.

28.      No que se refere ao tratamento das questões prejudiciais, numa primeira fase, examinarei a primeira questão, alínea a), em seguida, numa segunda fase, na medida em que estão relacionadas, examinarei em conjunto a primeira questão, alínea b), e a segunda questão.

B —    Quanto às questões prejudiciais

1.      Quanto à primeira questão, alínea a)

29.      Com a primeira questão, alínea a), o órgão jurisdicional de reenvio pergunta ao Tribunal de Justiça se o artigo 7.° da Diretiva 2004/8, à luz do princípio da igualdade, deve ser interpretado no sentido de que apenas se aplica às instalações de cogeração de elevada eficiência, tal como definida no anexo III desta diretiva (13).

30.      Como sustentam a IBV e a Comissão, considero que o artigo 7.° da Diretiva 2004/8 se aplica a todas as instalações de cogeração e não apenas às instalações de cogeração de elevada eficiência, tal como definida no anexo III desta diretiva.

31.      O legislador da União teve o cuidado de, no artigo 3.° da referida diretiva, definir de maneira distinta a «cogeração» e a «cogeração de elevada eficiência». Assim, pôde empregar qualquer um desses termos com utilidades ou finalidades bem precisas.

32.      A redação do artigo 7.° da Diretiva 2004/8, relativa aos regimes de apoio que os Estados‑Membros implementam, não especifica que esses regimes devem ser unicamente previstos para as instalações de cogeração de elevada eficiência.

33.      Com efeito, o artigo 7.°, n.° 1, desta diretiva dispõe que os Estados‑Membros devem assegurar que o apoio à cogeração (14), para as unidades existentes e futuras, se baseie na procura de calor útil (15) e na poupança de energia primária (16). O legislador da União utiliza a expressão «cogeração», não distingue entre as unidades, quer sejam de pequena dimensão ou de micro‑cogeração, e não fornece nenhuma indicação relativamente à quantidade da poupança primária de energia.

34.      Do mesmo modo, na minha opinião, o artigo 7.°, n.° 2, da Diretiva 2004/8 não menciona mais nenhuma indicação a este respeito.

35.      O Governo belga considera, no entanto, que, à luz do artigo 7.°, n.° 2, da Diretiva 2004/8, do seu considerando 24 e do enquadramento comunitário, é manifesto que os regimes de apoio apenas beneficiam as instalações de cogeração de elevada eficiência.

36.      Com efeito, infere dessas disposições que a compatibilidade das medidas de apoio com as disposições do Tratado FUE relativas aos auxílios de Estado e, portanto, o âmbito de aplicação do artigo do artigo 7.° da referida diretiva estão relacionados com a conformidade das instalações com os critérios da cogeração de elevada eficiência estabelecidos no anexo III da Diretiva 2004/8. Em seu entender, isso não constitui uma diferença de tratamento entre as instalações de cogeração e as instalações de cogeração de elevada eficiência na medida em que são os princípios que regulam os auxílios de Estado que o preveem (17).

37.      Não posso chegar à mesma conclusão que o Governo belga.

38.      Na verdade, o artigo 7.°, n.° 2, da Diretiva 2004/8 tem em conta regras em matéria de concorrência que os Estados‑Membros devem respeitar. Esta disposição diz respeito à avaliação, pela Comissão, da aplicação dos mecanismos de apoio implementados nos Estados‑Membros. Quando desta avaliação, a Comissão é levada a fiscalizar, nomeadamente, se estes mecanismos respeitam as regras em matéria de concorrência. Com efeito, essa avaliação é feita «[s]em prejuízo dos artigos [107.° TFUE] e [108.° TFUE]».

39.      Só se o regime de apoio constituir um auxílio de Estado é que a instalação de cogeração deve cumprir o critério da elevada eficiência para ser compatível com o mercado interno, em conformidade com os pontos 112 e 70, n.° 11, do enquadramento comunitário.

40.      Todavia, um regime de apoio pode muito bem não constituir um auxílio de Estado na aceção do Tratado FUE, podendo, nesse caso, o regime de apoio aplicar‑se a todas as instalações de cogeração.

41.      Não posso, portanto, subscrever a conclusão do Governo belga de que as instalações que beneficiam de um regime de apoio só podem ser instalações de cogeração de elevada eficiência, tal como definido no anexo III da Diretiva 2004/8.

42.      Por outro lado, o artigo 7.°, n.° 3, da Diretiva 2004/8 vem ao encontro da minha análise.

43.      Lido em conjugação com os artigos 6.°, 10.° e 11.° desta diretiva, este artigo diz respeito ao relatório da Comissão que avalia o sucesso dos sistemas de apoio para efeitos da promoção da utilização da cogeração de elevada eficiência.

44.      Em conformidade com os artigos 6.° e 10.° da referida diretiva, os Estados‑Membros efetuam uma análise do potencial nacional de cogeração de elevada eficiência. Avaliam os progressos realizados para aumentar a parte da cogeração de elevada eficiência. Com base nesta análise, que lhe é apresentada, a Comissão, nos termos do artigo 11.° dessa mesma diretiva, «[e]xamin[a] a experiência adquirida com a aplicação e coexistência dos diversos mecanismos de apoio à cogeração [(18)]».

45.      Da leitura conjugada desses artigos também não resulta que só as instalações de cogeração de elevada eficiência podem beneficiar dos regimes de apoio. É certo que o objetivo da Diretiva 2004/8, enunciado no seu artigo 1.°, é aumentar a eficiência energética e a segurança do abastecimento, mediante a criação de um quadro para a promoção e o desenvolvimento da cogeração de elevada eficiência, mas entendo que esta diretiva tende, em última análise, para a elevada eficiência e não vejo por que motivo as instalações de cogeração «menos eficientes» seriam privadas de um regime de apoio, na medida em que também contribuem para o objetivo da eficiência energética e do aumento da segurança do abastecimento.

46.      Atendendo ao que precede, proponho ao Tribunal de Justiça que responda que o artigo 7.° da Diretiva 2004/8, lido à luz do princípio da igualdade, deve ser interpretado no sentido de que se aplica a todas as instalações de cogeração e não apenas às instalações de cogeração de elevada eficiência, tal como definido no anexo III desta diretiva.

2.      Quanto à primeira questão prejudicial, alínea b), e à segunda questão prejudicial

47.      Na sua primeira questão prejudicial, alínea b), e na sua segunda questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se, na realidade, o artigo 7.° da Diretiva 2004/8, lido à luz do princípio da igualdade de tratamento, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma medida de apoio, como a do processo principal, que exclui do benefício dos certificados verdes duplos as instalações de cogeração que transformam a biomassa proveniente da madeira e/ou resíduos de madeira.

48.      Por outras palavras, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber qual é a margem de manobra de que dispõem os Estados‑Membros na implementação de um regime de apoio à cogeração.

49.      A Diretiva 2004/8 foi adotada com base no artigo 175.°, n.° 1, CE, que se integra no título relativo ao ambiente, com vista à realização dos objetivos previstos no artigo 174.° CE, nomeadamente o da preservação da qualidade do ambiente.

50.      A regulamentação da União, no domínio do ambiente, não pretende alcançar uma harmonização completa (19).

51.      Num domínio de competência partilhada, como o da proteção do ambiente (20), cabe ao legislador da União determinar as medidas que considera necessárias para alcançar os objetivos pretendidos, no respeito dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade consagrados no artigo 5.° TUE (21).

52.      Assim, o considerando 32 da Diretiva 2004/8 prevê que, em conformidade com os princípios da subsidiariedade e proporcionalidade, os princípios gerais constitutivos de um quadro para a promoção da cogeração no mercado interno da energia devem ser fixados a nível da União, ficando, porém, ao critério dos Estados‑Membros as modalidades concretas da sua aplicação, permitindo, assim, que cada Estado‑Membro escolha o regime que melhor corresponde à sua situação específica. Acrescenta que esta diretiva se limita ao mínimo exigido para a consecução desses objetivos e não excede o necessário para o efeito.

53.      Por outro lado, resulta da redação do artigo 7.° da referida diretiva que este não comporta nenhuma concretização relativamente ao tipo de regime de apoio à cogeração que os Estados‑Membros são encorajados a adotar. Esta disposição refere apenas que os Estados‑Membros devem assegurar que o apoio à cogeração, para as unidades existentes e futuras, se baseie na procura de calor útil e na poupança de energia primária, e que os mecanismos não devem falsear a concorrência e devem respeitar os objetivos definidos nos artigos 11.° TFUE e 191.°, n.° 1, TFUE, relativos à proteção do ambiente.

54.      Só o considerando 26 da Diretiva 2004/8 evoca a forma que o regime de apoio pode revestir, indicando que os Estados‑Membros devem dispor de vários mecanismos de apoio à cogeração a nível nacional, incluindo (22) os auxílios ao investimento, as isenções ou reduções fiscais, os certificados verdes e os regimes de apoio direto aos preços. Resulta desta leitura que a lista dos vários mecanismos de apoio não é exaustiva, deixando, assim, aos Estados‑Membros, outras possibilidades de mecanismos de apoio.

55.      Por conseguinte, os Estados‑Membros dispõem de uma ampla margem de apreciação no que concerne à forma que deve revestir o regime de apoio à cogeração.

56.      Por outro lado, nada indica no artigo 7.° da Diretiva 2004/8, nem noutra parte do texto desta diretiva, que os Estados‑Membros, no âmbito do seu apoio à cogeração, estejam impedidos de privilegiar um tipo de combustíveis em detrimento de outro. A este respeito, o considerando 31 desta diretiva refere que a eficiência global e sustentabilidade da cogeração dependem de muitos fatores tais como os tipos de combustível.

57.      O tipo de combustível a utilizar pode depender da especificidade de cada território, da sua disponibilidade no território. O legislador da União teve, além disso, este elemento em consideração, dado que refere, no artigo 1.° da Diretiva 2004/8, que o objetivo desta deve ser atingido tendo em conta as condições específicas nacionais, nomeadamente em matéria de condições climáticas e económicas (23).

58.      De igual forma, o Comité Económico e Social Europeu, no seu parecer (24), insistia na necessidade de ter em conta as especificidades e de respeitar o princípio de subsidiariedade num domínio onde as condições climáticas e económicas nacionais são determinantes.

59.      O Governo da Valónia, na larga margem de apreciação que, portanto, lhe foi deixada, optou, ao transpor parcialmente a Diretiva 2004/8, por implementar o sistema dos certificados verdes e pôde legitimamente privilegiar um apoio suplementar às instalações que transformam a biomassa relativamente às instalações que transformam outros tipos de combustível.

60.      Resulta do que precede que o artigo 7.° da Diretiva 2004/8 deve, na minha opinião, ser interpretado no sentido de que não se opõe, em princípio, a um regime de apoio regional como o que está em causa no processo principal.

61.      Contudo, ao aplicar a Diretiva 2004/8, os Estados‑Membros estão obrigados, por força do artigo 51.°, n.° 1, da Carta, a respeitar o princípio da igualdade de tratamento, consagrado no artigo 20.° da mesma (25).

62.      No caso em apreço, a IBV contesta a sua exclusão do benefício dos certificados verdes duplos à luz deste princípio, alegando que se encontra lesada em relação às instalações de cogeração que transformam a biomassa diferente da proveniente da madeira e/ou resíduos de madeira.

63.      Há, agora, que examinar se o Região da Valónia, ao adotar o artigo 38.°, n.° 3, do Decreto de 2001, respeitou o princípio da igualdade de tratamento.

64.      Segundo jurisprudência assente, o princípio da igualdade de tratamento exige que situações comparáveis não sejam tratadas de modo diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de modo igual, exceto se esse tratamento for objetivamente justificado (26).

65.      No caso em apreço, trata‑se, assim, de determinar se empresas, como a IBV, pertencentes à indústria da madeira estão numa situação comparável àquela em que se encontram as empresas dos outros setores e que beneficiam de um certificado verde duplo, em conformidade com o disposto no artigo 38.°, n.° 3, do Decreto de 2001.

66.      Neste ponto, não partilho das análises do Governo polaco (27) e da Comissão (28), que consideram que as diferentes categorias de biomassa não se encontram em situações comparáveis e que a biomassa proveniente da madeira apresenta caraterísticas especiais, nomeadamente quanto à sua disponibilidade e à sua rentabilidade.

67.      Na minha opinião, tal como se verá adiante (29), estes critérios de disponibilidade e de rentabilidade são elementos que, na verdade, devem ser tidos em conta no exame da justificação de um tratamento diferenciado de situações comparáveis.

68.      No que diz respeito à determinação do caráter comparável das situações em causa no processo principal, considero que a comparação entre a indústria da madeira e as outras indústrias deve ser apurada e apreciada à luz do objeto e do fim prosseguido pela legislação em causa (30).

69.      O sistema dos certificados verdes foi instituído pelas autoridades da Valónia, em conformidade com as disposições da Diretiva 2004/8. Visa fomentar a produção de eletricidade a partir de fontes de energia renováveis e/ou de cogeração de qualidade. As medidas adotadas pelos Estados‑Membros com base nesta diretiva contribuem para a proteção do ambiente, e, nomeadamente, para a observância dos objetivos do Protocolo de Quioto da Convenção‑Quadro das Nações Unidas sobre as alterações climáticas (31), que constitui um dos objetivos prioritários da União Europeia.

70.      O pacote «Clima e Energia» da União impôs aos Estados‑Membros um objetivo designado «dos 3 x 20» até 2020, a saber, 20% de poupança de energia, 20% de redução das emissões de gases com efeito de estufa e 20% de energias renováveis na produção energética. A Diretiva 2004/8 é uma dessas concretizações.

71.      Esta diretiva faz, assim, da promoção da cogeração uma prioridade comunitária devido à sua contribuição para a segurança e para a diversificação do abastecimento de energia, para a proteção do ambiente, em especial para a redução das emissões de gases com efeito de estufa, e para o desenvolvimento sustentável.

72.      A biomassa está definida no artigo 2.° da Diretiva 2001/77 (32) como a fração biodegradável de produtos e resíduos provenientes da agricultura (incluindo substâncias vegetais e animais), da silvicultura e das indústrias conexas, bem como a fração biodegradável de resíduos industriais e urbanos.

73.      Participa na luta contra a emissão de gás com efeito de estufa e contribui para o aumento da eficiência energética, considerada como o meio mais rentável e mais rápido para melhorar a segurança do abastecimento. Nessa medida, cumpre da mesma maneira os objetivos da Diretiva 2004/8 adotada nesta perspetiva.

74.      A biomassa, quer seja proveniente da agricultura, da silvicultura ou das indústrias conexas é uma fonte de energia renovável e constitui uma indústria de produção de eletricidade. Os recursos de biomassa são muito heterogéneos. Contudo, quer a biomassa seja constituída por lascas de madeira, por aparas e serradura de madeira, por lixo doméstico, por lamas de depuração, por plantas, por resíduos da indústria agroalimentar ou ainda por algas, permanece, em qualquer caso, uma matéria orgânica suscetível de constituir um combustível para produzir energia.

75.      Considero, portanto, que, à luz do objeto da Diretiva 2004/8 e do fim que esta prossegue, as instalações que transformam a madeira e/ou os resíduos de madeira e as que transformam as outras fontes de biomassa se encontram numa situação comparável.

76.      É necessário agora averiguar se a diferença de tratamento entre estas duas categorias, feita pelo Governo da Valónia, é justificada.

77.      Segundo jurisprudência assente, uma desigualdade de tratamento é justificada quando seja baseada num critério objetivo e razoável, isto é, quando esteja relacionada com um objetivo legalmente admissível prosseguido pela legislação em causa, e seja proporcionada em relação ao objetivo prosseguido pelo tratamento em questão (33).

78.      Há que examinar, nomeadamente, se, no processo principal, a exclusão das instalações que utilizam a biomassa proveniente da madeira e/ou de resíduos de madeira é adequada para garantir a realização de um ou de vários objetivos invocados pelo Governo da Valónia e se não ultrapassa o necessário para os atingir. Por outro lado, uma legislação nacional só é apta a garantir a realização do objetivo invocado se responder verdadeiramente à intenção de o alcançar de maneira coerente e sistemática.

79.      Distinguirei a justificação da diferença de tratamento consoante a instalação valorize biomassa proveniente da madeira ou valorize biomassa proveniente de resíduos de madeira, dado que, na minha opinião, a situação não é a mesma à luz dos imperativos ambientais pertinentes.

80.      No caso em apreço, o Governo da Valónia apresentou vários argumentos em apoio da justificação da exclusão das instalações que transformam madeira e/ou resíduos de madeira do mecanismo dos certificados verdes duplos previsto no artigo 38.°, n.° 3, do Decreto de 2001. Estes argumentos foram todos contestados pela IBV.

81.      Este governo invoca, designadamente, a necessidade de preservar os recursos de madeira e de os reservar para o setor industrial da madeira que os utiliza como matéria‑prima (34). Em apoio deste argumento, baseia‑se em estudos segundo os quais a indústria de transformação da madeira era amplamente deficitária na Região da Valónia e tinha de recorrer à importação. O Governo da Valónia sustenta que a concessão de um certificado verde duplo à indústria de valorização energética da madeira podia provocar um aumento significativo dos preços da matéria‑prima.

82.      O argumento do Governo da Valónia parece‑me legítimo, na medida em que visa preservar as florestas e a madeira enquanto matéria‑prima. Afigura‑se, assim, justificado pelo interesse geral num elevado nível de proteção do ambiente (35), que o artigo 191.° TFUE e o artigo 37.° da Carta dos Direitos Fundamentais (36) elegem como objetivo da União (37).

83.      Cabe ao juiz nacional verificar, com base nos elementos de que dispõe, se a medida em causa é adequada para alcançar o objetivo de preservação dos recursos de madeira e da salvaguarda do setor industrial da madeira.

84.      Partindo do princípio de que a medida em causa atinge esse objetivo, importa então examinar a proporcionalidade desta medida.

85.      Na minha opinião, a medida afigura‑se proporcionada, uma vez que as instalações que transformam biomassa proveniente da madeira não estão totalmente excluídas do regime de apoio, dado que beneficiam, ainda assim, de «simples» certificados verdes por força do artigo 38.°, n.° 2, do Decreto de 2001.

86.      Portanto, face ao exposto, o artigo 7.° da Diretiva 2004/8, lido à luz do princípio da igualdade de tratamento, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma medida de apoio regional, como a que está em causa no processo principal, que exclui do benefício dos certificados verdes duplos as instalações que transformam a biomassa proveniente da madeira, sem prejuízo de o juiz nacional verificar, com base nos elementos de que dispõe, se esta medida é adequada para alcançar o objetivo de preservação dos recursos de madeira e de salvaguarda do setor industrial da madeira.

87.      Cumpre agora analisar se a referida medida se justifica relativamente às instalações que transformam a biomassa proveniente de resíduos de madeira, como a da IBV.

88.      Se a medida em causa se justifica para as instalações que transformam a biomassa proveniente da madeira pela necessidade de salvaguardar o setor industrial da madeira, em contrapartida, esta justificação não me parece legítima em razão dos objetivos de proteção do ambiente relativamente às instalações que transformam a biomassa proveniente de resíduos de madeira.

89.      À semelhança da IBV (38), considero que os resíduos de madeira não são suscetíveis de serem utilizados pelo setor industrial da madeira.

90.      A Diretiva 2008/98/CE (39), no seu artigo 3.°, n.° 1, define os resíduos como «quaisquer substâncias ou objetos de que o detentor se desfaz ou tem intenção ou obrigação de se desfazer». Os detritos de madeira constituem o resíduo da madeira que já foi utilizada. É o que resta da matéria e que não terá mais nenhuma utilização.

91.      Como refere acertadamente o Governo polaco, a valorização dos resíduos de madeira não tem influência direta na proteção das florestas nem na competitividade da indústria da madeira (40).

92.      Se a primeira preocupação das políticas ambientais foi durante anos o tratamento, a eliminação, o desenvolvimento e a prevenção dos resíduos, a sua valorização tornou‑se um objetivo principal das autoridades europeias e nacionais. Neste contexto, o desenvolvimento de processos como a cogeração que transformam a biomassa proveniente de resíduos de madeira parece responder a necessidades ambientais.

93.      Na sua Comunicação de 7 de dezembro de 2005 no plano de ação biomassa (41), a Comissão incentiva os Estados‑Membros a explorarem o potencial de todas as formas economicamente rentáveis de produção de eletricidade a partir da biomassa. Salienta que, no seu empenhamento de respeitar os objetivos de produção de eletricidade a partir de fontes de energia renováveis, na maior parte dos casos, afigura‑se impossível conseguir alcançar esses objetivos sem uma maior utilização da biomassa (42). No que se refere às instalações de cogeração em especial, a Comissão incentiva os referidos Estados a explorarem o potencial de todas as formas economicamente rentáveis de produção de eletricidade a partir da biomassa (43). Por outro lado, relativamente aos resíduos, considera que constituem um recurso energético subaproveitado. A este respeito, a Comissão incentiva o investimento em técnicas de elevada eficiência energética para a utilização dos resíduos como combustíveis (44).

94.      Por conseguinte, não favorecer a possibilidade de uma utilização energética dos resíduos de madeira não parece coerente com os objetivos da política de ambiente prosseguidos pela União Europeia e parece mesmo ser contrário a esses objetivos.

95.      O Governo da Valónia alega que a medida em causa se inscreve perfeitamente na hierarquia das formas de gestão dos resíduos referida no artigo 4.° da Diretiva 2008/98, que prevê que a reciclagem deve ser preferível à valorização energética. Este argumento, na minha opinião, é contestável, tendo em conta o que precede e na medida em que o n.° 2 desta disposição refere que, «[q]uando aplicarem a hierarquia dos resíduos referida no n.° 1, os Estados‑Membros tomam medidas para incentivar as opções conducentes aos melhores resultados ambientais globais. Para tal, pode ser necessário estabelecer fluxos de resíduos específicos que se afastem da hierarquia caso isso se justifique pela aplicação do conceito de ciclo de vida aos impactos globais da geração e gestão desses resíduos». O considerando 8 da Diretiva 2008/98 estabelece mesmo que «deverá incentivar‑se a valorização dos resíduos».

96.      Tal justifica‑se ainda mais quando a valorização dos resíduos de madeira for efetuada no local, como sucede no caso em apreço, já que a IBV transforma os resíduos de madeira provenientes da sua atividade principal de serração diretamente nas suas instalações. Assim, evita‑se o transporte e, portanto, os efeitos negativos da poluição. A valorização dos resíduos de madeira contribui, assim, para os objetivos de proteção do ambiente, estabelecidos nos artigos 11.° TFUE e 191.°, n.° 1, TFUE, e ao cumprimento do artigo 37.° da Carta.

97.      Como salienta, por outro lado, o Governo polaco, na sua Comunicação de 15 de junho de 2006 ao Conselho e ao Parlamento Europeu, relativa ao plano de ação da União Europeia para as florestas (45), a Comissão recomenda a utilização de madeira diferente da madeira plenamente utilizável e facilitará a investigação e a divulgação de experiências sobre a utilização de madeira de baixo valor, de madeira de pequenas dimensões ou de resíduos de madeira para produzir energia (46).

98.      Partilho igualmente do entendimento do Governo polaco que defende que se devem desenvolver esforços para explorar os produtos derivados dos abates florestais (47) e mobilizar este potencial não utilizado na produção de energia (48).

99.      Os resíduos de madeira constituem um potencial «latente» que importa gerir da maneira mais eficaz e mais respeitosa relativamente à política ambiental. Permitem combinar dois eixos desta política, a saber, a melhoria permanente da gestão dos resíduos, por um lado, e a produção de energia renovável, por outro.

100. Resulta do que precede que a exclusão das instalações que transformam a biomassa proveniente de resíduos de madeira do benefício do mecanismo dos certificados verdes duplos, previsto no artigo 38.°, n.° 3, do Decreto de 2001, não é objetivamente justificada pelo Governo da Valónia.

101. Por conseguinte, o artigo 7.° da Diretiva 2004/8, lido à luz do princípio da igualdade de tratamento, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma medida de apoio regional, como a que está em causa no processo principal, que exclui do benefício dos certificados verdes duplos as instalações que transformam a biomassa proveniente de resíduos de madeira.

102. Em face destas considerações, entendo que o artigo 7.° da Diretiva 2004/8, lido à luz do princípio da igualdade de tratamento, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma medida de apoio regional, como a que está em causa no processo principal, que exclui do benefício dos certificados verdes duplos as instalações que transformam a biomassa proveniente da madeira, sem prejuízo de o juiz nacional verificar, com base nos elementos de que dispõe, se esta medida é adequada para alcançar o objetivo de preservação dos recursos de madeira e de salvaguarda do setor industrial da madeira. Em contrapartida, opõe‑se a tal medida relativamente às instalações que transformam a biomassa proveniente de resíduos de madeira.

V —    Conclusão

103. Face às considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda à Cour constitutionnelle, do seguinte modo:

«O artigo 7.° da Diretiva 2004/8/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de fevereiro de 2004, relativa à promoção da cogeração com base na procura de calor útil no mercado interno da energia e que altera a Diretiva 92/42/CEE, lido à luz do princípio da igualdade de tratamento, deve ser interpretado no sentido de que:

—      se aplica a todas as instalações de cogeração e não apenas às instalações de cogeração de elevada eficiência, tal como definidas no anexo III da Diretiva 2004/8;

—      não se opõe a uma medida de apoio regional, como a que está em causa no processo principal, que exclui do benefício dos certificados verdes duplos as instalações que transformam a biomassa proveniente da madeira, sem prejuízo de o juiz nacional verificar, com base nos elementos de que dispõe, se esta medida é adequada para alcançar o objetivo de preservação dos recursos de madeira e de salvaguarda do setor industrial da madeira. Em contrapartida, opõe‑se a tal medida relativamente às instalações que transformam a biomassa proveniente de resíduos de madeira.»


1 —      Língua original: francês.


2 —      JO L 52, p. 50.


3 —      A seguir «IBV».


4 —      Diretiva 2001/77/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de setembro de 2001, relativa à promoção da eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis no mercado interno da eletricidade (JO L 283, p. 33).


5 —      Diretiva 2009/28/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2009, relativa à promoção da utilização de energia proveniente de fontes renováveis que altera e subsequentemente revoga as Diretivas 2001/77/CE e 2003/30/CE (JO L 140, p. 16).


6 —      JO 2001, C 37, p. 3.


7 —      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2003, que estabelece regras comuns para o mercado interno da eletricidade e que revoga a Diretiva 96/92/CE (JO L 176, p. 37).


8 —      JO C 82, p. 1, a seguir «enquadramento».


9 —      JO 2007, L 32, p. 183.


10 —      Moniteur belge de 1 de maio de 2001, p. 14118.


11 —      Moniteur belge de 26 de outubro de 2007, p. 55517, a seguir «Decreto de 2001».


12 —      Moniteur belge de 7 de agosto de 2008, p. 41321.


13 —      Recorde‑se que, para efeitos deste anexo, a cogeração de elevada eficiência deve satisfazer os seguintes critérios, a saber, a produção das unidades de cogeração deve permitir uma poupança de energia primária de, pelo menos, 10% em comparação com os dados de referência para a produção separada de calor e de eletricidade, e a produção das unidades de cogeração de pequena dimensão e de micro‑cogeração que permita uma poupança de energia primária pode ser considerada cogeração de elevada eficiência.


14 —      Sublinhado meu.


15 —      O calor útil é o calor produzido num processo de cogeração a fim de satisfazer uma procura economicamente justificável de calor ou de frio [artigo 3.°, alínea b), da Diretiva 2004/8]. A procura economicamente justificável é a procura a procura que não excede as necessidades de calor ou frio e que, se não fosse utilizada a cogeração, seria satisfeita nas condições do mercado mediante outros processos de produção de energia [artigo 3.°, alínea c), desta diretiva].


16 —      V., igualmente, considerando 25 da Diretiva 2004/8 que enuncia que os regimes de apoio público à promoção da cogeração devem concentrar‑se principalmente no apoio à cogeração com base na procura economicamente justificável de calor e de frio.


17 —      N.° 67 das observações do Governo belga.


18 —      Sublinhado meu.


19 —      Acórdãos de 22 de junho de 2000, Fornasar e o. (C‑318/98, Colet., p. I‑4785, n.° 46), e de 14 de abril de 2005, Deponiezweckverband Eiterköpfe (C‑6/03, Colet., p. I‑2753, n.° 27).


20 —      Artigo 4.°, n.° 2, TFUE.


21 —      V., neste sentido, acórdão de 29 de março de 2012, Comissão/Estónia (C‑505/09 P, n.° 81).


22 —      Sublinhado meu.


23 —      Sublinhado meu.


24 —      Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à promoção da cogeração baseada na procura do calor útil no mercado interno de energia» (JO 2003, C 95, p. 12).


25 —      Acórdão de 11 de abril de 2013, Soukupová (C‑401/11, n.° 28).


26 —      Ibidem (n.° 29 e jurisprudência referida).


27 —      N.° 37 das observações do Governo polaco.


28 —      N.° 50 das observações da Comissão.


29 —      V. n.° 81 das presentes conclusões.


30 —      V., neste sentido, acórdão de 16 de dezembro de 2008, Arcelor Atlantique e Lorraine e o. (C‑127/07, Colet., p. I‑9895, n.° 26 e jurisprudência referida).


31 —      O protocolo entrou em vigor em 16 de fevereiro de 2005.


32 —      O artigo 3.° da Diretiva 2004/8 prevê que se apliquem também as definições pertinentes contidas na Diretiva 2003/54 e na Diretiva 2001/77.


33 —      V., neste sentido, acórdão Arcelor Atlantique e Lorraine e o., já referido (n.° 47 e jurisprudência referida).


34 —      Os trabalhos preparatórios do Decreto de 2001 justificaram o facto de apenas reservar a vantagem dos certificados verdes duplos para a biomassa diferente da proveniente da madeira com o objetivo de evitar os efeitos perversos de uma medida dessa natureza no setor industrial da madeira, já concorrente do setor da madeira‑energia (n.° 10 da decisão de reenvio).


35 —      V. acórdão de 9 de março de 2010, ERG e o. (C‑379/08 e C‑380/08, Colet., p. I‑2007, n.° 81 e jurisprudência referida).


36—      O artigo 37.° da Carta enuncia que «[t]odas as políticas da União devem integrar um elevado nível de proteção do ambiente e a melhoria da sua qualidade, e assegurá‑los de acordo com o princípio do desenvolvimento sustentável».


37 —      V., igualmente, artigo 11.° TFUE.


38 —      N.° 54 das observações da IBV.


39 —      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de novembro de 2008, relativa aos resíduos e que revoga certas diretivas (JO L 312, p. 3).


40 —      N.° 40 das observações do Governo polaco.


41 —      COM(2005) 628 final.


42 —      Ibidem (p. 9).


43 —      Ibidem (p. 10).


44 —      Ibidem (p. 14).


45 —      COM(2006) 302 final.


46 —      Ibidem (p. 5).


47 —      Tais como as lascas de madeira obtidas pelo corte em pequenos fragmentos das madeiras não utilizáveis pela indústria da madeira.


48 —      Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «A madeira como fonte de energia na Europa alargada» (JO 2006, C 110, p. 60).