Language of document : ECLI:EU:C:2019:50

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MACIEJ SZPUNAR

apresentadas em 23 de janeiro de 2019 (1)

Processo C‑509/17

Christa Plessers

contra

PREFACO NV,

Belgische Staat

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo arbeidshof te Antwerpen (Tribunal Superior do Trabalho de Antuérpia, Bélgica)]

«Reenvio prejudicial — Diretiva 2001/23/CE — Artigos 3.o a 5.o — Transferência de empresas — Manutenção dos direitos dos trabalhadores — Exceções — Processo de insolvência — Processo de reorganização judicial por transferência sob autoridade judicial — Salvaguarda total ou parcial da empresa — Legislação nacional que autoriza o cessionário, após a transferência, a escolher os trabalhadores que pretende reintegrar»






I.      Introdução

1.        No presente processo, o arbeidshof te Antwerpen (Tribunal Superior do Trabalho de Antuérpia) submeteu ao Tribunal de Justiça uma questão prejudicial relativa à interpretação dos artigos 3.o a 5.o da Diretiva 2001/23/CE (2).

2.        Esta questão foi apresentada no âmbito de um litígio que opõe Christa Plessers à Prefaco NV, uma sociedade com sede na Bélgica, quanto à legalidade do despedimento de C. Plessers.

3.        A análise desta questão leva a que o Tribunal de Justiça se debruce, pela segunda vez, sobre a aplicabilidade da exceção prevista no artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23 a um processo nacional de reestruturação de empresa. Mais precisamente, o Tribunal de Justiça é chamado a examinar, à luz desta disposição, a transferência de uma empresa que é feita no âmbito de um «processo de reorganização judicial por transferência sob controlo judicial». O Tribunal de Justiça, se considerar que este processo não está abrangido pela exceção prevista no artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23, deverá pronunciar‑se, do ponto de vista do regime de proteção que preveem, a favor dos trabalhadores, os artigos 3.o e 4.o desta diretiva, sobre a possibilidade de o cessionário, que lhe é reconhecida pela legislação nacional, escolher os trabalhadores que pretende manter ao ser feita a transferência.

II.    Quadro jurídico

A.      Direito da União

4.        O artigo 3.o da Diretiva 2001/23 estabelece:

«1.      Os direitos e obrigações do cedente emergentes de um contrato de trabalho ou de uma relação de trabalho existentes à data da transferência são, por esse facto, transferidos para o cessionário.

[…]»

5.        O artigo 4.o, n.o 1, desta diretiva dispõe:

«1.      A transferência de uma empresa ou estabelecimento ou de uma parte de empresa ou de estabelecimento não constitui em si mesma fundamento de despedimento por parte do cedente ou do cessionário. Esta disposição não constitui obstáculo aos despedimentos efetuados por razões económicas, técnicas ou de organização que impliquem mudanças da força de trabalho.

Os Estados‑Membros podem prever que o primeiro parágrafo não se aplique a certas categorias delimitadas de trabalhadores não abrangidos pela legislação ou práticas dos Estados‑Membros em matéria de proteção contra o despedimento.»

6.        O artigo 5.o, n.o 1, da referida diretiva tem a seguinte redação:

«1.      Salvo determinação em contrário dos Estados‑Membros, os artigos 3.o e 4.o não se aplicam a uma transferência de empresa, estabelecimento ou parte de empresa ou estabelecimento quando o cedente for objeto de um processo de falência ou de um processo análogo por insolvência promovido com vista à liquidação do seu património e que esteja sob o controlo de uma entidade oficial competente (que pode ser um administrador de falências, autorizado por uma entidade competente).»

B.      Direito belga

7.        O artigo 22.o da wet betreffende de continuïteit van de ondernemingen (Lei relativa à continuidade das empresas) (3), de 31 de janeiro de 2009 (a seguir «LCE»), estabelece:

«Enquanto o tribunal não se tiver pronunciado sobre o pedido de reorganização judicial, quer a ação ou a via de execução tenha sido iniciada antes ou depois da apresentação da petição:

–        o devedor não pode ser declarado falido e, no caso de uma sociedade, esta também não pode ser dissolvida judicialmente;

–        Nenhuma realização de bens móveis ou imóveis do devedor poderá ser feita em resultado do exercício de uma via de execução.»

8.        O artigo 60.o da LCE prevê:

«A sentença que ordena a transferência designa um administrador judicial encarregado de organizar e realizar a transferência em nome e por conta do devedor. A sentença determina o objeto da transferência ou deixa‑o à apreciação do administrador judicial. […]»

9.        De acordo com o artigo 61.o, n.o 4, da LCE:

«A escolha dos trabalhadores que pretende manter cabe ao cessionário. Esta escolha deve ser ditada por razões técnicas, económicas e organizacionais e deve ser efetuada sem diferenciação proibida, em especial com base na atividade exercida enquanto representante do pessoal na empresa ou na parte da empresa transferida.

Considera‑se demonstrado que não há diferenciação proibida a este respeito se a proporção de trabalhadores e dos seus representantes que estavam ativos na empresa ou na parte da empresa transferida e que são escolhidos pelo cessionário for respeitada no número total de trabalhadores escolhidos.»

III. Quadro factual, questão prejudicial e processo perante o Tribunal de Justiça

10.      C. Plessers trabalhava, desde 17 de agosto de 1992, na sociedade Echo NV em Houthalen‑Helchteren (Bélgica), como diretora da contabilidade de gestão.

11.      Em 23 de abril de 2012, a pedido da Echo, o rechtbank van koophandel te Hasselt (Tribunal de Comércio de Hasselt, Bélgica) abriu um processo de reorganização judicial com vista a um processo de acordo ao abrigo da LCE. Foi concedida uma suspensão à sociedade até 23 de outubro de 2012 inclusive. A suspensão foi depois prorrogada até 22 de abril de 2013 inclusive.

12.      Em 19 de fevereiro de 2013, antes do termo do prazo, o rechtbank van koophandel te Hasselt (Tribunal de Comércio de Hasselt) deferiu o pedido apresentado pela Echo no sentido de a transferência por acordo ser alterada para transferência sob autoridade judicial.

13.      Em 22 de abril de 2013, o rechtbank van koophandel te Hasselt (Tribunal de Comércio de Hasselt) autorizou os administradores judiciais a proceder à transferência dos bens móveis e imóveis para a Prefaco, uma das duas sociedades candidatas à retoma da Echo. Na sua proposta, a Prefaco tinha proposto reintegrar 164 trabalhadores, ou seja, cerca de dois terços do pessoal da Echo. O contrato de transferência foi assinado em 22 de abril de 2013. No anexo 9 deste contrato, foi junta a lista dos trabalhadores a reintegrar. O nome de C. Plessers não constava dessa lista.

14.      Além disso, o referido contrato prevê como data de transferência, «dois dias úteis após a data da sentença de autorização» do rechtbank van koophandel te Hasselt (Tribunal de Comércio de Hasselt).

15.      Em 23 de abril de 2013, a Prefaco contactou por telefone os trabalhadores abrangidos pela transferência, pedindo‑lhes que se apresentassem no dia seguinte para exercerem as suas funções. Em 24 de abril de 2013, a Prefaco confirmou a transferência por escrito. Do mesmo modo, os trabalhadores que não foram mantidos foram contactados por telefone e informados pelos administradores judiciais, por carta de 24 de abril de 2013, de que não tinham sido escolhidos pela Prefaco. O teor desta carta era o seguinte:

«A presente carta tem o valor de notificação oficial em conformidade com o artigo 64.o, n.o 2, da LCE. É assim encerrada a atividade [da Echo] a partir de 22 de abril de 2013. Dado que as cessionárias acima mencionadas não retomaram o seu contrato, deve considerar a presente carta como uma rescisão do contrato por parte do seu empregador, [Echo]. Enquanto credor eventual [da Echo], informamos que deverá reclamar um crédito junto dos administradores judiciais abaixo assinados […]»

16.      Os administradores judiciais entregaram igualmente a C. Plessers um formulário com menção da data de 23 de abril de 2013 como a data da rescisão do contrato.

17.      C. Plessers alegou que a Prefaco tinha começado a explorar o estabelecimento situado em Houthalen‑Helchteren a partir de 22 de abril de 2013, data na qual o rechtbank van koophandel te Hasselt (Tribunal de Comércio de Hasselt) proferiu a sentença, o que foi contestado pela Prefaco.

18.      Por carta de 7 de maio de 2013, C. Plessers solicitou à Prefaco que procedesse à sua contratação.

19.      A Prefaco respondeu por carta de 16 de maio de 2013, referindo‑se à aplicação do artigo 61.o, n.o 4, da LCE, que concede ao cessionário o direito de escolher os trabalhadores que pretende reintegrar ou não, desde que, por um lado, tal escolha seja ditada por razões técnicas, económicas ou organizacionais e, por outro, não haja uma diferenciação proibida. A Prefaco fez igualmente referência, nomeadamente, à ausência de obrigações que lhe incumbam quanto à nova contratação de C. Plessers após a rescisão do contrato de trabalho celebrado com a Echo.

20.      Por falta de acordo, por requerimento de 11 de abril de 2014, C. Plessers interpôs um recurso no arbeidsrechtbank te Antwerpen (Tribunal do Trabalho de Antuérpia, Bélgica).

21.      Além disso, em 24 de julho de 2015, C. Plessers citou o Estado belga por intervenção provocada.

22.      Por sentença de 23 de maio de 2016, o arbeidsrechtbank te Antwerpen (Tribunal do Trabalho de Antuérpia) declarou improcedentes todos os pedidos de C. Plessers e condenou‑a na totalidade das despesas. C. Plessers interpôs recurso desta sentença para o arbeidshof te Antwerpen, afdeling Hasselt (Tribunal Superior do Trabalho de Antuérpia, Secção de Hasselt, Bélgica).

23.      Foi nestas condições que o arbeidshof te Antwerpen, afdeling Hasselt (Tribunal Superior do Trabalho de Antuérpia, Secção de Hasselt), por decisão de 14 de agosto de 2017, que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 21 de agosto de 2017, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O direito de escolha da empresa cessionária previsto no artigo 61.o, n.o 4, da [LCE], na medida em que esta “reorganização judicial por transferência sob controlo judicial” é utilizada para a conservação da totalidade ou de uma parte do cedente ou das suas atividades, é conforme com a Diretiva [2001/23], em especial com os artigos 3.o e 5.o desta diretiva?»

24.      Foram apresentadas observações escritas pelas partes no processo principal, pelo Governo belga e pela Comissão Europeia. Na audiência, que se realizou em 3 de outubro de 2018, todas as partes, exceto a Prefaco, compareceram para apresentar oralmente as suas alegações.

IV.    Análise

A.      Quanto ao teor da questão submetida

25.      A Prefaco alega nas suas observações escritas que C. Plessers não pode invocar a Diretiva 2001/23 a fim de afastar a aplicação de uma disposição nacional clara e que, por conseguinte, a questão submetida carece de pertinência para a solução do litígio no processo principal.

26.      A este respeito, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, embora seja verdade, no caso de um litígio entre particulares, que uma diretiva não pode, por si só, criar obrigações para um particular e não pode, portanto, enquanto tal, ser contra ele invocada, também é verdade que o Tribunal de Justiça tem reiteradamente declarado que a obrigação de os Estados‑Membros, decorrente de uma diretiva, alcançarem o resultado nela previsto, assim como o dever de tomarem todas as medidas gerais ou especiais adequadas para assegurar o cumprimento dessa obrigação, se impõem a todas as autoridades dos Estados‑Membros, incluindo, no âmbito das suas competências, às autoridades judiciais. Daqui resulta que, ao aplicarem o direito nacional, os órgãos jurisdicionais nacionais chamados a interpretá‑lo são obrigados a tomar todas as regras desse direito em consideração e a aplicar os métodos de interpretação por este reconhecidos a fim de o interpretar, na medida do possível, à luz do texto e da finalidade da diretiva em causa, para alcançar o resultado por ela fixado (4).

27.      Daqui resulta, em meu entender, que, tendo em conta essa obrigação que incumbe aos órgãos jurisdicionais nacionais, a questão submetida é pertinente para a solução do litígio do processo principal.

28.      Através da sua questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio interroga o Tribunal de Justiça, em substância, sobre a questão de saber se o artigo 61.o, n.o 4, da LCE é conforme com os artigos 3.o e 5.o da Diretiva 2001/23. Com esta questão, tal como está formulada, o órgão jurisdicional de reenvio convida o Tribunal de Justiça a pronunciar‑se quanto à compatibilidade de uma disposição do direito nacional com o direito da União.

29.      Recordo que, segundo jurisprudência constante, o sistema de cooperação estabelecido no artigo 267.o TFUE baseia‑se numa nítida separação de funções entre os tribunais nacionais e o Tribunal de Justiça. No âmbito de um processo apresentado ao abrigo deste artigo, a interpretação das disposições nacionais cabe aos órgãos jurisdicionais nacionais dos Estados‑Membros e não ao Tribunal de Justiça, e não cabe ao Tribunal de Justiça pronunciar‑se sobre a compatibilidade das normas de direito interno com as disposições do direito da União. Em contrapartida, o Tribunal de Justiça é competente para fornecer ao órgão jurisdicional nacional todos os elementos de interpretação do direito da União que lhe permitirão apreciar a compatibilidade das normas de direito interno com a regulamentação da União. Embora seja verdade que, como salientei, o teor literal da questão submetida a título prejudicial pelo órgão jurisdicional de reenvio convida o Tribunal de Justiça a pronunciar‑se sobre a compatibilidade de uma disposição de direito interno com o direito da União, nada impede o Tribunal de Justiça de dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio, fornecendo‑lhe os elementos de interpretação do direito da União que lhe permitirão decidir sobre a compatibilidade do direito interno com o direito da União (5).

30.      Recordo igualmente que, no âmbito desta cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, o Tribunal de Justiça tem por missão interpretar todas as disposições do direito da União de que os órgãos jurisdicionais nacionais necessitem para decidir dos litígios que lhe são submetidos, ainda que essas disposições não sejam expressamente referidas nas questões que lhe são apresentadas por esses órgãos jurisdicionais (6).

31.      Por conseguinte, mesmo que, no plano formal, o órgão jurisdicional de reenvio tenha limitado a sua questão unicamente à interpretação dos artigos 3.o e 5.o da Diretiva 2001/23, tal circunstância não obsta a que o Tribunal de Justiça lhe forneça todos os elementos de interpretação do direito da União que podem ser úteis para a decisão do processo que lhe foi submetido, independentemente de esse órgão jurisdicional se ter ou não referido a esses elementos no enunciado da sua questão (7).

32.      À luz desta jurisprudência e tendo em conta os elementos que constam da decisão de reenvio, parece‑me necessário que o Tribunal de Justiça proceda a uma reformulação da questão que lhe foi submetida. Proponho, portanto, que a questão do órgão jurisdicional de reenvio seja entendida no sentido de que, em substância, se destina a saber se a Diretiva 2001/23, nomeadamente os seus artigos 3.o e 4.o, deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que, em caso de cessão de uma empresa reestruturada no âmbito de um processo de reorganização judicial por transferência sob autoridade judicial que se aplica com vista à conservação de toda ou de uma parte do cedente ou das suas atividades, prevê, para o cessionário, o direito de escolher os trabalhadores que pretende reintegrar.

33.      Para responder a esta questão, parece‑me essencial examinar previamente a questão da aplicabilidade do artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23 às transferências de empresa que tenham lugar no âmbito de um processo de reorganização judicial por transferência sob autoridade judicial e, por conseguinte, se a exceção que resulta desta disposição se aplica ao caso em apreço. Com efeito, só quando este processo não preenche todas as condições exigidas por esta disposição é que a manutenção dos direitos do trabalhador prevista, nomeadamente, nos artigos 3.o e 4.o desta diretiva, se impõe no âmbito da transferência da empresa.

34.      As partes que apresentaram observações no Tribunal de Justiça defenderam posições opostas quanto à resposta a dar à questão prejudicial.

35.      C. Plessers e a Comissão sustentam, em substância, que a transferência em causa no processo principal não preenche as condições do artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23. Consideram que decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça, nomeadamente do Acórdão Federatie Nederlandse Vakvereniging e o. (8), que o processo de reorganização judicial em causa no processo principal foi iniciado com o objetivo não de indemnizar os credores através da liquidação do património, mas de prosseguir as atividades da empresa em causa. Por conseguinte, consideram que este processo não está abrangido pelo artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23.

36.      O Governo belga e a Prefaco alegam, em contrapartida, que o processo de reorganização judicial por transferência sob autoridade judicial deve ser considerado um processo de liquidação e, portanto, que a transferência em causa no processo principal satisfaz as condições previstas no artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23.

37.      Consequentemente, parece‑me necessário, antes de mais, expor um certo número de considerações gerais sobre a evolução dos processos de restruturação das empresas na União Europeia. Estas considerações parecem‑me úteis não apenas para definir o quadro regulamentar no qual a Diretiva 2001/23 se inscreve, mas igualmente para compreender o contexto do processo em causa. Com base nestas considerações, abordarei de seguida a questão da aplicabilidade do artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23, bem como as razões que justificam que se derrogue à exceção prevista neste artigo. Por fim, interessar‑me‑ei ao alcance do regime de proteção dos direitos dos trabalhadores conferido pelos artigos 3.o e 4.o desta diretiva.

B.      Quanto à evolução dos processos de reestruturação das empresas na União

38.      Em 1974, num contexto de crise económica, o Conselho da União Europeia adotou uma resolução que previa um conjunto de medidas que a Comissão se comprometia a submeter ao Conselho durante o referido ano (9). Entre estas medidas constavam duas propostas de diretivas com vista à aproximação das legislações dos Estados‑Membros relativas, no que respeita à primeira, aos despedimentos coletivos (10) e, no que respeita à segunda, à manutenção dos direitos e benefícios em caso de mudança de propriedade das empresas, nomeadamente em caso de fusão (11). Estas diretivas foram introduzidas no decorrer da década de 70 numa perspetiva de proteção dos direitos dos trabalhadores face às reestruturações que se verificaram depois da crise económica do início dos anos 70 (12). Nos anos 80, uma Terceira Diretiva, a Diretiva 80/987/CEE (13), relativa à insolvência do empregador, foi adotada, completando, assim, as diretivas ditas «diretivas de reestruturações». Resulta dos considerandos de cada uma destas diretivas que as diferenças que subsistiam entre os Estados‑Membros, no que respeita às modalidades e aos procedimentos de despedimentos coletivos, bem como ao alcance da proteção dos trabalhadores em caso de reestruturações ou de insolvência dos seus empregadores, poderiam ter uma incidência direta no funcionamento do mercado comum.

39.      Ao longo dos anos 90 e no início dos anos 2000, estas diretivas foram revistas (14). As alterações nelas introduzidas tiveram em conta a dimensão transnacional das restruturações ao reforçar os seus mecanismos de antecipação (15). Em particular, a Diretiva 77/187 foi inicialmente alterada pela Diretiva 98/50/CE (16) e subsequentemente pela Diretiva 2001/23 (17).

40.      Estas três diretivas visavam, por um lado, facilitar as reestruturações das empresas para as tornar mais competitivas e eficazes e, por outro, abordar as consequências negativas das decisões de reestruturação e mitigar os seus efeitos (18). Assim, estas diretivas contribuíram para amortecer o choque da recessão e atenuar as consequências sociais negativas das operações de reestruturação realizadas durante a crise (19). Importa referir que a Comissão apresentou recentemente, segundo a mesma abordagem (20), uma proposta de diretiva relativa aos quadros de reestruturação preventivos destinados a reforçar a cultura de salvaguarda das empresas (21).

41.      Este recordar da evolução dos processos de reestruturação das empresas, tanto a nível nacional como a nível da União, permitirá definir e entender plenamente o contexto no qual se insere a Diretiva 2001/23 com o objetivo de analisar a questão prejudicial submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio.

C.      Quanto à aplicabilidade da exceção prevista no artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23

1.      Desenvolvimento jurisprudencial da exceção

42.      A Diretiva 77/187 não previa inicialmente nenhuma exceção à sua aplicação em caso de transferência de empresa no âmbito de um processo de falência ou de um processo análogo. Foi apenas com a Diretiva 98/50 que semelhante exceção foi introduzida no texto da Diretiva 77/187, com o artigo 4.o‑A da Diretiva 77/187, e que figura atualmente no artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23. Segundo o terceiro considerando da Diretiva 98/50, esta tinha por objetivo alterar a Diretiva 77/187, nomeadamente «à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça», que irei assim recordar sucintamente (22).

43.      O Tribunal de Justiça elaborou esta exceção às garantias previstas pela Diretiva 77/187 nos seus Acórdãos Abels (23), d’Urso e o. (24), Spano e o. (25) e Dethier Équipement (26). Num primeiro momento, depois de ter recordado que o objetivo desta diretiva era impedir que a reestruturação no mercado único se efetuasse em prejuízo dos trabalhadores (27) e justificado essa exceção com a especificidade do direito das falências, o Tribunal de Justiça decidiu que a Diretiva 77/187 não se aplicava « às transferências de empresas […] numa situação na qual o cedente [tinha] declarado falência visando, sob controlo da autoridade judicial competente, a liquidação dos bens do cedente» (28), sem prejuízo, contudo, da faculdade de os Estados‑Membros aplicarem a tal transferência, de forma autónoma, os princípios desta diretiva (29). O Tribunal de Justiça precisou que a Diretiva 77/187 era, no entanto, aplicável a uma transferência de empresa efetuada no âmbito de um processo de suspensão de pagamentos que tenha lugar «numa fase anterior à falência, que implique um controlo mais restritivo do juiz e que vise em primeiro lugar a salvaguarda da massa e, se adequado, a continuação da atividade da empresa no futuro» (30).

44.      O Tribunal de Justiça precisou em seguida que, tendo em conta as diferenças nacionais entre os sistemas jurídicos dos Estados‑Membros, o critério relativo ao alcance da fiscalização exercida pelo juiz sobre o processo não permitia, por si só, determinar o âmbito de aplicação da Diretiva 77/187 (31). Afirmou que, por conseguinte, o critério determinante a tomar em consideração para estabelecer a aplicabilidade da Diretiva 77/187 a uma transferência de empresa verificada no âmbito de um processo administrativo ou judicial era o do objetivo prosseguido pelo processo em causa (32). Assente nessa base, o Tribunal de Justiça considerou que a transferência que ocorreu no âmbito de um processo destinado à liquidação dos bens do devedor com vista ao desinteresse coletivo dos credores está excluída do âmbito de aplicação da Diretiva 77/187 e que, em contrapartida, a transferência que verificada no quadro de um processo cujo «objetivo [era], em primeiro lugar», assegurar a continuação da atividade da empresa, estava abrangida pelo âmbito de aplicação desta diretiva (33).

45.      O Tribunal de Justiça confirmou posteriormente este critério e precisou que, na medida em que o processo em causa se destinava a favorecer a manutenção da atividade da empresa com vista a uma retoma posterior e, ao contrário dos processos de falência, não comportava controlo judicial, nem medidas de administração do património da empresa, nem suspensão de pagamentos, o objetivo económico e social prosseguido não podia explicar nem justificar que, quando a empresa em causa fosse objeto de uma transferência total ou parcial, «os seus trabalhadores fossem privados dos direitos que lhes reconhece [a Diretiva 77/187]» (34).

46.      Por fim, ao critério do objetivo prosseguido pelo processo em causa, o Tribunal de Justiça adicionou o critério subsidiário de serem tomadas em consideração «as regras do processo». Assim, o Tribunal de Justiça decidiu que «[importa] todavia ter igualmente em conta as regras [desse processo], nomeadamente na medida em que estas impliquem que a atividade da empresa prossiga ou cesse, assim como as finalidades da Diretiva 77/187» (35).

47.      É à luz destes princípios jurisprudenciais, elaborados pelo Tribunal de Justiça e codificados no artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23, que deve ser interpretada a exceção contida nesta disposição.

2.      Interpretação do artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23

48.      Depois de os princípios jurisprudenciais invocados nos números anteriores terem sido codificados no artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23, o Tribunal de Justiça interpretou, pela primeira vez, esta disposição no Acórdão de 22 de junho de 2017, Federatie Nederlandse Vakvereniging e o. (36). Neste acórdão, o Tribunal de Justiça pronunciou‑se sobre a aplicabilidade da Diretiva 2001/23 a uma transferência de empresa verificada na sequência de uma declaração de falência no contexto de um prepack previsto pelo direito neerlandês, preparado anteriormente a esta declaração (37).

49.      Neste contexto, o Tribunal de Justiça recordou que resulta do considerando 3 da Diretiva 2001/23 que esta visa proteger os trabalhadores, em particular ao assegurar a manutenção dos seus direitos em caso de mudança de empresário. Para este efeito, por um lado, o artigo 3.o, n.o 1, primeiro parágrafo, desta diretiva estabelece que os direitos e obrigações resultantes, para o cedente, de um contrato de trabalho ou de uma relação de trabalho existente à data da transferência são, em razão dessa transferência, transferidos para o cessionário. Por outro lado, o artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23 protege os trabalhadores contra qualquer despedimento efetuado pelo cedente ou pelo cessionário apenas com base na referida transferência. O Tribunal de Justiça recordou igualmente que, por derrogação, o artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23 estabelece que o regime de proteção, referido nos artigos 3.o e 4.o desta, não se aplica às transferências de empresas efetuadas nas condições especificadas nesta disposição, salvo se os Estados‑Membros dispuserem em contrário (38).

50.      O Tribunal de Justiça verificou, em segundo lugar, se o procedimento em causa neste processo satisfazia os requisitos previstos no artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23. Assim, depois de ter constatado que, segundo a regulamentação nacional, a operação de prepack tinha sido preparada antes da declaração de falência mas tinha sido executada depois desta e que, por conseguinte, esta operação podia ser abrangida pelo conceito de «processo de insolvência» na aceção do artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23, o Tribunal de Justiça considerou, não obstante, que esta operação, na medida em que tinha como objetivo principal a salvaguarda da empresa em falência, não satisfazia o requisito segundo o qual o procedimento em causa deve ser iniciado para fins de liquidação dos bens do cedente. A este respeito, o Tribunal de Justiça precisou que a simples circunstância de a referida operação de prepack poder ter igualmente em vista a maximização do desinteresse dos credores não era suscetível de a transformar em procedimento iniciado para fins de liquidação dos bens do cedente, na aceção do artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23. O Tribunal de Justiça considerou igualmente que, no âmbito desta operação, o facto de nenhum controlo ser exercido por uma autoridade pública sobre o liquidatário indigitado e sobre o juiz indigitado não preenchia o requisito de controlo por uma autoridade pública enunciada no artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23 (39).

51.      Com base nestes elementos, o Tribunal de Justiça decidiu que tal operação de prepack não preenchia todos os requisitos previstos nesta disposição e que, por conseguinte, não podia ser derrogado o regime de proteção previsto nos artigos 3.o e 4.o da Diretiva 2001/23 (40).

52.      Deste modo, o Tribunal de Justiça confirmou os critérios de interpretação desenvolvidos na sua jurisprudência anterior (41), adaptando‑os, ao mesmo tempo, às especificidades da operação prepack de direito neerlandês em causa, nomeadamente no que diz respeito ao grau de controlo público (42) e ao objetivo prosseguido pelo procedimento em causa, uma vez que este último era considerado pelo Tribunal de Justiça como o critério principal, sem que tenha em conta, no âmbito desse procedimento, o critério subsidiário relativo às modalidades desta operação (43).

3.      Aplicabilidade do regime de proteção dos trabalhadores previsto nos artigos 3.o e 4.o da Diretiva 2001/23 em caso de transferência de uma empresa verificada no âmbito de um processo de reorganização judiciária por transferência sob autoridade judicial

53.      À luz das considerações precedentes, vou agora examinar se uma transferência de empresa verificada no âmbito de um processo de reorganização judicial por transferência sob autoridade judicial, como o que está em causa no processo principal, é ou abrangida não pela exceção do artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23 e, por conseguinte, se o regime de proteção dos trabalhadores, previsto nos artigos 3.o e 4.o desta diretiva se aplica ou não a essa situação. Importa assim verificar se o procedimento em causa no processo principal preenchia os requisitos cumulativos previstos no artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23 (44).

54.      A este respeito, importa recordar que esta disposição, uma vez que torna, em princípio, inaplicável o regime de proteção dos trabalhadores no caso de determinadas transferências de empresas e, deste modo, se afasta do objetivo principal subjacente à Diretiva 2001/23, deve ser necessariamente objeto de uma interpretação restritiva (45).

a)      Considerações preliminares

55.      Nenhuma das partes do processo principal sustentou que o processo de reorganização judicial por transferência sob autoridade judicial podia ser considerado um processo de falência (46). Não obstante, a Prefaco alega que o processo previsto pela LCE seria um «barreira provisória à falência» e que existia uma semelhança muito grande entre este último e o procedimento em causa no processo principal.

56.      O Governo belga alega que o processo de reorganização judicial por transferência sob autoridade judicial figura explicitamente entre os processos de liquidação mencionados pela Bélgica no Anexo B do Regulamento (CE) n.o 1346/2000 (47) e que, uma vez que a natureza deste processo foi estabelecida nesse anexo, o referido processo é abrangido pelo artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23.

57.      Não partilho deste ponto de vista. Em minha opinião, não é determinante, para fins da sua eventual qualificação como procedimento de liquidação, que o procedimento em causa no processo principal seja mencionado no Anexo B do Regulamento n.o 1346/2000.

58.      A este respeito, importa recordar, em primeiro lugar, que as regras de competência judicial e a lei aplicável previstas pelas disposições de direito internacional privado da União não prejudicam as disposições nacionais de direito material. O Regulamento n.o 1346/2000 faz parte do quadro jurídico de que a União se dotou para desenvolver uma cooperação judiciária em matéria civil e comercial com incidência transfronteiriça, ao passo que a Diretiva 2001/23 harmoniza as disposições do direito material e se aplica, em princípio, em relação a todas as transferências de empresas. Consequentemente, esta diretiva estabelece um «padrão universal» de proteção para os trabalhadores no âmbito de uma transferência de empresa na União (48). Em segundo lugar, o processo de insolvência ou de liquidação, se estiver inscrito no Anexo A ou B do Regulamento n.o 1346/2000, deve ser considerado abrangido pelo âmbito de aplicação deste regulamento e, por conseguinte, uma situação de insolvência ou de liquidação unicamente «para aplicação deste regulamento» (49).

59.      No caso em apreço, como resulta do n.o 7 das presentes conclusões, enquanto o tribunal não se tiver pronunciado sobre o pedido de reorganização judicial, o devedor não pode ser declarado em falência e, no caso de uma sociedade, esta não pode ser dissolvida judicialmente. Por conseguinte, à luz da jurisprudência examinada nos n.os 42 a 51 das presentes conclusões, esse processo, que pode conduzir à falência sem que essa consequência seja, porém, sistemática, não preenche o requisito segundo o qual o cedente deve ser objeto de um processo de falência ou de um processo análogo e (50), portanto, não pode ser abrangido pelo conceito de «processo de falência» na aceção do artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23 (51).

60.      Vou agora examinar se o procedimento em causa no processo principal preenche o requisito previsto no artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23.

b)      O cedente deve ser objeto de um processo de falência ou de insolvência análogo iniciado com vista à liquidação do seu património

61.      O artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23 exige que o cedente seja objeto de um processo de falência ou de um processo análogo de insolvência aberto com vista à liquidação dos seus bens. A este respeito, como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, um processo que visa o prosseguimento da atividade da empresa não preenche este requisito (52).

62.      No que respeita às diferenças entre estes dois tipos de processo, o Tribunal de Justiça decidiu que um processo visa o prosseguimento da atividade quando se destina a salvaguardar o caráter operacional da empresa ou das suas unidades viáveis. Em contrapartida, um processo que se destina à liquidação do património visa maximizar o desinteresse coletivo dos credores. Embora não esteja excluído que possa existir alguma sobreposição entre estes dois objetivos que um dado processo prossegue, o objetivo principal de um processo que vise o prosseguimento da atividade da empresa continua, de qualquer modo, a ser a salvaguarda da empresa em causa (53).

63.      Para determinar se, no caso em apreço, o cedente foi objeto de um processo de falência ou de um processo análogo de insolvência iniciado com vista à liquidação dos bens do cedente, importa ter em consideração os elementos seguintes.

64.      Em primeiro lugar, resulta das observações escritas do Governo belga que, segundo o artigo 23.o da LCE, o processo de reorganização judicial é iniciado quando a continuidade da empresa está ameaçada. Segundo esta disposição, presume‑se que essa continuidade está, em todo o caso, ameaçada se as perdas reduziram o ativo líquido a menos de metade do capital social. Em conformidade com o artigo 16.o da LCE, este processo tem por objetivo preservar, sob controlo do juiz, «a continuidade de toda ou uma parte da empresa em dificuldade e das suas atividades». Permite conceder uma suspensão de vários meses ao empregador cuja empresa seja reconhecida como estando «em dificuldades» na aceção desta legislação, tendo em vista quer permitir a conclusão de um acordo amigável, quer a obtenção de um acordo dos credores sobre o plano de reorganização, quer permitir a transferência sob autoridade judicial, como o que está em causa no processo principal. Além disso, como decorre do artigo 22.o da LCE, essa suspensão permite ao empregador reorganizar‑se, ficando ao mesmo tempo protegido das medidas de execução tomadas pelos credores, nomeadamente, de falência da sua sociedade (54).

65.      Em segundo lugar, importa sublinhar que o órgão jurisdicional de reenvio refere que, em conformidade com o artigo 59.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da LCE, o processo de reorganização por transferência sob autoridade judicial visa a transferência de «toda ou de parte da empresa ou das suas atividades» e que este pode ser ordenado por um tribunal «com vista a assegurar [a] manutenção [das referidas atividades] quando o devedor em tal consente no seu pedido de reorganização judicial ou posteriormente no decorrer do processo» (55).

66.      Em terceiro e último lugar, importa constatar, como salienta o órgão jurisdicional de reenvio que, no caso em apreço, é evidente que o rechtbank van koophandel te Hasselt (Tribunal de Comércio de Hasselt) ordenou a transferência sob autoridade judicial com vista à manutenção da totalidade ou de parte da empresa Echo ou das suas atividades, em conformidade com o artigo 59.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da LCE.

67.      Assim, concluo que se deve considerar que tal processo tem como objetivo principal a salvaguarda da totalidade ou de parte da empresa em dificuldades e não pode, por conseguinte, ser abrangido pelo artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23, em conformidade com a jurisprudência referida nos n.os 44 e 50 das presentes conclusões.

c)      O processo de falência ou de insolvência análogo de deve estar sob controlo de uma autoridade pública

68.      No que diz respeito ao terceiro requisito previsto no artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23, saliento que resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que, em conformidade com o artigo 60.o da LCE, a sentença que ordena a transferência designa um administrador judicial encarregado de organizar e de realizar a transferência «em nome e por conta do devedor» (56). Nestas condições, entendo que esse controlo de alcance mais restrito não pode preencher o requisito de controlo dessa autoridade referida no artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23 (57).

69.      Decorre do exposto que um processo de reorganização judicial por transferência sob autoridade judicial, como o que está em causa no processo principal, não preenche o conjunto dos requisitos previstos no artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, e que, por conseguinte, o regime de proteção que resulta dos artigos 3.o e 4.o desta diretiva não pode ser derrogado.

D.      Quanto à possibilidade de que dispõe o cessionário de escolher os trabalhadores que pretende reintegrar à luz dos artigos 3.o e 4.o da Diretiva 2001/23

70.      Resulta da decisão de reenvio que, por força do artigo 61.o, n.o 4, da LCE, o cessionário pode escolher os trabalhadores que pretende reintegrar desde que a sua escolha, por um lado, seja ditada por razões técnicas, económicas e organizacionais e, por outro, se efetue sem diferenciação proibida. Tendo em conta esta disposição, coloca‑se a questão de saber se os artigos 3.o e 4.o da Diretiva 2001/23 permitem ao cessionário escolher, como decorre do artigo 61.o, n.o 4, da LCE, os trabalhadores que pretende reintegrar.

71.      Para responder a esta questão, importa, antes de mais, recordar, tal como o Tribunal de Justiça tem decidido reiteradamente, que a Diretiva 2001/23 pretende assegurar a manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de mudança de empresário, permitindo‑lhes permanecer ao serviço do novo empregador nas mesmas condições que as acordadas com o cedente (58). O objetivo desta diretiva é garantir, tanto quanto possível, a continuação dos contratos ou das relações de trabalho, sem alteração, com o cessionário, de forma a impedir que os trabalhadores em causa sejam colocados numa posição menos favorável unicamente devido à transferência (59). Além disso, como já foi decidido pelo Tribunal de Justiça, sendo esta proteção de ordem pública e, por conseguinte, subtraída à disposição das partes no contrato de trabalho, as normas da diretiva, nomeadamente, as relativas à proteção dos trabalhadores contra o despedimento devido à transferência, devem ser consideradas como imperativas no sentido de que não podem ser derrogadas num sentido que seja desfavorável aos trabalhadores (60).

72.      Assim sendo, importa igualmente recordar que, como decorre dos próprios termos do artigo 3.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2001/23, a proteção que esta diretiva visa assegurar diz respeito apenas aos trabalhadores que tenham um contrato de trabalho ou uma relação de trabalho existente à data da transferência (61). Por conseguinte, salvo disposição específica em contrário, «o benefício da Diretiva 2001/23 só pode ser invocado pelos trabalhadores cujo contrato ou relação de trabalho subsista à data da transferência. A existência ou não de um contrato ou de uma relação de trabalho nessa data deve ser apreciada à luz do direito nacional, sob reserva, todavia, do respeito pelas regras imperativas desta diretiva relativas à proteção dos trabalhadores contra os despedimentos resultantes de uma transferência» (62).

73.      No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio salienta, por um lado, que a data de 22 de abril de 2013 (63) foi a data fixa da transferência e, por outro, que o contrato de trabalho de C. Plessers terminou em 24 de abril de 2013. Este órgão jurisdicional sublinha que «não pode haver a mínima dúvida de que, à data da transferência (22 de abril de 2013), C. Plessers estava vinculada [ao cedente (Echo)] por um contrato de trabalho». Precisa igualmente que os administradores judiciais rescindiram o contrato de trabalho com C. Plessers em 24 de abril de 2013. Por conseguinte, deve considerar‑se que C. Plessers era empregada do cedente à data da transferência com a consequência, nomeadamente, de que, por força do artigo 3.o da Diretiva 2001/23, as obrigações do empregador cedente (Echo) a seu respeito foram transferidas de pleno direito para o cessionário (Prefaco) (64).

74.      Quanto à proteção prevista no artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23, resulta desta disposição, por um lado, que a transferência de uma empresa não constitui, em si, fundamento de despedimento para o cedente ou para o cessionário e, por outro, que a referida disposição não obsta a que possa haver despedimentos por razões económicas, técnicas ou de organização que impliquem alterações acerca do plano de emprego (65).

75.      A este respeito, importa recordar que, como já foi decidido pelo Tribunal de Justiça, para determinar se o despedimento foi motivado unicamente em razão da transferência, em violação do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23, há que ter em consideração as circunstâncias objetivas nas quais o despedimento se verificou (66). Assim, num caso como o presente, resulta do n.o 15 e 73 das presentes conclusões que o despedimento em causa produziu efeitos dois dias após a data da transferência.

76.      Resulta igualmente da jurisprudência do Tribunal de Justiça que não basta demonstrar que a extinção do contrato de trabalho se deve a razões económicas, técnicas ou de organização. Deve igualmente ser provado que essas razões não decorrem diretamente da transferência da empresa, em violação do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23. Por outras palavras, deve ser provado que o despedimento em causa foi motivado por circunstâncias adicionais que acrescem à referida transferência. São, portanto, essas «circunstâncias adicionais» que são suscetíveis de serem qualificadas de «razões económicas, técnicas ou de organização» na aceção do referido artigo 4.o, n.o 1 (67).

77.      Em contrapartida, segundo o artigo 61.o, n.o 4, da LCE, cabe unicamente ao cessionário escolher os trabalhadores que pretende ou não reintegrar, mesmo que essa escolha deva ser feita com base em razões económicas, técnicas e de organização. Uma limitação a priori do alcance dessa escolha não parece ser imposta pela legislação nacional. Ora, como a Comissão acertadamente referiu, incumbe ao juiz nacional garantir o efeito útil da Diretiva 2001/23. Por conseguinte, o juiz nacional deverá poder, ele próprio, apreciar a necessidade dos despedimentos por razões económicas, técnicas ou de organização, o que não parece ser o caso em apreço. Isso só seria possível se o juiz estivesse informado de forma exaustiva, por todas as partes envolvidas na transferência da empresa, dos motivos justificativos. A simples vontade de reduzir os custos de uma retoma da empresa ou de prevenir ou de limitar os problemas financeiros não pode, por conseguinte, ser aceite como motivo justificativo (68). Permitir ao cessionário escolher os trabalhadores que pretende reintegrar esvaziaria os artigos 3.o e 4.o da Diretiva 2001/23 da sua substância. De facto, os processos que não são abrangidos pelo regime de proteção desta diretiva são os processos de falência ou de insolvência que visam a liquidação dos bens do cedente, que são abrangidos, em princípio, pela Diretiva 2008/94. Em contrapartida, uma vez que o objetivo do processo em causa é a continuidade da empresa, este processo não é abrangido pelo artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23 e, por conseguinte, a possibilidade de que dispõe o cessionário de escolher os trabalhadores é contrária aos artigos 3.o e 4.o desta diretiva e, portanto, ao efeito útil desta.

78.      Por conseguinte, sou de opinião de que a Diretiva 2001/23, e nomeadamente os artigos 3.o e 4.o, deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que, em caso de cessão de uma empresa verificada no âmbito de um processo de reorganização judicial por transferência sob autoridade judicial, aplicado com vista à manutenção da totalidade ou de uma parte do cedente ou das suas atividade, prevê, em proveito do cessionário, o direito de escolher os trabalhadores que pretende reintegrar.

V.      Conclusão

79.      Tendo em conta as considerações que precedem, proponho ao Tribunal de Justiça que responda ao arbeidshof te Antwerpen (Tribunal Superior do Trabalho de Antuérpia) da seguinte forma:

1)      O artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23/CE do Conselho, de 12 de março de 2001, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas ou de estabelecimentos, ou de partes de empresas ou de estabelecimentos, deve ser interpretado no sentido de que um processo de reorganização judicial por transferência sob autoridade judicial, como o que está em causa no processo principal, não preenche todos os requisitos enunciados nesta disposição, pelo que não pode ser derrogado o regime de proteção previsto nos artigos 3.o e 4.o desta diretiva.

2)      A Diretiva 2001/23, nomeadamente, os seus artigos 3.o e 4.o, deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que, em caso de cessão de uma empresa verificada no âmbito de um processo de reorganização judicial por transferência sob autoridade judicial, aplicado com vista à manutenção da totalidade ou de uma parte do cedente ou das suas atividade, prevê, em proveito do cessionário, o direito de escolher os trabalhadores que pretende reintegrar.


1      Língua original: francês.


2      Diretiva do Conselho, de 12 de março de 2001, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas ou de estabelecimentos, ou de partes de empresas ou de estabelecimentos (JO 2001, L 82, p. 16).


3      Belgisch Staatsblad, 9 de fevereiro de 2009, p. 8436.


4      V. Acórdão de 19 de abril de 2016, DI (C‑441/14, EU:C:2016:278, n.os 30 e 31 e jurisprudência referida).


5      V., nomeadamente, Acórdão de 15 de outubro de 2015, Iglesias Gutiérrez e Rion Bea (C‑352/14 e C‑353/14, EU:C:2015:691, n.os 21 e 22 e jurisprudência referida).


6      V. Acórdãos de 21 de junho de 2016, New Valmar (C‑15/15, EU:C:2016:464, n.o 28), e de 28 de junho de 2018, Crespo Rey (C‑2/17, EU:C:2018:511, n.o 40).


7      V., nomeadamente, Acórdãos de 16 de julho de 2015, Abcur (C‑544/13 e C‑545/13, EU:C:2015:481, n.o 33), e de 10 de maio de 2017, Chavez‑Vilchez e o. (C‑133/15, EU:C:2017:354, n.o 48).


8      Acórdão de 22 de junho de 2017 (C‑126/16, EU:C:2017:489).


9      Resolução do Conselho, de 21 de janeiro de 1974, relativa a um programa de ação social (JO 1974, C 13, p. 1).


10      Diretiva 75/129/CEE do Conselho, de 17 de fevereiro de 1975, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos despedimentos coletivos (JO 1975, L 48, p. 29; EE 05 F2 p. 54).


11      Diretiva 77/187/CEE do Conselho, de 14 de fevereiro de 1977, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas, estabelecimentos ou partes de estabelecimentos (JO 1977, L 61, p. 26; EE 05 F2 p. 122). Esta diretiva foi substituída pela Diretiva 2001/23.


12      V., nomeadamente, Blanpain, R., European Labour Law, Wolters Kluwer, 2010, p. 680.


13      Diretiva do Conselho, de 20 de outubro de 1980, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador (JO 1980, L 283, p. 23; EE 05 F2 p. 219).


14      A Diretiva 75/129 foi alterada pela Diretiva 92/56/CEE do Conselho, de 24 de junho de 1992 (JO 1992, L 245, p. 3) e codificada pela Diretiva 98/59/CE do Conselho, de 20 de julho de 1998, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos despedimentos coletivos (JO 1998, L 225, p. 16). A Diretiva 80/987 foi alterada diversas vezes e de forma substancial no decurso dos anos 80 e 2000 (v. anexo I, partes A e B desta diretiva). Por uma questão de clareza e racionalidade, foi codificada pela Diretiva 2008/94/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2008, relativa à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador (JO 2008, L 283, p. 36).


15      V. proposta de diretiva do Conselho, de 8 de setembro de 1994, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores no caso de transferências de empresas, estabelecimentos ou partes de estabelecimentos [COM(94) 300 final, p. 3]. V., igualmente, Rodière, P., Droit social de l’Union européenne, LDGD, 2014, p. 422, e Barnard, C., EU Employment Law, 4.ª ed., Oxford University Press, 2012, p. 577.


16      Diretiva 98/50/CE do Conselho, de 29 de junho de 1998, que altera a Diretiva 77/187 (JO 1998, L 201, p. 88).


17      Alguns anos mais tarde, foi publicado o Livro Verde da Comissão, de 17 de janeiro de 2012, «Restruturações e antecipação da mudança: que lições tirar da experiência recente?» [COM(2012) 7 final] (a seguir «Livro Verde»). Resulta deste documento que o seu objetivo era, nomeadamente, «contribuir para o reforço das sinergias entre todos os intervenientes em causa, a fim de responder aos desafios das reestruturações e da adaptação à mudança» (p. 2).


18      V. Barnard, C., op. cit., p. 577: «In this respect the Directives were intended both to encourage a greater degree of industrial democracy and to provide an element of social protection.»


19      V. Comunicação da Comissão e do Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões «Quadro de qualidade da União Europeia para a antecipação das mudanças e das reestruturações», [COM(2013) 882 final, p. 5]. V., igualmente, Barnard, C., op. cit., p. 578.


20      Na sequência do Livro Verde e do convite do Parlamento Europeu com base no artigo 225.o TFUE na sua Resolução de 15 de janeiro de 2013, relativa à informação e à consulta dos trabalhadores, à antecipação e à gestão das reestruturações (também designado como «Relatório Cercas»), a Comissão apresentou um quadro para a antecipação das mudanças e das reestruturações com vista a facilitar o investimento em capital humano e permitir a reafetação dos recursos humanos para atividades com elevado potencial de crescimento e empregos de qualidade, de acordo com a estratégia Europa 2020 [COM (2013) 882 final, p. 3].


21      Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa aos quadros de reestruturação preventivos, à segunda oportunidade e às medidas a tomar para aumentar a eficiência dos processos de reestruturação, de insolvência e de apuramento e alterando a Diretiva 2012/30/UE [COM (2016) 723 final]. Resulta dos considerandos 1, 2 e 12 desta proposta que a mesma pretende, em particular, eliminar os obstáculos ao exercício da livre circulação de capitais e da liberdade de estabelecimento decorrentes das diferenças existentes entre as legislações e processos nacionais em matéria de reestruturação preventiva, insolvência e segunda oportunidade. Nesta ótica, esta proposta sublinha que a futura diretiva garantirá que as empresas viáveis com dificuldades financeiras tenham acesso a quadros eficazes de reestruturação preventiva a nível nacional, que lhes permitam prosseguir as suas atividades.


22      V. Conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi no processo Federatie Nederlandse Vakvereniging e o. (C‑126/16, EU:C:2017:241, n.os 41 a 48).


23      Acórdão de 7 de fevereiro de 1985 (135/83, EU:C:1985:55). Este processo diz respeito a uma cessão de empresa efetuada no âmbito de um processo de falência regida pelo direito neerlandês. V., igualmente, Acórdãos de 7 de fevereiro de 1985, Wendelboe e o. (19/83, EU:C:1985:54, n.o 10); de 7 de fevereiro de 1985, Botzen e o. (186/83, EU:C:1985:58, n.o 9); e de 7 de fevereiro de 1985, Industriebond FNV e Federatie Nederlandse Vakbeweging (179/83, EU:C:1985:57, n.o 7).


24      Acórdão de 25 de julho de 1991 (C‑362/89, EU:C:1991:326). Neste acórdão, o Tribunal de Justiça pronunciou‑se sobre a aplicabilidade da Diretiva 77/187 no caso de uma administração extraordinária de empresa prevista pela legislação italiana.


25      Acórdão de 7 dezembro de 1995 (C‑472/93, EU:C:1995:421). Neste processo, o Tribunal de Justiça teve de determinar a aplicabilidade da Diretiva 77/187 à transferência de uma empresa cujo estado de crise tinha sido constatado nos termos da legislação italiana. Tratando‑se da mesma legislação, v. Acórdão de 11 de junho de 2009, Comissão/Itália (C‑561/07, EU:C:2009:363).


26      Acórdão de 12 de março de 1998 (C‑319/94, EU:C:1998:99). Este processo diz respeito à aplicabilidade da Diretiva 77/187 a uma transferência de empresa ocorrida no âmbito de um processo belga de liquidação judicial de sociedades.


27      Acórdão de 7 de fevereiro de 1985, Abels (135/83, EU:C:1985:55, n.os 14 e 18). V., igualmente, Acórdão de 25 de julho de 1991, d’Urso e o. (C‑362/89, EU:C:1991:326, n.o 23).


28      Acórdão de 7 de fevereiro de 1985, Abels (135/83, EU:C:1985:55, n.os 16, 23 e 30). V., igualmente, Acórdão de 25 de julho de 1991, d’Urso e o. (C‑362/89, EU:C:1991:326, n.o 23).


29      Acórdão de 7 de fevereiro de 1985, Abels (135/83, EU:C:1985:55, n.o 30).


30      Acórdão de 7 de fevereiro de 1985, Abels (135/83, EU:C:1985:55, n.os 28 a 30), e v., igualmente, Conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi no processo Federatie Nederlandse Vakvereniging e o. (C‑126/16, EU:C:2017:241, n.o 44).


31      V. Acórdão de 25 de julho de 1991, d’Urso e o. (C‑362/89, EU:C:1991:326, n.o 25).


32      V. Acórdão de 25 de julho de 1991, d’Urso e o. (C‑362/89, EU:C:1991:326, n.o 26). V., igualmente, Acórdão de 7 de dezembro de 1995, Spano e o. (C‑472/93, EU:C:1995:421, n.o 24). Importa salientar que, no Acórdão d’Urso, acima referido, o objetivo prosseguido pelo processo em causa era dar à empresa um equilíbrio que lhe permitisse assegurar a sua atividade para o futuro (n.o 32). No Acórdão Spano, acima referido, o objetivo prosseguido consistia no prosseguimento da atividade da empresa sem interrupção importante da produção, favorecendo assim a sua retoma posterior (n.os 27 e 28).


33      Acórdão de 25 de julho de 1991, d’Urso e o. (C‑362/89, EU:C:1991:326, n.os 31 e 32). V., igualmente, Conclusões do advogado‑geral W. Van Gerven no processo d’Urso e o. (C‑362/89, EU:C:1991:228, n.o 25).


34      Acórdão de 7 de dezembro de 1995, Spano e o. (C‑472/93, EU:C:1995:421, n.os 24 a 30). V., igualmente, Acórdão de 25 de julho de 1991, d’Urso e o. (C‑362/89, EU:C:1991:326, n.os 31 e 32).


35      Acórdão de 12 de março de 1998, Dethier Équipement (C‑319/94, EU:C:1998:99, n.os 25 a 31). No caso em apreço, o Tribunal de Justiça constatou que, apesar de o processo em causa visar a liquidação de bens, a situação da empresa em liquidação judiciária apresentava diversas diferenças consideráveis em relação à de uma empresa em falência, nomeadamente no que diz respeito à nomeação e funções do liquidatário. Quanto às diferenças, v. n.o 9 deste acórdão. V., igualmente, Acórdão de 12 de novembro de 1998, Europièces (C‑399/96, EU:C:1998:532, n.os 26, 31 e 32), no qual o Tribunal de Justiça aplicou ao processo de liquidação voluntária do direito belga os critérios desenvolvidos no Acórdão de 12 de março de 1998, Dethier Équipement (C‑319/94, EU:C:1998:99).


36      C‑126/16, EU:C:2017:489.


37      Esta operação de prepack visava preparar de forma detalhada a cessão da empresa com a finalidade de permitir a rápida recuperação das unidades viáveis da empresa após a declaração de falência, com a preocupação de evitar assim a rutura que resultaria da cessação brusca das suas atividades na data da declaração de falência, de forma a preservar o valor da referida empresa e do emprego. Acórdão de 22 de junho de 2017, Federatie Nederlandse Vakvereniging e o. (C‑126/16, EU:C:2017:489, n.o 49).


38      V. Acórdão de 22 de junho de 2017, Federatie Nederlandse Vakvereniging e o. (C‑126/16, EU:C:2017:489, n.os 38 a 40). No que diz respeito ao presente processo, importa referir que não resulta da decisão de reenvio que o Estado‑Membro em causa utilizou a faculdade, nas circunstâncias que justificam a aplicação do artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23, de executar o regime de proteção dos trabalhadores estabelecido nos artigos 3.o e 4.o desta diretiva, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar. Por conseguinte, esta disposição é aplicável a um processo como o que está em causa no processo principal, na condição, todavia, de o processo referido satisfazer os requisitos enunciados nessa disposição (v. n.os 42 e 43), o que irei analisar de seguida. V. artigo 5.o, n.os 2 e 3, da referida diretiva. Quanto a estas disposições, v. Despacho de 28 de janeiro de 2015, Gimnasio Deportivo San Andrés (C‑688/13, EU:C:2015:46, n.o 55).


39      V. Acórdão de 22 de junho de 2017, Federatie Nederlandse Vakvereniging e o. (C‑126/16, EU:C:2017:489, n.os 46 a 57).


40      V. Acórdão de 22 de junho de 2017, Federatie Nederlandse Vakvereniging e o. (C‑126/16, EU:C:2017:489, n.os 58).


41      V. n.os 42 a 47 das presentes conclusões.


42      O Tribunal de Justiça referiu que decorria dos autos que lhe foram submetidos que a operação de prepack tinha sido levada a cabo não sob controlo do tribunal, mas tinha sido efetuada pela direção da empresa que conduzia as negociações e adotava as decisões de preparação da venda da empresa em falência (n.o 54).


43      Quanto a este critério subsidiário, v. Acórdão de 12 de março de 1998, Dethier Équipement (C‑319/94, EU:C:1998:99, n.os 25 a 31). V., igualmente, n.o 46 das presentes conclusões.


44      V. Acórdão de 22 de junho de 2017, Federatie Nederlandse Vakvereniging e o. (C‑126/16, EU:C:2017:489, n.o 44).


45      V. Acórdão de 22 de junho de 2017, Federatie Nederlandse Vakvereniging e o. (C‑126/16, EU:C:2017:489, n.o 41 e jurisprudência referida).


46      Apenas a Comissão parece, em princípio, defender uma tal posição nas suas observações escritas, de acordo com a qual «a transferência sob controlo judicial […] deve ser considerada um processo de falência […]». No entanto, a Comissão referiu na audiência de alegações que ocorreu um erro de digitação nas suas observações, que podia dar a impressão que defendia esta posição, e referiu que o n.o 28 das suas observações devia ser lido da seguinte forma: «[A] transferência sob controlo judicial não deve ser considerada um processo de falência […]». (o sublinhado é meu).


47      Regulamento do Conselho, de 29 de maio de 2000, relativo aos processos de insolvência (JO 2000, L 160, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento de Execução (UE) n.o 583/2011 do Conselho, de 9 de junho de 2011 (JO 2011, L 160, p. 52) (a seguir «Regulamento n.o 1346/2000»). A Prefaco menciona igualmente os Anexos A e C do Regulamento n.o 1346/2000, especificando o Anexo C deste que o administrador judicial designado no âmbito do processo principal deve ser considerado como um síndico de falência.


48      Quanto à coerência dos conceitos no direito da União, v. minhas Conclusões de 22 de janeiro de 2019 no processo Pillar Securitisation (C‑694/17, EU:C:2019:44, n.os 49 e 50).


49      V. Acórdão de 22 de novembro de 2012, Bank Handlowy e Adamiak (C‑116/11, EU:C:2012:739, n.os 34 e 35). Neste acórdão, o Tribunal de Justiça decidiu que o processo francês de salvaguarda estava abrangido pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.o 1346/2000 porque constava entre os processos inscritos no Anexo A deste regulamento. Ora, alguns autores exprimiram dúvidas quanto ao respeito deste processo pelas condições estabelecidas no artigo 1.o, n.o 1, do referido regulamento. V., nomeadamente, Jault‑Seseke, F., «Le règlement 2015/848: le vin nouveau et les vieilles outres», Revue critique de droit international privé, 2016, p. 21, n.o 18; Burkhard, H., Oberhammer, P., Bariatti, S., Koller, Ch., Björn, L., Requejo Isidro, M., Villata, F.C. (dirs.), The Implementation of the New Insolvency Regulation: Improving Cooperation and Mutual Trust, Nomos, 2017, p. 65.


50      Resulta de abundante doutrina belga referida nas observações escritas de C. Plessers que a transferência sob controlo judicial «surge antes da falência e tem mesmo por finalidade evitar essa decisão extrema». V., a este respeito, Vandersnickt, C., Overgang van onderneming krachtens overeenkomst. Het materieel toepassingsgebied van de richtlijn 2001/23/EG, série «Sociale praktijkstudies», Malines, Wolters‑Kluwer, 2015, p. 116.


51      Resulta das observações escritas de C. Plessers que foi sempre admitido pelos trabalhos preparatórios e pela doutrina belga que o procedimento em causa no processo principal não constitui um processo de liquidação mas antes é «concebido como uma alternativa à falência». V. Doc Parl., Chambre, 2007, DEC 52 0160/001, p. 7. Este documento, referido nos autos submetidos ao Tribunal de Justiça, bem como o sítio oficial Internet sobre os processos de reestruturação evocado pela Comissão na audiência, está disponível no seguinte endereço: http://socialsante.wallonie.be/surendettement/professionnel/?q=procedures‑restructuration‑reorganisation. V. igualmente, Doc. Parl., Chambre, 2008‑09, DOC 52‑0160/055, p. 32.


52      V., designadamente, Acórdãos de 25 de julho de 1991, d’Urso e o. (C‑362/89, EU:C:1991:326, n.os 31 e 32); de 7 de dezembro de 1995, Spano e o. (C‑472/93, EU:C:1995:421, n.o 25); e de 22 de junho de 2017, Federatie Nederlandse Vakvereniging e o. (C‑126/16, EU:C:2017:489, n.o 47).


53      V. Acórdão de 22 de junho de 2017, Federatie Nederlandse Vakvereniging e o. (C‑126/16, EU:C:2017:489, n.o 48). V., igualmente, Conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi no processo Federatie Nederlandse Vakvereniging e o. (C‑126/16, EU:C:2017:241, n.os 57).


54      V. n.o 11 das presentes conclusões (o sublinhado é meu).


55      V. n.os 11 e 12 das presentes conclusões (o sublinhado é meu).


56      V. n.o 8 das presentes conclusões. Com efeito, apesar de ser nomeado pelo tribunal, esse administrador procura e solicita propostas «garantindo a prioridade de manutenção de toda ou parte da atividade da empresa, tendo em conta os direitos dos credores» (artigo 62.o, primeiro parágrafo, da LCE). Em caso de pluralidade de propostas comparáveis, a prioridade é concedida pelo tribunal àquela que garanta a permanência do emprego por acordo social negociado (artigo 62.o, segundo parágrafo, da LCE).


57      V. Acórdão de 7 de fevereiro de 1985, Abels (135/83, EU:C:1985:55, n.o 28). V., igualmente, n.o 43 das presentes conclusões.


58      V. Acórdão de 27 de novembro de 2008, Juuri (C‑396/07, EU:C:2008:656, n.o 28 e jurisprudência referida).


59      V. Acórdãos de 17 de dezembro de 1987, Ny Mølle Kro (287/86, EU:C:1987:573, n.o 25); de 26 de maio de 2005, Celtec (C‑478/03, EU:C:2005:321, n.o 26); e de 7 de agosto de 2018, Colino Sigüenza (C‑472/16, EU:C:2018:646, n.o 48).


60      Acórdão de 10 de fevereiro de 1988, Foreningen af Arbejdsledere i Danmark (324/86, EU:C:1988:72, n.o 14): «Daqui decorre que os trabalhadores em causa não podem renunciar aos [seus] direitos [conferidos] pela diretiva, não sendo admissível uma restrição desses direitos, mesmo com o seu consentimento» (n.o 15). V., também, Acórdãos de 14 de novembro de 1996, Rotsart de Hertaing (C‑305/94, EU:C:1996:435, n.o 17), e de 12 de março de 1998, Dethier Équipement (C‑319/94, EU:C:1998:99, n.o 40).


61      V. Acórdão de 7 de agosto de 2018, Colino Sigüenza (C‑472/16, EU:C:2018:646, n.o 49).


62      V., nomeadamente, Acórdão de 15 de junho de 1988, Bork International e o. (101/87, EU:C:1988:308, n.o 17), bem como de 7 de agosto de 2018, Colino Sigüenza (C‑472/16, EU:C:2018:646, n.o 50).


63      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, o facto de que, como data da transferência, o contrato de transferência mencionar «dois dias úteis depois da data da sentença de autorização» apenas tem valor entre as partes contratantes e não pode ser oposto a terceiros, que não são parte no contrato, como é o caso de C. Plessers. Este órgão jurisdicional de reenvio acrescenta que, na sua carta de 24 de abril de 2013 a C. Plessers, os representantes do tribunal confirmaram igualmente que as atividades da Echo tinham cessado a partir de 22 de abril de 2013. V., a este respeito, n.o 15 das presentes conclusões.


64      Importa recordar que as apreciações de facto necessárias com vista a estabelecer a aplicabilidade da Diretiva 2001/23 são da competência do órgão jurisdicional de reenvio, tendo em conta os elementos de interpretação desenvolvidos pelo Tribunal de Justiça. V. Acórdão de 15 de junho de 1988, Bork International e o. (101/87, EU:C:1988:308, n.o 19).


65      V., nomeadamente, Acórdão de 16 de outubro de 2008, Kirtruna e Vigano (C‑313/07, EU:C:2008:574, n.o 45). Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o facto de uma empresa ser declarada em situação de crise não pode implicar, necessária e sistematicamente, mudanças da força de trabalho, na aceção do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23. Por conseguinte, o procedimento de constatação do estado de crise da empresa não pode, necessária e sistematicamente, constituir uma razão económica, técnica ou de organização que implique mudanças da força de trabalho, na aceção desta disposição. V. Acórdão de 11 de junho de 2009, Comissão/Itália (C‑561/07, EU:C:2009:363, n.o 36).


66      V. Acórdãos de 15 de junho de 1988, Bork International e o. (101/87, EU:C:1988:308, n.o 18), e de 7 de agosto de 2018, Colino Sigüenza (C‑472/16, EU:C:2018:646, n.o 53).


67      V. Acórdão de 16 de outubro de 2008, Kirtruna e Vigano (C‑313/07, EU:C:2008:574, n.os 45 e 46). Neste acórdão, o Tribunal de Justiça decidiu que o artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23 não exige, no caso de transferência de empresa, a manutenção de um contrato de arrendamento comercial concluído pelo cedente da empresa com terceiros, apesar de a rescisão do referido contrato implicar a extinção dos contratos de trabalho transferidos para o cessionário. Além disso, o Tribunal de Justiça considerou que no caso de um despedimento causado por circunstâncias adicionais, como a falta de acordo entre os cessionários e os senhorios sobre um novo contrato de arrendamento, a impossibilidade de encontrar outro espaço comercial ou a impossibilidade de transferir o pessoal para outras lojas, estas são suscetíveis de ser qualificadas de «razões económicas, técnicas ou de organização» na aceção do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23.


68      Segundo o advogado‑geral W. Van Gerven, não há qualquer razão para pensar que « a diretiva [permite] qualquer despedimento por razões económicas, técnicas ou de organização. De facto, a diretiva proíbe expressamente tais despedimentos quando resultem de transferências de empresas. Apenas se os despedimentos tivessem ocorrido de qualquer forma, por exemplo, antes de ter sido decidida qualquer transferência de empresa, é que seriam abrangidos pela referida derrogação. O artigo 4.o da diretiva não pode ser invocado como argumento para despedir uma parte dos trabalhadores devido à transferência da empresa» (Conclusões do advogado‑geral W. Van Gerven no processo d’Urso (C‑362/89, EU:C:1991:228, n.o 35). V. nota 65.