Language of document : ECLI:EU:T:2018:784

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Nona Secção alargada)

15 de novembro de 2018 (*)

«Auxílios de Estado — Disposições relativas ao imposto sobre as sociedades que permitem às empresas com domicílio fiscal em Espanha amortizarem o goodwill resultante de aquisições de participações em sociedades domicílio fiscal no estrangeiro — Decisão que declara o auxílio incompatível com o mercado interno e ordena a sua recuperação — Conceito de auxílio de Estado — Seletividade — Sistema de referência — Derrogação — Diferença de tratamento — Justificação da diferença de tratamento — Empresas beneficiárias da medida — Confiança legítima»

No processo T‑219/10 RENV,

World Duty Free Group, SA, anteriormente Autogrill España, SA, com sede em Madrid (Espanha), representada por J. Buendía Sierra, E. Abad Valdenebro, R. Calvo Salinero e A. Lamadrid de Pablo, advogados,

recorrente,

apoiada por:

República Federal da Alemanha, representada por T. Henze, na qualidade de agente,

por

Irlanda, representada inicialmente por G. Hodge e E. Creedon e, em seguida, por G. Hodge e D. Browne, na qualidade de agentes, assistidas por B. Doherty Barry e A. Goodman, barristers,

e por

Reino de Espanha, representado por M. Sampol Pucurull, na qualidade de agente,

intervenientes,

contra

Comissão Europeia, representada por R. Lyal, B. Stromsky, C. Urraca Caviedes e P. Němečková, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objeto um pedido, com base no artigo 263.o TFUE, de anulação do artigo 1.o, n.o 1, da Decisão 2011/5/CE da Comissão, de 28 de outubro de 2009, relativa à amortização para efeitos fiscais da diferença relativamente ao valor do património (financial goodwill), em caso de aquisição de participações em empresas estrangeiras Processo C 45/07 (ex NN 51/07, ex CP 9/07) aplicada pela Espanha (JO 2011, L 7, p. 48), e, a título subsidiário, do artigo 4.o dessa decisão,

O TRIBUNAL GERAL (Nona Secção alargada),

composto por: S. Gervasoni (relator), presidente, L. Madise, R. da Silva Passos, K. Kowalik‑Bańczyk e C. Mac Eochaidh, juízes,

secretário: X. Lopez Bancalari, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 31 de janeiro de 2018,

profere o presente

Acórdão

I.      Antecedentes do litígio

1        Em 10 de outubro de 2007, no seguimento de várias perguntas escritas que lhe tinham sido colocadas ao longo dos anos de 2005 e 2006 por membros do Parlamento Europeu e de uma denúncia de um operador privado que lhe fora dirigida em 2007, a Comissão das Comunidades Europeias deu início ao procedimento formal de investigação previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE, relativamente ao dispositivo previsto no artigo 12.o, n.o 5, introduzido na Ley del Impuesto sobre Sociedades (Lei espanhola do imposto sobre as sociedades) pela Ley 24/2001, de Medidas Fiscales, Administrativas y del Orden Social (Lei 24/2001, que aprova medidas fiscais, administrativas e de ordem social), de 27 de dezembro de 2001 (BOE n.o 313, de 31 de dezembro de 2001, p. 50493), e retomado pelo Real Decreto Legislativo 4/2004, por el que se aprueba el texto refundido de la Ley del Impuesto sobre Sociedades (Real Decreto Legislativo 4/2004, que aprova o texto adaptado da Lei do imposto sobre as sociedades), de 5 de março de 2004 (BOE n.o 61, de 11 de março de 2004, p. 10951, a seguir «medida controvertida» ou «regime controvertido»).

2        A medida controvertida dispõe que, no caso de uma aquisição de participação de uma empresa sujeita a tributação em Espanha numa «empresa estrangeira», quando essa aquisição de participação seja de pelo menos 5 % e a participação em causa seja detida de forma ininterrupta durante pelo menos um ano, o financial goodwill (v., adiante, n.os 67 e 69) daí resultante pode ser deduzido, sob a forma de amortização, do rendimento tributável do imposto sobre as sociedades a pagar pela empresa. A medida controvertida precisa que, para ser qualificada de «empresa estrangeira», uma sociedade tem que estar sujeita a um imposto idêntico ao imposto aplicável em Espanha e os seus rendimentos têm que provir essencialmente do exercício de atividades no estrangeiro.

3        Por ofício de 5 de dezembro de 2007, a Comissão recebeu as observações do Reino de Espanha sobre a decisão de dar início ao procedimento formal de investigação (a seguir «decisão de abertura»). Entre 18 de janeiro e 16 de junho de 2008, a Comissão recebeu igualmente as observações de 32 interessados. Por cartas de 30 de junho de 2008 e 22 de abril de 2009, o Reino de Espanha apresentou os seus comentários às observações dos terceiros interessados.

4        Em 18 de fevereiro de 2008, 12 de maio e 8 de junho de 2009, a Comissão organizou reuniões técnicas com as autoridades espanholas. Organizou igualmente reuniões técnicas com alguns dos 32 terceiros interessados.

5        Por ofício de 14 de julho de 2008 e por correio eletrónico de 16 de junho de 2009, o Reino de Espanha enviou informações adicionais à Comissão.

6        A Comissão encerrou o procedimento, no que se refere às aquisições de participações ocorridas no interior da União Europeia, com a sua Decisão 2011/5/CE, de 28 de outubro de 2009, relativa à amortização para efeitos fiscais da diferença relativamente ao valor do património (financial goodwill), em caso de aquisição de participações em empresas estrangeiras Processo C 45/07 (ex NN 51/07, ex CP 9/07) aplicada pela Espanha (JO 2011, L 7, p. 48, a seguir «decisão recorrida»).

7        A Comissão declarou incompatível com o mercado interno o regime controvertido, que consiste numa vantagem fiscal que permite às sociedades espanholas amortizar o goodwill resultante de aquisições de participações em sociedades não residentes, quando se aplicava a aquisições de participações em sociedades estabelecidas na União (artigo 1.o, n.o 1, da decisão recorrida). O artigo 4.o da mesma decisão recorrida prevê, designadamente, a recuperação dos auxílios concedidos pelo Reino de Espanha.

8        No entanto, a Comissão manteve aberto o procedimento quanto às aquisições de participações realizadas fora da União, uma vez que as autoridades espanholas se comprometeram a fornecer elementos adicionais relativos aos obstáculos às fusões transfronteiriças existentes fora da União que tinham referido.

9        O Reino de Espanha comunicou à Comissão informações relativas aos investimentos diretos efetuados por sociedades espanholas fora da União em 12, 16 e 20 de novembro de 2009 e em 3 de janeiro de 2010. A Comissão também recebeu observações de vários terceiros interessados.

10      Em 27 de novembro de 2009 e 16 e 29 de junho de 2010, realizaram‑se reuniões técnicas entre os serviços da Comissão e as autoridades espanholas.

11      Em 12 de janeiro de 2011, a Comissão adotou a Decisão 2011/282/UE, relativa à amortização para efeitos fiscais do goodwill financeiro, em caso de aquisição de participações em empresas estrangeiras n.o C 45/07 (ex NN 51/07, ex CP 9/07) aplicada pela Espanha (JO 2011, L 135, p. 1, a seguir «Decisão de 12 de janeiro de 2011»), que declara incompatível com o mercado interno o regime controvertido quando se aplica a aquisições de participações em empresas estabelecidas fora da União.

II.    Tramitação do processo e pedidos das partes

12      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 14 de maio de 2010, a recorrente, World Duty Free Group, SA, interpôs recurso de anulação da decisão recorrida.

13      Por Acórdão de 7 de novembro de 2014, Autogrill Espanha/Comissão (T‑219/10, EU:T:2014:939), o Tribunal Geral julgou procedente o pedido com base em que a Comissão tinha feito uma aplicação errada do pressuposto da seletividade previsto no artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

14      Por outro lado, a Decisão de 12 de janeiro de 2011 foi igualmente anulada pelo Tribunal Geral no seu Acórdão de 7 de novembro de 2014, Banco Santander e Santusa/Comissão (T‑399/11, EU:T:2014:938).

15      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 19 de janeiro de 2015, a Comissão recorreu do Acórdão de 7 de novembro de 2014, Autogrill Espanha/Comissão (T‑219/10, EU:T:2014:939). Esse recurso, registado sob o número C‑20/15 P, foi apensado ao recurso registado sob o número C‑21/15 P, que a Comissão tinha interposto do Acórdão de 7 de novembro de 2014, Banco Santander e Santusa/Comissão (T‑399/11, EU:T:2014:938).

16      A recorrente, apoiada pela República Federal da Alemanha, pela Irlanda e pelo Reino de Espanha, concluía pela negação de provimento ao recurso.

17      Por Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o. (C‑20/15 P e C‑21/15 P, a seguir «Acórdão World Duty Free», EU:C:2016:981), o Tribunal de Justiça anulou o Acórdão de 7 de novembro de 2014, Autogrill Espanha/Comissão (T‑219/10, EU:T:2014:939), devolveu o processo ao Tribunal Geral e reservou para final parte das despesas. O Tribunal de Justiça anulou igualmente o Acórdão de 7 de novembro de 2014, Banco Santander e Santusa/Comissão (T‑399/11, EU:T:2014:938).

18      De acordo com o artigo 217.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, as partes principais apresentaram observações escritas em 2 de março de 2017 e o Reino de Espanha em 3 de março de 2017.

19      De acordo com o artigo 217.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, as partes principais e o Reino de Espanha apresentaram articulado complementar de observações escritas em 24 de abril de 2017.

20      Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal Geral deu início à fase oral do processo.

21      Por decisão do presidente da Nona Secção alargada do Tribunal Geral de 8 de dezembro de 2017, ouvidas as partes, o presente processo e o processo T‑399/11 RENV, Banco Santander e Santusa/Comissão, foram apensados para efeitos da fase oral do processo, nos termos do artigo 68.o do Regulamento de Processo.

22      Na audiência de 31 de janeiro de 2018 foram ouvidas as alegações das partes.

23      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular o artigo 1.o, n.o 1, da decisão recorrida, na medida em que declara que o regime controvertido comporta elementos de auxílio de Estado;

–        a título subsidiário, anular o artigo 1.o, n.o 1, da decisão recorrida, na medida em que declara que o regime controvertido comporta elementos de auxílio de Estado quando é aplicado a aquisições de participações que impliquem aquisição de controlo;

–        a título subsidiário, anular o artigo 4.o da decisão recorrida, na medida em que prevê a recuperação dos auxílios às operações efetuadas anteriormente à publicação da decisão recorrida no Jornal Oficial da União Europeia;

–        condenar a Comissão nas despesas.

24      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        Julgar inadmissível o recurso ou, se assim não for, não conhecer de mérito;

–        Se assim não for, julgar improcedente o recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

25      A recorrente pede igualmente que o Tribunal Geral ordene medidas de organização do processo para lhe serem comunicados certos documentos por parte da Comissão.

26      O Reino de Espanha conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        dar provimento ao recurso de anulação;

–        condenar a Comissão nas despesas.

III. Questão de direito

27      A Comissão alega que o presente recurso é inadmissível, pois a medida controvertida não diz respeito à recorrente. A título subsidiário, alega que a recorrente deixou de ter interesse em agir.

28      A recorrente alega que o seu recurso é admissível.

29      Ora, há que lembrar que o juiz da União pode analisar, nas circunstâncias de cada caso, se uma boa administração da justiça justifica que o recurso seja julgado improcedente, sem apreciar previamente a questão da sua admissibilidade (v., neste sentido, Acórdão de 26 de fevereiro de 2002, Conselho/Boehringer, C‑23/00 P, EU:C:2002:118, n.o 52).

30      No caso, justifica‑se conhecer do mérito do recurso e, sendo caso disso, não conhecer da legitimidade ou do interesse da recorrente em agir.

31      A esse respeito, a recorrente invoca três fundamentos de recurso, sendo o primeiro relativo à falta de seletividade da medida controvertida, o segundo relativo a erro na identificação do beneficiário da medida controvertida e o terceiro relativo a uma violação do princípio da proteção da confiança legítima.

A.      Quanto ao primeiro fundamento, relativo à falta de seletividade da medida controvertida

1.      Argumentos das partes

32      No primeiro fundamento, a recorrente apresenta três alegações, sendo a primeira relativa à falta de seletividade prima facie da medida controvertida, a segunda relativa a erro na identificação do sistema de referência e a terceira relativa ao caráter justificado da medida controvertida em face da natureza e do conjunto do sistema em que se insere.

33      Há que precisar, quanto às duas últimas alegações, que a recorrente indica que apresenta na petição uma argumentação global suscetível de ser aplicada a essas duas alegações.

34      Na primeira alegação, a recorrente afirma, em substância, que o regime controvertido não apresenta um caráter seletivo na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, pois o benefício que prevê é acessível a qualquer empresa. Refere que a seletividade dada por provada na decisão recorrida se baseia num raciocínio circular e tautológico, segundo o qual só as empresas que beneficiam da medida controvertida podem dele beneficiar.

35      A recorrente baseia‑se igualmente na existência de dados estatísticos que entende permitirem sustentar o facto de a medida controvertida ter podido beneficiar empresas de diferentes dimensões, de diferentes setores e numa incoerência da Comissão com a sua própria prática.

36      Por último, a recorrente alega que a decisão recorrida não está suficientemente fundamentada a este respeito.

37      No âmbito da segunda alegação, a recorrente afirma que, enquanto as empresas espanholas podem proceder sem dificuldade a uma concentração com sociedades residentes, o que lhes permite então beneficiar de uma amortização do goodwill, deparam‑se com dificuldades que as impedem de proceder a uma concentração e, portanto, de beneficiar dessa amortização nas operações respeitantes às sociedades não residentes. Assim, consoante o tipo de operações em causa, as empresas encontram‑se em situações jurídicas e factuais diferentes. Entende, assim, que não é possível considerar que a medida controvertida, que só se aplica às aquisições de participações em sociedades não residentes, introduz uma exceção a um regime fiscal comum ou normal, isto é, uma diferenciação entre operações que, face ao objetivo prosseguido por esse regime, estão em situação factual e jurídica comparável.

38      A recorrente invoca a este respeito um certo número de acórdãos do Tribunal de Justiça.

39      No âmbito da terceira alegação, a recorrente afirma que a exceção introduzida pela medida controvertida é justificada pela lógica do sistema fiscal espanhol. Com efeito, afirma que a medida controvertida permite assegurar uma neutralidade fiscal entre as operações de aquisições de participações em sociedades residentes e as operações de aquisições de participações em sociedades não residentes.

40      A esse respeito, a recorrente alega que existem obstáculos às concentrações transfronteiriças no próprio interior da União. Não é o facto, admitindo‑o demonstrado, de esses obstáculos constituírem infrações ao direito da União que permite, em seu entender, concluir pela inexistência de obstáculos. Acresce que nem todos os obstáculos constituem infrações. Mesmo admitindo que os obstáculos em causa tivessem desaparecido, a sua existência no momento da adoção da medida controvertida deveria levar a Comissão a qualificá‑la de auxílio existente.

41      Segundo a recorrente, a decisão recorrida está ferida de falta de fundamentação visto a Comissão não explicar de que modo não existem obstáculos às concentrações transfronteiriças.

42      A recorrente critica igualmente o raciocínio da Comissão de que a medida controvertida apresenta um caráter desproporcionado e demasiado impreciso. Segundo a recorrente, a medida controvertida era aplicada corretamente quando fosse atingido o limiar de 5 % de participação. De qualquer forma, a Comissão deveria ter declarado que a medida controvertida não era seletiva quanto às aquisições de participações maioritárias. Entende, assim, que a decisão recorrida deve ser anulada, pelo menos na parte em que declara que a aplicação da medida controvertida às aquisições de participações maioritárias constitui um auxílio de Estado.

43      A esse respeito, invoca vários acórdãos.

44      A recorrente critica ainda certos pontos da decisão recorrida em que a Comissão reforça o seu raciocínio com considerações relativas aos efeitos de distorção no mercado interno que teria a medida controvertida.

45      O Reino de Espanha entende que o objetivo da medida controvertida é assegurar o respeito do princípio de neutralidade fiscal. Segundo esse princípio, os efeitos fiscais de um mesmo investimento devem ser idênticos.

46      O Reino de Espanha afirma que a medida controvertida não tem qualquer relação com o «princípio da competitividade».

47      Salienta igualmente que a vantagem conferida pela medida controvertida é acessível a qualquer empresa, qualquer que seja a sua atividade.

48      Acrescenta que a medida controvertida se limita a assegurar a recuperação de um investimento ao permitir que o custo desse investimento seja deduzido no momento da avaliação do montante sujeito a imposto.

49      O Reino de Espanha alega que a Comissão não teve em conta os obstáculos jurídicos e práticos às concentrações transfronteiriças no interior da União, mesmo apesar de ter assinalado essas dificuldades à Comissão no procedimento formal de investigação. Acrescenta que esses obstáculos existiam no momento em que a medida controvertida entrou em vigor e que não foram suprimidos apesar da adoção posterior de regulamentação da União nessa matéria.

50      O Reino de Espanha alega que a Comissão não procedeu a um exame rigoroso da situação jurídica e factual quanto aos obstáculos às concentrações transfronteiriças de empresas. Assinala que a Comissão dispunha de abundante documentação por ele fornecida. A existência de obstáculos foi admitida pelo membro da Comissão responsável da concorrência no âmbito de uma troca de correspondência com a Administração espanhola. Esses obstáculos não se podem limitar aos obstáculos jurídicos explícitos.

51      O Reino de Espanha alega estar demonstrada a existência de obstáculos jurídicos, mas igualmente económicos e práticos às concentrações transfronteiriças.

52      A Comissão responde que a análise do caráter seletivo efetuada na decisão recorrida é conforme com a jurisprudência, dado que parte da definição do quadro de referência pertinente e prossegue observando que existe uma exceção criada pela medida controvertida. A Comissão entende, nas observações apresentadas sobre o Acórdão World Duty Free, que a sua análise foi confirmada por esse acórdão.

53      A Comissão assinala que a medida controvertida não é justificada pela lógica do sistema fiscal espanhol. Baseia‑se, em particular, no facto de, para amortizar o goodwill nos casos de operações nacionais, ter de ocorrer necessariamente a concentração de empresas, ao passo que, nas operações transfronteiriças, a medida controvertida se aplica a partir de uma simples aquisição de participação de 5 % na empresa não residente.

54      A Comissão refere que, na decisão recorrida, não admitiu que a presença de obstáculos às concentrações transfronteiriças pudesse justificar a medida controvertida.

55      A Comissão alega que a existência desses obstáculos na União não foi demonstrada.

56      A Comissão lembra igualmente que, no regime normal, a amortização do goodwill por aquisições de participações de apenas 5 % só é possível se essas aquisições de participações forem seguidas de uma concentração de empresas. Isso tem a consequência de uma empresa que realize uma aquisição de participações de pelo menos 5 % numa sociedade residente, mas que não pode fundir‑se com ela (por exemplo, por não ter suficientes participações), não poderá beneficiar da amortização do goodwill. Pelo contrário, uma empresa que, de forma análoga, adquira participações numa sociedade não residente e também não possa fundir‑se com ela (por não ter suficientes participações) poderá beneficiar da medida controvertida e amortizar assim o financial goodwill.

57      A Comissão precisa que, contrariamente ao que, em seu entender, se indica na petição, as autoridades espanholas não lhe pediram que declarasse que não existe auxílio nos casos em que a medida controvertida foi aplicada a participações maioritárias.

58      Por último, a Comissão rejeita a argumentação da recorrente relativa às distorções que a medida controvertida causaria no mercado interno.

2.      Apreciação do Tribunal Geral

59      A título preliminar, há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a qualificação de uma medida nacional de «auxílio de Estado», na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, exige que estejam preenchidos todos os seguintes pressupostos. Em primeiro lugar, deve tratar‑se de uma intervenção do Estado ou com recursos estatais; em segundo lugar, essa intervenção deve ser suscetível de afetar as trocas comerciais entre os Estados‑Membros. Em terceiro lugar, deve conceder uma vantagem seletiva ao seu beneficiário. Em quarto lugar, deve falsear ou ameaçar falsear a concorrência (v. Acórdão World Duty Free, n.o 53 e jurisprudência aí referida).

60      No que respeita ao pressuposto da seletividade da vantagem, que é constitutivo do conceito de «auxílio de Estado», na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, resulta de jurisprudência igualmente constante do Tribunal de Justiça que a apreciação desse pressuposto impõe que se determine se, no âmbito de um dado regime jurídico, a medida nacional em causa é suscetível de favorecer «certas empresas ou certas produções» face a outras que se encontrem, à luz do objetivo prosseguido por esse regime, em situação factual e jurídica comparável e que sofram, desse modo, um tratamento diferenciado que possa, em substância, ser qualificado de discriminatório (v. Acórdão World Duty Free, n.o 54 e jurisprudência aí referida).

61      Além disso, quando a medida em causa é encarada como um regime de auxílio e não como um auxílio individual, a Comissão deve demonstrar que essa medida, ainda que preveja uma vantagem de alcance geral, confere o seu benefício exclusivo a certas empresas ou a certos setores de atividade (v. Acórdão World Duty Free, n.o 55 e jurisprudência aí referida).

62      Em especial, no que toca a medidas nacionais que conferem um benefício fiscal, há que recordar que uma medida dessa natureza que, embora não inclua uma transferência de recursos do Estado, coloca os beneficiários numa situação mais favorável do que a dos outros contribuintes é suscetível de proporcionar uma vantagem seletiva aos beneficiários e constitui, por conseguinte, um auxílio de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE. Em contrapartida, não constitui tal auxílio na aceção desta disposição, um benefício fiscal que resulta de uma medida geral indistintamente aplicável a todos os operadores económicos (v. Acórdão World Duty Free, n.o 56 e jurisprudência aí referida).

63      Para qualificar uma medida fiscal nacional de seletiva na sequência desta análise, a Comissão deve, numa primeira fase, identificar o regime fiscal comum ou «normal» aplicável no Estado‑Membro em causa e, numa segunda fase, demonstrar que a medida fiscal em causa constitui uma exceção ao referido regime comum por introduzir diferenciações entre operadores económicos que se encontram, à luz do objetivo prosseguido por esse regime comum, numa situação factual e jurídica comparável (v. Acórdão World Duty Free, n.o 57 e jurisprudência aí referida).

64      O conceito de «auxílio de Estado» não abrange, porém, as medidas que introduzem uma diferenciação entre empresas que se encontram, à luz do objetivo prosseguido pelo regime jurídico em causa, numa situação factual e jurídica comparável e, por conseguinte, a priori, seletivas, quando o Estado‑Membro em causa conseguir demonstrar que essa diferenciação é justificada, uma vez que resulta da natureza ou do conjunto do sistema em que as referidas medidas se inserem (v. Acórdão World Duty Free, n.o 58 e jurisprudência aí referida).

65      Assim, é no termo de um método em três etapas, conforme acima apresentado nos n.os 63 e 64, que se pode concluir que uma medida fiscal nacional apresenta caráter seletivo.

66      Ainda a titulo preliminar, há que reproduzir os fundamentos da decisão recorrida com base nos quais a Comissão concluiu pelo caráter seletivo da medida controvertida.

67      Desde logo, há que precisar que o goodwill é definido na decisão recorrida como o valor de uma empresa comercial respeitada, incluindo as suas boas relações com os clientes, as competências dos funcionários e outros fatores semelhantes que venham a traduzir‑se, no futuro, em receitas superiores às aparentemente previsíveis (considerando 18 da decisão recorrida). Resulta da diferença contabilística entre o custo de aquisição e o valor de mercado dos ativos que constituem as empresas adquiridas pela empresa resultante da concentração (considerando 99 da decisão recorrida). Quando a aquisição de uma sociedade se faz por meio da aquisição das ações, o goodwill corresponde ao diferencial entre o preço pago pela aquisição de participação numa sociedade e o valor de mercado dos ativos que fazem parte dessa sociedade, diferencial esse que deve ser contabilizado como um ativo incorpóreo distinto logo que a empresa adquirente assuma o controlo da empresa‑alvo (considerando 18 da decisão recorrida).

68      No considerando 19 da decisão recorrida, indica‑se que, de acordo com os princípios do direito fiscal espanhol, com exceção da medida impugnada, o goodwill só pode ser amortizado na sequência de uma «concentração de empresas» que resulte de uma aquisição ou da contribuição dos ativos detidos por empresas independentes, ou ainda de uma operação de concentração ou cisão.

69      O financial goodwill é definido na decisão recorrida como o goodwill que seria contabilizado se a empresa adquirente da participação e a empresa adquirida procedessem a uma fusão. Assim, segundo a Comissão, o conceito de financial goodwill a que se refere a medida controvertida introduz, no domínio das aquisições de ações, uma noção normalmente utilizada na transmissão de ativos ou em operações de concentração de empresas (considerando 20 da decisão recorrida).

70      Na decisão recorrida, a Comissão considerou que o quadro ou sistema de referência adequado é o sistema espanhol de tributação do rendimento das sociedades, em particular, as regras relativas ao tratamento fiscal da diferença relativamente ao valor do património (financial goodwill) do sistema fiscal espanhol (considerando 96 da decisão recorrida). Precisou que «a medida [controvertida] dev[ia] ser avaliada à luz das disposições gerais do sistema de tributação das sociedades aplicáveis às situações em que a existência de goodwill d[ava] origem a um benefício fiscal […], essencialmente porque a Comissão considera[va] que as situações em que a diferença relativamente ao valor do património (financial goodwill) pod[ia] ser amortizada não abrang[iam] todos os tipos de contribuintes numa situação factual e jurídica semelhante» (considerando 89 da decisão recorrida). A Comissão entendeu, assim, que o quadro de referência não se podia limitar ao tratamento fiscal do financial goodwill instituído pela medida controvertida, uma vez que essa medida só beneficiava as aquisições de participações em sociedades não residentes, e que eram, portanto, as disposições gerais do regime do imposto sobre as sociedades relativas à amortização fiscal do goodwill (a seguir «tratamento fiscal do goodwill») que constituíam o quadro de referência.

71      A Comissão indicou igualmente que, permitir que a diferença relativamente ao valor do património (financial goodwill), que corresponde ao goodwill que seria contabilizado em caso de concentração das empresas, seja indicada em separado — sem sequer ter havido uma concentração de empresas — constitui uma derrogação do sistema de referência (considerando 100 da decisão recorrida), uma vez que este, por razões contabilísticas, só previa a amortização do goodwill caso houvesse essa concentração (considerandos 19, 20 e 99 da decisão recorrida).

72      A Comissão acrescentou que a medida controvertida não podia ser considerada uma nova regra geral de direito próprio, uma vez que a amortização do goodwill resultante da simples aquisição de participações só era autorizada nos casos de aquisições de participações transfronteiriças e não nos casos de aquisições de participações nacionais. A medida controvertida introduzia, assim, segundo a Comissão, uma diferença de tratamento entre as operações nacionais e as operações transfronteiriças (considerando 100 da decisão recorrida).

73      A Comissão prosseguiu indicando, no considerando 111 da decisão recorrida, que a medida controvertida não era necessária, dada a lógica do sistema fiscal. Acrescentou que era igualmente desproporcionada. Refira‑se que a Comissão, no considerando 91 da decisão recorrida, já tinha salientado o caráter simultaneamente vago e impreciso, mas igualmente discriminatório, da medida controvertida.

74      A Comissão precisou que a medida controvertida levava a impor uma tributação diferente a empresas em situações comparáveis, unicamente pelo facto de algumas delas participarem em investimentos no estrangeiro (considerando 111 da decisão recorrida), e que levava também, ao ser aplicada inclusivamente a aquisições de participações minoritárias, a tratar de forma idêntica situações diferentes (considerando 113 da decisão recorrida).

75      A Comissão concluiu que o caráter de vantagem seletiva do regime fiscal em causa não era justificado pela natureza do sistema fiscal (considerando 114 da decisão recorrida).

76      Há que apreciar se, em face de cada uma das três alegações da recorrente, a Comissão podia concluir, com base na jurisprudência lembrada e nos fundamentos que acabam de ser expostos, que a medida controvertida era seletiva.

a)      Quanto à falta de seletividade prima facie

77      No Acórdão de 7 de novembro de 2014, Autogrill España/Comissão (T‑219/10, EU:T:2014:939), o Tribunal Geral, em substância, considerou que não era possível considerar que uma medida constitutiva de uma vantagem fiscal falseava a concorrência por favorecer certas empresas ou certas produções se essa vantagem fosse acessível a todas as empresas tributadas em imposto sobre as sociedades no Estado‑Membro que tinha adotado essa medida. O Tribunal Geral entendeu que a vantagem conferida por uma medida fiscal nacional de alcance geral era acessível a qualquer empresa quando fosse impossível identificar uma categoria de empresas excluída do benefício da medida ou, seu corolário, uma categoria de empresas às quais estivesse reservado o benefício da medida (n.os 34 a 45, 52 e 79 a 81).

78      Ora, o Tribunal Geral considerou que a vantagem conferida pela medida controvertida era acessível a qualquer empresa tributada em imposto sobre as sociedades em Espanha que optasse por adquirir participações em sociedades não residentes. Com efeito, o Tribunal Geral referiu que qualquer empresa podia proceder livremente a essa opção sem que, nomeadamente, o setor de atividade da empresa ou a sua dimensão constituíssem qualquer condicionalismo a esse respeito e que a mesma empresa podia, de forma sucessiva ou mesmo concomitante, adquirir títulos de participação em sociedades residentes e em sociedades não residentes (Acórdão de 7 de novembro de 2014, Autogrill España/Comissão (T‑219/10, EU:T:2014:939, n.os 53 a 61).

79      Com base na verificação dessa acessibilidade da medida controvertida, o Tribunal Geral, aplicando o raciocínio acima exposto no n.o 77, concluiu que a Comissão, para considerar que a medida controvertida era seletiva, não se podia limitar a referir que constituía uma exceção a um sistema de referência, que só tinha beneficiado as empresas que realizavam as operações nela previstas e que «visa[va] favorecer a exportação de capital».

80      Pelo Acórdão World Duty Free, o Tribunal de Justiça invalidou o raciocínio acima exposto no n.o 77, entendendo que introduzia uma exigência adicional de identificação de uma categoria particular de empresas que pudessem distinguir‑se por causa de características específicas, que não podia ser inferida da jurisprudência (v. n.os 69 a 71 e 78).

81      Com efeito, o Tribunal de Justiça considerou que uma condição de aplicação ou de obtenção de um auxílio fiscal podia justificar o caráter seletivo desse auxílio se essa condição levasse a efetuar uma diferenciação entre empresas que se encontrassem, à luz do objetivo prosseguido pelo regime fiscal em causa, numa situação factual e jurídica comparável, e se, por conseguinte, revelasse a existência de uma discriminação relativamente às empresas que dele estivessem excluídas (Acórdão World Duty Free, n.o 86). O Tribunal de Justiça a referiu igualmente que o facto de as empresas residentes, quando efetuam aquisições de participações em sociedades com domicílio fiscal em Espanha, não poderem obter a vantagem prevista pela medida controvertida permitia concluir pelo caráter seletivo dessa medida (Acórdão World Duty Free, n.o 87).

82      Assim, uma declaração de seletividade não resulta necessariamente de uma impossibilidade de certas empresas beneficiarem da vantagem prevista pela medida em causa devido a condicionalismos jurídicos, económicos ou práticos que as impeça de realizar a operação que condiciona a concessão dessa vantagem, podendo resultar apenas do facto de existir uma operação que, apesar de ser comparável à que condiciona a concessão da vantagem em causa, não dá direito a essa vantagem. Daí resulta que uma medida fiscal pode ser seletiva mesmo apesar de qualquer empresa poder livremente optar por realizar a operação que condiciona a concessão da vantagem prevista nessa medida.

83      Deste modo, colocou‑se a tónica no conceito de seletividade baseada na distinção entre empresas que optam por efetuar certas operações e outras empresas que optam por não as efetuar e não na distinção entre empresas à luz das suas próprias características.

84      Deve, pois, o Tribunal Geral aplicar esse raciocínio à medida controvertida.

85      Ora, só se pode observar que a medida controvertida coloca em vantagem as empresas tributadas em Espanha que tenham optado por adquirir participações em sociedades não residentes face às empresas tributadas em Espanha que tenham optado por adquirir participações em sociedades residentes.

86      Com efeito, as empresas tributadas em Espanha, quando efetuam uma operação de aquisição de participações numa sociedade residente, não podem obter, por essa operação, a vantagem prevista pela medida controvertida.

87      Assim, quando uma empresa sujeita a tributação em Espanha tenha optado por adquirir participações numa sociedade não residente, é — no âmbito delimitado por essa operação — favorecida face a qualquer outra empresa, incluindo ela própria (v. n.o 78, supra), que opte por proceder à aquisição de participações numa sociedade residente.

88      Resulta do exposto que uma medida fiscal nacional como a medida controvertida, que confere uma vantagem cuja concessão está condicionada pela realização de uma operação económica, pode ser seletiva, incluindo quando, em face das características da operação em causa, qualquer empresa possa livremente optar por realizar essa operação.

89      A primeira alegação da recorrente, relativa, em substância, ao facto de qualquer empresa poder beneficiar da vantagem conferida pela medida controvertida, deve, pois, ser rejeitada sem necessidade de deferir os requerimentos de medidas de organização do processo apresentados pela recorrente nesse âmbito, uma vez que essas medidas se destinam a demonstrar que qualquer empresa pode beneficiar da vantagem conferida pela medida controvertida.

b)      Quanto à existência de uma derrogação

90      Com a segunda alegação, a recorrente critica a aplicação que a Comissão fez no caso das duas primeiras etapas do método acima referido nos n.os 63 e 64, após as quais é possível determinar se existe uma derrogação a um regime fiscal comum ou normal, isto é, uma diferenciação entre operações que, à luz do objetivo prosseguido por esse regime, se encontram numa situação factual e jurídica comparável. Em substância, contesta os elementos de comparação tidos em conta pela Comissão no âmbito dessas duas etapas.

91      Deve, pois, o Tribunal Geral apreciar se a Comissão aplicou corretamente as duas primeiras etapas do método de análise acima referido nos n.os 63 e 64, a saber, a identificação de um regime fiscal nacional comum (primeira etapa) e a conclusão por uma derrogação desse regime fiscal (segunda etapa).

1)      Quanto à primeira etapa

92      Como acima referido, no n.o 70, a Comissão tomou como quadro de referência na sua análise da seletividade o tratamento fiscal do goodwill e não circunscreveu esse quadro unicamente ao tratamento fiscal do financial goodwill. Com efeito, entendeu que as situações em que o financial goodwill podia ser amortizado não abrangiam todas as categorias de contribuintes que se encontrassem em situação factual e jurídica semelhante. Assim, não limitou, na decisão recorrida, o exame do critério da seletividade unicamente às aquisições de participações em sociedades não residentes.

93      No entanto, segundo a recorrente, enquanto as empresas espanholas podem sem dificuldade proceder a uma concentração com sociedades residentes, o que lhes permite beneficiar de uma amortização do goodwill, deparam‑se com dificuldades que as impedem de proceder a uma concentração, e, logo, de beneficiar dessa amortização, nas operações relativas às sociedades não residentes. Entende, assim, que, consoante o tipo de operações em causa, as empresas ficam em situações jurídicas e factuais diferentes que justificam um tratamento fiscal diferente. Não se pode, pois, considerar que a medida controvertida, que só se aplica às aquisições de participações em sociedades não residentes, introduz uma diferenciação entre operações que se encontram numa situação factual e jurídica comparável.

94      A argumentação da recorrente leva o Tribunal Geral a questionar‑se sobre a relevância do quadro de referência escolhido pela Comissão no caso presente, uma vez que, como esta afirma, este deve limitar‑se, devido a obstáculos às concentrações transfronteiriças, à medida controvertida, que só se aplica às aquisições de participações em sociedades não residentes.

95      Está aqui em causa a identificação de um regime fiscal nacional comum, isto é, a primeira das três etapas do método cuja aplicação o Tribunal de Justiça prevê para o exame do caráter seletivo ou não de uma medida fiscal nacional (v. n.os 63 e 64, supra).

96      Antes de mais, refira‑se que essa primeira etapa é referida no n.o 16 da Comunicação da Comissão sobre a aplicação das regras relativas aos auxílios estatais às medidas que respeitam à fiscalidade direta das empresas (JO 1998, C 384, p. 3, a seguir «Comunicação de 1998»). Nesse ponto se esclarece que se deve determinar primeiro o regime comum aplicável.

97      De resto, na Comunicação da Comissão sobre a noção de auxílio estatal nos termos do artigo 107.o, n.o 1, [TFUE] (JO 2016, C 262, p. 1, a seguir «Comunicação de 2016»), a Comissão indica que o sistema de referência constitui o elemento em função do qual se deve apreciar a seletividade de uma medida (n.o 132).

98      Segundo, há que salientar que, embora a jurisprudência do Tribunal de Justiça tenha dado precisões que permitem delimitar o alcance geográfico do quadro de referência previamente à análise das relações que este tem com a medida considerada possivelmente constitutiva de um auxílio (v., neste sentido, Acórdão de 6 de setembro de 2006, Portugal/Comissão, C‑88/03, EU:C:2006:511, n.os 64 a 66; v. ainda, no que respeita a uma entidade administrativa com poder normativo autónomo face ao do Estado‑Membro em causa, Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/Hansestadt Lübeck, C‑524/14 P, EU:C:2016:971, n.os 61 e 62), a delimitação material desse quadro de referência, pelo contrário, é feita, em princípio, em ligação com essa medida.

99      Assim, no Acórdão de 8 de setembro de 2011, Paint Graphos e o. (C‑78/08 a C‑80/08, EU:C:2011:550, n.o 50), a respeito de uma medida que consistia numa isenção do imposto sobre as sociedades de que beneficiavam as sociedades cooperativas de produção e de trabalho, o Tribunal de Justiça considerou que esse imposto, no seu conjunto, constituía o quadro de referência, tendo em conta que, para efeitos do cálculo do imposto sobre o rendimento das sociedades, a base tributável dos beneficiários dessa medida era determinada da mesma forma que a dos outros tipos de sociedades, isto é, em função do montante do lucro líquido resultante do exercício da atividade da empresa no termo do ano fiscal. Assim, o quadro de referência foi definido tendo em consideração, por um lado, o objeto da medida, que tinha uma ligação evidente com o do quadro de referência, e, por outro, a situação dos beneficiários dessa medida, que era comparável à de outras pessoas a quem se aplicava o quadro de referência.

100    No Acórdão de 8 de setembro de 2011, Comissão/Países Baixos (C‑279/08 P, EU:C:2011:551, n.o 63 a 67), apesar de a medida em causa reservar uma vantagem a certas empresas por lhes permitir acompanhar o valor económico das reduções das emissões de óxidos de azoto que efetuavam, o Tribunal de Justiça admitiu que o quadro de referência fosse essencialmente definido pelo facto de não existir menção dessa medida nos textos normativos que, contudo, tinham um objeto ambiental análogo ao seu. Indicou, assim, que esse quadro de referência era constituído pelas «leis relativas à gestão do ambiente e à poluição atmosférica que não preveem a medida em causa».

101    Nesses dois processos, o Tribunal de Justiça entendeu que existia um regime cujo objeto apresentava uma ligação com o da medida em causa e que, apesar de ser menos favorável do que essa medida, se aplicava a operadores que se encontravam em situações comparáveis à dos seus beneficiários. No processo que deu origem ao Acórdão de 8 de setembro de 2011, Paint Graphos e o. (C‑78/08 a C‑80/08, EU:C:2011:550, n.o 50), esses operadores eram as outras sociedades sujeitas a imposto sobre as sociedades cuja base tributável era determinada da mesma forma que a das sociedades cooperativas de produção e de trabalho. No processo que deu origem ao Acórdão de 8 de setembro de 2011, Comissão/Países Baixos (C‑279/08 P, EU:C:2011:551, n.o 64), tratava‑se de empresas emissoras de óxidos de azoto às quais não se aplicava a medida em causa, mas às quais, porém, tal como às empresas às quais se aplicava essa medida, eram impostas obrigações em matéria de limitação ou de redução das emissões de óxidos de azoto.

102    Resulta, pois, da jurisprudência que, para além da existência de uma relação entre o objeto da medida em causa e o objeto do regime normal, o exame do caráter comparável das situações abrangidas por essa medida e das situações abrangidas por esse regime permite igualmente delimitar materialmente o alcance desse regime.

103    É, aliás, a comparabilidade dessas situações que permite também concluir pela existência de uma derrogação (v. n.o 63, supra), quando as situações abrangidas pela medida controvertida são tratadas de forma diferente das que estão abrangidas pelo regime normal não obstante serem comparáveis com elas.

104    Assim, um raciocínio de conjunto sobre as duas primeiras etapas do método acima mencionado nos n.os 63 e 64 pode, em certos casos, levar a determinar simultaneamente o regime normal e a existência de uma derrogação.

105    Há que precisar, porém, que, no Acórdão de 8 de setembro de 2011, Paint Graphos e o. (C‑78/08 a C‑80/08, EU:C:2011:550, n.os 54 a 61), o Tribunal de Justiça prosseguiu a análise examinando as características específicas das sociedades cooperativas de produção e de trabalho e concluiu, no termo dessa de análise, que se assemelhava à que tinha sido feita na segunda etapa do método acima mencionado nos n.os 63 e 64, que essas sociedades não podiam, em princípio, ser consideradas em situação jurídica e factual comparável à das sociedades comerciais.

106    Terceiro, ainda segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o caráter comparável das situações que permite, no âmbito da primeira etapa do método acima mencionado nos n.os 63 e 64, delimitar materialmente o regime normal deve ser apreciado à luz do objetivo prosseguido por esse regime.

107    Assim, no processo que deu origem ao Acórdão de 8 de setembro de 2011, Paint Graphos e o. (C‑78/08 a C‑80/08, EU:C:2011:550, n.o 50), foi ao examinar a situação dos operadores face ao objetivo do imposto sobre as sociedades que o Tribunal de Justiça concluiu pela comparabilidade entre a situação das sociedades cooperativas de produção e de trabalho e das outras sociedades. Com efeito, enquanto o objetivo desse imposto é a tributação dos lucros das sociedades (n.o 54), a determinação da base tributável das sociedades cooperativas e das outras sociedades, que é uma primeira etapa necessária para se apurar o imposto, era feita de forma idêntica (n.o 50).

108    No processo que deu origem ao Acórdão de 8 de setembro de 2011, Comissão/Países Baixos (C‑279/08 P, EU:C:2011:551, n.os 63, 64 e 67), a certas sociedades não beneficiárias da medida controvertida, que emitiam igualmente óxidos de azoto, foram impostas, pelas «leis relativas à gestão do ambiente e à poluição atmosférica» (v. n.o 100, supra) as mesmas obrigações em matéria de limitação ou de redução das emissões de óxidos de azoto. Assim, à luz do objetivo de proteção do ambiente prosseguido não só pela medida controvertida mas principalmente por essas leis, que constituíam o regime normal, essas outras sociedades estavam numa situação comparável às sociedades beneficiárias da medida controvertida.

109    Em face destas considerações, há que determinar se, no caso, tendo em conta o objetivo do regime normal identificado pela Comissão, cujo objeto tem de estar em relação com o da medida controvertida, as empresas que adquirem participações em sociedades residentes e as que adquirem participações em sociedades não residentes estão, como alega a recorrente, em situações jurídicas e factuais que não são comparáveis e que são tão diferentes que o regime normal deveria ter‑se limitado à medida controvertida.

110    A esse respeito, refira‑se que a medida controvertida permite a amortização para efeitos fiscais do goodwill resultante de aquisições de participações em sociedades não residentes.

111    No sistema fiscal espanhol, o rendimento tributável é determinado a partir do resultado contabilístico, ao qual são seguidamente introduzidas correções em aplicação de regras fiscais (considerandos 37 e 97 da decisão recorrida).

112    Ora, uma dessas regras fiscais, cujo objeto apresenta uma ligação com o da medida controvertida, prevê a amortização do goodwill.

113    Segundo essa regra, a amortização do goodwill é possível nos casos de «concentração de empresas», isto é, numa aceção lata dessa expressão, tanto no seguimento de uma aquisição ou de uma contribuição dos ativos detidos por empresas independentes como após uma operação de fusão ou de cisão (considerandos 19 e 99 da decisão recorrida).

114    Há que precisar que não se pode inferir das disposições do artigo 89.o, n.o 3, da Lei espanhola relativa ao imposto sobre as sociedades que, sem ser nos casos em que se aplica a medida controvertida, as empresas poderiam beneficiar da amortização do goodwill por simples aquisições de participações. Com efeito, conforme indica o próprio Reino de Espanha nas suas observações, de acordo com essas disposições, quando uma empresa adquire participações numa sociedade, só lhe é permitido amortizar o goodwill relativo a essa aquisição de participações se seguidamente se fundir com a sociedade adquirida. A fusão, que é uma forma de concentração de empresas — a única, aliás, a ser tida em conta pela Comissão numa aceção estrita dessa expressão (considerando 23 da decisão recorrida) que utiliza quando se limita ao caso das aquisições de participações (considerandos 20 e 27 da decisão recorrida) — é, portanto, uma condição necessária à amortização do goodwill.

115    Resulta do exposto que só uma concentração de empresas permite a amortização do goodwill para efeitos fiscais. Há que salientar igualmente que este tratamento fiscal dado ao goodwill se aplica de forma indiferente às operações transfronteiriças e às operações internas no Reino de Espanha.

116    Ora, é em relação com uma lógica contabilística que o tratamento fiscal do goodwill é organizado com base no critério da existência ou não de uma concentração de empresas.

117    Com efeito, uma concentração de empresas resulta de uma aquisição ou de uma contribuição dos ativos detidos por empresas independentes ou ainda de uma fusão ou de uma cisão (v. n.o 113, supra). No seguimento dessas operações, o goodwill, que resulta da diferença entre o custo de aquisição e o valor de mercado dos ativos adquiridos, surge como ativo incorpóreo distinto na contabilidade da empresa resultante da concentração (considerandos 19 e 99 da decisão recorrida).

118    Assim, em face das técnicas e dos princípios contabilísticos que o tratamento fiscal do goodwill visa respeitar, é pertinente a verificação da existência de uma concentração de empresas, que leva a contabilizar esse goodwill, o que permite seguidamente amortizá‑lo.

119    É certo que, por força dos princípios contabilísticos espanhóis, o diferencial entre o preço pago por uma aquisição de participações numa sociedade e o valor de mercado dos ativos que fazem parte dessa sociedade pode, mesmo no caso de inexistência de concentração de empresas, ser registado na contabilidade da empresa adquirente como ativo incorpóreo distinto quando esta assuma o controlo da empresa adquirida. Apresenta‑se então, no âmbito de uma consolidação das contas, a situação global de um grupo de sociedades sujeitas a um controlo único (considerandos 18 e 97 da decisão recorrida).

120    No entanto, o facto de uma empresa ter adquirido participações numa sociedade residente ou numa sociedade não residente não tem qualquer relação com o registo do goodwill na contabilidade da empresa nem, portanto, com o objetivo do tratamento fiscal do goodwill.

121    A esse respeito, é indiferente que possam existir obstáculos à concentração transfronteiriça. Com efeito, o objetivo do tratamento fiscal do goodwill é o de assegurar uma certa coerência entre o tratamento fiscal do goodwill e o seu tratamento contabilístico, o que justifica amortizar o goodwill quando resulta de uma concentração de empresas (v. n.os 116 e 118, supra). O tratamento fiscal do goodwill não visa, pois, compensar a existência de obstáculos à concentração transfronteiriça ou assegurar um tratamento igualitário dos diferentes tipos de aquisições de participações.

122    Por conseguinte, as empresas que adquirem participações em sociedades não residentes estão, em face do objetivo prosseguido pelo tratamento fiscal do goodwill, numa situação jurídica e factual comparável à das empresas que adquirem participações em sociedades residentes.

123    Foi, pois, com razão que, no âmbito da primeira etapa do método acima referido nos n.os 63 e 64, a Comissão não limitou o exame do critério de seletividade unicamente às aquisições de participações em sociedades não residentes e teve assim em conta, no âmbito do regime normal, o tratamento fiscal do goodwill e não o tratamento fiscal do financial goodwill instituído pela medida controvertida (v. n.o 70, supra).

124    Acresce que a medida controvertida, ao permitir a amortização do goodwill em aquisições de participações em sociedades não residentes sem que tenha havido concentração de empresas, dá a essas operações um tratamento diferente daquele que se aplica às aquisições de participações em sociedades residentes, apesar de esses dois tipos de operações se encontrarem, à luz do objetivo prosseguido pelo regime normal, em situações jurídicas e factuais comparáveis. Pode‑se, pois, dizer, já nesta fase da análise, que decidiu bem a Comissão ao considerar, no âmbito da segunda etapa do método acima referido nos n.os 63 e 64, que a medida controvertida derrogava o regime normal (Acórdão World Duty Free, n.o 57).

125    Resulta do exposto que improcede a alegação da recorrente não só na parte respeitante à primeira etapa do método acima referido nos n.os 63 e 64, mas também na parte respeitante à sua segunda etapa, o que confirma a existência de relações entre essas duas etapas, ou mesmo por vezes, como no caso, de um raciocínio comum (v. n.o 104, supra).

126    No entanto, não obstante a existência de um regime fiscal, em relação com a medida controvertida e à luz de cujo objetivo as operações que não beneficiam dessa medida se encontram em situação comparável às operações que dele beneficiam, há que verificar ainda se a medida controvertida poderá, tendo em conta as suas características próprias e, portanto, independentemente de qualquer análise comparativa, constituir, só por si, um quadro de referência autónomo, como alega a recorrente.

127    A esse respeito, refira‑se que uma medida pode constituir o seu próprio quadro de referência quando institui um regime fiscal claramente delimitado, que prossegue objetivos específicos e que se distingue, assim, de qualquer outro regime fiscal aplicado nesse Estado‑Membro. Nesse caso, para se apreciar o pressuposto da seletividade, há que determinar, então, se certos operadores estão excluídos do âmbito de aplicação da medida apesar de, à luz do objetivo que prossegue, esses operadores estarem em situação factual e jurídica comparável à dos operadores a que se aplica (v., neste sentido, Acórdão de 7 de março de 2012, British Aggregates/Comissão, T‑210/02 RENV, EU:T:2012:110, n.os 51, 63, 67 e 71 a 75).

128    No caso de uma medida que não institui um regime fiscal claramente delimitado e que antes pertence a um conjunto jurídico mais amplo, o advogado‑geral J.‑P.Warner, nas suas Conclusões apresentadas no processo Itália/Comissão (173/73, EU:C:1974:52, p. 728), forneceu precisões que, mesmo apesar de serem relativas a um sistema de segurança social nacional, podem ser utilmente aplicados em matéria fiscal a fim de se identificar se essa medida pode, por si própria, ser considerada constitutiva de um quadro de referência autónomo.

129    Segundo o advogado‑geral J.‑P. Warner, uma reforma geral do sistema de segurança social num Estado‑Membro, que tenha o efeito incidental de reduzir a taxa das quotizações patronais, poderá enquanto tal ser alheia ao domínio de aplicação das disposições relativas aos auxílios de Estado. No entanto, em seu entender, a medida em causa nesse processo não constituía uma reforma desse tipo nem um elemento de uma reforma dessa natureza, antes tinha unicamente por objetivo resolver um problema particular. Estava abrangida, portanto, como confirmou o Tribunal de Justiça no Acórdão de 2 de julho de 1974, Itália/Comissão (173/73, EU:C:1974:71), pelas disposições relativas aos auxílios de Estado.

130    O critério apresentado pelo advogado‑geral J.‑P. Warner nas suas Conclusões no processo Itália/Comissão (173/73, EU:C:1974:52, p. 728) leva a tomar como base o caráter sistemático e geral de uma medida para a excluir do âmbito de aplicação das disposições relativas aos auxílios de Estado.

131    Na falta de maiores precisões na jurisprudência quanto ao método que permite identificar, no interior de um conjunto mais vasto, um regime autónomo suscetível de constituir um quadro de referência, é útil tomar como referência, a título indicativo, as comunicações adotadas pela Comissão na matéria.

132    Aliás, é um critério semelhante ao seguido pelo advogado‑geral J.‑P. Warner e apresentado no n.o 133 da Comunicação de 2016, do qual resulta que o sistema de referência é constituído por um conjunto coerente de regras que são aplicadas de forma geral com base em critérios objetivos a todas as empresas que se integrem no seu âmbito de aplicação, conforme definido pelo seu objetivo.

133    Pode‑se referir ainda que, para distinguir os auxílios de Estado das medidas gerais, o n.o 13 da Comunicação de 1998 prevê duas categorias de medidas gerais, a saber, por um lado, «as medidas de pura técnica fiscal (por exemplo, fixação das taxas de tributação, regras de depreciação e amortização e regras em matéria de reporte de prejuízos; disposições destinadas a evitar a dupla tributação ou a evasão fiscal)» e, por outro, «as medidas que têm um objetivo de política económica geral, reduzindo a carga fiscal que onera certos custos de produção».

134    No caso, a medida controvertida é apenas uma modalidade particular de aplicação de um imposto mais vasto, o imposto sobre as sociedades, pelo que não institui um regime fiscal claramente delimitado (v. n.o 127, supra). São de aplicar, portanto, as considerações acima expostas nos n.os 128 a 133.

135    A esse respeito, refira‑se que a medida controvertida não introduziu, como acertadamente assinala a Comissão no considerando 100 da decisão recorrida, uma nova regra geral de pleno direito relativa à amortização do goodwill, mas sim uma exceção à regra geral de que só as concentrações de empresas podem levar à amortização do goodwill, uma vez que essa exceção se destina a combater, segundo o Reino de Espanha, os efeitos desfavoráveis para as aquisições de participações em sociedades não residentes que a aplicação da regra geral causaria.

136    Assim, primeiro, a medida controvertida reserva o benefício da amortização do goodwill apenas às aquisições de participações em sociedades não residentes. Não converte, portanto, a operação de aquisição de participações num novo critério geral que organize o tratamento fiscal do goodwill, o que permitiria considerar que a medida controvertida era uma «medida de pura técnica fiscal» na aceção do n.o 13 da Comunicação de 1998.

137    Segundo, nas suas observações expostas na decisão recorrida, o Reino de Espanha referiu que a medida controvertida tinha sido adotada por existirem obstáculos, nomeadamente jurídicos, que impediam os investidores espanhóis de efetuar concentrações transfronteiriças de empresas e, portanto, de beneficiar da amortização do goodwill que permite o direito fiscal espanhol no caso de uma concentração desse tipo, quando poderiam proceder sem dificuldade a concentrações num contexto nacional (considerandos 48 e 80 da decisão recorrida). Assim, a medida controvertida visa unicamente, segundo o seu autor, remediar uma situação, considerada insatisfatória, criada pelo regime relativo ao tratamento fiscal do goodwill. Não constitui, portanto, uma reforma autónoma do imposto sobre as sociedades face a esse regime.

138    Acresce que, na medida em que tem por objetivo resolver um problema particular, o dos supostos efeitos dos obstáculos às concentrações transfronteiriças no tratamento fiscal do goodwill, não se pode considerar que a medida controvertida prossegue um objetivo de política económica geral, na aceção do n.o 13 da Comunicação de 1998.

139    Por conseguinte, retomando os termos utilizados pelo advogado‑geral J.‑P. Warner nas suas Conclusões no processo Itália/Comissão (173/73, EU:C:1974:52, p. 728), a medida controvertida, que tem unicamente por objetivo resolver um problema particular, não é uma reforma geral.

140    Resulta do exposto que o sistema de referência não se pode limitar unicamente à medida controvertida. Isso confirma que o tratamento fiscal do goodwill constitui, como acertadamente declarou a Comissão na decisão recorrida, o sistema de referência relevante para o caso presente (v. n.o 123, supra).

141    Em face destas considerações e, em particular, das que acima constam dos n.os 121 e 138, improcede a alegação da recorrente de existência de obstáculos às concentrações transfronteiriças, na parte em se destina a pôr em causa o quadro de referência tido em conta pela Comissão.

2)      Quanto à segunda etapa

142    A recorrente alega que a Comissão, que, em seu entender, tinha que demonstrar que as aquisições de participações em sociedades residentes e em sociedades não residentes eram comparáveis à luz do objetivo de neutralidade fiscal prosseguido pela medida controvertida, não cumpriu essa obrigação.

143    Quanto à segunda etapa do método acima referido nos n.os 63 e 64, embora o Tribunal de Justiça, no Acórdão de 8 de novembro de 2001, Adria‑Wien Pipeline e Wietersdorfer & Peggauer Zementwerke (C‑143/99, EU:C:2001:598, n.o 41), tenha feito referência ao objetivo prosseguido pela «medida em causa», fez referência, seguidamente, ao objetivo prosseguido pelo «regime jurídico» em que se insere essa medida (Acórdãos de 29 de abril de 2004, GIL Insurance e o., C‑308/01, EU:C:2004:252, n.o 68; de 3 de março de 2005, Heiser, C‑172/03, EU:C:2005:130, n.o 40; de 6 de setembro de 2006, Portugal/Comissão, C‑88/03, EU:C:2006:511, n.o 54; e de 21 de dezembro de 2016, Comissão/Hansestadt Lübeck, C‑524/14 P, EU:C:2016:971, n.o 54). No Acórdão World Duty Free, proferido em Grande Secção, o Tribunal de Justiça, de forma ainda mais explícita, fez referência ao objetivo prosseguido pelo regime fiscal comum ou normal aplicável no Estado‑Membro em causa (n.o 57).

144    Refira‑se que, por causa dessa jurisprudência, o exercício de comparação que se aplica para levar a cabo a segunda etapa do método acima referido nos n.os 63 e 64 passa a assemelhar‑se, em grande medida, ao que o Tribunal de Justiça utiliza também para definir o âmbito de aplicação material do quadro de referência (v. n.os 102 a 108 e 125, supra).

145    Aplicando a jurisprudência acima referida no n.o 143, em particular o Acórdão World Duty Free, sobre o qual as partes, de acordo com o princípio do contraditório, tiveram a ocasião de apresentar observações, há que tomar em conta o objetivo do regime comum no seu conjunto.

146    Ora, há que observar que o objetivo prosseguido pelo regime normal não é permitir que as empresas beneficiem da vantagem fiscal constituída pela amortização do goodwill quando se deparam com dificuldades que as impedem de proceder a uma concentração de empresas (v. n.os 116 a 121, supra).

147    É antes a medida controvertida que visa fazê‑lo removendo a existência de obstáculos à concentração transfronteiriça e assim permitindo, segundo o Reino de Espanha, garantir o respeito do princípio da neutralidade fiscal (v. n.o 137, supra).

148    O argumento da recorrente da existência de obstáculos às concentrações transfronteiriças, que se baseia, contrariamente ao que esta alega, no objetivo da medida controvertida e não no objetivo do regime normal, deve, pois, ser julgado irrelevante na fase do exame da segunda etapa do método acima mencionado nos n.os 63 e 64. Em contrapartida, será novamente analisado no âmbito da terceira alegação, relativa à terceira etapa desse método.

149    Acresce que o regime normal só prevê a amortização do goodwill no caso de concentração de empresas e que a medida controvertida, ao permitir essa amortização por aquisições de participações em sociedades não residentes, aplica a essas operações um tratamento diferente daquele que se aplica às aquisições de participações em sociedades residentes, apesar de esses dois tipos de operações se encontrarem, face ao objetivo prosseguido pelo regime normal, em situações jurídicas e factuais comparáveis. A medida controvertida introduz, portanto, uma derrogação a esse regime, como acertadamente entendeu a Comissão (v. n.o 124, supra).

150    Improcede, pois, a alegação da recorrente.

151    A conclusão acima exposta no n.o 150 não é posta em causa pela jurisprudência invocada pela recorrente.

152    Com efeito, primeiro, quanto ao Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/Hansestadt Lübeck (C‑524/14 P, EU:C:2016:971, n.os 61 e 62), o regulamento das taxas aeroportuárias, em causa nesse processo, tinha sido adotado por um aeroporto, no âmbito do seu poder autónomo de regulamentação, pelo que não podia ser considerado derrogatório de um regime aplicável a todos os aeroportos. Assim sendo, o contexto do processo que deu origem a esse Acórdão não tem nenhuma relação com o do caso presente.

153    Segundo, no processo que deu origem ao Acórdão de 14 de janeiro de 2015, Eventech (C‑518/13, EU:C:2015:9), a vantagem conferida consistia num direito de acesso preferencial às faixas reservadas aos transportes públicos de que beneficiavam os táxis e não os veículos de turismo com condutor (n.o 63). Tendo em conta o objetivo da medida em causa, a saber, assegurar um sistema de transportes seguro e eficaz (n.o 50), o facto de só os táxis poderem solicitar ou esperar passageiros sem reserva prévia (n.o 5) e de só a eles serem impostas certas obrigações, nomeadamente o facto de terem que ser reconhecíveis e terem as condições para transportar pessoas em cadeira de rodas (n.o 60), permitiu ao Tribunal de Justiça concluir que os táxis não se encontravam em situação comparável à dos veículos de turismo com condutor (n.o 61).

154    Do mesmo modo, quanto ao Acórdão de 29 de março de 2012, 3M Italia (C‑417/10, EU:C:2012:184), a medida em causa nesse processo era aplicável a certos contribuintes que, face ao objetivo prosseguido por essa medida, que tinha sido instituída para assegurar um tratamento dos processos judiciais em matéria fiscal mais antigos que respeitasse o princípio do prazo razoável, não se encontravam na mesma situação que outros contribuintes que eram partes em procedimentos mais recentes com a Administração fiscal (n.os 40 a 42).

155    Assim, é verdade que, nesses dois acórdãos, o Tribunal de Justiça teve em conta o objetivo da medida destinada a conferir a vantagem em causa e não, de forma mais ampla, o do regime em que essa medida se inseria, mesmo apesar de, no Acórdão de 14 de janeiro de 2015, Eventech (C‑518/13, EU:C:2015:9, n.o 55), o Tribunal de Justiça ter lembrado que resultava de jurisprudência constante que o artigo 107.o, n.o 1, TFUE impunha que se determinasse se, no âmbito de um dado regime jurídico, uma medida nacional era suscetível de favorecer «certas empresas ou certas produções» face a outras que, em face do objetivo prosseguido por esse regime, se encontrassem em situação factual e jurídica comparável.

156    No entanto, na sua jurisprudência mais recente, o Tribunal de Justiça precisou que se devia ter em conta o objetivo do regime em que se insere a medida que confere uma vantagem e não o objetivo dessa medida (v. n.o 143, supra).

157    Terceiro, no Acórdão de 9 de dezembro de 1997, Tiercé Ladbroke/Comissão (C‑353/95 P, EU:C:1997:596), o Tribunal de Justiça considerou que o legislador nacional tinha tratado de modo diferente as apostas organizadas em França sobre as corridas francesas e as organizadas em França sobre corridas estrangeiras ao prever que estas estavam sujeitas às retenções legais e fiscais em vigor nos países onde essas corridas eram organizadas (n.os 2, 3 e 36).

158    É certo que o Tribunal de Justiça referiu que as duas categorias de apostas não eram idênticas (Acórdão de 9 de dezembro de 1997, Tiercé Ladbroke/Comissão, C‑353/95 P, EU:C:1997:596, n.o 33), o que pode remeter para um raciocínio no âmbito da segunda etapa do método acima mencionado nos n.os 63 e 64.

159    No entanto, para justificar essa observação, o Tribunal de Justiça salientou, nomeadamente, que a aposta mútua se caracterizava pelo facto de os montantes globais das apostas constituírem uma massa comum que, após retirada de diversos encargos, era distribuída aos ganhadores de forma igual, qualquer que fosse a origem das apostas, o que implicava que a parte do montante global das apostas reservada aos ganhadores não pudesse variar consoante os Estados onde eram feitas as apostas. Concluiu então que o bom funcionamento desse sistema só podia ser assegurado se a taxa dos tributos que poderiam recair sobre os montantes globais das apostas numa dada corrida fosse a do Estado onde decorria essa corrida (n.o 34).

160    Desse modo, o Tribunal de Justiça adotou nesse processo um critério que faz parte, na realidade, da terceira etapa do método acima referido nos n.os 63 e 64, no qual assenta o exame da justificação da diferença de tratamento verificada.

161    O Acórdão de 9 de dezembro de 1997, Tiercé Ladbroke/Comissão (C‑353/95 P, EU:C:1997:596), não pode, pois, ser utilmente invocado para contestar a forma pela qual a Comissão procedeu no caso presente quanto às duas primeiras etapas do método acima referido nos n.os 63 e 64.

162    Por outro lado, as circunstâncias específicas do processo que deu origem a esse acórdão distinguem‑se das do presente processo. Sem maiores explicações por parte da recorrente, não se pode, pois, do reconhecimento pelo Tribunal de Justiça de uma diferença de situações entre as apostas organizadas em França sobre as corridas belgas e as apostas organizadas em França sobre as corridas francesas (v. n.o 158, supra), inferir a existência de uma diferença de situações entre as aquisições de participações em sociedades residentes e as aquisições de participações em sociedades não residentes.

163    De qualquer forma, a conclusão a que acima chega o Tribunal no n.o 150 baseia‑se na jurisprudência mais recente do Tribunal de Justiça acima exposta no n.o 143.

164    Resulta do exposto que improcede a presente alegação.

c)      Quanto ao caráter justificado da medida controvertida face à natureza e ao conjunto do sistema em que se insere (terceira etapa)

165    A recorrente alega que a derrogação introduzida pela medida controvertida é justificada à luz da natureza e do conjunto do sistema em que se insere. Refere‑se assim à terceira etapa do método de análise acima referido nos n.os 63 e 64.

166    Conforme acima se refere no n.o 64, o Tribunal de Justiça considerou, no âmbito da terceira etapa do método de análise acima referido nos n.os 63 e 64, que o conceito de «auxílio de Estado» não visava as medidas que introduziam uma diferenciação entre empresas que se encontrassem, face ao objetivo prosseguido pelo regime normal, em situação factual e jurídica comparável e, portanto, a priori, seletivas, quando o Estado‑Membro em causa consegue demonstrar que essa diferenciação é justificada por resultar da natureza ou do conjunto do sistema em que se inserem.

167    A esse respeito, há que lembrar que se deve estabelecer uma distinção entre, por um lado, os objetivos atribuídos a uma medida fiscal ou a um dado regime fiscal, que lhe são exteriores, e, por outro, os mecanismos inerentes ao próprio sistema fiscal, que são necessários para a realização de tais objetivos. Consequentemente, as isenções fiscais que resultam de um objetivo alheio ao sistema de tributação em que se inserem não se podem subtrair às exigências decorrentes do artigo 107.o, n.o 1, TFUE. (Acórdão de 8 de setembro de 2011, Paint Graphos e o., C‑78/08 a C‑80/08, EU:C:2011:550, n.os 69 e 70).

168    De resto, no n.o 138 da Comunicação de 2016, a Comissão remete para princípios fundadores ou diretores intrínsecos ao sistema fiscal em causa ou ainda para mecanismos inerentes ao sistema e necessários ao seu funcionamento e à sua eficácia que, só por si, são suscetíveis de justificar uma derrogação.

169    No caso, a diferença de tratamento entre as aquisições de participações em sociedades residentes e as aquisições de participações em sociedades não residentes introduzida pela medida controvertida permite, segundo o Reino de Espanha, neutralizar a diferença de tratamento instituída pelo regime fiscal espanhol do goodwill a favor das primeiras e em detrimento das segundas.

170    A diferenciação introduzida pela medida controvertida seria, pois, justificada por resultar do princípio da neutralidade fiscal.

171    Ora, o princípio da neutralidade, que é reconhecido no direito fiscal espanhol (considerando 112 da decisão recorrida), faz parte dos mecanismos inerentes a um sistema fiscal, conforme resulta, aliás, do n.o 139 da Comunicação de 2016, segundo o qual o princípio da neutralidade fiscal pode constituir uma justificação possível de uma derrogação do regime normal.

172    O Reino de Espanha pode, pois, basear‑se utilmente no princípio da neutralidade fiscal para justificar a diferenciação introduzida pela medida controvertida.

173    Refira‑se que é só num caso particular como este que o objetivo da medida em causa pode ser utilmente invocado na terceira etapa do método de análise acima referido nos n.os 63 e 64.

174    Tendo sido aceite a relevância da justificação do Reino de Espanha quanto à diferenciação introduzida pela medida controvertida, a saber, o princípio da neutralidade fiscal, falta ainda determinar se a medida controvertida é efetivamente capaz de garantir a neutralidade fiscal.

175    Segundo jurisprudência constante, o artigo 107.o, n.o 1, TFUE não distingue as intervenções estatais em função das suas causas ou objetivos, definindo‑as em função dos seus efeitos (v. Acórdão de 15 de novembro de 2011, Comissão e Espanha/Government of Gibraltar e Reino Unido, C‑106/09 P e C‑107/09 P, EU:C:2011:732, n.o 87 e jurisprudência aí referida).

176    Em primeiro lugar, há que lembrar que, quando a Comissão identifica uma derrogação, cabe ao Estado‑Membro em causa demonstrar que essa derrogação é justificada por resultar da natureza ou do conjunto do sistema em que se insere (v. n.o 64, supra).

177    Há que determinar, portanto, se, no caso, os elementos fornecidos pelo Reino de Espanha e invocados pela recorrente são suficientes para justificar, contrariamente ao entendimento da Comissão, a derrogação acima observada no n.o 149.

178    A recorrente baseia‑se no facto de, segundo o Reino de Espanha, a medida controvertida visar restabelecer uma situação de neutralidade fiscal pondo fim a uma diferença de tratamento injustificada entre as empresas que podem facilmente proceder a uma fusão com uma sociedade residente, que lhes permite beneficiar da amortização do goodwill, por um lado, e, por outro, as empresas que se deparam com dificuldades de ordem jurídica, que as impedem de proceder a uma fusão com uma sociedade não residente e, portanto, de beneficiar da amortização do goodwill.

179    Refira‑se que a medida controvertida, a fim de neutralizar a diferença de tratamento injustificada que assim resultaria do regime normal, dá o benefício da amortização do goodwill às empresas que adquirem participações em sociedades não residentes.

180    A medida controvertida baseia‑se, assim, necessariamente na premissa de que as empresas que pretendam proceder a fusões transfronteiriças e que não possam fazê‑lo por causa de obstáculos, nomeadamente jurídicos, à concentração adquirem subsidiariamente participações em sociedades não residentes ou, pelo menos, conservam as participações de que já dispõem.

181    Com efeito, sem essa premissa, não se poderia considerar que a medida controvertida beneficiava as empresas que, segundo o Reino de Espanha, são objeto de um tratamento desfavorável injustificado resultante da aplicação do regime normal. Não poderia, pois, ter um efeito neutralizador.

182    Ora, a premissa acima referida no n.o 180 não está demonstrada.

183    É certo que a recorrente alega que, quando as fusões transfronteiriças são impossíveis por causa de obstáculos levantados pela lei e pelas práticas administrativas dos Estados em causa, essas operações devem, na grande maioria dos casos, ser organizadas por intermédio da aquisição de participações em sociedades estrangeiras.

184    No entanto, uma aquisição de participações, contrariamente a uma fusão, não leva à dissolução da sociedade adquirida. Tendo em conta essa diferença e as suas implicações jurídicas e económicas, não é garantido que esses dois tipos de operação visem atingir os mesmos objetivos ou que correspondam a estratégias económicas idênticas. Isso é tanto mais assim nos casos de aquisições de participações minoritárias mas que, ao atingirem o limiar de 5 %, passam a integrar o âmbito de aplicação da medida controvertida. Por conseguinte, não se pode presumir que uma empresa que não pode proceder a uma fusão com uma sociedade adquire subsidiariamente participações nessa sociedade.

185    É mesmo plausível que as empresas que pretendem proceder a uma fusão com uma sociedade não residente e estejam impossibilitadas de o fazer por causa de obstáculos, nomeadamente jurídicos, à concentração renunciem a adquirir ou a conservar participações na sociedade em causa. Assim, essas empresas, que, não obstante serem as que são suscetíveis de sofrer um tratamento desfavorável, não beneficiam da vantagem conferida pela medida controvertida.

186    Ora, não resulta dos autos que o Reino de Espanha, a quem cabe demonstrar que a derrogação é justificada (v. n.o 176, supra), tenha demonstrado que as empresas que pretendem proceder a fusões transfronteiriças e não o possam fazer por causa de obstáculos, nomeadamente jurídicos, à concentração, adquiram subsidiariamente participações em sociedades não residentes ou, pelo menos, conservem as participações de que já dispõem.

187    De resto, a recorrente também não procedeu a essa demonstração.

188    Resulta do exposto que não se demonstrou que a vantagem resultante da medida controvertida beneficiaria as empresas sujeitas à diferença de tratamento que essa medida se destinava a sanar. Não se demonstraram, pois, os efeitos neutralizadores da medida controvertida.

189    A esse respeito, pode‑se referir que a Comissão indicou, no considerando 91 da decisão recorrida, que a medida controvertida era demasiado imprecisa e vaga, no sentido de que a sua aplicação não estava sujeita à existência de situações específicas e legalmente delimitadas que justificassem um tratamento fiscal diferente.

190    Em segundo lugar, mesmo admitindo que a medida controvertida tivesse a consequência de neutralizar os efeitos supostamente penalizadores do regime normal, o que não se demonstrou, apresenta, como acertadamente refere a Comissão (considerandos 111 a 113 da decisão recorrida), um caráter desproporcionado e, logo, injustificado.

191    Com efeito, nem todas as empresas que adquirem participações de pelo menos 5 % em sociedades residentes têm necessariamente vocação para proceder a uma fusão com essas sociedades e, desse modo, ser‑lhes conferido o benefício da amortização do goodwill.

192    Desde logo, essa fusão nem sempre é possível. É esse o caso, por exemplo, quando a empresa em causa não dispõe de uma participação que lhe confere o controlo da sociedade com a qual se pretende fundir e os outros acionistas dessa sociedade se opõem à concentração.

193    Acresce que, mesmo admitindo que essa fusão fosse possível, a amortização do goodwill só aproveitaria às empresas que pretendessem proceder a essa operação. Ora, não é certo que todas as empresas que adquiriram participações, incluindo maioritárias, numa sociedade residente pretendam proceder a uma fusão com essa sociedade, tendo em conta, nomeadamente, o facto de não ser garantido que uma aquisição de participação e uma fusão visam atingir os mesmos objetivos ou que correspondam a estratégias económicas idênticas (v. n.o 184, supra).

194    No entanto, todas as empresas que adquiram participações em sociedades não residentes, apesar de não terem necessariamente por objetivo proceder a uma fusão, beneficiarão da amortização do goodwill.

195    A esse respeito, a Comissão referiu acertadamente, no considerando 91 da decisão recorrida, que a medida controvertida abrangia «uma vasta categoria de transações de uma forma discriminatória, que não pode ser justificada com base em diferenças objetivas entre os contribuintes».

196    Há que salientar ainda que o facto de as empresas que adquirem títulos de participação em sociedades residentes poderem mais facilmente, caso o desejem, beneficiar da amortização do goodwill procedendo a uma fusão não as coloca numa posição tão vantajosa como as empresas que adquirem título de participação em sociedades não residentes e que por isso, beneficiam automaticamente da amortização do goodwill.

197    Resulta do exposto que a aplicação da medida controvertida leva a tratar de forma diferente empresas que se encontram em situações comparáveis.

198    Assim, mesmo admitindo que a medida controvertida permite restabelecer uma certa neutralidade fiscal posta em causa pelo regime normal, o que não foi demonstrado (v. n.o 188, supra), os efeitos que produz têm, de qualquer forma, a consequência de não poder ser considerada justificada em face do princípio da neutralidade fiscal, conforme considerou acertadamente a Comissão na decisão recorrida (v. n.o 190, supra).

199    Em conclusão, conforme resulta de cada um dos dois fundamentos autónomos expostos nas considerações que acima constam dos n.os 176 a 198, não resulta dos autos que a derrogação introduzida pela medida controvertida seja justificada à luz do princípio da neutralidade fiscal.

200    Embora o sistema de referência a ter em conta na análise do caráter seletivo da medida controvertida seja o tratamento fiscal do goodwill (v. n.o 140, supra) e a medida controvertida introduza uma derrogação face a esse sistema (v. n.o 149, supra), a eventual existência de obstáculos às fusões transfronteiriças não é, em face destas considerações, suscetível de poder justificar a derrogação introduzida pela medida controvertida.

201    A tese da recorrente de que a medida controvertida é justificada face ao objetivo de neutralidade fiscal deve, portanto, ser rejeitada, sem que seja necessário examinar a sua argumentação relativa à existência de obstáculos que impossibilitam ou dificultam as fusões transfronteiriças.

202    Por conseguinte, também não há que deferir os requerimentos de medidas de organização do processo apresentados pela recorrente a esse respeito, uma vez que essas medidas se destinam a permitir demonstrar a existência de obstáculos que impossibilitam ou dificultam as fusões transfronteiriças.

203    A conclusão acima exposta no n.o 201 não pode ser posta em causa pelos outros argumentos da recorrente.

204    Em primeiro lugar, segundo a recorrente, cabe à Comissão fazer uma distinção entre as aquisições de participações em sociedades não residentes que impliquem a tomada de controlo e as outras aquisições de participações, para efeitos de declaração de que a aplicação da medida controvertida às primeiras não leva à qualificação de auxílio de Estado.

205    No entanto, como acima se refere no n.o 193, certas empresas adquirem participações maioritárias em sociedades residentes sem com isso pretender proceder a uma fusão. Assim, por causa da medida controvertida, essas empresas são sujeitas a um tratamento desfavorável face às empresas que adquirem participações em sociedades não residentes, não obstante estarem numa situação comparável à delas. Este tratamento desfavorável revela a incoerência introduzida pela medida controvertida no tratamento fiscal do goodwill e que introduziria mesmo que só beneficiasse as aquisições de participações maioritárias em sociedades não residentes.

206    Refira‑se, por acréscimo, mesmo admitindo que a medida controvertida pudesse ser considerada justificada quanto a aquisições de participações maioritárias, que, de qualquer forma, não cabe à Comissão fixar na decisão recorrida condições de aplicação da medida controvertida que, em certos casos, lhe permitiriam não a qualificar de auxílio. Com efeito, essa questão faz parte do diálogo entre as autoridades espanholas e a Comissão, no âmbito da notificação do regime em causa, que deveria ter ocorrido antes da sua execução (Acórdão de 9 de setembro de 2009, Diputación Foral de Álava e o./Comissão, T‑227/01 a T‑229/01, T‑265/01, T‑266/01 e T‑270/01, EU:T:2009:315, n.o 381).

207    Há que acrescentar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, no caso de um regime de auxílio, a Comissão pode limitar‑se a estudar as características gerais do regime em causa, sem ter de analisar cada caso particular de aplicação, a fim de verificar se esse regime contém elementos de auxílio (Acórdãos de 29 de abril de 2004, Grécia/Comissão, C‑278/00, EU:C:2004:239, n.o 24; de 15 de dezembro de 2005, Itália/Comissão, C‑66/02, EU:C:2005:768, n.o 91; e de 15 de novembro de 2011, Comissão e Espanha/Government of Gibraltar e Reino Unido, C‑106/09 P e C‑107/09 P, EU:C:2011:732, n.o 122).

208    A esse respeito, a recorrente invoca o Acórdão de 22 de novembro de 2001, Mitteldeutsche Erdöl‑Raffinerie/Comissão (T‑9/98, EU:T:2001:271, n.o 117). Embora seja certo que o Tribunal Geral considerou nesse processo que a Comissão não se podia limitar a proceder a uma análise geral e abstrata da medida em causa no caso presente e que devia ter igualmente analisado o caso específico do recorrente em causa nesse processo, essa solução foi adotada em circunstâncias muito particulares, diferentes das da presente lide, uma vez que, primeiro, a adoção da medida em causa tinha sido motivada nomeadamente pelas especificidades da situação do recorrente, segundo, durante o procedimento administrativo, essa situação particular tinha sido objeto não só de observações escritas do Governo alemão e da sociedade mãe do recorrente nesse processo, mas igualmente de discussões aprofundadas entre esse Governo e a Comissão e, terceiro, o Governo alemão tinha‑lhe proposto que só aplicasse a medida em causa ao recorrente nesse processo e que notificasse individualmente todos os outros eventuais casos de aplicação dessa medida (n.os 80 a 82).

209    Quanto à invocação do Acórdão de 9 de junho de 2011, Comitato «Venezia vuole vivere» e o./Comissão (C‑71/09 P, C‑73/09 P e C‑76/09 P, EU:C:2011:368), refira‑se que esse acórdão é anterior ao Acórdão de 15 de novembro de 2011, Comissão e Espanha/Government of Gibraltar e Reino Unido (C‑106/09 P e C‑107/09 P, EU:C:2011:732), que confirmou a jurisprudência segundo a qual, no caso de um regime de auxílio, a Comissão pode limitar‑se a estudar as características gerais do regime em causa, sem ter que analisar cada caso particular de aplicação, a fim de verificar se esse regime contém elementos de auxílio (v. n.o 207, supra).

210    Além disso, nos processos que deram origem aos Acórdãos de 9 de junho de 2011, Comitato «Venezia vuole vivere» e o./Comissão (C‑71/09 P, C‑73/09 P e C‑76/09 P, EU:C:2011:368) e de 28 de novembro de 2008, Hotel Cipriani e o./Comissão (T‑254/00, T‑270/00 e T‑277/00, EU:T:2008:537), igualmente referidos pela recorrente, era invocada uma inobservância do princípio da não discriminação, por ter a Comissão, no tocante a um regime de auxílio, analisado a situação individual de certas empresas, as empresas municipais, sem proceder da mesma forma com as empresas privadas que se encontravam em situações análogas. Ora, a recorrente não invoca uma violação do princípio da não discriminação com base no facto de a situação de certas empresas ter sido objeto de exame individual. Assim, é irrelevante para o caso presente a solução aplicada pelo Tribunal Geral (e validada pelo Tribunal de Justiça nos n.os 128 e 160 do seu acórdão), de que, na falta de informações específicas a respeito das empresas recorrentes e dos setores em que operam, a Comissão não tinha que, por força do princípio da não discriminação, derrogar o seu critério baseado num exame do regime de auxílio em causa segundo as suas características gerais e proceder a uma análise da sua situação individual.

211    Acima de tudo, é irrelevante a jurisprudência acima referida nos n.os 208 a 210, pois não se trata aqui de delimitar, consoante os setores, as empresas às quais se poderia não aplicar a qualificação de auxílio de Estado, mas sim de determinar, consoante as operações económicas a que se aplica a vantagem em causa, as empresas às quais essa qualificação poderia não ser aplicada. Se se pudesse impor à Comissão uma obrigação de exame das diferentes operações económicas às quais se pudesse validamente aplicar a vantagem em causa sem que se pudesse declarar a existência de um auxílio, isso levá‑la‑ia a alterar o conteúdo ou as condições de aplicação da medida analisada e não a delimitar o seu alcance geográfico ou setorial. Ora, essa obrigação levaria a Comissão a ir além das competências que lhe são conferidas pelas disposições do Tratado FUE e do Regulamento (CE) n.o 659/1999 do Conselho, de 22 de março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo [108.o TFUE] (JO 1999, L 83, p. 1).

212    Acresce que, quanto à justificação da diferenciação feita na medida em causa, há que lembrar que é ao Estado‑Membro em causa que cabe demonstrá‑la (v. n.os 64 e 176, supra). É a ele, portanto, que cabe igualmente adaptar o conteúdo ou as condições de aplicação dessa medida se se verificar que esta só é parcialmente justificável.

213    Por último, dado o conhecimento que tem da natureza e do conjunto do sistema em que se insere a medida em causa, o Estado‑Membro é também quem está em melhores condições para definir o conteúdo ou os pressupostos de aplicação da medida, em particular quando, como no caso, a avaliação dos seus efeitos, que é suposto justificarem a derrogação que introduz, é complexa (v. n.os 178 a 198, supra).

214    Assim, mesmo admitindo que o exame da Comissão, no âmbito do procedimento formal de investigação, quanto aos das aquisições de participações maioritárias tivesse sido objeto de discussão específica entre a Comissão e o Reino de Espanha com base em pedidos documentados por este apresentados, resulta das considerações acima expostas nos n.os 204 a 213que a presente alegação, de qualquer forma, é improcedente, incluindo quanto às aquisições de participações maioritárias, sem que seja necessário analisar a argumentação relativa à existência de obstáculos que impossibilitem ou dificultem as fusões transfronteiriças.

215    Por conseguinte, também não há que deferir os requerimentos de medidas de organização do processo apresentados pela recorrente a esse respeito, uma vez que essas medidas se destinam a permitir demonstrar a existência de obstáculos que impossibilitam ou dificultam as fusões transfronteiriças.

216    Por outro lado, a recorrente alega que a Comissão se baseia igualmente no fundamento de a medida controvertida ser desproporcionada por se aplicar igualmente às aquisições de participações minoritárias que não envolvem a tomada de controlo. Com essa crítica, poderá entender‑se que pede, a título subsidiário, a anulação da decisão recorrida na parte que declara ilegal a aplicação da medida controvertida às aquisições de participações maioritárias.

217    Há que julgar improcedente esse pedido.

218    Com efeito, primeiro, a Comissão podia com razão considerar que o Reino de Espanha não tinha demonstrado o caráter justificado da medida controvertida sem sequer se basear no seu caráter desproporcionado (v. n.os 176 a 188, supra).

219    Acresce que, mesmo que só beneficiasse as aquisições de participações maioritárias em sociedades não residentes, a medida controvertida introduziria uma incoerência no tratamento fiscal do goodwill que punha em causa a sua justificação pelo princípio da neutralidade fiscal (v. n.o 205, supra).

220    Segundo, em face das considerações acima feitas nos n.os 206 a 213, a Comissão, mesmo apesar de, segundo a recorrente, o Reino de Espanha lhe ter pedido, não tinha que declarar que não havia auxílio no caso das aquisições de participações maioritárias.

221    Terceiro, e por último, a esse respeito, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, a anulação parcial de um ato da União só é possível se os elementos cuja anulação é pedida forem destacáveis do resto do ato (v. Acórdão de 24 de maio de 2005, França/Parlamento e Conselho, C‑244/03, EU:C:2005:299, n.o 12 e jurisprudência aí referida). Não está preenchido esse pressuposto de possibilidade de separação quando a anulação parcial de um ato tiver por efeito modificar a sua essência (Acórdão de 24 de maio de 2005, França/Parlamento e Conselho, C‑244/03, EU:C:2005:299, n.o 13). Ora, no caso, a anulação da decisão recorrida, na parte que declara a existência de um auxílio de Estado incluindo as aquisições de participações maioritárias, teria o efeito de modificar a essência dessa decisão.

222    Há que rejeitar, pois, o argumento acima referido no n.o 216 e julgar improcedente o pedido subsidiário nele baseado.

223    Em segundo lugar, quanto à invocação da prática decisória da Comissão, há que rejeitar esse argumento.

224    A esse respeito, basta salientar que, segundo a jurisprudência, o caráter de auxílio de Estado de uma determinada medida só deve ser apreciado no âmbito do artigo 107.o, n.o 1, TFUE e não à luz de uma alegada prática decisória anterior da Comissão (Acórdão de 15 de novembro de 2011, Comissão e Espanha/Government of Gibraltar e Reino Unido, C‑106/09 P e C‑107/09 P, EU:C:2011:732, n.o 136).

225    Resulta destas considerações que, de qualquer forma (v. n.o 201, supra), improcede a presente alegação de caráter justificado da medida controvertida face à natureza e ao conjunto do sistema em que se insere.

226    Por outro lado, não colhe o argumento de falta de fundamentação da decisão recorrida quanto à declaração de caráter seletivo da medida controvertida. Com efeito, resulta das considerações acima apresentadas nos n.os 65 a 75 que a Comissão fundamentou suficientemente a sua decisão quanto à declaração de caráter seletivo da medida controvertida.

227    Por último, quanto aos supostos efeitos da medida controvertida no mercado interno e à argumentação apresentada pela recorrente a esse respeito, basta referir que a decisão recorrida, na parte que declara que a medida controvertida é seletiva, não se baseia na existência dessas distorções. Mesmo admitindo que assim fosse, resulta do conjunto das considerações acima expostas que teve razão a Comissão ao declarar que a medida controvertida era seletiva sem necessitar, para chegar a essa declaração, de se basear em eventuais efeitos de distorção no mercado interno que pudesse ter a medida controvertida.

228    Resulta de todas estas considerações que o primeiro fundamento, relativo à falta de seletividade da medida controvertida, deve ser julgado integralmente improcedente.

B.      Quanto ao segundo fundamento, relativo a um erro na identificação do beneficiário da medida controvertida

1.      Argumentos das partes

229    A recorrente contesta, em substância, o facto de a vantagem conferida pela medida controvertida beneficiar as empresas tributadas em Espanha que adquirem participações em sociedades não residentes. Entende que os beneficiários da medida controvertida são, na realidade, essas sociedades e os seus acionistas, que podem ceder as suas participações a melhor preço.

230    Alega que a Comissão apresentou, na decisão recorrida, uma resposta incoerente e errada ao argumento apresentado par algumas das partes interessadas, que assenta no facto de os reais beneficiários do auxílio serem os acionistas de sociedades não residentes que vendem as suas ações a empresas tributadas em Espanha.

231    A recorrente invoca igualmente a prática anterior da Comissão.

232    A Comissão alega não existir a incoerência invocada pela recorrente.

233    De qualquer forma, segundo a Comissão, as empresas às quais se aplica a medida controvertida beneficiam de uma vantagem.

2.      Apreciação do Tribunal Geral

234    Há que lembrar desde logo que, por causa da medida controvertida, as empresas tributadas em Espanha que adquirem participações em sociedades não residentes podem reduzir, se preencherem os outros requisitos previstos na medida, a matéria tributável do seu imposto sobre as sociedades.

235    Segundo a recorrente, a vantagem conferida pela medida controvertida, cujos destinatários imediatos são as empresas que adquirem participações em sociedades não residentes, é, na realidade, repercutida no preço de venda das ações. Por conseguinte, não são essas empresas quem beneficia da medida controvertida, mas sim os vendedores dessas participações.

236    Este argumento deve ser rejeitado com base em cada um dos três fundamentos autónomos que seguem.

237    Em primeiro lugar, não se pode presumir que a vantagem conferida pela medida controvertida é necessariamente repercutida no preço de venda das ações das sociedades adquiridas. Ora, esse facto não foi demonstrado no caso presente. Por conseguinte, o presente argumento não tem suporte nos factos.

238    Em segundo lugar, mesmo admitindo que as empresas tributadas em Espanha que pretendam adquirir ações de sociedades não residentes aumentam o preço oferecido levando em conta a redução da matéria tributável do imposto sobre as sociedades de que beneficiam por causa dessa aquisição, isso aumenta as suas possibilidades de realizar as transações em causa. Essas empresas dispõem, assim, de «uma vantagem económica que não teria[m] obtido em condições normais de mercado», segundo a fórmula empregue pelo Tribunal de Justiça no seu Acórdão de 11 de julho de 1996, SFEI e o. (C‑39/94, EU:C:1996:285, n.o 60).

239    A situação analisada no caso presente é diferente, portanto, daquela em que o destinatário da vantagem é obrigado a transferi‑la para um terceiro sem contrapartida (v., neste sentido, Acórdão de 3 de julho de 2003, Bélgica/Comissão, C‑457/00, EU:C:2003:387, n.o 58). Com efeito, as empresas adquirentes, mesmo admitindo que repercutem integralmente a vantagem fiscal resultante da medida controvertida no preço de compra das ações das sociedades adquiridas, têm a sua capacidade de negociação aumentada, o que constitui, enquanto tal, uma vantagem evidente, como acertadamente salienta a Comissão.

240    Em terceiro lugar, o Tribunal de Justiça considerou que o facto de o benefício realizado com a exploração de uma vantagem, em particular de uma vantagem fiscal, não ser idêntico a essa vantagem, ou mesmo de ser inexistente, é irrelevante para a recuperação do auxílio junto dos destinatários dessa vantagem (v., neste sentido, Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/Aer Lingus e Ryanair Designated Activity, C‑164/15 P e C‑165/15 P, EU:C:2016:990, n.os 92, 93, 100 e 102).

241    Por conseguinte, esse facto é igualmente irrelevante para a qualidade de beneficiário do auxílio das pessoas destinatárias dessa vantagem.

242    Com efeito, se se admitisse, na presença desse facto, que os destinatários da vantagem prevista por uma medida não são os reais beneficiários dessa medida, isso teria o efeito de impedir qualquer medida de recuperação a seu respeito, o que iria contra a solução decidida pelo Tribunal de Justiça.

243    No caso presente, a recorrente invoca, em substância, uma diminuição ou mesmo o desaparecimento do benefício realizado pela exploração da vantagem que lhe é conferida pela medida controvertida.

244    De acordo com a jurisprudência acima referida no n.o 240, conforme acima interpretada no n.o 241, o facto, admitindo‑o demonstrado, de a vantagem fiscal resultante da medida controvertida ser, no caso, integralmente repercutida pelas empresas adquirentes no preço das ações das sociedades adquiridas e de o benefício resultante da medida controvertida realizado pelas empresas adquirentes na operação de compra se revelar, por isso, inexistente, não permite concluir que essas empresas não são os beneficiários da medida controvertida.

245    Resulta de cada um dos três fundamentos acima expostos nos n.os 237 a 244, que as empresas tributadas em Espanha e que adquirem participações em sociedades não residentes não só são os destinatários imediatos do auxílio em causa, mas também os seus reais beneficiários.

246    É o que indica sem ambiguidade a Comissão na decisão recorrida, cuja fundamentação, suficientemente detalhada nesse ponto, em nada é incoerente.

247    A esse respeito, pode‑se referir que a Comissão referiu, no considerando 105 da decisão recorrida, que considerava que os beneficiários do auxílio eram as empresas que podiam aplicar a amortização fiscal do goodwill. Referiu, nomeadamente, que nenhum mecanismo garantia que a vantagem fosse total ou parcialmente transferida para os vendedores das participações em causa e que, mesmo que fosse esse o caso, a medida controvertida reforçaria a capacidade de o adquirente oferecer um preço mais alto, «o que assum[ia] uma importância primordial no caso de uma operação de aquisição concorrencial».

248    Por outro lado, há que rejeitar o argumento da recorrente baseado numa alegada incoerência da prática da Comissão em matéria de identificação do beneficiário do auxílio.

249    Com efeito, de acordo com a jurisprudência, é unicamente no âmbito do artigo 107.o, n.o 1, TFUE que se deve apreciar o caráter de auxílio de Estado de uma dada medida e não à luz de uma alegada prática decisória anterior da Comissão (v. Acórdão de 15 de novembro de 2011, Comissão e Espanha/Government of Gibraltar e Reino Unido, C‑106/09 P e C‑107/09 P, EU:C:2011:732, n.o 136 e jurisprudência aí referida). Ora, a determinação do beneficiário do auxílio é uma das componentes da declaração da sua existência, que corresponde a uma situação objetiva e não pode depender do comportamento das instituições (v., neste sentido, Acórdão de 10 de dezembro de 2013, Comissão/Irlanda e o., C‑272/12 P, EU:C:2013:812, n.o 53).

250    Resulta do exposto que improcede o segundo fundamento.

C.      Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação do princípio da proteção da confiança legítima

1.      Argumentos das partes

251    A recorrente invoca, em substância, um erro de direito na fixação da data de referência tida em conta pela Comissão para determinar os auxílios a sujeitar a uma medida de recuperação. Entende que a Comissão violou o princípio da proteção da confiança legítima, ao não tomar como data de referência a da publicação da decisão recorrida.

252    A recorrente baseia‑se, em particular, na jurisprudência dos tribunais da União e na prática decisória da Comissão, com base na qual invoca uma violação do princípio da igualdade de tratamento.

253    A recorrente critica a tese da Comissão de que, após a publicação da decisão de abertura, um operador diligente deveria evitar aplicar a medida controvertida até publicação da decisão final.

254    A recorrente alega também falta de fundamentação da decisão recorrida.

255    A Comissão alega que, em face da jurisprudência, o princípio da proteção da confiança legítima não foi violado.

256    Alega igualmente que o argumento relativo à sua prática anterior é irrelevante e, de qualquer forma, improcedente.

2.      Apreciação do Tribunal Geral

257    Há que lembrar que decorre da jurisprudência constante que o direito de reclamar a proteção da confiança legítima exige a reunião de três pressupostos cumulativos. Em primeiro lugar, é necessário que a Administração tenha dado ao interessado garantias precisas, incondicionais e concordantes, emanadas de fontes autorizadas e fiáveis. Em segundo lugar, essas garantias devem ser capazes de criar uma expectativa legítima no espírito daquele a quem se dirigem. Em terceiro lugar, as garantias dadas devem estar em conformidade com as normas aplicáveis [v. Acórdãos de 16 de dezembro de 2008, Masdar (UK)/Comissão, C‑47/07 P, EU:C:2008:726, n.o 81 e jurisprudência aí referida, e de 23 de fevereiro de 2006, Cementbouw Handel & Industrie/Comissão, T‑282/02, EU:T:2006:64, n.o 77 e jurisprudência aí referida].

258    Há que lembrar igualmente que o fundamento relativo à violação do princípio da proteção da confiança legítima não pode ser utilmente invocado para impugnar uma decisão da Comissão que qualifica uma medida nacional de auxílio de Estado, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, uma vez que o conceito de auxílio de Estado corresponde a uma situação objetiva e não pode depender do comportamento ou das declarações das instituições (Acórdão de 10 de dezembro de 2013, Comissão/Irlanda e o., C‑272/12 P, EU:C:2013:812, n.o 53). Assim, quando uma medida nacional pode ser devidamente qualificada de auxílio de Estado, as garantias anteriores relativas ao facto de essa medida não constituir um auxílio não podem respeitar o artigo 107.o, n.o 1, TFUE. Visto não estar preenchido o terceiro pressuposto acima indicado no n.o 257, está excluída qualquer violação do princípio da proteção da confiança legítima invocada contra a decisão da Comissão que qualifica essa medida de auxílio de Estado.

259    No entanto, o fundamento relativo à violação do princípio da proteção da confiança legítima pode ser utilmente invocado contra uma decisão em que a Comissão decide, por força do artigo 108.o, n.o 2, TFUE, que o Estado‑Membro em causa deve suprimir uma medida nacional ou modificá‑la no prazo que ela determinar (v., neste sentido, Acórdão de 10 de dezembro de 2013, Comissão/Irlanda e o., C‑272/12 P, EU:C:2013:812, n.o 53).

260    Pode ser, por exemplo, o caso de a Comissão obrigar o Estado‑Membro em causa a pôr fim, de forma progressiva, a um regime de auxílio existente que tenha passado a ser incompatível com o mercado interno (v. decisão em causa no Acórdão de 22 de junho de 2006, Bélgica e Forum 187/Comissão, C‑182/03 e C‑217/03, EU:C:2006:416), ou ainda de ordenar a recuperação de um auxílio novo pago sem notificação prévia à Comissão e por ela considerada incompatível com o mercado interno.

261    No caso deste último exemplo, aqui em causa, há que salientar que, se existisse uma norma ou um princípio que obrigasse a Comissão a ordenar a recuperação de qualquer auxílio ilegal e incompatível com o mercado interno, as garantias dadas quanto à inexistência de recuperação desse auxílio, que podem resultar de garantias dadas quanto à inexistência de qualificação da medida em causa como auxílio, seriam necessariamente contrárias a esse princípio ou a essa norma.

262    Assim, o terceiro dos pressupostos cumulativos de aplicação do princípio da proteção da confiança legítima (v. n.o 257, supra), o de as garantias dadas respeitarem as normas aplicáveis (Acórdãos de 16 de novembro de 1983, Thyssen/Comissão, 188/82, EU:C:1983:329, n.o 11; de 6 de fevereiro de 1986, Vlachou/Tribunal de Contas, 162/84, EU:C:1986:56, n.o 6; de 27 de março de 1990, Chomel/Comissão, T‑123/89, EU:T:1990:24, n.o 28; de 6 de julho de 1999, Forvass/Comissão, T‑203/97, EU:T:1999:135, n.o 70; de 18 de junho de 2014, Espanha/Comissão, T‑260/11, EU:T:2014:555, n.o 84; e de 22 de abril de 2016, Irlanda e Aughinish Alumina/Comissão, T‑50/06 RENV II e T‑69/06 RENV II, EU:T:2016:227, n.o 213), nunca poderia estar preenchido.

263    A esse respeito, há que lembrar que o Tribunal de Justiça, já no Acórdão de 21 de março de 1990, Bélgica/Comissão (C‑142/87, EU:C:1990:125, n.o 66), considerou que a eliminação de um auxílio ilegal incompatível com o mercado interno através da recuperação era a consequência lógica da declaração da sua ilegalidade.

264    Contudo, este nexo lógico estabelecido pela jurisprudência do Tribunal de Justiça entre a ilegalidade de um auxílio e a sua recuperação não leva a uma obrigação de a Comissão ordenar a recuperação de todo e qualquer auxílio ilegal e incompatível com o mercado interno.

265    Com efeito, como lembra a Comissão na Comunicação de 2007 intitulada «Para uma aplicação efetiva das decisões da Comissão que exigem que os Estados‑Membros procedam à recuperação de auxílios estatais ilegais e incompatíveis [com o mercado comum]» (JO 2007, C 272, p. 4), foi só na segunda metade dos anos 80 e nos anos 90 que ela começou a ordenar mais sistematicamente a recuperação dos auxílios ilegais e incompatíveis com o mercado interno e foi a adoção do Regulamento n.o 659/1999 que «instituiu a obrigação de a Comissão exigir a recuperação desse tipo de auxílios».

266    Essa obrigação resulta do primeiro período do artigo 14, n.o 1, do Regulamento n.o 659/1999, que dispõe que, nas decisões negativas relativas a auxílios ilegais, a Comissão «decidirá que o Estado‑Membro em causa deve tomar todas as medidas necessárias para recuperar o auxílio junto do beneficiário […]».

267    Não obstante a adoção dessa disposição, que parece impor à Comissão que ordene a recuperação de todo e qualquer auxílio ilegal e incompatível com o mercado interno, o fundamento relativo à violação do princípio da proteção da confiança legítima continua a ser utilmente oponível a uma decisão que ordena a recuperação de um auxílio novo pago sem notificação prévia da Comissão e por ela considerado incompatível com o mercado interno.

268    Com efeito, primeiro, uma exceção à obrigação de ordenar a recuperação de um auxílio ilegal e incompatível com o mercado interno está prevista logo no segundo período do artigo 14.o, n.o 1, do Regulamento n.o 659/1999, que dispõe que a Comissão não deve exigir a recuperação do auxílio se isso colidir com um princípio geral do direito da União.

269    Ora, o princípio da proteção da confiança legítima é reconhecido como um princípio geral do direito da União (Acórdão de 19 de maio de 1992, Mulder e o./Conselho e Comissão, C‑104/89 e C‑37/90, EU:C:1992:217, n.o 15; v. igualmente, neste sentido, Acórdão de 28 de abril de 1988, Mulder, 120/86, EU:C:1988:213, n.os 26 e 27).

270    Segundo, o artigo 14.o, n.o 1, do Regulamento n.o 659/1999, em particular o seu primeiro período, não pode ser interpretado no sentido de que tem o efeito de impedir que esteja preenchido o terceiro dos pressupostos cumulativos de aplicação do princípio da proteção da confiança legítima e de, assim, levar a que esteja excluída a aplicação desse princípio (v. n.os 257, 261 e 262, supra).

271    Com efeito, o segundo período do artigo 14.o, n.o 1, do Regulamento n.o 659/1999 visa precisamente assegurar a proteção da confiança legítima, conforme resulta da declaração 29/99 inscrita na ata da sessão do Conselho em que foi formalmente aprovado esse regulamento (Listas mensais dos atos do Conselho de março de 1999), declaração segundo a qual a «Comissão continua vinculada pelos princípios gerais de direito [da União], nomeadamente pelo princípio da confiança legítima, que prevalecem sobre o direito […] derivado».

272    Resulta do exposto que a recorrente pode, para impugnar a legalidade da decisão recorrida na parte em que prevê a recuperação do auxílio concedido, invocar utilmente no Tribunal Geral um fundamento relativo à violação do princípio da proteção da confiança legítima e, a esse respeito, invocar garantias que possam ter‑lhe sido dadas pela Comissão quanto à inexistência de uma qualificação da medida controvertida como auxílio, o que implicava necessariamente que a vantagem que lhe era conferida por essa medida não seria objeto de recuperação (v. n.o 261, supra) ou apenas de uma recuperação respeitadora dessas garantias.

273    Há que verificar, portanto, se o fundamento invocado pela recorrente é procedente.

274    A recorrente contesta o regime transitório aplicado pela Comissão na medida em que tomou como data de referência a data da publicação da decisão de abertura. Entende que a Comissão deveria ter tido em conta a data de publicação da decisão recorrida.

275    A título preliminar, refira‑se que a Comissão entendeu, no considerando 154 da decisão recorrida, que a medida controvertida constituía um auxílio de Estado ilegal, isto é, um auxílio novo executado em violação do artigo 108.o, n.o 3, TFUE.

276    É pacífico que o regime controvertido não foi notificado pelo Reino de Espanha à Comissão nos termos do artigo 108.o, n.o 3, TFUE.

277    É certo que, segundo a recorrente, a medida só se tornou seletiva na União com o desaparecimento dos obstáculos às fusões transfronteiriças, que, segundo a recorrente, não poderia ser declarado antes da entrada em vigor da Diretiva 2005/56/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de outubro de 2005, relativa às fusões transfronteiriças das sociedades de responsabilidade limitada (JO 2005, L 310, p. 1). Assim, a medida controvertida não constituía um auxílio no momento da sua entrada em vigor, pelo que poderia ser considerada um auxílio existente na aceção das disposições do artigo 1.o, alínea b), v), do Regulamento n.o 659/1999.

278    No entanto, com este raciocínio, a recorrente baseia‑se no postulado de que a existência de obstáculos às concentrações transfronteiriças permitiria considerar não seletiva essa medida.

279    Ora, a irrelevância desse postulado já foi acima declarada, nomeadamente nos n.os 200, 201 e 214.

280    Por conseguinte, pode‑se concluir que a recorrente não demonstrou que a medida controvertida constituía um auxílio existente. Teve razão, pois, a Comissão ao qualificá‑la de auxílio ilegal.

281    Ora, quando um auxílio é executado sem notificação prévia à Comissão, sendo, por isso, ilegal, nos termos do artigo 108.o, n.o 3, TFUE, o beneficiário do auxílio não pode, nesse momento, ter confiança legítima na regularidade da sua concessão, salvo em circunstâncias excecionais (v., neste sentido, Acórdãos de 24 de novembro de 1987, RSV/Comissão, 223/85, EU:C:1987:502, n.os 16 e 17; de 20 de setembro de 1990, Comissão/Alemanha, C‑5/89, EU:C:1990:320, n.os 14 e 16; de 13 de junho de 2013, HGA e o./Comissão, C‑630/11 P a C‑633/11 P, EU:C:2013:387, n.o 134; de 27 de janeiro de 1998, Ladbroke Racing/Comissão, T‑67/94, EU:T:1998:7, n.o 182; de 16 de outubro de 2014, Alcoa Trasformazioni/Comissão, T‑177/10, EU:T:2014:897, n.o 61; e de 22 de abril de 2016, Irlanda e Aughinish Alumina/Comissão, T‑50/06 RENV II e T‑69/06 RENV II, EU:T:2016:227, n.o 214).

282    Na decisão recorrida, a Comissão, entendendo que estava em presença dessas circunstâncias (considerandos 29 e 175 da decisão recorrida), não ordenou a recuperação do auxílio em causa, nomeadamente, quanto aos beneficiários da medida controvertida que tinham adquirido participações numa empresa estrangeira até 21 de dezembro de 2007, data de publicação da decisão de abertura.

283    A aplicação desse regime transitório justificava‑se, segundo a Comissão, pelo facto de esta ter dado garantias específicas, incondicionais e concordantes de uma natureza tal que os beneficiários da medida controvertida tinham alimentado esperanças justificadas de que o regime de amortização do goodwill era legal, no sentido de que não integrava o âmbito de aplicação das regras relativas aos auxílios de Estado, e que, por conseguinte, nenhuma das vantagens resultantes desse regime poderia posteriormente ser objeto de um procedimento de recuperação (considerando 166 da decisão recorrida).

284    Assim, em 19 de janeiro de 2006, em resposta à pergunta de um deputado do Parlamento, um membro da Comissão, em nome desta, afirmou o seguinte:

«A Comissão não está em condições de confirmar se as elevadas ofertas das empresas espanholas se devem à legislação fiscal espanhola, que permite que as empresas amortizem o goodwill mais rapidamente do que as homólogas francesas ou italianas. A Comissão pode, contudo, confirmar que as referidas legislações nacionais não são abrangidas pelo âmbito de aplicação das regras relativas aos auxílios estatais, pois constituem regras gerais de depreciação que são aplicáveis a todas as empresas com sede em território espanhol».

285    Do mesmo modo, em 17 de fevereiro de 2006, em resposta à pergunta de um deputado do Parlamento, um membro da Comissão afirmou o seguinte, ainda em nome da instituição:

«Segundo as informações de que a Comissão dispõe, tudo indica que as regras (fiscais) espanholas relativas à amortização de goodwill são aplicáveis a todas as empresas espanholas, públicas ou privadas, independentemente da sua dimensão, setor ou forma jurídica, pois constituem regras gerais de depreciação. Por conseguinte, não parecem estar abrangidas pelo âmbito de aplicação das regras relativas aos auxílios estatais.»

286    Embora as respostas da Comissão não tenham sido objeto de publicação integral no Jornal Oficial da União Europeia, o número das perguntas, o seu autor, o seu objeto, a instituição destinatária e a menção da existência e da data das respostas foram objeto dessa publicação (JO 2006, C 327, p. 164 e p. 192).

287    No caso presente, não se contesta que os elementos referidos nos números anteriores tenham podido gerar confiança legítima na recorrente.

288    O diferendo entre as partes é relativo às consequências a extrair da adoção em 10 de outubro de 2007 da decisão de abertura, que foi publicada, antecedida do seu resumo, no Jornal Oficial da União Europeia em 21 de dezembro de 2007 (v. n.o 274, supra).

289    A esse respeito, a jurisprudência do Tribunal de Justiça, baseada na redação do artigo 108.o, n.o 3, TFUE, prevê que, no caso de a Comissão abrir o procedimento formal de investigação, o último período do n.o 3 do artigo 108.o TFUE proíbe o Estado‑Membro interessado de executar as medidas projetadas antes de esse procedimento ter chegado a uma decisão final. Os auxílios novos estão, pois, sujeitos a um controlo preventivo exercido pela Comissão e, em princípio, não podem ser executados pelo Estado‑Membro em causa enquanto essa instituição não os tiver declarado compatíveis com o Tratado (Acórdão de 30 de junho de 1992, Espanha/Comissão, C‑312/90, EU:C:1992:282, n.o 16).

290    Além disso, o Tribunal de Justiça já decidiu no sentido de que, quando a Comissão tiver aberto o procedimento formal de investigação de uma medida nacional nova em execução, o efeito suspensivo dessa decisão impõe‑se, incluindo aos tribunais nacionais, que são obrigados, sendo caso disso, a adotar todas as medidas necessárias para extrair as consequências de uma eventual violação da obrigação de suspensão da execução dessa medida (Acórdão de 21 de novembro de 2013, Deutsche Lufthansa, C‑284/12, EU:C:2013:755, n.o 42).

291    Por último, já se decidiu no sentido de que, no caso de uma decisão de abrir o procedimento formal de investigação de uma medida em execução qualificada de auxílio novo pela Comissão, existia, depois da sua adoção, pelo menos uma dúvida significativa sobre a legalidade da medida em causa que, sem prejuízo da faculdade de requerer medidas cautelares provisórias no foro das medidas provisórias, devia levar o Estado‑Membro a suspender o seu pagamento, uma vez que a abertura do procedimento previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE excluía uma decisão imediata que concluísse pela compatibilidade com o mercado interno e permitisse prosseguir regularmente a execução dessa medida. Essa dúvida sobre a legalidade da medida em causa devia igualmente levar as empresas beneficiárias da medida a recusar de qualquer forma novos pagamentos ou a provisionar as quantias necessárias a eventuais reembolsos posteriores (Acórdão de 9 de outubro de 2001, Itália/Comissão, C‑400/99, EU:C:2001:528, n.o 59).

292    Assim, tendo em conta o efeito suspensivo de uma decisão de abertura de procedimento formal de investigação quanto a uma medida nacional nova em execução, os beneficiários dessa medida não podem, como no caso presente, invocar circunstâncias excecionais que possam justificar a manutenção de uma confiança legítima depois dessa decisão (v., neste sentido, Acórdão de 22 de abril de 2016, França/Comissão, T‑56/06 RENV II, EU:T:2016:228, n.os 50 a 56).

293    Por outro lado, o regime transitório adotado pela Comissão permitiu aos beneficiários do auxílio que adquiriram participações (ou que se tinham obrigado irrevogavelmente a adquirir participações) antes da data de publicação da decisão de abertura, continuarem a estar sujeitos a essa medida durante todo o período de amortização previsto. As empresas em causa podiam, assim, depois dessa data, adaptar o seu comportamento de forma imediata, não contraindo uma obrigação de aquisição de participações numa empresa estrangeira se entendessem que, dado o risco de não poderem beneficiar a prazo da vantagem fiscal prevista pela medida controvertida, essa obrigação não apresentava suficiente interesse económico.

294    Acrescente‑se, por último, que, no resumo da decisão de abertura publicado, com essa decisão, no Jornal Oficial da União Europeia de 21 de dezembro de 2007, a Comissão indicou que o regime fiscal em causa lhe parecia preencher todos os critérios em vigor para ser considerado auxílio de Estado. Precisou igualmente o seguinte:

«[…] [A] medida constitui uma derrogação ao sistema fiscal espanhol, dado ser prevista a amortização da diferença relativamente ao valor do património (financial goodwill), mesmo se tal não for inscrito nas contas da empresa adquirente devido à ausência de qualquer conjugação de atividades entre a empresa adquirente e a empresa adquirida. Confere, por conseguinte, uma vantagem económica que consiste na redução da carga fiscal das empresas que adquirem uma participação significativa em empresas estrangeiras. A medida parece envolver recursos estatais e ser específica, uma vez que favorece as empresas que realizam determinados tipos de investimentos.

A medida parece afetar as trocas comerciais entre os Estados‑Membros porque reforça as condições comerciais dos seus beneficiários que realizam certas atividades no domínio da gestão de participações sociais e a concorrência é suscetível de ser afetada na medida em que, ao subvencionar as empresas espanholas que apresentam ofertas de aquisição de empresas no estrangeiro, coloca os concorrentes não espanhóis numa situação de desvantagem relativa em termos de apresentação de ofertas comparáveis nos mercados relevantes.

Nenhuma das derrogações previstas nos n.os 2 e 3 do artigo [107.o] parece ser aplicável e o auxílio afigura‑se incompatível com o mercado [interno]. A Comissão considera consequentemente que, mediante a aplicação da medida em causa, as Autoridades espanholas podem ter concedido um auxílio estatal na aceção do n.o 1 do artigo [107.o] do Tratado.»

295    Tendo em conta os elementos acima referidos no n.o 294, à data da publicação da decisão de abertura, as empresas às quais se aplicava ou era suscetível de aplicar o regime controvertido podiam ter tomado conhecimento dos fundamentos precisos pelos quais a Comissão entendia que as medidas previstas por esse regime lhe pareciam preencher cada um dos pressupostos previstos no artigo 107.o TFUE e podiam ser consideradas incompatíveis com o mercado interno.

296    Além disso, não resulta do resumo da decisão de abertura ou da cronologia que consta dos considerandos 1 a 7 dessa decisão que o regime controvertido pudesse respeitar a um auxílio existente. Em particular, as empresas em causa podiam compreender que esse regime, que tinha sido executado antes da abertura do procedimento formal de investigação, não tinha sido objeto de autorização da Comissão.

297    Resulta do exposto que, no caso, bastava a adoção da decisão de abertura para pôr fim à confiança legítima que as declarações acima referidas nos n.os 284 e 285 pudessem ter gerado nos beneficiários da medida controvertida.

298    Os outros argumentos da recorrente não são suscetíveis de pôr esta conclusão em causa.

299    Em primeiro lugar, é certo que, no processo que deu origem ao Acórdão de 24 de novembro de 1987, RSV/Comissão (223/85, EU:C:1987:502, n.o 6), tinha sido pago um auxílio novo antes da sua notificação à Comissão.

300    No entanto, as quantias cuja recuperação a Comissão pedia tinham sido pagas antes da adoção de qualquer decisão de abertura do procedimento formal de investigação (v., a esse respeito, relatório para audiência publicado na Coletânea, pp. 4621 e 4622).

301    Assim, a solução dada no Acórdão de 24 de novembro de 1987, RSV/Comissão (223/85, EU:C:1987:502), não é transponível, uma vez que, no caso, o auxílio cuja recuperação a Comissão ordenou ainda não tinha sido concedido à data de publicação da decisão de abertura e dizia mesmo respeito a uma vantagem concedida com base em comportamentos adotados pelos beneficiários do auxílio depois da publicação dessa decisão (v. n.o 293, supra).

302    Em segundo lugar, a recorrente invoca o Acórdão de 22 de junho de 2006, Bélgica e Forum 187/Comissão (C‑182/03 e C‑217/03, EU:C:2006:416), relativo ao regime fiscal belga dos centros de coordenação.

303    No entanto, existem diferenças substanciais entre os contextos da presente lide e do processo que deu origem ao Acórdão de 22 de junho de 2006, Bélgica e Forum 187/Comissão (C‑182/03 e C‑217/03, EU:C:2006:416).

304    Com efeito, primeiro, a Comissão, por duas decisões sucessivas (n.o 16), tinha declarado nesse processo que o regime em causa não continha elementos de auxílio. Era, pois, um regime de auxílio existente ao qual não era aplicável a jurisprudência relativa à recuperação dos auxílios ilegais incompatíveis com o mercado interno, que só leva em conta o princípio da proteção da confiança legítima em circunstâncias excecionais (v. n.o 281, supra).

305    Do mesmo modo, não eram aplicáveis as disposições do Tratado relativas aos efeitos da adoção de uma decisão de abertura do procedimento formal de investigação nem a jurisprudência que extrai as consequências da aplicação dessas disposições quando um auxílio foi pago ilegalmente (v. n.os 289 a 292, supra), as quais limitam igualmente a aplicação do princípio da proteção da confiança legítima.

306    De resto, nas suas Conclusões nos processos apensos Bélgica e Forum 187/Comissão (C‑182/03 e C‑217/03, EU:C:2006:89, n.os 404 e 405), o advogado‑geral P. Léger insistia na especificidade de uma situação em que a confiança era gerada pela adoção de decisões anteriores da Comissão e que devia, portanto, ser objeto de proteção particular.

307    Com efeito, nesse caso, as decisões da Comissão que declaram a inexistência de elementos de auxílio reforçam a situação jurídica das pessoas a quem se aplica a medida em causa, ao admitirem a sua conformidade com as disposições do artigo 107.o TFUE até à adoção de uma eventual decisão em sentido contrário.

308    A esse respeito, há que lembrar que os atos das instituições da União gozam, em princípio, de presunção de legalidade enquanto não forem revogados ou anulados (Acórdão de 15 de junho de 1994, Comissão/BASF e o., C‑137/92 P, EU:C:1994:247, n.o 48).

309    Segundo, no processo que deu origem ao Acórdão de 22 de junho de 2006, Bélgica e Forum 187/Comissão (C‑182/03 e C‑217/03, EU:C:2006:416), estava em causa a possibilidade de ser ou não prorrogado o período em que os beneficiários de um regime de auxílio estavam abrangidos por esse regime.

310    Nesse processo, o benefício do regime em causa estava sujeito à obtenção de um reconhecimento concedido por dez anos e renovável. A decisão aí impugnada previa que a partir da data da sua notificação, os beneficiários desse reconhecimento não podiam, chegado o seu termo, obter a sua renovação (v., neste sentido, Acórdão de 22 de junho de 2006, Bélgica e Forum 187/Comissão, C‑182/03 e C‑217/03, EU:C:2006:416, n.os 32 a 34).

311    O Tribunal de Justiça considerou que o prazo de cerca de oito meses decorrido entre a publicação da decisão de abertura do procedimento formal de investigação e a decisão impugnada era insuficiente para permitir aos beneficiários do auxílio tomar em consideração a eventualidade de uma decisão que pusesse termo fim ao regime em causa. Baseou‑se, nomeadamente, no facto de esse regime envolver medidas contabilísticas e decisões financeiras e económicas que não podiam ser tomadas num prazo tão curto para um operador económico sensato (Acórdão de 22 de junho de 2006, Bélgica e Forum 187/Comissão, C‑182/03 e C‑217/03, EU:C:2006:416, n.o 162).

312    No seu Acórdão de 17 de setembro de 2009, Comissão/Koninklijke FrieslandCampina (C‑519/07 P, EU:C:2009:556), o Tribunal de Justiça salientou que, no processo que deu origem ao Acórdão de 22 de junho de 2006, Bélgica e Forum 187/Comissão (C‑182/03 e C‑217/03, EU:C:2006:416), os beneficiários do reconhecimento, que não podiam obter a sua renovação por causa da decisão da Comissão, tinham, devido a esse reconhecimento, procedido a grandes investimentos e contraído obrigações a longo prazo (n.o 91).

313    Nas suas Conclusões nos processos apensos Bélgica e Forum 187/Comissão (C‑182/03 e C‑217/03, EU:C:2006:89, n.o 418), o advogado‑geral P. Léger declarou que o regime em causa nesse processo constituía um regime fiscal derrogatório do direito comum, que continha várias isenções e um modo particular de determinação da base tributável e que a eventualidade da eliminação de medidas desse tipo era muito mais difícil de ser tida em conta por uma empresa do que a da eliminação de uma subvenção, pois necessitava não só de ter em consideração as consequências económicas dessa eliminação mas também de proceder a uma grande reorganização, nomeadamente no plano da contabilidade.

314    Pelo contrário, no caso presente, como acima se considerou no n.o 293, as empresas às quais se aplicava ou era suscetível de aplicar o regime controvertido estavam em condições, logo na data de publicação da decisão de abertura, de adaptar o seu comportamento de forma imediata, não contraindo qualquer obrigação relativa a uma aquisição de participação numa empresa estrangeira se entendessem que, dado o risco de não poderem beneficiar a prazo da vantagem fiscal prevista no regime controvertido, essa obrigação não tinha suficiente interesse económico.

315    Por conseguinte, o conjunto das circunstâncias específicas do processo que deram origem ao Acórdão de 22 de junho de 2006, Bélgica e Forum 187/Comissão (C‑182/03 e C‑217/03, EU:C:2006:416), que acabam de ser acima expostas nos n.os 302 a 314, não se verificam no caso presente, quer se trate de o auxílio em causa nesse processo ser um auxílio existente quer se trate da necessidade de os beneficiários desse auxílio, na sequência da sua proibição, adotarem medidas que não o pudessem ser a curto prazo. Por conseguinte, a recorrente não pode invocar esse acórdão.

316    Em terceiro lugar, a recorrente invoca uma violação do princípio da igualdade de tratamento. Invoca decisões da Comissão tomadas relativamente a regimes fiscais que apresentavam, como indica a própria recorrente, semelhanças com o regime fiscal belga dos centros de coordenação, isto é, o regime analisado no processo que deu origem ao Acórdão de 22 de junho de 2006, Bélgica e Forum 187/Comissão (C‑182/03 e C‑217/03, EU:C:2006:416, n.o 16). Ora, conforme acima se referiu no n.o 315, as características desse regime distinguem‑se das do regime controvertido.

317    As situações invocadas pela recorrente a esse respeito não são, pois, comparáveis à situação do caso presente.

318    Por outro lado, na medida em que a recorrente se refere tanto às decisões da Comissão tomadas quanto a regimes fiscais que, em seu entender, apresentam semelhanças com o regime fiscal belga dos centros de coordenação como a várias outras decisões da Comissão relativas a medidas fiscais não demonstra que a Comissão tivesse dado o benefício da confiança legítima num contexto caracterizado pela concessão, mesmo depois da decisão de abertura, de uma vantagem resultante de um auxílio novo não notificado à Comissão.

319    Também não se demonstrou, ou sequer alegou, que os beneficiários das vantagens em causa nas decisões invocadas pela recorrente podiam adaptar o seu comportamento de forma imediata (v. n.o 314, supra).

320    Na falta de prova ou, a fortiori, de alegação de circunstâncias que pudessem eventualmente permitir justificar a concessão de um regime transitório cujos efeitos prosseguissem para além da data de publicação da decisão de abertura, há que rejeitar o argumento da recorrente baseado na prática decisória da Comissão em matéria de proteção da confiança legítima.

321    No que respeita à Decisão da Comissão, de 31 de outubro de 2000, relativa à legislação espanhola sobre o imposto sobre as sociedades (JO 2001, L 60, p. 57), a única decisão resultante da prática decisória da Comissão invocada pela recorrente relativamente à qual junta suficientes elementos que permitam ao Tribunal Geral analisar de forma detalhada se o contexto desse processo era comparável ao do caso presente, trata‑se, como acertadamente salienta a Comissão, de uma decisão adotada em aplicação do Tratado CECA, no âmbito do qual as condições de controlo dos auxílios não eram comparáveis às previstas pelo Tratado CE e, depois, pelo Tratado FUE. Em particular, não existiam no Tratado CECA disposições semelhantes à do artigo 108.o, n.o 3, TFUE, no qual se baseia a jurisprudência acima referida no n.o 289.

322    Quanto ao resto, essa decisão é anterior ao Acórdão de 9 de outubro de 2001, Itália/Comissão (C‑400/99, EU:C:2001:528), acima referido no n.o 291, segundo o qual, depois da adoção de uma decisão de abertura do procedimento formal de investigação, existe pelo menos uma grande dúvida quanto à conformidade da medida em causa com as regras da União em matéria de auxílios de Estado.

323    Essa decisão não pode, pois, levar a concluir pela existência de uma confiança legítima que a recorrente possa invocar.

324    Resulta do exposto que, mesmo admitindo que o argumento relativo à prática decisória anterior da Comissão quanto às modalidades de recuperação de um auxílio e ao seu caráter contrário ou não ao princípio da proteção da confiança legítima fosse relevante para efeitos de se poder invocar esse princípio, esse argumento é, de qualquer forma, improcedente.

325    Em face de todas estas considerações, o fundamento invocado pela recorrente deve ser julgado improcedente.

326    Quanto à falta de fundamentação da decisão recorrida, mesmo admitindo que essa falta fosse invocada pela recorrente, há que observar que, conforme resulta da análise de mérito que o Tribunal Geral conseguiu fazer nos desenvolvimentos acima expostos, a Comissão explicou e justificou de forma suficientemente precisa e coerente na decisão recorrida as modalidades de recuperação do auxílio para permitir à recorrente impugnar a validade dessa decisão e ao juiz da União exercer a sua fiscalização de legalidade (v., neste sentido, Acórdão de 18 de setembro de 1995, Tiercé Ladbroke/Comissão, T‑471/93, EU:T:1995:167, n.o 29). A esse respeito, pode‑se remeter, em particular, para os n.os 275 e 283, supra, nos quais se faz expressa referência a certas passagens da decisão recorrida.

327    Assim, mesmo admitindo que o terceiro fundamento visa igualmente impugnar a legalidade formal da decisão recorrida, deve, em qualquer caso, ser julgado improcedente.

328    Resulta do exposto que improcedem todos os fundamentos do presente recurso.

329    Assim sendo há que negar integralmente provimento ao recurso, sem necessidade de conhecer dos argumentos da Comissão relativos à ilegitimidade e falta de interesse em agir da recorrente.

IV.    Quanto às despesas

330    De acordo com o artigo 219.o do Regulamento de Processo, nas suas decisões proferidas após anulação e remessa, o Tribunal Geral decide das despesas relativas, por um lado, aos processos que nele correram e, por outro, ao processo de recurso para o Tribunal de Justiça. Na medida em que, no Acórdão World Duty Free, o Tribunal de Justiça reservou para final as despesas da recorrente e da Comissão, cabe ao Tribunal conhecer igualmente, no presente acórdão, das suas despesas em segunda instância no processo C‑20/15 P (v. n.o 15, supra).

331    Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la nas próprias despesas e nas da Comissão, em conformidade com o pedido desta última.

332    Quanto aos intervenientes, na medida em que, no Acórdão World Duty Free, o Tribunal de Justiça conheceu das suas despesas, só há que conhecer das suas despesas no presente processo.

333    De acordo com o artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, segundo o qual os Estados‑Membros e as instituições que intervenham no litígio devem suportar as suas próprias despesas, há que decidir que a República Federal da Alemanha, a Irlanda e o Reino de Espanha suportarão as respetivas despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Nona Secção alargada)

decide:

1)      Negase provimento ao recurso.

2)      A World Duty Free Group, SA suportará as suas próprias despesas e as despesas da Comissão Europeia.

3)      A República Federal da Alemanha, a Irlanda e o Reino de Espanha suportarão as respetivas despesas.

Gervasoni

Madise

da Silva Passos

Kowalik‑Bańczyk

 

      Mac Eochaidh

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 15 de novembro de 2018.

Assinaturas


Índice


I. Antecedentes do litígio

II. Tramitação do processo e pedidos das partes

III. Questão de direito

A. Quanto ao primeiro fundamento, relativo à falta de seletividade da medida controvertida

1. Argumentos das partes

2. Apreciação do Tribunal Geral

a) Quanto à falta de seletividade prima facie

b) Quanto à existência de uma derrogação

1) Quanto à primeira etapa

2) Quanto à segunda etapa

c) Quanto ao caráter justificado da medida controvertida face à natureza e ao conjunto do sistema em que se insere (terceira etapa)

B. Quanto ao segundo fundamento, relativo a um erro na identificação do beneficiário da medida controvertida

1. Argumentos das partes

2. Apreciação do Tribunal Geral

C. Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação do princípio da proteção da confiança legítima

1. Argumentos das partes

2. Apreciação do Tribunal Geral

IV. Quanto às despesas


*      Língua do processo: espanhol.