Language of document : ECLI:EU:C:2020:1020

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

EVGENI TANCHEV

apresentadas em 10 de dezembro de 2020 (1)

Processo C416/20 PPU

TR

sendo interveniente:

Generalstaatsanwaltschaft Hamburg

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Hanseatisches Oberlandesgericht Hamburg (Tribunal Regional Superior Hanseático de Hamburgo, Alemanha)]

«Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria penal — Decisão‑Quadro 2002/584/JAI — Mandado de detenção europeu e processos de entrega entre os Estados‑Membros — Artigo 4.o‑A — Motivos de não execução facultativa — Diretiva (UE) 2016/343 — Artigos 8.o e 9.o — Direito de comparecer em julgamento em processo penal — Fuga da pessoa perseguida»






1.        O presente reenvio prejudicial diz respeito à execução de dois mandados de detenção europeus e aos papéis que desempenham, respetivamente, os tribunais do Estado‑Membro de emissão (neste caso, os tribunais romenos) e os tribunais do Estado‑Membro de execução (neste caso, os tribunais alemães) na fiscalização do cumprimento, pelo Estado‑Membro de emissão, da Diretiva (UE) 2016/343 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de março de 2016, relativa ao reforço de certos aspetos da presunção de inocência e do direito de comparecer em julgamento em processo penal (2). O mesmo suscita a questão de saber se as autoridades judiciárias do Estado‑Membro de execução são obrigadas a recusar a execução de um mandado de detenção europeu em virtude de uma violação, pelo Estado‑Membro de emissão, dos direitos que a Diretiva 2016/343 confere à pessoa em causa.

2.        O processo diz respeito a um cidadão romeno que foi condenado por várias infrações cometidas na Roménia. Neste contexto, os tribunais romenos emitiram três mandados de detenção europeus com vista a garantir a sua detenção e entrega pelas autoridades alemãs para efeitos de cumprimento, na Roménia, das penas privativas de liberdade que lhe foram aplicadas por essas condenações. A questão prejudicial submetida ao Tribunal de Justiça está relacionada com dois desses três mandados de detenção e diz respeito, mais especificamente, ao problema de saber se a legalidade da entrega de uma pessoa detida em aplicação das disposições da Decisão‑Quadro do Conselho, de 13 de junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados‑Membros (3), conforme alterada pela Decisão‑Quadro 2009/299/JAI do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009 (4) (a seguir «Decisão‑Quadro 2002/584»), depende do cumprimento, pelo Estado‑Membro de emissão — neste caso, a Roménia —, das disposições da Diretiva 2016/343 e, particularmente, dos artigos 8.o e 9.o dessa diretiva.

3.        Concluí que as regras pertinentes do direito da União em matéria de direitos fundamentais não exigem que o órgão jurisdicional de reenvio recuse a execução dos mandados de detenção em causa no processo principal, em aplicação da Decisão‑Quadro 2002/584. Esta situação não é alterada pela Diretiva 2016/343.

I.      Quadro jurídico

A.      Direito da União

1.      DecisãoQuadro 2002/584

4.        Os considerandos 1, 5, 6 e 10 da Decisão‑Quadro 2002/584 têm a seguinte redação:

«(1)      De acordo com as conclusões do Conselho Europeu de Tampere de 15 e 16 de outubro de 1999, nomeadamente o ponto 35, deverá ser abolido o processo formal de extradição no que diz respeito às pessoas julgadas embora ausentes cuja sentença já tenha transitado em julgado, bem como acelerados os processos de extradição relativos às pessoas suspeitas de terem praticado uma infração.

[…]

(5)      […] a instauração de um novo regime simplificado de entrega de pessoas condenadas ou suspeitas para efeitos de execução de sentenças ou de procedimento penal permite suprimir a complexidade e a eventual morosidade inerentes aos atuais procedimentos de extradição. […]

(6)      O mandado de detenção europeu previsto na presente decisão‑quadro constitui a primeira concretização no domínio do direito penal, do princípio do reconhecimento mútuo, que o Conselho Europeu qualificou de “pedra angular” da cooperação judiciária.

[…]

(10)      O mecanismo do mandado de detenção europeu é baseado num elevado grau de confiança entre os Estados‑Membros. A execução desse mecanismo só poderá ser suspensa no caso de violação grave e persistente, por parte de um Estado‑Membro, dos princípios enunciados no n.o 1 do artigo 6.o [UE], verificada pelo Conselho nos termos do n.o 1 do artigo 7.o [UE] e com as consequências previstas no n.o 2 do mesmo artigo.

[…]»

5.        O artigo 1.o da Decisão‑Quadro 2002/584, intitulado «Definição de mandado de detenção europeu e obrigação de o executar», dispõe:

«1.      O mandado de detenção europeu é uma decisão judiciária emitida por um Estado‑Membro com vista à detenção e entrega por outro Estado‑Membro duma pessoa procurada para efeitos de procedimento penal ou de cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas de liberdade.

2.      Os Estados‑Membros executam todo e qualquer mandado de detenção europeu com base no princípio do reconhecimento mútuo e em conformidade com o disposto na presente decisão‑quadro.

3.      A presente decisão‑quadro não tem por efeito alterar a obrigação de respeito dos direitos fundamentais e dos princípios jurídicos fundamentais consagrados pelo artigo 6.o [UE].»

6.        O artigo 3.o da decisão‑quadro estabelece vários «motivos de não execução obrigatória» do mandado de detenção europeu. Com base na matéria de facto, conforme apresentada pelo órgão jurisdicional de reenvio, nenhum desses motivos é aplicável no presente processo. O artigo 4.o da decisão‑quadro estabelece vários «motivos de não execução facultativa» do mandado de detenção europeu. De igual modo, esses motivos não são aplicáveis no presente processo.

7.        Antes da sua alteração pela Decisão‑Quadro 2009/299, a Decisão‑Quadro 2002/584 continha uma disposição, nomeadamente o artigo 5.o, n.o 1, que estabelecia que, quando um mandado de detenção europeu tivesse sido emitido para efeitos de cumprimento de uma pena ou medida de segurança imposta por uma decisão proferida na ausência do arguido e se a pessoa em causa não tivesse sido notificada pessoalmente ou de outro modo informada da data e local da audiência, a entrega só se podia efetuar se a autoridade judiciária de emissão fornecesse garantias de que a pessoa podia interpor um recurso ou requerer um novo julgamento no Estado‑Membro de emissão no qual pudesse estar presente. O artigo 5.o, n.o 1, foi eliminado pela Decisão‑Quadro 2009/299, a qual introduziu um novo artigo 4.o‑A, que trata da questão das decisões proferidas à revelia.

8.        O considerando 1 da Decisão‑Quadro 2009/299 enuncia:

«O direito da pessoa acusada de estar presente no julgamento está incluído no direito a um processo equitativo consignado no artigo 6.o da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais [(5)], com a interpretação que lhe é dada pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. O Tribunal declarou também que o direito de a pessoa acusada estar presente no julgamento não é absoluto e que, em determinadas condições, ela pode renunciar por sua livre vontade, expressa ou implicitamente, mas de forma inequívoca, a esse direito.»

9.        O artigo 4.o‑A da Decisão‑Quadro 2002/584, intitulado «Decisões proferidas na sequência de um julgamento no qual o arguido não tenha estado presente», dispõe:

«1.      A autoridade judiciária de execução pode também recusar a execução do mandado de detenção europeu emitido para efeitos de cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas de liberdade se a pessoa não tiver estado presente no julgamento que conduziu à decisão, a menos que do mandado de detenção europeu conste que a pessoa, em conformidade com outros requisitos processuais definidos no direito nacional do Estado‑Membro de emissão:

a)      Foi atempadamente

i)      notificada pessoalmente e desse modo informada da data e do local previstos para o julgamento que conduziu à decisão, ou recebeu efetivamente por outros meios uma informação oficial da data e do local previstos para o julgamento, de uma forma que deixou inequivocamente estabelecido que tinha conhecimento do julgamento previsto,

e

ii)      informada de que essa decisão podia ser proferida mesmo não estando presente no julgamento;

ou

b)      Tendo conhecimento do julgamento previsto, conferiu mandato a um defensor designado por si ou pelo Estado para a sua defesa em tribunal e foi efetivamente representada por esse defensor no julgamento;

[…]»

2.      Diretiva 2016/343

10.      Os considerandos 9, 33, 35, 44 e 47 da Diretiva 2016/343 enunciam:

«(9)      A presente diretiva tem por objeto reforçar o direito a um processo equitativo em processo penal, estabelecendo normas mínimas comuns relativas a certos aspetos da presunção de inocência e ao direito de comparecer em julgamento.

[…]

(33)      O direito a um processo equitativo constitui um dos princípios fundamentais de uma sociedade democrática. Este direito está na base do direito dos suspeitos ou dos arguidos de comparecerem em julgamento e deverá estar garantido em toda a União.

[…]

(35)      O direito do suspeito e do arguido de comparecerem no próprio julgamento não tem caráter absoluto. Em determinadas condições, o suspeito e o arguido deverão poder renunciar a esse direito, expressa ou tacitamente, mas de forma inequívoca.

[…]

(44)      O princípio da eficácia do direito da União impõe aos Estados‑Membros que instaurem vias de recurso adequadas e efetivas em caso de violação de um direito individual previsto pelo direito da União. Uma via de recurso efetiva, disponível em caso de violação de um dos direitos enunciados na presente diretiva, deverá, na medida do possível, ter por efeito colocar o suspeito ou o arguido na mesma situação que teriam caso não tivesse ocorrido essa violação, a fim de preservar o direito a um processo equitativo e os direitos de defesa.

[…]

(47)      A presente diretiva respeita os direitos e os princípios fundamentais reconhecidos pela Carta [dos Direitos Fundamentais da União Europeia, a seguir “Carta”] e pela CEDH, nomeadamente […] o direito a um tribunal imparcial, o direito à presunção de inocência e os direitos de defesa. Deverá ter‑se especialmente em conta o artigo 6.o do Tratado da União Europeia (TUE), nos termos do qual a União reconhece os direitos, as liberdades e os princípios enunciados na Carta e nos termos do qual os direitos fundamentais, tal como garantidos pela CEDH e como resultam das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros, constituem princípios gerais do direito da União.»

11.      O artigo 1.o da Diretiva 2016/343, intitulado «Objeto», dispõe:

«A presente diretiva estabelece normas mínimas comuns respeitantes:

[…]

b)      ao direito de comparecer em julgamento em processo penal.»

12.      O artigo 8.o da Diretiva 2016/343, intitulado «Direito de comparecer em julgamento», dispõe:

«1.      Os Estados‑Membros asseguram que o suspeito ou o arguido tem o direito de comparecer no próprio julgamento.

2.      Os Estados‑Membros podem prever que um julgamento passível de resultar numa decisão sobre a culpa ou inocência de um suspeito ou de um arguido pode realizar‑se na sua ausência, desde que:

a)      o suspeito ou o arguido tenha atempadamente sido informado do julgamento e das consequências da não comparência; ou

b)      o suspeito ou o arguido, tendo sido informado do julgamento, se faça representar por um advogado mandatado, nomeado por si ou pelo Estado.

3.      Uma decisão tomada em conformidade com o n.o 2 pode ser executada contra o suspeito ou o arguido em causa.

4.      Sempre que os Estados‑Membros disponham de um sistema que preveja a possibilidade de realização do julgamento na ausência de suspeitos ou arguidos, mas não seja possível cumprir as condições definidas no n.o 2 do presente artigo, por o suspeito ou o arguido não poder ser localizado apesar de terem sido efetuados esforços razoáveis, os Estados‑Membros podem prever que uma decisão pode, mesmo assim, ser tomada e executada. Nesse caso, os Estados‑Membros asseguram que quando o suspeito ou o arguido forem informados da decisão, em especial aquando da detenção, também sejam informados da possibilidade de impugnar a decisão e do direito a um novo julgamento ou de usar outras vias de recurso, em conformidade com o artigo 9.o

[…]»

13.      O artigo 9.o da diretiva 2016/343, intitulado «Direito a um novo julgamento», tem a seguinte redação:

«Os Estados‑Membros asseguram que sempre que o suspeito ou o arguido não tiverem comparecido no seu julgamento e as condições previstas no artigo 8.o, n.o 2, não tiverem sido reunidas, estes têm direito a um novo julgamento ou a outras vias de recurso que permitam a reapreciação do mérito da causa, incluindo a apreciação de novas provas, e pode conduzir a uma decisão distinta da inicial. A este respeito, os Estados‑Membros asseguram que esses suspeitos ou esses arguidos têm o direito de estarem presentes, de participarem efetivamente, nos termos do processo previsto na legislação nacional, e de exercerem os seus direitos de defesa.»

14.      O artigo 10.o da diretiva 2016/343, intitulado «Vias de recurso», dispõe:

«1.      Os Estados‑Membros asseguram que o suspeito ou o arguido dispõem de uma via de recurso efetiva em caso de violação dos direitos que lhe são conferidos pela presente diretiva.

[…]»

B.      Direito alemão

15.      O § 83 da Gesetz über die internationale Rechtshilfe in Strafsachen (Lei sobre Assistência Jurídica Internacional em Matéria Penal) (a seguir «IRG»), na versão publicada em 27 de junho de 1994 (6), com a última alteração introduzida pelo § 4 da Lei de 10 de dezembro de 2019 (7), que transpôs o artigo 4.o‑A da Decisão‑Quadro 2002/584, dispõe, no seu n.o 1, ponto 3, que não é admissível uma extradição com base num mandado de detenção europeu quando a pessoa condenada não tiver estado presente no julgamento que esteve na base da decisão. Em certas circunstâncias, que são enumeradas no § 83, n.os 2, 3 e 4 IRG, a extradição de uma pessoa que não tenha estado presente no julgamento é admitida por via de exceção à regra geral estabelecida no § 83, n.os 1 e 3.

16.      O § 83 IRG tem a seguinte redação:

«[…]

(2)      Sem prejuízo do ponto 3 do n.o 1 [do § 83], a extradição é admissível se

1. a pessoa condenada

a) foi atempadamente

aa) pessoalmente notificada para o julgamento que conduziu à decisão ou

bb) oficial e efetivamente informada por outros meios da data e do local previstos para esse julgamento, de uma forma que deixou inequivocamente estabelecido que a pessoa condenada tinha conhecimento do julgamento previsto; e

b) informada de que podia ser proferida uma decisão mesmo não estando presente no julgamento,

2.      a pessoa condenada, tendo tomado conhecimento do processo contra si pendente, no qual interveio um defensor, tiver impedido a notificação pessoal através da fuga ou

[…]»

II.    Matéria de facto, tramitação processual e questão prejudicial

17.      Segundo a decisão de reenvio, TR é um cidadão romeno que foi condenado, por tribunais romenos, por várias infrações cometidas na Roménia. Neste contexto, os tribunais romenos emitiram três mandados de detenção europeus para efeitos de cumprimento de penas privativas de liberdade que lhe foram aplicadas por três decisões distintas proferidas por dois órgãos jurisdicionais romenos diferentes.

18.      No presente processo, são pertinentes dois desses mandados de detenção. Em cada um dos processos relativos a esses dois mandados, as autoridades romenas tentaram, sem êxito, efetuar a citação de TR relativamente aos processos em primeira instância. Em ambos os processos, foram feitas tentativas de o notificar pessoalmente no seu último endereço conhecido na Roménia. Foram deixadas no endereço de TR notificações oficiais, procedimento pelo qual, em conformidade com o direito romeno, no termo de um prazo de 10 dias, as notificações se consideraram realizadas.

19.      Embora não tivesse sido citado pessoalmente, TR tinha conhecimento dos processos em primeira instância e, em ambos, escolheu, nomeou e conferiu mandato a um advogado para a sua defesa e, em ambos, foi efetivamente representado pelo defensor por ele nomeado. Contudo, TR não compareceu em julgamento e foi condenado à revelia.

20.      Em ambos os processos, foram interpostos recursos. Em, pelo menos, um desses processos, o recurso foi interposto pelo advogado escolhido e mandatado por TR para a sua defesa no processo em primeira instância. As circunstâncias que rodearam os recursos não resultam inteiramente claras dos documentos submetidos ao Tribunal de Justiça, mas em ambos os casos TR foi representado por um defensor nomeado pelo tribunal.

21.      Em outubro de 2018, TR viajou para a Alemanha e, durante um curto período, entre 29 de outubro de 2018 e 30 de janeiro de 2019, esteve registado oficialmente como residente em Bad Nauheim, no Hesse. Segundo declarou a sua companheira, o mesmo, então, viveu primeiro no Hesse e, depois, a partir de maio de 2019 aproximadamente, em Hamburgo, sem poder registar a sua residência «porque era procurado pelas autoridades romenas, por incêndio doloso» e, portanto, um fugitivo. O órgão jurisdicional de reenvio considerou esta declaração fiável (8).

22.      Entre a data do cancelamento do seu registo como residente em Bad Nauheim e a da sua detenção, TR não teve residência oficial registada. Quando foi detido, estava na posse de documentos de identificação pessoal que pertenciam a outra pessoa, que alegou serem do seu irmão. Não deu nenhum motivo para a posse desses documentos de identificação e, segundo informação fornecida pela polícia, TR tinha utilizado frequentemente a identidade de outro irmão.

23.      Com base nestas circunstâncias, o órgão jurisdicional de reenvio concluiu que TR tinha fugido da Roménia e se escondia na Alemanha, furtando‑se às decisões que constituem o fundamento dos dois mandados de detenção europeus relevantes no presente processo.

24.      Por Decisão de 28 de maio de 2020, o órgão jurisdicional de reenvio entendeu que, no caso de TR, estavam preenchidos os requisitos para a extradição, previstos no § 83, n.o 2, ponto 2, IRG. Considerou que TR, tendo conhecimento dos julgamentos que estiveram na base dos mandados de detenção europeus, tinha fugido para a Alemanha e, desse modo, impedido a sua citação pessoal. Com base nas informações fornecidas pelas autoridades romenas, o órgão jurisdicional de reenvio considerou ainda que o arguido foi representado, em ambos os processos em primeira instância, por defensor nomeado por si e, em ambos os recursos, por defensor nomeado pelos tribunais de recurso. O órgão jurisdicional de reenvio entendeu que, por conseguinte, a extradição de TR por força desses dois mandados de detenção europeus era admissível em conformidade com o direito alemão de execução da Decisão‑Quadro 2002/584.

25.      Por Decisão de 24 de junho de 2020, o órgão jurisdicional de reenvio admitiu o pedido de reapreciação da Decisão de 28 de maio de 2020 apresentado por TR. O advogado de TR alegou que a extradição de TR, sem nenhuma garantia de que seria assegurada a TR uma reabertura dos processos, era ilegal à luz dos artigos 8.o e 9.o da Diretiva 2016/343 e contestou a compatibilidade do § 83, n.o 2, ponto 2, IRG com a Diretiva 2016/343.

26.      O órgão jurisdicional de reenvio é agora chamado a decidir se a sua Decisão de 28 de maio de 2020 deve ser confirmada ou se a extradição de TR deve ser declarada ilegal.

27.      Nestas condições, o Hanseatisches Oberlandesgericht Hamburg (Tribunal Regional Superior Hanseático de Hamburgo, Alemanha) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Devem as disposições da Diretiva 2016/343, em especial os seus artigos 8.o e 9.o, no caso de decisões sobre a extradição, para efeitos de processo penal, de um nacional de um Estado‑Membro da União Europeia, condenado à revelia, para outro Estado‑Membro, ser interpretadas no sentido de que a admissibilidade da extradição, em especial num caso dito de fuga, depende da satisfação dos requisitos referidos na diretiva por parte do Estado requerente?» (9)

28.      Em 23 de setembro de 2020, o Tribunal de Justiça decidiu submeter o pedido de decisão prejudicial a tramitação urgente, nos termos do artigo 107.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

29.      O Tribunal de Justiça também decidiu convidar a Roménia a apresentar por escrito todas as precisões úteis a respeito do presente processo, em conformidade com o artigo 109.o, n.o 3, do Regulamento de Processo.

30.      Foram apresentadas observações escritas quanto à questão submetida para decisão prejudicial pela Generalstaatsanwaltschaft Hamburg, pela Roménia e pela Comissão. TR, a República Federal da Alemanha e a República da Polónia apresentaram alegações na audiência de alegações que decorreu em 19 de novembro de 2020.

III. Análise

A.      Observações preliminares

31.      Embora a questão, conforme formulada pelo órgão jurisdicional de reenvio, pretenda uma interpretação da Diretiva 2016/343, o que o órgão jurisdicional de reenvio realmente pergunta é se as disposições da Diretiva 2016/343 e, mais especificamente, os seus artigos 8.o e 9.o afetam o funcionamento dos motivos de não execução facultativa constantes do artigo 4.o‑A da Decisão‑Quadro 2002/584. Por essa razão, considero útil abordar, em primeiro lugar, a decisão‑quadro e, particularmente, o seu artigo 4.o‑A e as circunstâncias nas quais o Tribunal de Justiça reconheceu um dever de a autoridade judiciária de execução «pôr termo ao processo de entrega», antes de passar a uma análise da Diretiva 2016/343 e, por último, a interação entre ambas.

B.      DecisãoQuadro

1.      Considerações gerais

32.      Como o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente, tanto o princípio da confiança mútua entre os Estados‑Membros como o princípio do reconhecimento mútuo têm, no direito da União, uma importância fundamental, dado que permitem a criação e a manutenção de um espaço sem fronteiras internas. Mais concretamente, o princípio da confiança mútua impõe, designadamente no que respeita ao espaço de liberdade, segurança e justiça, que cada um dos Estados‑Membros considere, salvo em circunstâncias excecionais, que todos os outros Estados‑Membros respeitam o direito da União e, especialmente, os direitos fundamentais reconhecidos por esse direito (10).

33.      Assim, o Tribunal de Justiça declarou que o princípio do reconhecimento mútuo, que é a «pedra angular» da cooperação judiciária, significa que, nos termos do artigo 1.o, n.o 2, Decisão‑Quadro 2002/584, os Estados‑Membros estão em princípio obrigados a dar seguimento a um mandado de detenção europeu. A autoridade judiciária de execução apenas pode recusar dar execução a tal mandado em casos excecionais, exaustivamente enumerados, de não execução obrigatória, previstos no artigo 3.o da decisão‑quadro, ou de não execução facultativa, previstos nos artigos 4.o e 4.o‑A da decisão‑quadro. Além disso, a execução do mandado de detenção europeu apenas pode estar subordinada a uma das condições limitativamente previstas no artigo 5.o da decisão‑quadro (11).

2.      Motivos explícitos de não execução decorrentes do disposto na DecisãoQuadro 2002/584

34.      Como foi referido no n.o 33 das presentes conclusões, a Decisão‑Quadro 2002/584 contém três disposições relativas a «motivos de não execução» de um mandado de detenção europeu. Nenhum dos motivos de não execução obrigatória previstos no artigo 3.o ou dos motivos de não execução facultativa do artigo 4.o são aplicáveis no presente processo. A disposição relevante para o presente processo é o artigo 4.o‑A da decisão‑quadro, que prevê motivos de «não execução facultativa» de um mandado de detenção europeu. O artigo 4.o‑A dispõe, relativamente aos mandados de detenção europeus emitidos para efeitos de cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas de liberdade, que a autoridade judiciária de execução «pode» recusar a execução de um mandado de detenção europeu se a pessoa em causa não tiver estado presente no julgamento que conduziu à decisão, a menos que seja aplicável uma de várias exceções. Nos termos dessas exceções, se um dos quatro requisitos enumerados no artigo 4.o‑A, n.o 1, alíneas a) a d), estiver preenchido, a execução da entrega é obrigatória. Esta alteração legal do regime jurídico ao abrigo da medida da União anteriormente em vigor (12) visou facilitar a entrega (13). Também retirou à autoridade judiciária de execução a tarefa de decidir sobre a «suficiência» das garantias dadas pela autoridade judiciária de emissão. Por conseguinte, o artigo 4.o‑A da Decisão‑Quadro 2002/584 não impõe à autoridade judiciária de execução nenhuma obrigação de se abster de entregar uma pessoa nos casos em que a mesma não tiver estado presente no seu julgamento. Apenas permite que a autoridade judiciária de execução o faça, e unicamente se as exceções aos motivos de não execução facultativa previstos no artigo 4.o‑A não forem aplicáveis. Se os pressupostos de uma ou mais dessas exceções estiverem preenchidos, a autoridade judiciária de execução é obrigada a entregar a pessoa em causa, mesmo que a mesma não tenha estado presente no seu julgamento.

3.      A execução dos dois mandados de detenção europeus é admissível à luz das disposições da DecisãoQuadro 2002/584

35.      Segundo a informação fornecida pelo órgão jurisdicional de reenvio, TR foi representado por defensor escolhido e mandatado por si em ambos os processos em primeira instância. Portanto, esses processos parecem preencher os requisitos constantes do artigo 4.o‑A, n.o 1, alínea b), da Decisão‑Quadro 2002/584 e caso esses fossem os únicos processos relevantes, a execução dos dois mandados de detenção europeus seria obrigatória.

36.      Contudo, ambos os processos foram objeto de recurso. Não resulta claramente dos documentos submetidos ao Tribunal de Justiça se os recursos relativos a esses dois processos romenos poderiam ser qualificados de «julgamento que conduziu à decisão» na aceção do artigo 4.o‑A, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584, como interpretado pelo Tribunal de Justiça no seu Acórdão Tupikas (14) e se seriam, desse modo, as «decis[ões] judicia[is] que se pronuncia[m] definitivamente sobre o mérito da causa» (15), na aceção desse acórdão. Se os processos em sede de recurso forem os «julgamentos que conduziram às decisões», segundo a interpretação feita pelo Tribunal de Justiça, então, são esses os julgamentos que devem cumprir os requisitos previstos no artigo 4.o‑A, n.o 1, alíneas a) a d), para que a execução dos mandados de detenção europeus seja obrigatória. Se os processos em sede de recurso não forem os «julgamentos que conduziram às decisões» — que seria o caso de recursos limitados meramente a questões de direito —, então, afigurar‑se‑ia que a execução dos mandados de detenção europeus seria obrigatória. Não resulta claramente da decisão de reenvio se a informação fornecida pelas autoridades judiciárias de emissão romenas é suscetível de permitir essa determinação.

37.      No entanto, em conformidade com a apresentação do processo feita ao Tribunal de Justiça pelo órgão jurisdicional de reenvio, o órgão jurisdicional de reenvio está perante uma situação na qual a entrega de TR — no entendimento do órgão jurisdicional de reenvio e, ainda, com base na apreciação que o mesmo fez da matéria de facto e tendo em conta a informação constante dos mandados de detenção europeus e as respostas das autoridades romenas aos seus pedidos de informação — é facultativa, nos termos do artigo 4.o‑A da Decisão‑Quadro 2002/584, e essa entrega é admissível à luz do direito nacional. O órgão jurisdicional de reenvio, com base na apreciação dessa mesma matéria de facto, também considera que TR está sujeito a sofrer uma violação dos direitos que a Diretiva 2016/343 lhe confere se não lhe for garantido um novo julgamento no Estado‑Membro de emissão (Roménia), que as autoridades judiciárias de emissão (romenas) recusaram garantir, e, por conseguinte, pergunta se lhe é exigível que não aplique as disposições nacionais que obrigam à execução dos mandados de detenção europeus, a fim de recusar a entrega facultativa (16) de TR, num caso em que entende que os direitos que a Diretiva 2016/343 lhe confere são suscetíveis de ser violados.

4.      Acórdão do Tribunal de Justiça Melloni

38.      O Tribunal de Justiça já teve oportunidade de interpretar a compatibilidade do artigo 4.o‑A, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584 com as exigências que decorrem dos artigos 47.o e 48.o, n.o 2, da Carta, no contexto de uma exceção à regra da entrega facultativa para condenações à revelia. No processo que deu origem ao Acórdão Melloni (17), a pessoa condenada foi representada, tanto em primeira instância, como em sede de recurso, por um defensor escolhido e mandatado por si. A sua entrega pelas autoridades judiciárias de execução (espanholas) ao Estado‑Membro de emissão (Itália) era, portanto, obrigatória, e não facultativa, por força do disposto na Decisão‑Quadro 2002/584.

39.      Embora a parte decisória do Acórdão do Tribunal de Justiça Melloni esteja redigida como se abrangesse qualquer entrega efetuada nos termos do artigo 4.o‑A, n.o 1 (18), deve entender‑se que o acórdão apenas diz respeito aos casos em que — ao contrário do presente caso — a entrega é obrigatória, e não facultativa, ou seja, casos nos quais é aplicável uma ou mais das exceções previstas no artigo 4.o‑A, n.o 1, alíneas a) a d). O acórdão não pode ser entendido como abrangendo qualquer entrega facultativa que o Estado‑Membro de execução possa autorizar ao abrigo da sua margem de apreciação nos casos em que não estão verificados os pressupostos das exceções previstas no artigo 4.o‑A, n.o 1, alíneas a) a d). Isso resulta também perfeitamente evidente da análise pormenorizada realizada pelo Tribunal de Justiça nos n.os 47 a 54 desse acórdão.

40.      Caso o órgão jurisdicional de reenvio concluísse que é aplicável uma das exceções previstas no artigo 4.o‑A, n.o 1, alíneas a) a d), ou seja, que os processos subjacentes aos mandados de detenção europeus respeitaram as garantias processuais previstas em qualquer uma dessas exceções, seria aplicável a decisão constante do Acórdão Melloni, segundo a qual «[o] artigo 4.o‑A, n.o 1, é compatível com as exigências que decorrem dos artigos 47.o e 48.o, n.o 2, da Carta». A conclusão seria, então, a de que o direito fundamental de TR a um processo equitativo, incluindo o seu direito de comparecer em julgamento, não tinha sido violado.

41.      Como foi discutido nos n.os 36 e 37 das presentes conclusões, é possível que uma das exceções previstas no artigo 4.o‑A, n.o 1, alíneas a) ou b), possa ser aplicável (embora isso não esteja completamente claro). Como o órgão jurisdicional de reenvio baseou a sua questão na premissa segundo a qual a execução dos mandados de detenção europeus em causa é regida pelos motivos de não execução facultativa, prosseguirei a minha análise com base nesse pressuposto.

5.      Casos excecionais nos quais o Tribunal de Justiça admitiu que a autoridade judiciária de execução pode «pôr termo ao processo de entrega instituído pela DecisãoQuadro 2002/584»

42.      O Tribunal de Justiça, num número restrito de casos relativos a violações de direitos fundamentais das pessoas em causa, reconheceu, «sob certas condições, a faculdade de a autoridade judiciária de execução pôr termo ao processo de entrega instituído pela Decisão‑Quadro 2002/584» (19).

43.      O Tribunal de Justiça identificou uma base para esta derrogação excecional das regras da Decisão‑Quadro 2002/584 no artigo 1.o, n.o 3, da decisão‑quadro, que prevê que a mesma «não tem por efeito alterar a obrigação de respeito dos direitos fundamentais e dos princípios jurídicos fundamentais consagrados pelo artigo 6.o [UE]». O Tribunal de Justiça também reconheceu, na sua jurisprudência, que os princípios do reconhecimento mútuo e da confiança mútua podem ser restringidos em circunstâncias excecionais (20).

44.      Em contrapartida, o Tribunal de Justiça assinalou que, como o considerando 10 da Decisão‑Quadro 2002/584 enuncia, a execução do mecanismo de mandado de detenção europeu só poderá ser suspensa no caso de violação grave e persistente, por parte de um Estado‑Membro, dos valores referidos no artigo 2.o TUE e em conformidade com o processo previsto no artigo 7.o TUE. (21)

45.      Com base nisso, o Tribunal de Justiça estabeleceu determinados critérios para a fiscalização a que a autoridade judiciária de execução deve proceder perante uma situação em que haja um risco de que os direitos fundamentais da pessoa em causa possam ser violados pelo Estado‑Membro de emissão em caso da sua entrega. No contexto de uma violação potencial, pelo Estado‑Membro de emissão, da proibição dos tratos desumanos ou degradantes consagrada no artigo 4.o da Carta, esses critérios exigem que, perante «elementos objetivos, fiáveis, precisos e devidamente atualizados» que confirmem a existência de deficiências, a autoridade judiciária de execução investigue mais aprofundadamente e que, em seguida, «verifi[que], de maneira concreta e precisa, se existem motivos sérios e comprovados para considerar» que a pessoa em causa correrá um risco real de violação dos seus direitos fundamentais (22). Se for esse o caso, então, a autoridade judiciária de execução deverá «pedir o fornecimento de informações complementares» à autoridade judiciária de emissão e adiar a sua decisão quanto à entrega até obter «as informações complementares que lhe permitam afastar a existência de tal risco». Se a existência desse risco não puder ser afastada num prazo razoável, esta autoridade deverá decidir «se há que pôr termo ao processo de entrega» (23).

46.      A determinação relativa ao risco de violação de direitos fundamentais deve ser feita individualmente. No contexto de uma violação potencial da proibição de tratamentos desumanos ou degradantes, o Tribunal de Justiça, no Acórdão Generalstaatsanwaltschaft, declarou que, para esse efeito, devem ser apreciadas «apenas […] as condições de detenção existentes nos estabelecimentos prisionais onde provavelmente […] [a pessoa em causa] ficará detida» e «apenas […] as condições de detenção, concretas e precisas, da pessoa em causa que sejam pertinentes para determinar se corre um risco real de sofrer tratamentos desumanos ou degradantes». (24)

47.      No contexto de uma violação potencial do direito a um processo equitativo, o Tribunal de Justiça, no Acórdão Minister for Justice and Equality (25), aplicou, no essencial, o mesmo critério que no Acórdão Aranyosi e Căldăraru (26), após ter concluído, primeiro, que um risco real de violação do direito fundamental a um tribunal independente e, portanto, do «conteúdo essencial do direito fundamental a um processo equitativo», conforme consagrado no artigo 47.o, n.o 2, da Carta, à semelhança de um risco real de violação do artigo 4.o da Carta, podia permitir à autoridade judiciária de execução, a título excecional, não dar seguimento a um mandado de detenção europeu, com fundamento no artigo 1.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2002/584 (27).

48.      Assim, os elementos comuns desta jurisprudência são, em primeiro lugar, a presença de «elementos» externos — que têm de ser «objetivos, fiáveis, precisos e devidamente atualizados» e que, nos processos relativos ao artigo 4.o da Carta, consistiam em acórdãos proferidos pelo TEDH e, no processo relativo ao artigo 47.o, n.o 2, da Carta, era a proposta fundamentada da Comissão (28) —, os quais têm de demonstrar a existência de «falhas» que podem dar origem a um risco real de violação do direito fundamental em causa, e, em segundo lugar, uma determinação individual de que a pessoa em causa pode correr um risco real de violação dos seus direitos fundamentais se a entrega se efetuar com base na situação individual dessa pessoa.

C.      Conteúdo do direito fundamental de comparecer em julgamento, conforme consagrado no artigo 47.o, n.o 2, da Carta e no artigo 6.o, n.o 1, da CEDH

49.      O artigo 47.o da Carta tem por epígrafe «Direito à ação e a um tribunal imparcial». No seu n.o 2, prevê que «[t]oda a pessoa tem direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, publicamente e num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei». As explicações relativas à Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (29), no que respeita ao artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta, precisam que esta disposição corresponde ao artigo 6.o, n.o 1, CEDH, relativo ao direito a um processo equitativo (30). O artigo 52.o da Carta, intitulado «Âmbito e interpretação dos direitos e dos princípios», no seu n.o 3, prevê que «[n]a medida em que a presente Carta contenha direitos correspondentes aos direitos garantidos pela [CEDH], o sentido e o âmbito desses direitos são iguais aos conferidos por essa Convenção. Esta disposição não obsta a que o direito da União confira uma proteção mais ampla».

50.      O direito de comparecer em julgamento faz parte do conteúdo essencial do direito fundamental a um processo equitativo. No entanto, como o Tribunal de Justiça e o TEDH declararam reiteradamente, um arguido pode renunciar ao seu direito de comparecer a uma audiência, de forma expressa ou implícita através do seu comportamento (31), como quando a pessoa procura subtrair‑se à justiça. Como o TEDH declarou, «há denegação da justiça quando um indivíduo condenado à revelia não puder ser julgado de novo por um órgão jurisdicional, depois de o ter ouvido, sobre a procedência da acusação, quanto à matéria de facto e ao direito, se não tiver sido demonstrado que ele renunciou ao seu direito de comparecer na audiência de julgamento e de se defender […] ou que teve a intenção de se subtrair à justiça» (32).

51.      O TEDH declarou, ainda, que se a pessoa condenada à revelia não tiver sido citada, coloca‑se a questão de saber se se pode considerar que a mesma tinha conhecimento suficiente da sua acusação e do julgamento que lhe permitisse decidir renunciar ao seu direito de comparecer em juízo ou subtrair‑se à justiça, e decidiu que «certos factos provados podem fornecer um indício inequívoco de que o arguido tem conhecimento da existência do processo penal instaurado contra si e da natureza e causa da acusação e não tem a intenção de participar no julgamento ou pretende subtrair‑se à ação penal» (33).

52.      Contudo, esta jurisprudência do TEDH é relativa a processos em primeira instância. No que diz respeito a recursos, a proteção do direito de comparecer em julgamento é significativamente mais reduzida. Particularmente, a jurisprudência do TEDH distingue entre situações em que os processos em sede de recurso têm por objeto apenas questões de direito e processos em que o tribunal de recurso pode examinar tanto questões de facto como de direito e proceder a uma apreciação completa da questão relativa à culpabilidade ou inocência. No primeiro caso, as exigências do artigo 6.o CEDH podem ser respeitadas mesmo que não seja dada ao recorrente a oportunidade de ser ouvido pessoalmente, desde que tenha sido realizada uma audiência pública em primeira instância (34). No segundo caso, e, particularmente, quando ao tribunal de recurso foi requerido agravar a condenação, é mais provável que seja indispensável a presença do arguido (35).

53.      A descrição dos factos feita na decisão de reenvio não especifica a natureza dos recursos no âmbito dos processos que diziam respeito a TR. Por conseguinte, não é claro qual o critério a aplicar na apreciação relativa ao seu direito de comparecer nesses julgamentos e à suficiência dos esforços das autoridades romenas para o notificarem no âmbito desses recursos, para efeitos do direito fundamental de TR de comparecer em julgamento, conforme consagrado no artigo 47.o, n.o 2, da Carta e no artigo 6.o, n.o 1, da CEDH.

54.      No entanto, a descrição dos factos feita na decisão de reenvio apoia claramente a conclusão do órgão jurisdicional de reenvio, segundo a qual TR se subtraiu, intencionalmente, aos julgamentos, tanto no que diz respeito aos processos em primeira instância, como aos recursos, e furtou‑se à detenção. Parece também que TR tinha conhecimento do processo instaurado contra si e da natureza e causa das acusações. Com base nessa conclusão, que compete ao órgão jurisdicional de reenvio tirar, o fundamental direito de TR comparecer em julgamento, conforme consagrado no artigo 47.o, n.o 2, da Carta, não teria sido violado em resultado da sua condenação à revelia, confirmada em recurso, e da posterior recusa do Estado‑Membro de emissão de lhe garantir um novo julgamento.

55.      Dado que, com base na apresentação dos factos feita na decisão de reenvio, parece não ter existido nenhuma violação de direitos fundamentais, a questão de saber se a autoridade judiciária de execução pode «pôr termo ao processo de entrega», em conformidade com os Acórdãos do Tribunal de Justiça Aranyosi e Căldăraru, Generalstaatsanwaltschaft e Minister for Justice and Equality, não se coloca.

56.      No entanto, importa ainda apreciar a questão de saber se a proteção adicional conferida pela Diretiva 2016/343 em relação à que é conferida pelo artigo 47.o, n.o 2, da Carta e pelo artigo 6.o, n.o 1, da CEDH limita a margem de apreciação do Estado‑Membro de execução ao aplicar os motivos de não execução facultativa previstos no artigo 4.o‑A da Decisão‑Quadro 2002/584.

D.      Estatuto das garantias adicionais do direito de comparecer em julgamento previstas na Diretiva 2016/343

57.      Segundo o considerando 9 da Diretiva 2016/343, esta tem por objeto reforçar o direito a um processo equitativo estabelecendo normas mínimas comuns relativas, inter alia, ao direito de comparecer em julgamento. Ao estabelecer normas mínimas comuns sobre a proteção dos direitos processuais dos suspeitos e arguidos, essa diretiva visa reforçar a confiança nos sistemas de justiça penal entre os Estados‑Membros e, deste modo, facilitar o reconhecimento mútuo de decisões em matéria penal. (36)

58.      Resulta claramente da sistemática da Diretiva 2016/343 e das vias de recurso que a mesma prevê que, no que diz respeito ao direito de comparecer em julgamento, a mesma se dirige ao Estado‑Membro no qual o julgamento se realiza ou se realizou. Só esse Estado‑Membro pode garantir a via de recurso definida no artigo 9.o: um novo julgamento.

59.      Inversamente, o artigo 4.o‑A da Decisão‑Quadro 2002/584, é dirigido, logicamente, aos outros Estados‑Membros além daquele em que o julgamento decorreu e no qual a pessoa em causa foi condenada. Só esses Estados‑Membros podem entregar a pessoa em causa ao Estado‑Membro no qual a mesma foi condenada.

60.      A Decisão‑Quadro 2002/584 e a Diretiva 2016/343 não só têm destinatários diferentes mas também regulam matérias diferentes.

61.      Como foi assinalado pelo órgão jurisdicional de reenvio, o âmbito de aplicação material da Diretiva 2016/343, no que é relevante para o presente processo, limita‑se aos requisitos mínimos dos processos conduzidos nos Estados‑Membros sem a presença da pessoa em causa. O alargamento do âmbito de aplicação da Diretiva 2016/343 aos processos de extradição ou de entrega careceria de justificação. O cumprimento das regras mínimas aplicáveis a um processo nacional não está sujeito a apreciação nos processos de extradição ou de entrega que acontecem noutro Estado‑Membro: com frequência, esses processos decorrem sob a pressão dos prazos inerente que a possível detenção da pessoa em causa implica e dentro dos limites naturais à competência da autoridade judiciária de execução para fiscalizar a compatibilidade, com os critérios do direito da União aplicáveis, de disposições de outro sistema legal, frequentemente redigidas numa língua estrangeira. Essa fiscalização excede o âmbito dos processos de extradição e é contrária ao princípio do reconhecimento mútuo, que é a pedra angular da cooperação judiciária. Por conseguinte, o direito em matéria de extradição tem necessariamente de se restringir a uma apreciação seletiva.

62.      Como foi assinalado na decisão de reenvio, uma aplicação da Diretiva 2016/343 que reduza a margem de apreciação do Estado‑Membro de execução ao aplicar o artigo 4.o‑A da Decisão‑Quadro 2002/584 também não é apoiada pela génese da diretiva. Como o órgão jurisdicional de reenvio refere na decisão de reenvio, resulta claramente da ata da reunião do Comité de Coordenação no domínio da Cooperação Policial e Judiciária em matéria Penal (v. documento do Conselho 12955/14, de 9 de setembro de 2014, pp. 2 e segs.) que a Comissão se manifestou a favor da harmonização dos requisitos da Diretiva 2016/343 e do direito de extradição previsto no artigo 4.o‑A da Decisão‑Quadro 2002/584, uma vez que, apesar dos domínios normativos das disposições serem diferentes, ambos os casos preveem os requisitos mínimos de um processo penal nacional no território da União e, por conseguinte, as normas são indissociáveis:

«According to the Commission, the rules that apply in case of the absence of a person at his or her trial are intrinsically linked to the right of that person to be present at the trial. This right and the criteria to judge suspects or accused persons in their absence would be two sides of the same coin» [Segundo a Comissão, as regras que se aplicam em caso de ausência de uma pessoa do seu julgamento estão intrinsecamente ligadas ao direito dessa pessoa de comparecer no seu julgamento. Esse direito e os critérios que permitem ao juiz julgar os suspeitos ou as pessoas perseguidas na ausência destes seriam as duas faces da mesma moeda.] (p. 3).

63.      Contudo, a Comissão não conseguiu impor este entendimento, uma vez que os representantes dos Estados‑Membros salientaram os diferentes âmbitos e objetivos da regulamentação e, consequentemente, rejeitaram por unanimidade o alargamento da diretiva proposta ao direito de extradição:

«It was reminded that the Framework Decision was concluded in another legal context (with unanimity voting) and that it had another aim than the present draft Directive (mutual recognition versus establishing minimum rules). Hence, it would not be desirable to transpose the text of the Framework Decision into the draft Directive» [Foi recordado que a decisão‑quadro tinha sido concluída num outro contexto jurídico (através de um voto por unanimidade) e que tinha um outro objetivo diferente do presente projeto de diretiva (reconhecimento mútuo por oposição ao estabelecimento de regras mínimas). Consequentemente, não seria desejável retomar o texto da decisão‑quadro no projeto de diretiva.] (p. 2).

64.      Deve notar‑se que o direito fundamental de comparecer em julgamento consagrado no artigo 47.o, n.o 2, da Carta e no artigo 6.o, n.o 1, da CEDH, conforme definido pelo Tribunal de Justiça e pelo TEDH, tem um âmbito de aplicação significativamente mais restrito do que o direito de comparecer em julgamento previsto no artigo 8.o da Diretiva 2016/343. Só o risco de violação do direito fundamental mais restrito de comparecer em julgamento pode justificar que a autoridade judiciária de execução ponha termo ao processo de entrega, e não o âmbito de aplicação alargado desse direito, conforme previsto na Diretiva.

65.      Em meu entender, nos casos em que uma violação do direito fundamental a um processo equitativo, incluindo uma violação do direito fundamental de comparecer em julgamento, conforme interpretado pelo TEDH, possa justificar «pôr termo ao processo de entrega», um risco, ou mesmo o conhecimento, de que outro Estado‑Membro possa não estar a respeitar plenamente todos os aspetos da Diretiva 2016/343 não justifica, por si só, que seja posto termo ao processo de entrega. A este respeito, deve recordar‑se que é jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que as limitações ao princípio da confiança mútua são de interpretação estrita (37).

66.      Num caso no qual o Estado‑Membro de execução dispõe de uma margem de apreciação em conformidade com o artigo 4.o‑A da Decisão‑Quadro 2002/584, defendo que essa falta de cumprimento, conhecida ou eventual, de uma diretiva pelo Estado‑Membro de emissão também não restringe, enquanto matéria de direito da União, a margem de apreciação de que o Estado‑Membro de execução dispõe ao dar execução a um mandado de detenção europeu.

67.      A via de recurso de que dispõe a pessoa em causa, caso o seu direito de comparecer em julgamento ao abrigo da Diretiva 2016/343 seja violado de forma que não constitua também uma violação do direito fundamental a um processo equitativo, conforme consagrado no artigo 47.o, n.o 2, da Carta, é um novo julgamento no Estado‑Membro no qual tiver sido condenada à revelia. Esta é a via de recurso definida no artigo 9.o da Diretiva 2016/343.

68.      Isso não significa que o Estado‑Membro de execução não possa ter em consideração, caso o pretenda, a questão de saber se, no Estado‑Membro de emissão, são garantidos às pessoas condenadas à revelia todos os direitos que lhes são conferidos pela Diretiva 2016/343. Significa simplesmente que, quando não há violação de um direito fundamental protegido pela Diretiva 2016/343, essa consideração está abrangida pela margem de apreciação desse Estado‑Membro.

IV.    Conclusão

69.      À luz das considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda do seguinte modo à questão submetida pelo Hanseatisches Oberlandesgericht Hamburg (Tribunal Regional Superior Hanseático de Hamburgo, Alemanha):

Quando não existe um risco real de violação do direito fundamental a um processo equitativo, os artigos 8.o e 9.o da Diretiva (UE) 2016/343 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de março de 2016, relativa ao reforço de certos aspetos da presunção de inocência e do direito de comparecer em julgamento em processo penal, não restringem a margem de apreciação de que o Estado‑Membro de execução dispõe ao aplicar as regras relativas à não execução facultativa de um mandado de detenção europeu nos termos do artigo 4.o‑A da Decisão‑Quadro do Conselho, de 13 de junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados‑Membros, conforme alterada pela Decisão‑Quadro 2009/299/JAI do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009.


1      Língua original: Inglês.


2      JO 2016, L 65, p. 1.


3      JO 2002, L 190, p. 1.


4      JO 2009, L 81, p. 24.


5      Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»).


6      BGBl. I p. 1537.


7      BGBl. I p. 2128.


8      V. parte III, n.o 1, alínea a), ponto (2), (a) (bb), segundo parágrafo, da decisão de reenvio («nach vorläufiger Bewertung glaubhafte und belastbare Angaben»).


9      Embora a questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio seja formulada como se dissesse respeito à «extradição para efeitos de processo penal», resulta de forma evidente da decisão de reenvio que a mesma diz respeito à entrega da pessoa em causa para efeitos de cumprimento de uma pena privativa de liberdade e ao problema de saber se essa entrega seria legal à luz das disposições relevantes do direito da União. Aparentemente, a referência a «processo penal» («Strafverfolgung»), em vez de a «cumprimento de uma pena privativa de liberdade» («Strafvollstreckung»), é um erro de redação.


10      Acórdão de 5 de abril de 2016, Aranyosi e Căldăraru (C‑404/15 e C‑659/15 PPU, EU:C:2016:198, n.o 78 e jurisprudência referida).


11      Acórdão Aranyosi e Căldăraru (C‑404/15 e C‑659/15 PPU, EU:C:2016:198, n.os 79 e 80 e jurisprudência referida).


12      Nomeadamente, o artigo 5.o, n.o 1 da Decisão‑Quadro 2002/584 antes da alteração introduzida nesta decisão‑quadro pela Decisão‑Quadro 2009/299.


13      V., nesse sentido, considerando 3 da Decisão‑Quadro 2009/299: «As soluções oferecidas por essas decisões‑quadro não são satisfatórias no que respeita aos casos em que a pessoa não possa ser informada do processo. […] A Decisão‑Quadro 2002/584/JAI relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados‑Membros […] permite que a autoridade de execução exija à autoridade de emissão que forneça garantias consideradas suficientes assegurando à pessoa sobre a qual recai o mandado de detenção europeu a possibilidade de requerer um novo julgamento no Estado‑Membro de emissão e de estar presente no julgamento. A suficiência dessa garantia é questão a decidir pela autoridade de execução, pelo que se torna difícil saber exatamente quando pode a execução ser recusada.»


14      Acórdão de 10 de agosto de 2017, Tupikas (C‑270/17 PPU, EU:C:2017:628, n.o 81). Segundo o Acórdão do Tribunal de Justiça Tupikas, o «julgamento que conduziu à decisão», no contexto de processos que tenham comportado várias instâncias, é «a instância em que foi proferida a última [decisão], desde que o órgão jurisdicional em causa se tenha pronunciado definitivamente sobre a culpabilidade do interessado […] na sequência de um exame, de facto e de direito, dos elementos incriminadores e desculpantes […]».


15      Idem, n.o 83.


16      Facultativa em conformidade com o artigo 4.o‑A da Decisão‑Quadro 2002/584.


17      Acórdão de 26 de fevereiro de 2013 (C‑399/11, EU:C:2013:107).


18      No n.o 2 da parte decisória é decidido que «[o] artigo 4.o‑A, n.o 1, […] é compatível com as exigências que decorrem dos artigos 47.o e 48.o, n.o 2, da Carta».


19      Acórdãos de 5 de abril de 2016, Aranyosi e Căldăraru (C‑404/15 e C‑659/15 PPU, EU:C:2016:198); de 25 de julho de 2018, Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judiciário) (C‑216/18 PPU, EU:C:2018:586, n.o 44); e de 25 de julho de 2018, Generalstaatsanwaltschaft (Condições de detenção na Hungria) (C‑220/18 PPU, EU:C:2018:589, n.o 57). V., também, Conclusões do advogado‑geral M. Campos Sánchez‑Bordona no processo Openbaar Ministerie (Indépendance de l’autorité judiciaire d’émission) (C‑354/20 PPU e C‑412/20 PPU, EU:C:2020:925, n.os 39, 40 e 44).


20      V., nesse sentido, Parecer 2/13 (Adesão da União Europeia à CEDH), de 18 de dezembro de 2014 (EU:C:2014:2454, n.o 191, e jurisprudência referida).


21      Acórdãos de 5 de abril de 2016, Aranyosi e Căldăraru (C‑404/15 e C‑659/15 PPU, EU:C:2016:198, n.o 81), e de 25 de julho de 2018, Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judiciário) (C‑216/18 PPU, EU:C:2018:586, n.o 70).


22      Acórdãos de 5 de abril de 2016, Aranyosi e Căldăraru (C‑404/15 e C‑659/15 PPU, EU:C:2016:198, parte decisória, n.o 104), relativo a uma violação do artigo 4.o da Carta decorrente de tratos desumanos ou degradantes como resultado das condições de detenção em estabelecimentos penitenciários romenos e húngaros, e de 25 de julho de 2018, Generalstaatsanwaltschaft (Condições de detenção na Hungria) (C‑220/18 PPU, EU:C:2018:589, n.os 60 e 62).


23      Acórdão de 5 de abril de 2016, Aranyosi e Căldăraru (C‑404/15 e C‑659/15 PPU, EU:C:2016:198, parte decisória, n.o 104).


24      Acórdão de 25 de julho de 2018, Generalstaatsanwaltschaft (Condições de detenção na Hungria) (C‑220/18 PPU, EU:C:2018:589, parte decisória, segunda e terceira subsecções).


25      Acórdão de 25 de julho de 2018, Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judiciário) (C‑216/18 PPU, EU:C:2018:586).


26      O critério exposto no Acórdão Minister for Justice and Equality exige «elementos objetivos, fiáveis, precisos e devidamente atualizados», ao passo que o critério exposto no Acórdão Aranyosi e Căldăraru exigia «elementos objetivos» que satisfizessem esse critério. Os indícios de violação de um direito fundamental no Acórdão Aranyosi e Căldăraru eram mais conclusivos do que no Acórdão Minister for Justice and Equality, uma vez que os primeiros eram acórdãos do TEDH que declaravam a existência de uma violação do artigo 3.o CEDH e os últimos consistiam numa proposta fundamentada da Comissão que declarava a existência de uma violação da independência do poder judicial na Polónia.


27      V., a análise aprofundada constante dos n.os 47 a 59 do Acórdão de 25 de julho de 2018, Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judiciário) (C‑216/18 PPU, EU:C:2018:586).


28      Proposta fundamentada da Comissão, de 20 de dezembro de 2017, apresentada ao abrigo do artigo 7.o, n.o 1, do Tratado da União Europeia, relativa ao Estado de direito na Polónia [COM(2017) 835 final].


29      JO 2007 C 303, p. 17.


30      V. também, nesse sentido, Acórdão de 25 de julho de 2018, Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judiciário) (C‑216/18 PPU, EU:C:2018:586, n.o 33), e o n.o 48 das minhas conclusões nesse processo.


31      V. Acórdãos de 26 de fevereiro de 2013, Melloni (C‑399/11, EU:C:2013:107, n.o 49), e de 13 de fevereiro de 2020, Spetsializirana prokuratura (C‑688/18, EU:C:2020:94, n.o 37); TEDH, Acórdão Sejdovic c. Itália de 1 de março de 2006, CE:CEDH:2006:0301JUD005658100, § 86 («nem a letra nem o espírito do artigo 6.o da Convenção impedem uma pessoa de renunciar de sua livre vontade às garantias de um processo equitativo, de modo expresso ou tácito»); V., também, TEDH, Acórdão Kwiatkowska c. Itália de 30 de novembro de 2000, CE:CEDH:2000:1130DEC005286899, no mesmo sentido.


32      TEDH, Acórdão Sejdovic c. Itália de 1 de março de 2006, CE:CEDH:2006:0301JUD005658100, § 82 (o sublinhado é meu).


33      TEDH, Acórdão Sejdovic c. Itália de 1 de março de 2006, CE:CEDH:2006:0301JUD005658100, §§ 98 e 99. No Acórdão Lena Atanasova c. Bulgária de 26 janeiro de 2017, CE:CEDH:2017:0126JUD005200907, § 52, o TEDH concluiu que a arguida tinha renunciado ao seu direito de comparecer em julgamento, conforme consagrado no artigo 6.o, n.o 1, da CEDH, em circunstâncias nas quais a pessoa tinha sido devidamente informada da existência do procedimento penal e das acusações contra ela deduzidas, tinha confirmado os factos e declarado estar disponível para negociar os termos da sua condenação, e tinha, posteriormente, deixado o endereço que havia indicado previamente às autoridades, sem comunicar a mudança de endereço, e nas quais as autoridades tinham envidado esforços razoáveis para garantir a sua presença no julgamento.


34      TEDH, Acórdão Sutter c. Suíça de 22 fevereiro de 1984, CE:CEDH:1984:0222JUD000820978, § 30.


35      TEDH, Acórdão Dondarini c. San Marino de 6 de julho de 2004, CE:CEDH:2004:0706JUD005054599, § 27.


36      Considerando 10 da Diretiva 2016/343.


37      V., a esse respeito, as minhas Conclusões no processo Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judiciário) (C‑216/18 PPU, EU:C:2018:517, n.o 73), e Acórdão de 26 de abril de 2018, Donnellan (C‑34/17, EU:C:2018:282, n.o 50 e jurisprudência referida).