Language of document : ECLI:EU:C:2019:340

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MICHAL BOBEK

apresentadas em 30 de abril de 2019(1)

Processo C‑620/17

Hochtief Solutions AG Magyarországi Fióktelepe

contra

Fővárosi Törvényszék

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Székesfehérvári Törvényszék (Tribunal Regional de Székesfehérvár, Hungria)]

«Reenvio prejudicial — Contratos públicos — Processos de recurso — Força vinculativa das decisões prejudiciais — Autonomia processual do Estado‑Membro — Pedido de revisão — Equivalência e efetividade — Responsabilidade do Estado‑Membro decorrente de violações do direito da União resultantes de decisões de órgãos jurisdicionais nacionais — Inexistência de pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o, n.o 3, TFUE»






I.      Introdução

1.        O presente processo é outro capítulo de uma saga processual um pouco complexa, atualmente no seu terceiro episódio. Com um grau de simplificação considerável, o primeiro episódio teve por objeto as decisões de mérito originariamente adotadas a nível nacional. No âmbito desse episódio (ou round do litígio), o tribunal nacional de recurso que conheceu do processo, o Fővárosi Ítélőtábla (Tribunal Superior de Budapeste‑Capital, Hungria), pediu orientações ao Tribunal de Justiça (2). Em desacordo com a forma como os tribunais nacionais alegadamente aplicaram (mal) essas orientações no julgamento de mérito, o segundo round do litígio no processo nacional teve como objeto um recurso de revisão interposto pela Hochtief Solutions AG Magyarországi Fióktelepe (a seguir «Hochtief Hungria»).

2.        O presente pedido de decisão prejudicial foi submetido no âmbito do terceiro round do litígio no processo nacional, relativo a um pedido de indemnização apresentado pela Hochtief Hungria, com base em dois fundamentos. Em primeiro lugar, no entender da Hochtief Hungria, o Fővárosi Törvényszék (Tribunal de Budapeste‑Capital, Hungria), atuando, no segundo round, como tribunal de recurso no âmbito do pedido de revisão, deveria ter autorizado uma revisão da decisão, para tomar em consideração a decisão prejudicial anteriormente proferida pelo Tribunal de Justiça no âmbito do mesmo processo. Em segundo lugar, deveria ter apresentado outro pedido de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça, a fim de que este pudesse determinar se, nas circunstâncias do caso em apreço, o direito da União exigia uma revisão.

3.        Foi neste contexto que o Tribunal de Justiça foi chamado a pronunciar‑se, no essencial, quanto a três conjuntos de questões: em primeiro lugar, as consequências, nos termos do direito da União, do facto de, alegadamente, os tribunais nacionais que conheceram da causa quanto ao mérito não terem aplicado corretamente a decisão prejudicial proferida pelo Tribunal de Justiça, devido aos efeitos da aplicação de diversas limitações processuais; em segundo lugar, a questão de saber se o direito da União exige que o recurso extraordinário de revisão, previsto no direito nacional em determinadas situações, também seja extensivo a alegadas violações do direito da União numa situação como a que está em causa no processo principal; e em terceiro lugar, vários aspetos relacionados com os pressupostos da responsabilidade do Estado‑Membro.

II.    Quadro jurídico

A.      Direito da União

4.        O artigo 1.o da Diretiva 89/665/CEE, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas relativas à aplicação dos procedimentos de recurso em matéria de celebração dos contratos de direito público de fornecimentos e de obras (3), impõe que os Estados‑Membros garantam que as decisões tomadas pelas entidades adjudicantes possam ser objeto de recursos eficazes e que os processos de recurso sejam acessíveis a qualquer pessoa que esteja ou tenha estado interessada em obter um determinado contrato de fornecimento público ou de obras públicas e que tenha sido ou possa vir a ser lesada por uma alegada violação.

5.        O artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva 92/13/CEE, relativa à coordenação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes à aplicação das regras comunitárias em matéria de procedimentos de celebração de contratos de direito público pelas entidades que operam nos setores da água, da energia, dos transportes e das telecomunicações (4), impõe que os Estados‑Membros prevejam os poderes que permitam tomar medidas provisórias relativas ao procedimento de celebração do contrato em causa ou à execução de quaisquer decisões tomadas pela entidade adjudicante e anular as decisões ilegais relacionadas com o processo de celebração do contrato em causa ou tomar outros tipos de medidas, com o objetivo de corrigir a violação verificada e de impedir que sejam causados prejuízos aos interesses em causa. Os Estados‑Membros devem, também, prever os poderes que permitam conceder indemnizações por perdas e danos às pessoas lesadas pela violação.

B.      Direito húngaro

6.        Os artigos 6:548, n.o 1, e 6:549, n.o 1, da Polgári Törvénykönyvről szóló 2013. évi V. törvény (Lei V de 2013 relativa ao Código Civil (a seguir «Código Civil»), sob a epígrafe «Responsabilidade pelos atos das autoridades públicas», dispõem:

«Artigo 6:548 [Responsabilidade pelos atos das autoridades administrativas]: (1) Só há lugar a responsabilidade por danos causados no âmbito da atividade administrativa se o dano resultar de ações ou omissões no exercício do poder público e se o dano não puder ser reparado através das vias ordinárias ou mediante ato administrativo.

[…]

Artigo 6:549 [Responsabilidade pelos atos dos tribunais, dos magistrados do Ministério Público, dos notários públicos e dos oficiais de justiça]: (1) As disposições relativas à responsabilidade por danos causados no âmbito da atividade administrativa aplicam‑se mutatis mutandis à responsabilidade pelos atos dos tribunais e dos magistrados do Ministério Público […]. A ação só pode ser intentada se tiverem sido esgotadas as vias ordinárias.

[…]»

7.        O artigo 260.o, n.os 1, alínea a), e 2, da a Polgári perrendtartásról szóló 1952. évi III. törvény (Lei n.o III de 1952, relativa ao Código de Processo Civil) (a seguir «Código de Processo Civil») tem o seguinte enunciado:

«1      Pode ser apresentado um pedido de revisão de uma decisão judicial transitada em julgado, quando:

a)      a parte requerente apresentar qualquer facto ou prova, ou qualquer decisão judicial ou administrativa definitiva que, durante a fase anterior do processo, o tribunal não tenha tomado em consideração, e que a beneficiassem caso tivessem sido tomados em consideração desde o início;

[…]

2      Só é permitido a qualquer das partes apresentar um pedido de revisão nos termos da alínea a) do n.o 1 anterior, se não tiver sido possível à mesma, no decurso da fase anterior do processo, invocar o facto, o elemento de prova ou a decisão aí referidos, por facto que não lhe seja imputável.»

8.        O artigo 361.o, alínea a), do Código de Processo Civil prevê:

«A Kúria [Supremo Tribunal, Hungria] conhece dos recursos de inconstitucionalidade, nos seguintes casos:

a)      se a decisão do Alkotmánybíróság [Tribunal Constitucional, Hungria] anular uma lei ou disposição de direito substantivo, e o processo tiver sido decidido exclusivamente por ato (ou procedimento extrajudicial), o requerente é informado do seu direito de apresentar, no tribunal de primeira instância competente, um pedido de revisão no prazo de 30 dias».

III. Matéria de facto, tramitação processual e questões prejudiciais

9.        Em 25 de julho de 2006, a Észak‑dunántúli Környezetvédelmi és Vízügyi Igazgatóság(Direção da Proteção do Ambiente e das Questões Hidráulicas da Transdanúbia Setentrional, a seguir «entidade adjudicante») publicou, no Jornal Oficial da União Europeia (5), um anúncio de convite à manifestação de interesse em participar num concurso para adjudicação de um contrato de empreitada de obras públicas relativo ao desenvolvimento de infraestruturas de transporte no centro intermodal do porto comercial nacional de Györ‑Gönyü. O anúncio de concurso continha várias condições de participação no procedimento concursal. Em especial, o ponto III.2.2. do anúncio de concurso estabelecia um critério relativo à capacidade económica e financeira (a seguir «requisito económico»). Nos termos desse requisito, o resultado constante do balanço dos candidatos não podia ter sido negativo em mais do que um exercício dentro dos três últimos exercícios encerrados.

10.      A Hochtief Hungria é a sucursal húngara da Hochtief Solutions AG, uma empresa de construção alemã que, por seu turno, é uma filial da sociedade‑mãe Hochtief AG. A Hochtief Hungria não participou no procedimento concursal. Por decisão de 14 de agosto de 2006, a entidade adjudicante declarou que apenas um candidato, a Hungarian Port 2006 Konzorcium, cumpria todos os critérios de qualificação, e que, portanto, só esse candidato podia ser convidado a apresentar uma proposta.

11.      Em 9 de agosto de 2006, a Hochtief Hungria contestou a regularidade do requisito económico estabelecido no anúncio de concurso na Közbeszerzési Döntőbizottság (Comissão Arbitral em matéria de contratação pública do Conselho de Contratos Públicos, Hungria, a seguir «Comissão Arbitral»), argumentando que o requisito económico era, ao mesmo tempo, discriminatório e desadequado para justificar a capacidade financeira dos candidatos. Também pedia a anulação do anúncio de concurso e que fosse ordenada a abertura de um novo procedimento concursal.

12.      Na sua decisão de 25 de setembro de 2006, a Comissão Arbitral considerou que o requisito económico não era desadequado para determinar a capacidade económica e financeira dos candidatos. Contudo, na mesma decisão, a Comissão Arbitral aplicou à entidade adjudicante uma coima de 8 000 000 forints húngaros (HUF), por violação de outras disposições da legislação nacional sobre contratos públicos.

13.      Em 2 de outubro de 2006, a Hochtief Hungria recorreu judicialmente da decisão da Comissão Arbitral para o Fővárosi Bíróság (Tribunal Regional de Budapeste, Hungria), no que dizia respeito às conclusões da comissão relativas à capacidade financeira. A Hochtief Hungria sustentou que o requisito económico não era adequado para justificar a capacidade financeira de uma empresa.

14.      Por decisão de 17 de março de 2010, o Fővárosi Bíróság (Tribunal Regional de Budapeste) negou provimento ao pedido de fiscalização jurisdicional apresentado pela Hochtief Hungria. O Fővárosi Bíróság (Tribunal Regional de Budapeste), embora tenha observado que aquela, na sua reclamação inicial perante a Comissão Arbitral, tinha alegado que o resultado líquido não era adequado para justificar a capacidade financeira, concluiu ainda que o requisito económico em causa era um critério adequado a dar informação quanto à capacidade financeira dos candidatos.

15.      A Hochtief Hungria recorreu dessa decisão de primeira instância para o Fővárosi Ítélőtábla (Tribunal Superior de Budapeste‑Capital). Este último suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial.

16.      No seu Acórdão de 18 de outubro de 2012, o Tribunal de Justiça declarou que «uma entidade adjudicante está autorizada a exigir um nível mínimo de capacidade económica e financeira com referência a um ou vários elementos específicos do balanço, desde que estes sejam objetivamente adequados a dar informação sobre esta capacidade por parte de um operador económico e que este nível esteja ajustado à importância do contrato em questão, no sentido de que constitui objetivamente um indício positivo da existência de uma base económica e financeira bastante para levar a bom termo a execução deste contrato, sem, todavia, ir além do que é razoavelmente necessário para esse fim. O requisito de um nível mínimo de capacidade económica e financeira não pode, em princípio, ser afastado unicamente pelo motivo de este nível dever ser justificado com referência a um elemento do balanço a respeito do qual podem existir divergências entre as legislações dos vários Estados‑Membros» (6).

17.      No seu Acórdão final no processo, de 18 de junho de 2013, o Fővárosi Törvényszék (Tribunal de Budapeste‑Capital) concluiu que, à luz do acórdão proferido a título prejudicial pelo Tribunal de Justiça, o requisito económico não era incompatível com o direito da União. O Fővárosi Törvényszék (Tribunal de Budapeste‑Capital) observou ainda que a necessidade e a proporcionalidade do requisito económico tinham sido devidamente examinadas pela Comissão Arbitral e que também tinham sido consideradas na decisão proferida em primeira instância.

18.      Em 13 de setembro de 2013, a Hochtief Hungria interpôs recurso limitado a questões de direito perante a Kúria (Supremo Tribunal) contra o acórdão proferido em segunda instância. A recorrente alegou que o Fővárosi Törvényszék (Tribunal de Budapeste‑Capital) não tinha examinado a adequação objetiva do requisito económico. Neste contexto, a Hochtief Hungria requereu à Kúria (Supremo Tribunal) que apresentasse um pedido de decisão prejudicial quanto à questão de saber se o Fővárosi Törvényszék (Tribunal de Budapeste‑Capital) podia abster‑se de examinar a adequação objetiva dos critérios de qualificação sem apresentar um novo pedido de decisão prejudicial.

19.      No seu Acórdão de 19 de março de 2014, a Kúria (Supremo Tribunal) negou provimento ao recurso pelo facto de a recorrente ter apresentado intempestivamente a reclamação contra o requisito económico. A mesma concluiu que a Hochtief Hungria não tinha suscitado essa questão na sua reclamação inicial perante a Comissão Arbitral, mas unicamente nos seus pedidos posteriores. A única questão alegada atempadamente pela Hochtief Hungria, no que dizia respeito ao requisito controvertido, era a da sua natureza discriminatória e, portanto, só esse aspeto devia ser examinado.

20.      Em seguida, a Hochtief Hungria interpôs recurso de inconstitucionalidade noAlkotmánybíróság (Tribunal Constitucional, Hungria), bem como um recurso de revisão no Fővárosi Közigazgatási és Munkaügyi Bíróság (Tribunal Administrativo e do Trabalho de Budapeste—Capital, Hungria).

21.      Em primeiro lugar, no âmbito do recurso de inconstitucionalidade, a Hochtief Hungria alegou que os seus direitos a um tribunal imparcial e à ação tinham sido violados. Argumentou que a Kúria (Supremo Tribunal) deveria ter submetido ao Tribunal de Justiça mais questões prejudiciais. Em 9 de fevereiro de 2015, o Alkotmánybíróság (Tribunal Constitucional) declarou inadmissível o recurso de inconstitucionalidade. O direito à ação invocado pela Hochtief Hungria não garantia um direito a uma decisão específica e que competia à Kúria (Supremo Tribunal) decidir se era necessário apresentar um pedido de decisão prejudicial.

22.      Em segundo lugar, no que diz respeito ao recurso de revisão, a Hochtief Hungria alegava que a adequação do requisito económico não tinha sido examinada e pedia a reabertura do processo de fiscalização jurisdicional na sua totalidade, a revogação de todas as decisões anteriores e a adoção de uma nova decisão. Também requereu ao Fővárosi Közigazgatási és Munkaügyi Bíróság (Tribunal Administrativo e do Trabalho de Budapeste Capital) que apresentasse um novo pedido de decisão prejudicial quanto à questão de saber se um acórdão proferido a título prejudicial podia ser ignorado sem um novo reenvio prejudicial.

23.      Por Despacho de 8 de maio de 2015, o Fővárosi Közigazgatási és Munkaügyi Bíróság (Tribunal Administrativo e do Trabalho de Budapeste Capital) declarou inadmissível o pedido de revisão e considerou desnecessário o reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça. Fez notar que os factos nos quais a Hochtief Hungria baseava o seu pedido de revisão não eram novos. Os tribunais a quo no processo principal já tinham conhecido dos mesmos e procedido à sua apreciação. Mediante o seu pedido de revisão, a Hochtief Hungria pretendia um reexame da posição jurídica adotada pela Kúria (Supremo Tribunal), o que constituía uma questão de direito e não uma questão de facto. A revisão não estava concebida para corrigir alegados erros na aplicação da lei.

24.      Em seguida, a Hochtief Hungria interpôs recurso do despacho de inadmissibilidade proferido pelo Fővárosi Közigazgatási és Munkaügyi Bíróság (Tribunal Administrativo e do Trabalho de Budapeste—Capital) perante o Fővárosi Törvényszék (Tribunal de Budapeste‑Capital), o recorrido no presente processo. Por Despacho de 18 de novembro de 2015, este último confirmou a decisão de primeira instância. Confirmou que a via processual extraordinária da revisão se destinava a retificar erros na apreciação dos factos e não erros na aplicação da lei. Os factos relevantes tinham sido os mesmos ao longo de todo o curso do processo e tinham sido examinados em todas as instâncias.

25.      Por último, a Hochtief Hungria intentou uma ação de indemnização no órgão jurisdicional de reenvio, o Székesfehérvári Törvényszék (Tribunal Regional de Székesfehérvár, Hungria), pelo prejuízo alegadamente causado pela decisão do Fővárosi Törvényszék (Tribunal de Budapeste‑Capital) atuando no exercício da sua competência de tribunal de recurso no âmbito do pedido de revisão. A Hochtief Hungria alega que o facto de o pedido de revisão ter sido declarado inadmissível é incompatível, tanto com o direito nacional, como com o direito da União e deveria dar origem a uma indemnização relativa às custas judiciais que poderiam ter sido reembolsadas se a revisão tivesse sido concedida e se as pretensões da Hochtief Hungria finalmente tivessem tido êxito.

26.      Foi neste contexto factual e jurídico que o Székesfehérvári Törvényszék (Tribunal Regional de Székesfehérvár) decidiu suspender a instância e apresentar as seguintes questões ao Tribunal de Justiça:

«1.      Devem os princípios básicos e as normas do direito da União (em particular o artigo 4.o, n.o 3, TUE, e a exigência da interpretação uniforme), na interpretação que lhes foi dada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, especialmente no Acórdão proferido no processo Köbler, ser interpretados no sentido de que a declaração de responsabilidade do tribunal do Estado‑Membro que decide em última instância através de um acórdão que viola o direito da União pode basear‑se exclusivamente no direito nacional ou nos critérios previstos no direito nacional? Em caso de resposta negativa, devem os princípios básicos e as normas do direito da União, em particular os três critérios estabelecidos pelo [Tribunal de Justiça] no processo Köbler para declarar a responsabilidade do “Estado”, ser interpretados no sentido de que o preenchimento dos requisitos para efeitos da declaração da responsabilidade do Estado‑Membro por violação do direito da União por parte dos tribunais do referido Estado deve ser apreciado com base no direito nacional?

2.      Devem as normas e os princípios básicos do direito da União (em particular o artigo 4.o, n.o 3, TUE, e a exigência de tutela jurisdicional efetiva), especialmente os Acórdãos do [Tribunal de Justiça] em matéria de responsabilidade do Estado‑Membro proferidos nos processos Francovich, Brasserie du pêcheur e Köbler, entre outros, ser interpretados no sentido de que a autoridade de caso julgado das sentenças que violam o direito da União proferidas por tribunais do Estado‑Membro que decidem em última instância exclui a declaração de responsabilidade pelos prejuízos causados pelo Estado‑Membro?

3.      À luz da [Diretiva 89/665], alterada pela Diretiva 2007/66/CE (7), e da [Diretiva 92/13], são relevantes, para efeitos do direito da União, o processo de recurso em matéria de adjudicação de contratos públicos no que diz respeito aos contratos públicos de valor superior aos limiares comunitários e a fiscalização jurisdicional da decisão administrativa adotada no referido processo? Em caso de resposta afirmativa, o direito da União e a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (entre outros, os Acórdãos nos processos Kühne & Heitz, Kapferer e especialmente Impresa Pizzarotti) são relevantes no que diz respeito à necessidade de que seja admitida a revisão, como recurso extraordinário, decorrente do direito nacional relativo à fiscalização jurisdicional da decisão administrativa adotada no referido processo de recurso em matéria de adjudicação de contratos públicos?

4.      Devem as diretivas relativas ao processo de recurso em matéria de adjudicação de contratos públicos (designadamente, a [Diretiva 89/665], entretanto alterada pela [Diretiva 2007/66], e a [Diretiva 92/13]) ser interpretadas no sentido de que está em conformidade com elas a legislação nacional nos termos da qual os tribunais nacionais que conhecem do processo principal podem não ter em conta um facto que deve ser apreciado em conformidade com um acórdão do [Tribunal de Justiça] — proferido no âmbito de um pedido de decisão prejudicial no contexto de um processo de recurso em matéria de adjudicação de contratos públicos —, facto que, além disso, também não tem em conta os tribunais nacionais que decidem num processo intentado no âmbito de um recurso de revisão interposto contra a decisão adotada no processo principal?

5.      Devem a [Diretiva 89/665], designadamente o seu artigo 1.o, n.os 1 e 3, e a [Diretiva 92/13] designadamente os seus artigos 1.o e 2.o — em especial à luz dos Acórdãos nos processos Willy Kempter, Pannon GSM e VB Pénzügyi Lízing, bem como nos processos Kühne & Heitz, Kapferer e Impresa Pizzarotti —, ser interpretadas no sentido de que está em conformidade com as diretivas referidas, com a exigência de tutela jurisdicional efetiva e com os princípios da equivalência e da efetividade uma legislação nacional, ou a aplicação da mesma, nos termos da qual, apesar de um acórdão do [Tribunal de Justiça] proferido no âmbito de um pedido de decisão prejudicial antes da prolação do acórdão no processo de segunda instância fazer uma interpretação pertinente das normas do direito da União, o tribunal que conhece do processo não a aplica com fundamento na sua intempestividade e, posteriormente, o tribunal que conhece do recurso de revisão não considera a revisão admissível?

6.      Se, com base no direito nacional, for de admitir a revisão para o restabelecimento da constitucionalidade por força de uma nova decisão do Tribunal Constitucional, não se deveria admitir a revisão, em conformidade com o princípio da equivalência e o princípio estabelecido no Acórdão Transportes Urbanos, na situação em que não tenha sido possível ter em conta um acórdão do [Tribunal de Justiça], no processo principal, devido ao disposto no direito nacional em matéria de prazos processuais?

7.      Devem a [Diretiva 89/665, designadamente o seu artigo 1.o, n.os 1 e 3, e a [Diretiva 92/13] designadamente os seus artigos 1.o e 2.o, à luz do Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia C‑2/06, Willy Kempter, nos termos do qual o particular não tem de invocar especificamente a jurisprudência do Tribunal de Justiça, ser interpretadas no sentido de que os processos de recurso em matéria de adjudicação de contratos públicos regulados pelas referidas diretivas apenas podem ser iniciados mediante um recurso que contenha uma descrição expressa da violação em matéria de adjudicação de contratos públicos invocada e, além disso, indique de modo exato a regra de adjudicação de contratos públicos violada — artigo e número concretos — ou seja, que no processo de recurso em matéria de adjudicação de contratos públicos apenas podem ser apreciadas as violações que o recorrente tenha indicado pela referência à disposição em matéria de adjudicação de contratos públicos violada — artigo e número concretos — enquanto em qualquer outro processo administrativo e civil é suficiente que o particular apresente os factos e as provas que os fundamentam, e a autoridade ou tribunal competente aprecia o recurso em função do seu conteúdo?

8.      Deve o requisito da violação suficientemente caracterizada estabelecido nos Acórdãos Köbler e Traghetti ser interpretado no sentido de que tal violação não se verifica quando o tribunal que decide em última instância, contrariando de modo claro a jurisprudência assente e citada com o máximo detalhe do [Tribunal de Justiça] — que inclusivamente se fundamenta em diferentes pareceres jurídicos — rejeita o pedido do particular de submeter um pedido de decisão prejudicial relativo à necessidade de admissão da revisão, com base na fundamentação absurda de que a legislação da União — neste caso, em particular, as [Diretivas 89/665 e 92/13] — não contêm normas que regulem a revisão, embora para tal se tenha referido, também com o máximo detalhe, a jurisprudência pertinente do Tribunal de Justiça da União Europeia, incluindo também o Acórdão Impresa Pizzarotti, que declara precisamente a necessidade de revisão relativamente ao processo de adjudicação de contratos públicos? Tendo em conta o acórdão do [Tribunal de Justiça] C‑283/81, CILFIT, com que grau de pormenor se deve justificar o tribunal nacional que não admite a revisão, afastando se da interpretação jurídica estabelecida com caráter vinculativo pelo Tribunal de Justiça?

9.      Devem os princípios da tutela jurisdicional efetiva e da equivalência previstos nos artigos 19.o e 4.o, n.o 3, TUE, as liberdades de estabelecimento e de prestação de serviços previstas no artigo 49.o TFUE, e a Diretiva 93/37/CEE do Conselho, de 14 de junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas, bem como as [Diretivas 89/665, 92/13 e 2007/66], ser interpretados no sentido de que [não se opõem a] que as autoridades e os tribunais competentes, com inobservância manifesta do direito da União aplicável, neguem provimento a sucessivos recursos interpostos pelo recorrente por se ter tornado impossível a sua participação num processo de adjudicação de contratos públicos, recursos para os quais é necessário elaborar, consoante o caso, múltiplos documentos com um investimento significativo de tempo e dinheiro ou participar em audiências, e, embora exista teoricamente a possibilidade de declarar a responsabilidade por danos causados no exercício das funções jurisdicionais, a legislação pertinente não tem em consideração a possibilidade de o recorrente exigir ao tribunal uma indemnização pelo prejuízo sofrido em consequência das medidas ilegais?

10.      Devem os princípios estabelecidos nos Acórdãos Köbler, Traghetti e Saint Giorgio ser interpretados no sentido de que não se pode indemnizar o prejuízo decorrente do facto de, contrariando a jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, o tribunal do Estado‑Membro que decide em última instância não ter admitido a revisão pedida, em devido tempo, pelo particular, no âmbito da qual este poderia ter exigido uma indemnização pelos prejuízos causados?»

27.      Apresentaram observações escritas o Hochtief Hungria, o Fővárosi Törvényszék (Tribunal de Budapeste‑Capital), os Governos grego, húngaro e polaco e a Comissão Europeia. Com exceção dos Governos grego e polaco, todas as partes apresentaram alegações orais na audiência realizada em 21 de novembro de 2018.

IV.    Apreciação

28.      As presentes conclusões estruturam‑se do seguinte modo. Começarei por fazer algumas precisões necessárias (A). Em seguida, abordarei cada um dos três conjuntos de problemas contidos nas 10 questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio: em primeiro lugar, o alcance do dever de os tribunais nacionais aplicarem decisões proferidas a título prejudicial, em especial, no contexto de diversas disposições processuais cujos efeitos podem dificultar a plena aplicação dessas decisões prejudiciais em diferentes fases do processo judicial nacional (B); em segundo lugar, a existência ou não, nas circunstâncias de um processo como o presente, de um direito a revisão à luz do direito da União, quando um acórdão anteriormente proferido pelo Tribunal de Justiça, na sequência de um pedido de decisão prejudicial no âmbito do mesmo processo, alegadamente não foi corretamente aplicado pelos tribunais nacionais que conhecem do mérito da causa (C); em terceiro lugar, vários aspetos da responsabilidade dos Estados‑Membros por alegadas irregularidades cometidas pelos tribunais nacionais na correta aplicação do direito da União (D).

A.      Observações preliminares

1.      Admissibilidade das questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio

29.      Segundo o recorrido, as questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio são inadmissíveis. O despacho de reenvio não indica as razões pelas quais é necessária, no presente processo, uma interpretação do direito da União. Nem refere a ligação entre as disposições do direito da União relevantes e a legislação nacional em causa.

30.      É jurisprudência assente que as questões relativas à interpretação do direito da União submetidas pelo juiz nacional num quadro regulamentar e factual que define sob a sua responsabilidade, e cuja exatidão não cabe, por conseguinte, ao Tribunal de Justiça verificar, gozam de uma presunção de pertinência. Consequentemente, desde que as questões submetidas sejam relativas à interpretação de uma regra de direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se (8). Ao fazê‑lo, o Tribunal de Justiça deve dar ao órgão jurisdicional nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido (9).

31.      Efetivamente, o presente processo põe completamente à prova esses princípios, em vários aspetos. Contudo, ao contrário do recorrido, entendo que as questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, após reformulação, são admissíveis, com exceção das sétima e nona questões.

32.      Em primeiro lugar, é realmente verdade que as questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio estão redigidas num estilo complexo e, de alguma forma, confuso. No entanto, após reformulação, afigura‑se‑me que essas questões abrangem os três conjuntos de problemas seguintes.

33.      A quarta e quinta questões estão essencialmente relacionadas com a compatibilidade com o direito da União de diversos limites nacionais respeitantes à condução de diferentes fases do processo judicial nacional. Pode parecer que os efeitos dessas regras processuais poderiam limitar a plena aplicação de acórdãos anteriormente proferidos a título prejudicial no decurso do processo principal.

34.      As terceira e sexta questões visam, em substância, o problema de saber se é compatível com as exigências da equivalência e da efetividade não considerar um acórdão, anteriormente proferido a título prejudicial pelo Tribunal de Justiça no processo principal, que alegadamente não foi aplicado nesse processo, como fundamento possível para uma revisão.

35.      As primeira, segunda, oitava e décima questões dizem respeito a vários aspetos da responsabilidade dos Estados‑Membros pelos alegados erros dos tribunais nacionais, em especial do Fővárosi Törvényszék (Tribunal de Budapeste‑Capital).

36.      Em segundo lugar, é também necessário sublinhar que, reagrupando e reformulando as questões, as mesmas, expostas deste modo, dizem exclusivamente respeito à interpretação de direito da União. As questões, como formuladas pelo órgão jurisdicional de reenvio, contêm várias apreciações e inferências de natureza factual ou circunstancial preconcebidas. Com efeito, ao responder a questões apresentadas dessa forma, o Tribunal de Justiça teria sido, desse modo, convidado a examinar uma determinada leitura da matéria factual ou do direito nacional, ou mesmo a avalizar as afirmações feitas acerca de certas práticas a nível nacional. Contudo, o papel do Tribunal de Justiça no âmbito do processo de reenvio prejudicial não é esse. O órgão jurisdicional de reenvio é o único competente para apreciar os factos (10). Assim, quero assinalar claramente que as respostas que ora serão dadas dizem respeito apenas a aspetos do direito da União suscitados pelo órgão jurisdicional de reenvio nos três conjuntos de problemas acima identificados. De modo algum aprovam ou avalizam as observações e apreciações de natureza factual constantes das questões na sua redação inicial.

37.      Em terceiro lugar, outro potencial problema quanto à admissibilidade diz respeito à pertinência, no processo principal, de algumas das questões. É jurisprudência constante que o Tribunal de Justiça pode recusar responder a um pedido de decisão prejudicial formulado por um órgão jurisdicional nacional quando for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio do processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe foram submetidas (11).

38.      No presente processo, como foi confirmado na audiência, o objeto da ação proposta no órgão jurisdicional de reenvio é, em termos estritos, o prejuízo alegadamente causado pelo Fővárosi Törvényszék (Tribunal de Budapeste‑Capital), atuando como tribunal (de última instância) que conhece do pedido de revisão do processo, por ter recusado a revisão do processo e por não ter apresentado um novo pedido de decisão prejudicial antes de o fazer. Por conseguinte, poder‑se‑ia entender que as questões que não estão diretamente relacionadas com a ação de indemnização que corre termos no órgão jurisdicional de reenvio deveriam ser julgadas inadmissíveis, uma vez que não estão diretamente relacionadas com o objeto específico do litígio perante o órgão jurisdicional de reenvio.

39.      Considero difícil seguir essa lógica restritiva. A nível estrutural, entraria em conflito com a abordagem bastante generosa do Tribunal de Justiça quanto à pertinência das questões que lhe são submetidas pelos tribunais nacionais (12). Com efeito, o «espírito de cooperação» e a «presunção de pertinência» seriam substituídos, desse modo, pelo facto de o Tribunal de Justiça fornecer ao tribunal nacional a sua interpretação do próprio objeto do processo e por, com base nessa interpretação (do direito nacional e da matéria de facto), decidir quais são as questões que a esse tribunal é permitido formular.

40.      Além disso, ao nível do presente processo, tal abordagem também dificilmente faria justiça ao contexto específico do caso vertente. As questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio fazem realmente parte de uma história judicial interconectada e complexa. Neste processo, não é tarefa fácil abrir caminho e desenredar, unicamente com base no despacho de reenvio, todos os meandros da situação processual nacional, em especial no que diz respeito ao próprio curso do processo. A fortiori, pode ser ainda mais difícil indicar categoricamente qual dessas fases processuais é, ou não, relevante para uma eventual ação de responsabilidade civil.

41.      Com efeito, como já foi mencionado na introdução das presentes conclusões, existiram efetivamente três « rounds» [«partidas»] no litígio(13). O primeiro round envolveu várias decisões de mérito. Consistiu no controlo (administrativo) exercido pela Comissão Arbitral, seguido das decisões judiciais de primeira e de segunda instâncias e, posteriormente, pelo recurso sobre questões de direito perante a Kúria (Supremo Tribunal) e o recurso de inconstitucionalidade. O segundo round envolveu o pedido de revisão, conjuntamente com o recurso da decisão nesse âmbito. O terceiro round inclui a ação que deu origem ao processo principal, ou seja, a responsabilidade do Estado‑Membro pelas alegadas irregularidades cometidas pelos tribunais nacionais.

42.      Os três rounds estão interligados por um elemento comum: o alegado incumprimento pelos tribunais nacionais, ao longo desses diferentes rounds, de um acórdão proferido a título prejudicial pelo Tribunal de Justiça no decurso do primeiro round. Na verdade, não teria existido segundo round, ou, a fortiori, qualquer terceiro round, sem a alegada violação que ocorreu no âmbito do primeiro. Desse modo, a abordagem do terceiro round — ainda pendente — e, mais amplamente, das consequências da alegada não aplicação, no primeiro round, do acórdão proferido a título prejudicial exige, necessariamente, que se considerem os processos nacionais na sua totalidade. Com efeito, seria difícil dividir de forma artificial o processo, uma vez que as potenciais irregularidades cometidas no âmbito do primeiro round alastram para o segundo round e as cometidas no segundo para o terceiro. Ou, dito na ordem inversa, se não existe nenhum dever de proceder a uma revisão nos termos do direito da União, então, efetivamente, o objeto do terceiro round do litígio extingue‑se. Indo ainda mais além, se, eventualmente, não tiver existido nenhuma irregularidade no primeiro round, então os outros dois rounds tornam‑se inúteis e a resposta relativa às obrigações dos tribunais nacionais no âmbito desse primeiro round elimina, efetivamente, a necessidade de qualquer outra interpretação do direito da União.

43.      Além disso, também é difícil examinar as ações do tribunal de segunda instância (após receber o acórdão proferido a título prejudicial) sem ter em conta também o controlo administrativo exercido pela Comissão Arbitral, uma vez que a razão principal para o acórdão proferido a título prejudicial pelo Tribunal de Justiça não ter sido plenamente aplicado parece ter residido na regra processual que limita o âmbito do processo judicial às alegações inicialmente apresentadas perante aquela comissão (14). Segundo essa regra, todas as alegações relacionadas com uma alegada incompatibilidade do procedimento concursal com o direito da União têm de ter sido já formuladas perante a Comissão Arbitral. Não pode ser apresentada posteriormente nenhuma alegação nova perante os tribunais que conhecem da decisão desta última, como era o caso, no presente processo, dos tribunais de primeira e segunda instâncias.

44.      Nestas circunstâncias, parece‑me difícil afirmar categoricamente que as questões relacionadas com os primeiro ou segundo rounds do litígio no processo nacional são inadmissíveis por não terem nenhum tipo de relação com o processo pendente perante o órgão jurisdicional de reenvio. Manifestamente têm.

45.      Dito isto, pode repetir‑se apenas que seguramente não cabe ao Tribunal de Justiça determinar se, em cada um dos rounds, os tribunais nacionais aplicaram corretamente o direito da União — e, menos ainda, o direito nacional. Também não cabe ao Tribunal de Justiça examinar se a via processual escolhida pela Hochtief Hungria foi a correta, ou não, ou se esta deveria ter intentado uma ação de responsabilidade civil diretamente contra a Kúria (Supremo Tribunal), após o primeiro round, como o Governo húngaro propôs na audiência.

46.      Por conseguinte, na minha opinião, em aplicação da jurisprudência uniforme do Tribunal de Justiça (15) e de acordo com a reformulação e o entendimento das questões acima expostos (16), as questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio são admissíveis, com exceção das sétima e nona questões.

47.      A sétima questão diz especificamente respeito ao grau de precisão que os pedidos de controlo (administrativo) submetidos à Comissão Arbitral têm de apresentar. Com esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende determinar se esses pedidos têm de conter uma descrição expressa da violação e indicar de modo exato, e em concreto, a regra violada, enquanto em qualquer outro processo administrativo e civil seria suficiente uma apresentação dos factos e das provas que os demonstram.

48.      Mesmo com as concessões feitas, não consigo ver de que modo a sétima questão poderia ter alguma relevância para a solução do presente processo. Nenhuma das partes, incluindo a Hochtief Hungria, defendeu que a regra em causa era tão restritiva que tornasse impossível ou excessivamente difícil a aplicação do direito da União, em especial sob a forma de um acórdão previamente proferido pelo Tribunal de Justiça, e a garantia da tutela jurisdicional efetiva em matéria de adjudicação de contratos públicos. Não há, simplesmente, nenhuma outra informação quanto ao modo como essa regra poderia ser relevante para efeitos do presente processo.

49.      Por sua vez, a nona questão diz respeito à questão de saber se o direito da União permite que as autoridades e tribunais nacionais neguem provimento, de forma constante, às ações intentadas pela Hochtief Hungria, num contexto em que essas ações são onerosas e consomem tempo e em que, alegadamente, a legislação nacional pertinente não tem em consideração a possibilidade de os recorrentes exigirem indemnizações pelos prejuízos causados pelos tribunais nacionais no exercício da sua função jurisdicional.

50.      Com esta questão, o tribunal nacional não está, realmente, a colocar uma questão, pretendendo antes uma abordagem de várias conclusões de facto (um pouco radicais e de grande amplitude).

2.      Apontamento terminológico

51.      Na versão inglesa das questões (bem como nalgumas outras versões), conforme publicadas no Jornal Oficial (17), o termo «review» tem sido utilizado para fazer referência aos diferentes tipos de recurso em causa no presente processo. O problema decorrente do uso indiscriminado de um conceito tão genérico é que lhe falta precisão quanto ao tipo de recurso jurisdicional a que o mesmo se refere (e a que round), em especial, sem estabelecer uma distinção entre o primeiro round do litígio (fiscalização jurisdicional quanto ao mérito, em sentido próprio) e o segundo round (revisão). Por isso, ao longo das presentes conclusões será usada a terminologia a seguir indicada.

52.      «Controlo administrativo» refere‑se ao procedimento perante a Comissão Arbitral, que, aparentemente, foi o primeiro órgão que examinou a legalidade do requisito económico.

53.      «Fiscalização jurisdicional» refere‑se ao controlo judicial da decisão administrativa proferida pela Comissão Arbitral, exercido pelos tribunais nacionais, no âmbito do primeiro «round», quando conhecem da causa quanto ao mérito. Inclui, obviamente, as primeira e segunda instâncias. Inclui também os recursos limitados a questões de direito, como uma via de recurso extraordinária. Com efeito, apesar da sua natureza especial, estes últimos dizem respeito, ainda, ao objeto (principal) do processo, nomeadamente, à legalidade da decisão adotada pela Comissão Arbitral.

54.      «Revisão» será o termo utilizado para fazer referência ao recurso extraordinário que constitui o núcleo do segundo «round». Consiste, normalmente, numa reabertura e reexame de um processo, quando, a posteriori, se vem a revelar que não foram tomados em consideração determinados elementos, apesar de existir uma decisão de mérito transitada em julgado, proferida no primeiro «round». No contexto do presente processo, «revisão» refere‑se ao processo previsto nos termos do artigo 260.o do Código de Processo Civil húngaro.

B.      Execução de uma decisão prejudicial proferida pelo Tribunal de Justiça num processo judicial nacional em curso

55.      As quarta e quinta questões estão essencialmente relacionadas com a compatibilidade com o direito da União de diversos limites processuais previstos na legislação nacional, que poderiam impedir uma execução plena e correta de uma decisão prejudicial proferida pelo Tribunal de Justiça no processo em apreço. Com algum grau de reelaboração, tendo a entender a quarta questão no sentido de que pergunta sobre a compatibilidade com o direito da União de regras processuais nacionais que, alegadamente, impedem que, num determinado nível de fiscalização, sejam tomados em consideração factos novos. Assim, se são fornecidas orientações sob a forma de um acórdão do Tribunal de Justiça, sob solicitação de um órgão jurisdicional nacional na fase de recurso, na qual, normalmente, não é possível o conhecimento de quaisquer factos novos, por efeito dessa regra processual nacional, esse tipo de exame já não seria possível. Em seguida, a quinta questão incide mais em questões de direito novas, que poderiam ser julgadas improcedentes por terem sido alegadas intempestivamente, tanto perante uma instância hierarquicamente superior como no âmbito da própria fiscalização jurisdicional, caso os mesmos argumentos ou questões jurídicas não tivessem sido apresentados já no âmbito do controlo administrativo.

56.      Por outras palavras, ambos os aspetos referem‑se, de um modo ou de outro, à repartição de competências dentro do sistema judicial (e/ou administrativo) e à economia processual. Nos sistemas de proteção jurídica, tanto nacional como da União, é natural que nem todo e qualquer facto ou argumento jurídico possa ser alegado em qualquer fase do processo. Existem, certamente, regras gerais relacionadas com o âmbito admissível da fiscalização ou com a cumulação de pedidos, por exemplo, à medida que um processo avança dentro do sistema judicial.

57.      Contudo, o que é pouco usual é invocar essas regras para justificar uma potencial recusa da aplicação da orientação fornecida pelo Tribunal de Justiça numa decisão prejudicial, unicamente pelo facto de essa orientação ter chegado numa determinada fase da fiscalização jurisdicional nacional no processo principal. Nesta secção, explicarei os motivos pelos quais, em geral (18), um tal apoio nessas regras é muito erróneo e não pode ser mantido se se pretender aplicar corretamente a orientação fornecida pelo Tribunal de Justiça.

58.      Ao fazê‑lo, recordarei, em primeiro lugar, o alcance da obrigação que incumbe aos tribunais nacionais de executarem as decisões proferidas a título prejudicial pelo Tribunal de Justiça e de aplicarem a orientação nelas contidas (1). Em seguida, analisarei a regra processual nacional que parece ter sido a razão principal para o acórdão proferido a título prejudicial pelo Tribunal de Justiça, alegadamente, não ter sido plenamente aplicado no primeiro round (2). Por último, examinarei a questão de saber se, em circunstâncias como as do presente processo, deve ser afastada uma regra processual desse tipo, com fundamento no facto de a mesma constituir um entrave a uma correta aplicação do acórdão do Tribunal de Justiça (3).

1.      Deveres dos órgãos jurisdicionais nacionais na sequência de uma decisão prejudicial

59.      Segundo jurisprudência constante, um acórdão proferido a título prejudicial pelo Tribunal de Justiça vincula o juiz nacional, quanto à interpretação ou à validade dos atos das instituições da União em causa, para a resolução do litígio no processo principal (19). O artigo 267.o TFUE exige do órgão jurisdicional de reenvio que dê um efeito pleno à interpretação do direito da União dada pelo Tribunal de Justiça (20).

60.      Para além desse tipo de efeito vinculativo de uma decisão prejudicial, que poderia ser qualificado como efeito inter partes, a jurisprudência do Tribunal de Justiça sempre confirmou expressamente a força vinculativa erga omnes das declarações de invalidade de disposições do direito da União (21).

61.      Contudo, no âmbito do mesmo processo principal, a mesma lógica inter partes é plenamente extensiva também a quaisquer fases processuais posteriores. Desse modo, se a orientação do Tribunal de Justiça foi pedida, por exemplo, por um tribunal de primeira instância, então, um tribunal de recurso ou um Supremo Tribunal posteriormente chamados a conhecer do mesmo processo também estariam vinculados pela orientação fornecida pelo Tribunal de Justiça no âmbito desse processo. Em meu entender, isso é uma extensão do efeito vinculativo inter partes, porque o que está a ser examinado é ainda o mesmo processo, com os mesmos factos e onde foram suscitadas as mesmas questões jurídicas. Não se trata do efeito erga omnes (pela sua natureza, mais «ténue») noutros casos relativos a outros factos e partes, mas da interpretação das mesmas disposições legais do direito da União (22).

62.      Evidentemente, isso significa, na prática, que, se a interpretação contida numa decisão prejudicial exigir que o tribunal nacional realize um determinado tipo de exame, então, esse exame tem de ser realizado de forma a garantir a aplicação correta desse acórdão e, desse modo, uma aplicação adequada do direito da União (23). A fortiori, é esse o caso quando o Tribunal de Justiça, na parte decisória do acórdão, remete expressamente para o órgão jurisdicional de reenvio a tarefa de verificar certos elementos com vista a determinar a compatibilidade da legislação nacional com o direito da União.

2.      Autonomia processual nacional e efetividade

63.      Nas suas conclusões, o Governo húngaro apoia‑se amplamente no princípio da autonomia processual nacional para sublinhar que cabe a cada Estado‑Membro definir regras processuais e vias de recurso. Além disso, sustenta que em processos anteriores, incluindo uma decisão relativa à Hochtief AG (24), o Tribunal de Justiça admitiu diversas limitações processuais à fiscalização judicial, como as relativas a prazo e condições de propositura de uma ação.

64.      Com efeito, segundo jurisprudência assente, na falta de regulamentação da União na matéria, cabe a cada Estado‑Membro, por força do princípio da autonomia processual, designar os tribunais competentes e regular as formas processuais das ações judiciais destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos conferidos aos indivíduos pelo direito da União. No entanto, é igualmente jurisprudência constante que, em conformidade com o princípio da cooperação leal atualmente consagrado no artigo 4.o, n.o 3, TUE, as modalidades processuais das ações destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos conferidos aos particulares pelo direito da União não devem ser menos favoráveis do que as que respeitam a ações semelhantes de natureza interna (exigência da equivalência) e não devem tornar impossível ou excessivamente difícil, na prática, o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União (exigência da efetividade) (25).

65.      Acresce que é incompatível com as exigências inerentes à própria natureza do direito da União qualquer disposição de uma ordem jurídica nacional ou qualquer prática legislativa, administrativa ou judicial que tenha por efeito diminuir a eficácia do direito da União pelo facto de recusar ao juiz competente para a aplicação desse direito o poder de, no próprio momento dessa aplicação, fazer tudo o que for necessário para afastar as disposições legislativas nacionais que eventualmente obstem à plena eficácia das normas aplicáveis do direito da União (26). Em especial, as regras processuais nacionais não podem violar a competência e as obrigações que recaem sobre um órgão jurisdicional nacionalpor força do artigo 267.o TFUE (27).

66.      Aplicada à questão da estruturação dos sistemas nacionais de recursos judiciais, a jurisprudência do Tribunal de Justiça é muito respeitosa das diferentes tradições jurídicas nacionais e da diversidade dos sistemas administrativos e judiciais dos Estados‑Membros. Desse modo, um sistema judicial nacional pode ser mais inquisitório ou mais acusatório e decidir até que ponto aplica a máxima iura novit curia. De igual modo, normalmente, o âmbito da fiscalização judicial pode ser limitado a alegações que foram apresentadas pelas partes na fase do controlo administrativo.

67.      Como o Tribunal de Justiça declarou, o direito da União não impõe que os órgãos jurisdicionais nacionais suscitem oficiosamente um fundamento assente na violação de disposições do direito da União,quando a análise desse fundamento os obrigue a abandonar o princípio dispositivo a cujo respeito estão obrigados, saindo dos limites do litígio como foi circunscrito pelas partes e baseando‑se em factos e circunstâncias diferentes daqueles em que se baseou a parte que tem interesse na aplicação das referidas disposições (28). Em especial, «o princípio da efetividade não impõe aos órgãos jurisdicionais nacionais o dever de suscitarem oficiosamente um fundamento relativo a uma disposição comunitária, independentemente da sua importância para a ordem jurídica comunitária, desde que as partes disponham de uma real possibilidade de suscitarem um fundamento relativo ao direito comunitário perante um órgão jurisdicional nacional» (29).

68.      Por isso, em sede de fiscalização judicial em matéria de contratos públicos, o Tribunal de Justiça confirmou recentemente que os Estados‑Membros têm o direito de estabelecer regras processuais que limitem, no tempo ou no âmbito, a fiscalização judicial, a fim de garantirem a efetividade e celeridade dessa fiscalização, desde que, ao fazê‑lo, não tornem impossível na prática ou excessivamente difícil o exercício do direito de propor uma ação (30). Assim, segundo o Tribunal de Justiça, no contexto de uma ação de indemnização, o direito da União não se opõe a uma norma processual nacional que restringe a fiscalização judicial das decisões proferidas pela Comissão Arbitral encarregada de fiscalizar, em primeira instância, as decisões tomadas pelas entidades adjudicantes no âmbito dos procedimentos de adjudicação de contratos públicos à apreciação exclusiva dos fundamentos invocados nessa comissão (31)

69.      Daí decorre que, em geral, mutatis mutandis, também deveria ser possível uma limitação processual similar no contexto de um pedido de anulação, como o que foi apresentado no âmbito do primeiro round do presente processo: nos termos do direito da União, os órgãos jurisdicionais nacionais responsáveis pela fiscalização das decisões de uma comissão arbitral chamada a examinar pedidos de anulação de decisões adotadas por entidades adjudicantes num procedimento de adjudicação de contratos públicos podem julgar inadmissível qualquer fundamento novo que não tenha sido apresentado perante essa comissão.

3.      Aplicação de uma decisão prejudicial

70.      Assim, em geral e em processos que não envolvam uma decisão prejudicial proferida pelo Tribunal de Justiça, ou seja, quando um processo é tramitado, de forma normal, através do sistema administrativo e judicial nacional, limitações processuais desse tipo são, de facto, possíveis, nas condições indicadas na secção precedente. Contudo, esse cenário muda muito nitidamente se, no âmbito desse processo, o Tribunal de Justiça tiver fornecido orientação sob a forma de uma decisão prejudicial.

71.      Ao contrário do que Governo húngaro sugere, então deixa de se tratar de caso que se refere principalmente às limitações processuais do âmbito da esfera da autonomia processual nacional, ao qual poderia ser automaticamente aplicada a jurisprudência analisada na secção precedente. Pelo contrário, converte‑se num processo relativo à aplicação de um acórdão do Tribunal de Justiça.

72.      Que significado teria então um contexto tão diferente, num processo como o presente? Que significado teria, em especial, quanto aos aspetos relevados pelo órgão jurisdicional de reenvio, como as regras nacionais que impedem que, num determinado nível de fiscalização, sejam tomados em consideração factos novos (quarta questão) e/ou a impossibilidade de invocar fundamentos novos numa fase posterior da fiscalização judicial, se os mesmos não tiverem sido alegados perante a autoridade administrativa (quinta questão)?

73.      Em primeiro lugar, quero salientar que, no que diz respeito à quinta questão, no contexto da presente situação, as partes parecem ter apresentado oportunamente perante a Comissão Arbitral o argumento relativo à desadequação do requisito económico, que constitui o cerne de discórdia (32).

74.      No entanto, em meu entender, mesmo que isso não estivesse estabelecido concluído a nível factual, o que obviamente cabe ao juiz nacional averiguar, a resposta de princípio às duas questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio é relativamente direta: essas regras de limitação nacionais podem, naturalmente, ser mantidas, desde que seja garantido que um tribunal nacional dará execução e aplicará plenamente, no processo no âmbito do qual a decisão a título prejudicial foi pedida, a orientação fornecida pelo Tribunal de Justiça.

75.      Isso pode ocorrer de várias formas. Caso o tribunal nacional que pediu a decisão a título prejudicial ao Tribunal de Justiça disponha da competência necessária para esse tipo de fiscalização nos termos da legislação nacional (como, por exemplo, para examinar a adequação do requisito económico), então, tem de proceder, ele próprio, a esse exame e demonstrar, na sua fundamentação, que o fez. Caso esse tribunal não tenha competência para esse efeito, por exemplo, por se tratar de um tribunal de recurso ou do Supremo Tribunal, cuja competência de fiscalização é limitada e/ou que não pode examinar nenhum elemento de prova novo, e, caso algum exame desse tipo seja ainda pertinente no processo em causa, então, esse tribunal nacional poderia considerar várias opções. Em primeiro lugar, poderia anular a decisão em causa e remeter o processo à autoridade administrativa ou judicial adequada, que tenha competência, nos termos do direito nacional, para examinar a idoneidade do requisito económico em conformidade com a decisão prejudicial (ou seja, o tribunal de primeira instância, se dispuser de competência para o conhecimento das questões de facto, ou a Comissão Arbitral). Em alternativa, o tribunal nacional em causa não pode aplicar as regras processuais nacionais que limitam a sua competência e tem de proceder, ele próprio, a esse exame. A escolha entre estas diferentes opções pertence a cada um dos Estados‑Membros, desde que uma autoridade nacional, administrativa ou judicial, garanta, em definitivo, a aplicação correta da decisão prejudicial proferida pelo Tribunal de Justiça (33).

76.      No entanto, o que seguramente não pode ser permitido é que, por efeito da aplicação automática das regras de limitação nacionais, a aplicação, a nível nacional, do acórdão do Tribunal de Justiça se transforme numa proverbial situação de tipo «Catch‑22» [de impasse], na qual ninguém se considera responsável por garantir a execução efetiva de uma decisão prejudicial proferida pelo Tribunal de Justiça.

4.      Conclusão intermédia

77.      Daí decorre que os artigos 4.o, n.o 3, TUE e 267.o TFUE impõem que um tribunal nacional, ao aplicar uma decisão prejudicial anteriormente solicitada ao Tribunal de Justiça, tem de aplicar plenamente a orientação contida na mesma. Caso a execução da orientação do Tribunal de Justiça exija a realização de um determinado tipo ou âmbito de apreciação que, normalmente, não é realizado ao nível do órgão jurisdicional de reenvio em causa, esse tribunal é obrigado a não aplicar as regras processuais nacionais que limitam a sua competência para esse efeito ou a anular e remeter o processo à instância judicial, ou mesmo administrativa, competente, na qual esse exame possa ser plenamente realizado.

C.      (Dever de) Revisão

78.      Passando agora a examinar as questões relacionadas com o segundo round do litígio nacional, a terceira e sexta questões visam apurar se é compatível com o princípio da tutela jurisdicional efetiva o facto de não ser considerada, como fundamento possível de revisão, uma alegação segundo a qual um acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça no âmbito do primeiro round (na sequência de um pedido de decisão prejudicial apresentado pelo tribunal de recurso) não foi devidamente tomado em consideração nesse round. Em especial, a terceira questão deve ser entendida no sentido de que se pretende saber se existe um eventual dever, decorrente do direito da União, de os Estados‑Membros permitirem uma revisão, como recurso extraordinário previsto na legislação nacional, num caso como o que está em causa no processo principal. Com a sexta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se a exigência da equivalência exige que seja permitida uma revisão, quando alegadamente não foi corretamente tomado em consideração um acórdão proferido a título prejudicial pelo Tribunal de Justiça no processo principal sobre o mérito da causa, mas em que, ao mesmo tempo, a regulamentação nacional, aparentemente, permite a revisão no caso similar de uma (nova) decisão do Tribunal Constitucional.

79.      Desse modo, a questão submetida ao Tribunal de Justiça é, efetivamente, a de saber se o direito da União, em especial o princípio da tutela jurisdicional efetiva, exige a «revogação» de uma decisão judicial definitiva, para que seja tomado na devida conta um acórdão anterior do Tribunal de Justiça que (alegadamente) não foi plenamente tomado em consideração na decisão de mérito.

80.      Em meu entender, a resposta a essa questão é negativa.

1.      Alcance da obrigação de revogação de decisões judiciais definitivas

81.      Como foi salientado na secção anterior das presentes conclusões, os tribunais nacionais são obrigados a aplicar a resposta dada a um pedido de decisão prejudicial que eles próprios tenham submetido ao Tribunal de Justiça (força vinculativa inter partes). Além disso, têm, igualmente, de respeitar a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à interpretação ou à validade do direito da União na matéria do processo que foram chamados a decidir (efeitos vinculativos erga omnes). Em ambos os casos, o denominador comum é o facto de as decisões do Tribunal de Justiça que devem ser tomadas em conta existirem na data em que o tribunal nacional conhece da causa.

82.      Pelo contrário, em princípio, não existe, à luz do direito da União, nenhuma obrigação de revogar decisões judiciais nacionais definitivas que tenham sido proferidas antes de uma decisão proferida a título prejudicial pelo Tribunal de Justiça, mesmo que a reabertura do processo pudesse tornar possível reparar uma situação nacional que é incompatível com o direito da União.

83.      Com efeito, é jurisprudência constante que o princípio da segurança jurídica e a sua emanação, o princípio da autoridade do caso julgado (34), se revestem da maior importância, tanto na ordem jurídica da União como nas ordens jurídicas nacionais (35). À luz desses princípios, o Tribunal de Justiça decidiu que o direito da União não exige que, para ter em conta a interpretação de uma disposição pertinente desse direito, adotada pelo Tribunal de Justiça posteriormente à decisão de um órgão judicial que tem a autoridade de caso julgado, este deva, por princípio, revogar essa decisão (36). Em geral, não existe, portanto, nenhum dever de revogar decisões judiciais definitivas incompatíveis com um acórdão posterior do Tribunal de Justiça.

84.      É certo que o Tribunal de Justiça admitiu duas exceções ao princípio segundo o qual não é necessária revogar decisões definitivas para as conformar com o direito da União.

85.      A primeira situação excecional, que decorre do Acórdão Kühne & Heitz, é a obrigação, imposta aos órgãos administrativos, de reexaminar decisões administrativas definitivas para ter em conta a interpretação feita posteriormente pelo Tribunal de Justiça, se estiverem reunidas determinadas condições (37). No entanto, esta exceção implica apenas uma obrigação de revogar decisões administrativas definitivas, e não decisões judiciais (38).

86.      A segunda situação excecional foi reconhecida pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Lucchini, no qual decidiu que o direito da União se opunha à aplicação de uma disposição do direito nacional que pretende consagrar o princípio da força de caso julgado, quando a sua aplicação obstava à recuperação de um auxílio de Estado concedido em violação do direito da União (39). A lógica subjacente a esta exceção foi que, uma vez que a decisão nacional tinha sido adotada em violação da repartição de competências entre os Estados‑Membros e a União, nunca poderia ter adquirido força de caso julgado. Posteriormente, o Tribunal de Justiça sublinhou o caráter excecional do Acórdão Lucchini, fazendo notar que o mesmo tinha sido proferido numa situação muito especial, relacionada com a repartição de competências acima referida (40).

87.      Nenhuma destas exceções parece ser diretamente relevante para o caso em apreço. Desse modo, como ponto de partida, o presente processo está abrangido pela regra geral: não existe nenhuma obrigação geral de revogar decisões judiciais definitivas para as tornar compatíveis com uma decisão posterior do Tribunal de Justiça (41).

88.      Contudo, embora o direito da União não imponha uma obrigação de os Estados‑Membros criarem novas vias de recurso (42), se o direito nacional previr tal possibilidade, essa legislação tem não só de cumprir a exigência de equivalência, mas também a exigência de efetividade (43). É, pois, necessário que nos debrucemos sobre o recurso de revisão nos termos do direito nacional.

2.      Revisão nos termos do direito nacional

89.      No direito húngaro, a revisão parece estar regulada no artigo 260.o, n.os 1, alínea a), e 2, do Código de Processo Civil. Segundo o Governo húngaro, as regras relativas à revisão não são aplicáveis em casos como o do presente processo, uma vez que esse recurso visa apenas tomar em consideração elementos de facto novos, por oposição a elementos de direito novos. Em contrapartida, a Hochtief Hungria alega que uma revisão pode servir para aplicar um acórdão proferido a título prejudicial pelo Tribunal de Justiça no decurso do processo principal, mas que não foi tomado em conta por razões processuais. Por sua vez, a Comissão deixa ao órgão jurisdicional de reenvio a tarefa de determinar se o artigo 260.o, n.o 1, do Código de Processo Civil autoriza uma revisão nos casos em que os tribunais nacionais não tomaram adequadamente em consideração um acórdão proferido a título prejudicial pelo Tribunal de Justiça.

90.      Partilho em grande medida a posição da Comissão. Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio, como único intérprete autorizado do direito nacional, determinar se, à luz dessas regras, poderia ser possível uma revisão, num caso em que uma decisão prejudicial, que já existia quando foi proferida a decisão de mérito final, alegadamente não foi tomada em consideração de forma adequada.

91.      Quero apenas fazer duas observações. Segundo entendo aquilo que, geralmente, está em causa no recurso (extraordinário) de revisão, tende a ser limitado a casos em que, após o trânsito em julgado da decisão nacional, se vem a revelar que certosfactos não foram, ou não puderam ser, tomados em conta pelo tribunal nacional no momento em que proferiu essa decisão.

92.      Seria, de alguma forma, surpreendente aplicar essa lógica a um acórdão interpretativo do Tribunal de Justiça que existia e era conhecido à data em que a decisão de mérito anterior foi proferida. Em primeiro lugar, essa decisão dificilmente constitui um facto novo. Em segundo lugar, é indiscutível que essa decisão existia e era conhecida à data da decisão de mérito inicial, pelo que dificilmente se poderia qualificar como algo novo que só se manifestou depois.

93.      Desse modo, prima facie, e ao nível de um entendimento geral sobre o que possa estar em causa num processo de revisão, é difícil descortinar de que modo esse recurso extraordinário deveria ser usado para sanar alegadas deficiências na aplicação adequada de orientações jurídicas de natureza interpretativa que, claramente, existiam e eram conhecidas à data da prolação da decisão nacional inicial.

3.      Equivalência com os recursos de inconstitucionalidade?

94.      No entanto, neste contexto, há que abordar um argumento suplementar: a sugerida equivalência em relação aos recursos de inconstitucionalidade. Segundo a Hochtief Hungria, nas circunstâncias do presente processo, deveria ter sido admitida uma revisão, com fundamento no facto de um acórdão proferido a título prejudicial pelo Tribunal de Justiça não ter sido tomado em consideração, uma vez que o direto nacional prevê revisão nos casos em que o Alkotmánybírósága (Tribunal Constitucional) vem a declarar posteriormente a inconstitucionalidade de uma norma que um tribunal ordinário tenha aplicado na sua decisão judicial definitiva. É neste contexto que, na sexta questão, o tribunal nacional faz referência ao Acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça no processo Transportes Urbanos y Servicios Generales.

95.      O AcórdãoTransportes Urbanos y Servicios Generales tem, na verdade, algumas semelhanças com o presente processo. Nessa decisão, o Tribunal de Justiça declarou que o direito da União e, em especial, o princípio da equivalência, se opunham à aplicação de uma regra, por força da qual as ações fundadas em responsabilidade do Estado por violação do direito da União declarada por um acórdão do Tribunal de Justiça, estavam sujeitas a um requisito de esgotamento prévio das vias de recurso contra um ato administrativo lesivo, ao passo que as mesmas ações não estavam sujeitas a esse requisito quando tivessem como fundamento uma violação da Constituição declarada pelo Tribunal Constitucional (44). Todavia, deve notar‑se que o Tribunal de Justiça chegou a essa conclusão após ter observado que a única diferença que existia entre essas duas ações consistia na circunstância de as violações do direito nas quais essas ações se baseavam serem declaradas pelo Tribunal de Justiça e pelo Tribunal Constitucional, respetivamente. O Tribunal de Justiça concluiu que essa circunstância, na falta de qualquer outra diferença entre as duas ações, não era, por si só, suficiente para estabelecer uma distinção entre as mesmas com base no princípio da equivalência (45).

96.      Recentemente, no Acórdão XC e o., o Tribunal de Justiça insistiu na importância de uma clara semelhança entre os processos em causa, em termos dos seus objeto, causa e elementos essenciais, para que o princípio da equivalência se torne operante (46). À luz desses elementos, o Tribunal de Justiça examinou, em seguida, a questão de saber se uma ação que permitia obter a repetição de um processo penal encerrado por uma decisão nacional que adquiriu força de caso julgado, com fundamento numa declaração posterior de uma violação da CEDH ou de um dos seus protocolos, por um lado, e um recurso que visava a salvaguarda dos direitos que o direito da União confere aos litigantes, por outro, podiam ser considerados processos semelhantes.

97.      O Tribunal de Justiça concluiu que as diferenças que esses processos apresentavam eram de tal ordem que não se podiam ser considerar semelhantes. Observou, em especial, que o primeiro processo foi criado, essencialmente, para permitir a revogação de decisões que tenham adquirido força de caso julgado. Pelo contrário, o quadro constitucional da União garante a qualquer pessoa a possibilidade de obter a salvaguarda efetiva dos direitos que lhe são conferidos pela ordem jurídica da União antes mesmo de ser proferida uma decisão nacional revestida da autoridade do caso julgado (47).

98.      De forma semelhante ao processo XC e o., a disposição nacional invocada no presente processo, que permite a revogação de uma decisão judicial nacional transitada em julgado na sequência de uma decisão nova do Tribunal Constitucional, é uma consequência do mecanismo da fiscalização constitucional, como previsto no artigo 361.o, alínea a), do Código de Processo Civil. Na realidade, essa disposição, que prevê um recurso excecional, permitindo que uma decisão do Tribunal Constitucional seja tomada em conta, só pode ser usada relativamente à decisão judicial que, em concreto, uma vez transitada em julgado, deu origem ao recurso de inconstitucionalidade. Dito de outra forma, nos casos em que essa fiscalização constitucional (abstrata) só é possível depois de uma decisão judicial definitiva, a única forma de refletir essa fiscalização constitucional e, potencialmente, expurgar a inconstitucionalidade no caso concreto é reabrindo o processo.

99.      O mecanismo e a lógica dessa exigência de revogação de uma decisão judicial são muito diferentes do mecanismo do reenvio prejudicial, o qual, por definição, opera enquanto o processo nacional ainda se encontra pendente e antes de poder ser adotada qualquer decisão definitiva a nível nacional. Desse modo, não é necessário revogar uma decisão definitiva para que a orientação dada pelo Tribunal de Justiça seja tomada em consideração.

100. Por estas razões, como recentemente expus mais pormenorizadamente no processo Călin, a execução e os efeitos vinculativos inter partes de uma decisão proferida a título prejudicial pelo Tribunal de Justiça, por um lado, e de um acórdão proferido por um Tribunal Constitucional nacional no âmbito da fiscalização constitucional, por outro (ou, no que se refere a esse caso, de uma decisão do TEDH no âmbito do processo nacional que deu origem a uma queixa) são vias de recurso estruturalmente diferentes (48). Simplesmente, os seus objeto, causa e elementos essenciais são diferentes.

101. Pode acrescentar‑se que a situação poderia ser diferente se o direito nacional permitisse que os tribunais nacionais submetessem ao Alkotmánybírósága (Tribunal Constitucional) pedidos de fiscalização da constitucionalidade a título prejudicial. A este respeito, se bem entendo o argumento, na audiência, o Governo húngaro parecia sugerir que também era permitida uma revisão nos casos em que a decisão do Alkotmánybírósága (Tribunal Constitucional) não tivesse sido proferida depois da decisão judicial definitiva no processo principal, mas sim antes da mesma, no âmbito desse processo sobre o mérito da causa (49).

102. Devo confessar que, quanto a esse ponto, estou, de alguma forma, perdido. Se fosse esse o caso, e, de facto, alguns sistemas constitucionais nacionais (também) preveem uma fiscalização da constitucionalidade a título prejudicial, tipicamente desencadeada mediante um pedido apresentado por um tribunal nacional (ordinário), tenho dificuldade em descortinar de que modo as regras relativas à revisão seriam relevantes nesses casos. Seria, antes, de supor que, na sequência desse reenvio prejudicial relativo à constitucionalidade, o tribunal ordinário aguarda a decisão do Tribunal Constitucional e, então, uma vez proferida essa decisão, dá solução ao litígio inicial ao aplicar o acórdão do Tribunal Constitucional nacional. Se fosse esse o caso, então, esse reenvio prejudicial relativo à constitucionalidade poderia, na verdade, ser funcionalmente equivalente a um pedido de decisão prejudicial submetido ao Tribunal de Justiça. No entanto, para esse tipo de processo, a necessidade de quaisquer regras específicas sobre revisão seria então diminuta.

103. Em todo o caso, se o órgão jurisdicional de reenvio viesse a concluir que (i) as regras nacionais relativas à revisão também incluem as decisões proferidas pelo Alkotmánybírósága (Tribunal Constitucional) no decurso do processo principal, ou seja, antes de o tribunal ordinário adotar a decisão de mérito definitiva, e que (ii), como resultado da aplicação dos critérios relativos ao requisito da equivalência indicados na presente secção, esse tipo de revisão é realmente equivalente à execução de uma decisão anteriormente proferida a título prejudicial pelo Tribunal de Justiça, então o requisito da equivalência exigiria que também fosse admitida a revisão neste último tipo de situação.

4.      Aplicação direta ou indireta do Acórdão Kühne & Heitz?

104. Um último ponto que importa abordar, relacionado com a revisão, diz respeito ao Acórdão Kühne & Heitz (50). Com efeito, essa decisão foi abundantemente referida pelo órgão jurisdicional de reenvio, bem como pelas partes, nas fases escrita e oral do processo perante o Tribunal de Justiça.

105. Esse acórdão estabeleceu uma obrigação, por força do direito da União, de reexaminar decisões administrativas definitivas, quando (i) o órgão administrativo dispõe, segundo o direito nacional, do poder de revogação desta decisão; (ii) a decisão em causa se tornou definitiva em consequência de um acórdão de um órgão jurisdicional nacional que decidiu em última instância; (iii) o referido acórdão, face à jurisprudência do Tribunal de Justiça posterior a esse acórdão, se fundamenta numa interpretação errada do direito da União aplicada sem que ao Tribunal de Justiça tivesse sido submetida uma questão prejudicial; e (iv) o interessado se dirigiu ao órgão administrativo imediatamente depois de ter tido conhecimento da referida jurisprudência (51).

106. Enquanto a Hochtief Hungria sustentava que esta linha jurisprudencial também deveria ser aplicada, por analogia, a decisões judiciais definitivas, a Comissão propôs, na audiência, que uma aplicação direta dessa lógica poderia, talvez, ser contemplada no que diz respeito à decisão (administrativa) da Comissão Arbitral. Nesta subsecção, examinarei os dois cenários.

107. Em primeiro lugar, no que diz respeito a uma potencial aplicação por analogia (ou extensiva) do Acórdão Kühne & Heitz no presente processo, as condições estabelecidas, nesse acórdão, pelo Tribunal de Justiça visam claramente um cenário diferente e bastante específico, nomeadamente, a revogação de uma decisão administrativa definitiva, e não de uma decisão judicial, na sequência de uma decisão prejudicial posterior proferida pelo Tribunal de Justiça.

108. Mesmo supondo que a mesma lógica pudesse ser aplicada a decisões judiciais definitivas (52), ainda assim, pelo menos a primeira e a terceira condições estabelecidas nesse acórdão pelo Tribunal de Justiça não estariam verificadas: no direito nacional, a revisão é certamente um recurso disponível, porém, manifestamente não se destina a abranger o tipo de situação que está em causa no presente processo; além disso, a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça não foi posterior à decisão judicial definitiva, mas sim anterior à mesma.

109. Além disso, embora não seja expressamente enumerada como uma das condições, a obrigação de revogar decisões administrativas nacionais estabelecida no Acórdão Kühne & Heitz sempre teve um certo sabor a sanção indireta, imposta em razão do facto de o tribunal nacional não ter reexaminado essa decisão a fim de cumprir o seu dever de submeter um pedido de decisão prejudicial. No presente processo, pelo contrário, o Fővárosi Ítélőtábla (Tribunal Superior de Budapeste‑Capital) submeteu, efetivamente, esse pedido.

110. Por último, e a título subsidiário, se o Acórdão Kühne & Heitz for lido à luz da abordagem mais recente feita pelo Tribunal de Justiça, no Acórdão XC e o., no que diz respeito à revogação de decisões judiciais, então o primeiro processo deve realmente continuar a constituir a exceção exclusivamente aplicável às autoridades administrativas. Com efeito, a orientação tomada no Acórdão XC e o. confirma que, na interação entre a aplicação efetiva do direito da União, por um lado, e o respeito dos princípios da segurança jurídica e da força de caso julgado das decisões (judiciais), por outro, a balança se inclina claramente a favor dos últimos.

111. Por conseguinte, considero que não é necessária nenhuma outra aplicação extensiva do Acórdão Kühne & Heitz(ou a sua aplicação por analogia a decisões judiciais definitivas).

112. Em segundo lugar, quanto à sugestão feita pela Comissão no sentido de uma aplicação direta do Acórdão Kühne & Heitz no contexto do presente processo mediante a revogação da decisão administrativa definitiva, ou seja, a decisão da Comissão Arbitral (53), também não me convence. Para além do facto de essa aplicação não estar, de modo nenhum, em causa, e tendo em conta a falta de informação no que diz respeito a potenciais regras de direito nacional que prevejam a revogação de decisões administrativas, é manifesto que os factos do presente processo são substancialmente diferentes dos factos do processo Kühne & Heitz.

113. No processo Kühne & Heitz, a questão da existência de um eventual dever de tomar em consideração um acórdão do Tribunal de Justiça foi suscitada num momento em que, tanto o procedimento administrativo como o posterior processo judicial estavam concluídos. Portanto, todas as decisões adotadas no decurso desses processos eram definitivas. Pelo contrário, no presente caso, a decisão prejudicial foi proferida pelo Tribunal de Justiça num momento em que só o procedimento administrativo estava encerrado e, por isso, apenas a decisão administrativa era definitiva. No entanto, o processo judicial estava ainda pendente de decisão. Por essa razão, mas tendo em conta também as circunstâncias de facto desse processo, como as condições tão detalhadamente estabelecidas pelo Tribunal de Justiça, no Acórdão Kühne & Heitz, a fim de justificar o dever de revogar a decisão administrativa confirmam, parece que essas condições não estão preenchidas.

5.      Conclusão intermédia

114. À luz destas considerações, concluo que, nas circunstâncias do presente processo, o princípio da tutela jurisdicional efetiva não exige que se autorize a revisão, como recurso extraordinário, nas circunstâncias do caso em apreço, com vista a dar execução a uma decisão prejudicial proferida pelo Tribunal de Justiça no processo principal e que, alegadamente, não foi plenamente tomada em consideração no referido processo sobre o mérito da causa. No entanto, caso um sistema nacional preveja uma via de recurso que permita a possibilidade, ou mesmo que imponha o dever de revogar decisões definitivas proferidas em processos semelhantes a nível nacional, a exigência da equivalência impõe que essa possibilidade também abranja incumprimentos relativos a decisões prejudiciais anteriormente proferidas pelo Tribunal de Justiça no mesmo processo.

D.      Responsabilidade do Estado‑Membro

115. Por último, com as primeira, segunda, oitava e décima questões, o órgão jurisdicional de reenvio solicita orientação quanto a alguns pontos relativos ao terceiro round do litígio nacional, respeitantes à eventual responsabilidade do Estado‑Membro.

116. Na primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio indaga acerca dos aspetos gerais da responsabilidade do Estado‑Membro decorrente de decisões dos tribunais nacionais: a responsabilidade do Estado‑Membro deve ser determinada apenas com base no direito da União ou também com base no direito nacional, em especial no que diz respeito ao exame dos pressupostos da responsabilidade? Na segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende determinar se, no caso de uma decisão de um tribunal nacional ser incompatível com o direito da União, pode haver lugar a responsabilidade do Estado‑Membro mesmo que essa decisão tenha adquirido força de caso julgado.

117. As respostas a estas duas questões podem ser inferidas da jurisprudência, com relativa facilidade.

118. É jurisprudência constante que os particulares que invocam o direito da União devem ter a possibilidade de obter, junto de um órgão jurisdicional nacional, ressarcimento do prejuízo causado pela violação destes direitos por uma decisão de um órgão jurisdicional nacional decidindo em última instância (54).

119. Quanto às condições que devem ser cumpridas, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que são três, a saber, que a norma jurídica violada vise atribuir direitos aos particulares, que a violação seja suficientemente caracterizada e que exista um nexo de causalidade direto entre a violação da obrigação que incumbe ao Estado e o prejuízo sofrido pelas pessoas lesadas (55).

120. Essas três condições são necessárias e suficientes para instituir a favor dos particulares um direito a obter reparação, ao abrigo do direito da União. No entanto, os Estados‑Membros podem prever condições menos restritivas para que haja lugar a responsabilidade do Estado. Sem prejuízo do direito à reparação que tem fundamento direto no direito da União quando estejam reunidas as três condições acima apontadas, é no âmbito do direito nacional da responsabilidade que incumbe ao Estado reparar as consequências do prejuízo causado, entendendo‑se que as condições estabelecidas pelas legislações nacionais em matéria de reparação dos prejuízos não podem ser menos favoráveis do que as aplicáveis a reclamações semelhantes de natureza interna nem ser organizadas de forma a, na prática, tornarem impossível ou excessivamente difícil a obtenção da reparação (56).

121. Além disso, também decorre claramente da jurisprudência que o princípio da autoridade do caso julgado não se opõe ao reconhecimento do princípio da responsabilidade do Estado em razão de uma decisão de um órgão jurisdicional que se pronuncia em última instância (57).

122. Por conseguinte, respondendo à primeira questão, a responsabilidade do Estado‑Membro só pode ser determinada com base nas condições estabelecidas no direito da União, embora o direito nacional possa prever condições menos restritivas. Quanto à segunda questão, o princípio da autoridade do caso julgado não se opõe ao reconhecimento do princípio da responsabilidade do Estado em razão de uma decisão de um órgão jurisdicional que se pronuncia em última instância.

123. Com a décima questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se, à luz dos princípios do direito da União em matéria de responsabilidade do Estado, podem ser pedidas indemnizações (na forma de reembolso das custas judiciais suportadas) pelo dano causado pelo facto de o tribunal de última instância ter recusado a revisão do processo. Por outras palavras, existe alguma limitação quanto ao tipo de danos cujo pagamento pode ser exigido em razão de uma alegada violação do direito da União cometida por um tribunal de última instância?

124. A dúvida quanto à fonte exata das limitações a que a décima questão faz alusão foi dissipada na audiência, na qual tanto a Hochtief Hungria como o Governo húngaro confirmaram que essas limitações resultavam da jurisprudência nacional.

125. Esclarecida a fonte das limitações relativas ao tipo de danos reembolsáveis, parece‑me óbvio que essas limitações são incompatíveis com o direito da União. Com efeito, é impossível limitar os danos cujo pagamento pode ser exigido. Segundo o Tribunal de Justiça, as regras relativas à avaliação de um dano causado por uma violação do direito da União são determinadas pelo direito nacional de cada Estado‑Membro, entendendo‑se que as regulamentações nacionais que estabelecem essas regras devem respeitar as exigências da equivalência e da efetividade (58). Por conseguinte, desde que estejam reunidas as três condições da responsabilidade do Estado‑Membro, como estabelecidas no direito da União, todo e qualquer dano tem de ser reembolsável, incluindo as custas judiciais.

126. Nestas condições, embora o tipo de danos cujo pagamento é exigido não possa, per se, ser usado para estabelecer uma «exclusão em bloco» de um determinado tipo de danos, o tipo exato de dano cujo pagamento é exigido por um demandante será, obviamente, relevante a outro nível, nomeadamente, para confirmar o nexo de causalidade direto entre esse dano e a «violação suficientemente caracterizada» do direito da União censurada.

127. Com a oitava questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se, nas circunstâncias do presente processo, a recusa, por parte de um tribunal de última instância (o recorrido), de apresentar um pedido de decisão prejudicial, a pedido de uma das partes, quanto à questão de saber se deveria ter sido garantida uma revisão, constitui uma «violação suficientemente caracterizada do direito da União» que possa desencadear a responsabilidade do Estado‑Membro. Na segunda parte da questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, ainda, até que ponto, à luz do Acórdão CILFIT (59), um tribunal nacional é obrigado a fundamentar a sua decisão de não proceder ao reenvio prejudicial.

128. A resposta a esta questão é algo mais complexa.

129. Em primeiro lugar, deve recordar‑se que não cabe ao Tribunal de Justiça decidir quanto a uma potencial responsabilidade de um Estado‑Membro num caso concreto. No entanto, o Tribunal de Justiça pode fornecer orientações sobre a aplicação dos critérios em matéria de responsabilidade, em especial, do relativo à «violação suficientemente caracterizada» do direito da União.

130. Além disso, também pode ser útil recordar que a questão de saber se deve ser feito, ou não, um reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça é prerrogativa e responsabilidade exclusiva do juiz nacional. Evidentemente, as partes no processo principal podem formular uma proposta nesse sentido, mas não gozam de nenhum direito de apresentar um pedido de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça (60).

131. Feitas estas clarificações preliminares, e, uma vez mais, abstraindo de algumas observações de natureza factual que o órgão jurisdicional de reenvio introduziu na sua questão, que não cabe ao Tribunal de Justiça comentar, a questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio refere duas outras variáveis: o «critério Köbler» de «violação suficientemente caracterizada» e o «critério CILFIT», para que os tribunais de última instância possam abster‑se de apresentar um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o, n.o 3, TFUE, mesmo face a uma questão relativa ao direito da União.

132. O «critério Köbler» adapta o requisito da «violação suficientemente caracterizada» a uma potencial situação de aplicação incorreta do direito da União pelos órgãos jurisdicionais. Segundo o Tribunal de Justiça, para determinar se existe uma violação suficientemente caracterizada do direito da União, há que atender a todos os elementos que caracterizam a situação submetida ao tribunal nacional. Entre os elementos que podem ser tomados em consideração figuram, designadamente, o grau de clareza e de precisão da norma violada, o alcance da margem de apreciação que a norma violada deixa às autoridades nacionais, o caráter intencional ou involuntário do incumprimento verificado ou do prejuízo causado, o caráter desculpável ou não de um eventual erro de direito, o facto de as atuações adotadas por uma instituição da União terem podido contribuir para a adoção ou a manutenção de medidas ou práticas nacionais contrárias ao direito da União, bem como o não cumprimento, pelo órgão jurisdicional em causa, da sua obrigação de reenvio prejudicial por força do artigo 267.o, terceiro parágrafo TFUE. De qualquer modo, uma violação do direito da União é considerada suficientemente caracterizada quando a decisão em causa foi tomada violando manifestamente a jurisprudência do Tribunal de Justiça na matéria (61).

133. O «critério CILFIT» visa especificamente órgão jurisdicionais de última instância e a sua potencial inobservância do dever de reenvio. Segundo o Tribunal de Justiça, por força do artigo 267.o, n.o 3, TFUE, um órgão jurisdicional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso jurisdicional de direito interno é obrigado a cumprir o seu dever de reenvio, sempre que uma questão de direito da União nele seja suscitada, a menos que conclua que a questão suscitada não é pertinente, que a disposição do direito da União em causa foi já objeto de interpretação por parte do Tribunal de Justiça ou que a correta aplicação do direito da União se impõe com uma evidência tal que não há lugar a nenhuma dúvida razoável. A existência de tal situação deve ser avaliada em função das características próprias do direito da União, das dificuldades particulares que a sua interpretação apresenta e do risco de divergências jurisprudenciais na União (62). Assim, cada disposição de direito da União, incluindo a jurisprudência do Tribunal de Justiça no domínio em causa, deve ser colocada no seu contexto e interpretada à luz do conjunto das disposições deste direito, das suas finalidades e do seu estado de evolução à data em que a aplicação da disposição em causa é feita (63).

134. Muito se poderia escrever acerca da necessidade de (i) reinterpretar o Acórdão CILFIT, a fim de o tornar relevante de novo (se é que, de facto, alguma vez o foi (64)); (ii) esclarecer a relação exata que existe entre as condições Köbler e as condições CILFIT e de, idealmente, as integrar num todo coerente (65); (iii) ao mesmo tempo que, também, integrar e ter em conta o parâmetro que deve ser aplicado a potenciais irregularidades cometidas pelos tribunais de última instância, quando examinadas em sede de ação por incumprimento nos termos do artigo 258. o TFUE (66).

135. Contudo, dificilmente será este o processo adequado para tais tentativas. Para os objetivos do órgão jurisdicional de reenvio no presente processo, basta recordar que o critério segundo o qual qualquer potencial questão de responsabilidade do Estado desse tipo deve ser aferido é o dos critérios Köbler, indicados no n. o 132, supra, das presentes conclusões. Para esse efeito, não é o critério CILFIT, mas apenas uma «manifesta violação da jurisprudência do Tribunal de Justiça na matéria» (67) que equivale a uma violação suficientemente caracterizada do direito da União. Mais uma vez, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se a irregularidade cometida pelo tribunal nacional em causa foi, de facto, ou não, tão manifesta ao ponto de equivaler a uma clamorosa inobservância da jurisprudência do Tribunal de Justiça, quer mediante uma omissão absoluta de se conformar com o direito da União, quer mediante uma interpretação da mesma de forma manifestamente insustentável.

V.      Conclusão

136. À luz das considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões submetidas pelo Székesfehérvári Törvényszék (Tribunal Geral de Székesfehérvár, Hungria) do seguinte modo:

–        Os artigos 4.o, n.o 3, TUE e 267.o TFUE impõem que um tribunal nacional, ao aplicar uma decisão prejudicial anteriormente solicitada ao Tribunal de Justiça, tem de aplicar plenamente a orientação contida na mesma. Caso a execução da orientação do Tribunal de Justiça contida numa decisão prejudicial exija a realização de um determinado tipo ou âmbito de apreciação que, normalmente, não é realizado ao nível do órgão jurisdicional de reenvio em causa, esse tribunal é obrigado a não aplicar as regras processuais nacionais que limitam a sua competência para esse efeito ou a anular e remeter o processo à instância judicial, ou mesmo administrativa, competente, na qual esse exame possa ser plenamente realizado;

–        O princípio da tutela jurisdicional efetiva não exige que seja autorizada a revisão, como recurso extraordinário, com vista a dar execução a uma decisão prejudicial proferida pelo Tribunal de Justiça, que, alegadamente, não foi plenamente tomada em consideração no processo anterior sobre o mérito da causa e em cujo decurso essa decisão prejudicial foi proferida. No entanto, caso o direito nacional preveja uma via de recurso que permita a possibilidade ou o dever de revogar decisões definitivas proferidas em processos semelhantes a nível nacional, a exigência da equivalência impõe que essa possibilidade, ou dever, também seja extensiva às decisões prejudiciais anteriormente proferidas pelo Tribunal de Justiça no mesmo processo;

–        As regras e princípios da União em matéria de responsabilidade do Estado‑Membro devem ser interpretados no sentido de que:

–        uma declaração de responsabilidade em razão de uma violação do direito da União cometida por um órgão jurisdicional nacional (de última instância) deve ser baseada nos critérios estabelecidos no direito da União;

–        o princípio da autoridade do caso julgadoadquirida por uma decisão de um órgão jurisdicional que se pronuncia em última instância e que violou o direito da União não se opõe ao reconhecimento da responsabilidade do Estado em razão dessa violação;

–        o direito nacional não pode excluir a possibilidade de ser exigido o pagamento de determinados tipos de danos, quando se conclua que esses danos são consequência direta de uma violação suficientemente caracterizada do direito da União;

–        uma violação do direito da União cometida por um órgão jurisdicional de última instância, que recusa proceder a um reenvio, incumprindo o artigo 267.o, n.o 3, TFUE, é suficientemente caracterizada quando viola manifestamente a jurisprudência do Tribunal de Justiça e relativa ao processo pendente nesse órgão jurisdicional.


1      Língua original: inglês.


2      Acórdão de 18 de outubro de 2012, Édukövízig e Hochtief Construction (C‑218/11, EU:C:2012:643).


3      Diretiva do Conselho, de 21 de dezembro de 1989 (JO 1989, L 395, p. 33) (a seguir «Diretiva 89/665»).


4      Diretiva do Conselho, de 25 de fevereiro de 1992 (JO 1992, L 76, p. 14) (a seguir «Diretiva 92/13»).


5      Série S, n.o 139‑149325.


6      Acórdão de 18 de outubro de 2012, Édukövízig e Hochtief Construction (C‑218/11, EU:C:2012:643, n.o 32).


7      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2007, que altera as Diretivas 89/665/CEE e 92/13/CEE.


8      V., por exemplo, Acórdãos de 31 de janeiro de 2017, Lounani (C‑573/14, EU:C:2017:71, n.o 56); de 8 de março de 2018, Saey Home & Garden (C‑64/17, EU:C:2018:173, n.o 18), e de 13 de junho de 2018, Deutscher Naturschutzring (C‑683/16, EU:C:2018:433, n.o 29).


9      V., por exemplo, Acórdãos de 11 de setembro de 2014, B. (C‑394/13, EU:C:2014:2199, n.o 21 e jurisprudência referida), e de 26 de abril de 2017, Farkas (C‑564/15, EU:C:2017:302, n.o 38).


10      V., por exemplo, Acórdãos de 18 de julho de 2007, Lucchini (C‑119/05, EU:C:2007:434, n.o 43); de 26 de maio de 2011, Stichting Natuur en Milieu e o. (C‑165/09 a C‑167/09, EU:C:2011:348, n.o 47); e de 26 de abril de 2017, Farkas (C‑564/15, EU:C:2017:302, n.o 37).


11      V., por exemplo, Acórdãos de 31 de janeiro de 2017, Lounani (C‑573/14, EU:C:2017:71, n.o 56); de 8 de março de 2018, Saey Home & Garden (C‑64/17, EU:C:2018:173, n.o 18); e de 13 de junho de 2018, Deutscher Naturschutzring (C‑683/16, EU:C:2018:433, n.o 29).


12      Referida nas notas 8 e 9, supra.


13      Quero sublinhar que o termo «round» é apenas a forma abreviada de me referir às três diferentes fases do litígio no contexto do presente processo.


14      Deve notar‑se que, no presente contexto, essa fase poderia ser relevante também por outra razão, uma vez que, na audiência, a Comissão sugeriu que talvez pudesse existir um dever, com base na linha jurisprudencial do Acórdão Kühne & Heitz, de reabertura do controlo administrativo perante a Comissão Arbitral (V., infra, secção C das presentes conclusões).


15      Acima indicada, nos n.os 30 e 37 das presentes conclusões.


16      N.os 31 a 36, supra.


17      JO 2018, C 22, p. 26.


18      Novamente, como já foi sublinhado, em geral, no n.o 36, supra, procedendo ao exame da compatibilidade geral das regras, sem abordar ou confirmar que qualquer erro desse tipo tenha realmente ocorrido no caso concreto. Proceder a qualquer exame desse tipo é da competência do órgão jurisdicional de reenvio.


19      V., por exemplo, Acórdãos de 5 de outubro de 2010, Elchinov (C‑173/09, EU:C:2010:581, n.o 29), e de 16 de junho de 2015, Gauweiler e o. (C‑62/14, EU:C:2015:400, n.o 16).


20      V., por exemplo, Acórdão de 5 de julho de 2016, Ognyanov (C‑614/14, EU:C:2016:514, n.o 28).


21      V., por exemplo, no que diz respeito aos efeitos de um acórdão proferido a título prejudicial que declarou nulo um ato de uma instituição, Acórdãos de 13 de maio de 1981, International Chemical Corporation (66/80, EU:C:1981:102, n.os 12 a 13), e de 27 de fevereiro de 1985, Société des produits de maïs (112/83, EU:C:1985:86, n.o 16).


22      V., por exemplo, Acórdãos de 27 de março de 1963, Da Costa e o. (28/62 a 30/62, EU:C:1963:6), e de 4 de novembro de 1997, Parfums Christian Dior (C‑337/95, EU:C:1997:517, n.o 29).


23      Isso, obviamente, não impede que o órgão jurisdicional de reenvio, ou qualquer outro tribunal nacional chamado a conhecer do mesmo processo, submeta outro pedido de decisão ao Tribunal de Justiça, caso considere que esse pedido é, por qualquer razão, necessário — v., por exemplo, Acórdãos de 24 de junho de 1969, Milch‑, Fett‑ und Eierkontor (29/68, EU:C:1969:27, n.o 3), e de 11 de junho de 1987, X (14/86, EU:C:1987:275, n.o 12). Como consta do artigo 104.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, «[c]ompete aos órgãos jurisdicionais nacionais apreciar se estão suficientemente esclarecidos por uma decisão prejudicial, ou se entendem que é necessário recorrer de novo ao Tribunal». Dito mais claramente, na sequência de uma decisão do Tribunal de Justiça, as opções que são deixadas ao órgão jurisdicional de reenvio são: ou aplicar a orientação ou, em caso de discordância, proceder a um novo reenvio. Ignorar a orientação fornecida não é uma alternativa.


24      Acórdão de 7 de agosto de 2018, Hochtief (C‑300/17, EU:C:2018:635).


25      V., por exemplo, Acórdãos de 10 de julho de 2014, Impresa Pizzarotti (C‑213/13, EU:C:2014:2067, n.o 54); de 6 de outubro de 2015, Târșia (C‑69/14, EU:C:2015:662, n.os 26 a 27); e de 24 de outubro de 2018, XC e o. (C‑234/17, EU:C:2018:853, n.os 21 a 22).


26      V., por exemplo, Acórdãos de 9 de março de 1978, Simmenthal(106/77, EU:C:1978:49, n.o 22); de 22 de junho de 2010, Melki e Abdeli (C‑188/10 e C‑189/10, EU:C:2010:363, n.o 44), e de 4 de dezembro de 2018, The Minister for Justice and Equality e Commissioner of the Garda Síochána(C‑378/17, EU:C:2018:979, n.o 36).


27      V., por exemplo, Acórdãos de 5 de outubro de 2010, Elchinov (C‑173/09, EU:C:2010:581, n.o 25); de 15 de janeiro de 2013, Križan e o. (C‑416/10, EU:C:2013:8, n.o 67); e de 18 de julho de 2013, Consiglio Nazionale dei Geologi e Autorità Garante della Concorrenza e del mercato (C‑136/12, EU:C:2013:489, n.o 32).


28      V., por exemplo, Acórdãos de 14 de dezembro de 1995, van Schijndel e van Veen(C‑430/93 e C‑431/93, EU:C:1995:441, n.o 22); de 7 de junho de 2007, van der Weerd e o. (C‑222/05 a C‑225/05, EU:C:2007:318, n. o 36); e de 26 de abril de 2017, Farkas (C‑564/15, EU:C:2017:302, n.o 32).


29      Acórdão de 7 de junho de 2007, van der Weerd e o. (C‑222/05 a C‑225/05, EU:C:2007:318, n.o 41).


30      V. Acórdão de 7 de agosto de 2018, Hochtief (C‑300/17, EU:C:2018:635, n.os 50 a 54 e jurisprudência referida).


31      V. Acórdão de 7 de agosto de 2018, Hochtief (C‑300/17, EU:C:2018:635, n.o 58).


32      N.o 11 das presentes conclusões.


33      Ou seja, claramente, não permitindo que ocorra um «conflito negativo de competências», no qual, finalmente, nenhum órgão ou tribunal se considere responsável — v., em sentido idêntico, as minhas Conclusões no processo Link Logistik N&N (C‑384/17, EU:C:2018:494, n.os 111 e 112).


34      Acórdão de 1 de junho de 1999, Eco Swiss (C‑126/97, EU:C:1999:269, n.o 46).


35      Para um exemplo recente, v. Acórdão de 24 de outubro de 2018, XC e o. (C‑234/17, EU:C:2018:853, n.o 52). V., também, Acórdãos de 30 de setembro de 2003, Köbler(C‑224/01, EU:C:2003:513, n.o 38), de 16 de março de 2006, Kapferer (C‑234/04, EU:C:2006:178, n.o 20), de 10 de julho de 2014, Impresa Pizzarotti (C‑213/13, EU:C:2014:2067, n.o 58), ou de 6 de outubro de 2015, Târșia (C‑69/14, EU:C:2015:662, n.o 28).


36      V., por exemplo, Acórdãos de 10 de julho de 2014, Impresa Pizzarotti (C‑213/13, EU:C:2014:2067, n.o 60), e de 6 de outubro de 2015, Târșia (C‑69/14, EU:C:2015:662, n.o 38).


37      V. Acórdão de 13 de janeiro de 2004, Kühne & Heitz (C‑453/00, EU:C:2004:17, n.o 28).


38      V. Acórdão de 16 de março de 2006, Kapferer (C‑234/04, EU:C:2006:178, n.o 23).


39      Acórdão de 18 de julho de 2007, Lucchini (C‑119/05, EU:C:2007:434, n.o 63).


40      Acórdão de 10 de julho de 2014, Impresa Pizzarotti (C‑213/13, EU:C:2014:2067, n.o 61).


41      Tanto quanto sei, este é, na realidade, um princípio geral do direito comum aos Estados‑Membros, uma vez que também nos sistemas jurídicos nacionais de que tenho conhecimento, normalmente, não se considera que uma alteração posterior da jurisprudência de um tribunal superior/supremo (esclarecimento ou mudança da jurisprudência) seja fundamento suficiente para reexaminar decisões definitivas anteriores nas quais tenha sido aplicada a doutrina jurídica anterior.


42      Acórdão de 24 de outubro de 2018, XC e o. (C‑234/17, EU:C:2018:853, n.o 51).


43      V., por exemplo, Acórdãos de 10 de julho de 2014, Impresa Pizzarotti (C‑213/13, EU:C:2014:2067, n.o 62), e de 6 de outubro de 2015, Târșia (C‑69/14, EU:C:2015:662, n.o 30).


44      Acórdão de 26 de janeiro de 2010, Transportes Urbanos y Servicios Generales (C‑118/08, EU:C:2010:39, n.os 46 e 48).


45      Acórdão de 26 de janeiro de 2010, Transportes Urbanos y Servicios Generales (C‑118/08, EU:C:2010:39, n.os 43 e 44). O sublinhado é meu.


46      Acórdão de 24 de outubro de 2018, XC e o. (C‑234/17, EU:C:2018:853, n.o 27). O sublinhado é meu.


47      Acórdão de 24 de outubro de 2018, XC e o. (C‑234/17, EU:C:2018:853, n.os 33, 46 e 47).


48      Conclusões do advogado‑geral M. Bobek no processo Călin (C‑676/17, EU:C:2019:94, n.os 66 a 79).


49      A este respeito, deve notar‑se que o artigo 260.o, n.o 1, alínea a), do Código de Processo Civil, realmente, faz referência, não só a factos novos, mas, também, a «qualquer decisão judicial ou administrativa definitiva», como pressupostos para a apresentação de um pedido de revisão. Mais uma vez, cabe ao tribunal nacional apurar o que essa expressão significa exatamente.


50      Acórdão de 13 de janeiro de 2004, Kühne & Heitz (C‑453/00, EU:C:2004:17).


51      V. Acórdão de 13 de janeiro de 2004, Kühne & Heitz (C‑453/00, EU:C:2004:17, n.o 28).


52      O que seria já um grande salto: como foi sublinhado supra (n.os 82 a 87 das presentes conclusões), ao contrário do que ocorre relativamente a situações de potencial aplicação administrativa (incorreta) do direito da União, a abordagem do Tribunal de Justiça sempre foi muito mais cautelosa no que diz respeito ao equilíbrio entre a segurança jurídica (e a autoridade do caso julgado) e a exigência de aplicação efetiva do direito da União aplicadas a decisões judiciais, inclinando‑se muito mais no sentido da primeira.


53      Deve notar‑se que a Comissão Arbitral exerce o controlo administrativo e tem, assim, funções quase‑judiciais. É, pois, incerto que a mesma possa ser qualificada como órgão administrativo, na aceção do Acórdão Kühne & Heitz. Mas se o órgão administrativo devesse ser a entidade adjudicante que realmente promoveu o procedimento concursal, poderia dizer‑se que a mesma lógica se aplica apenas num nível inferior.


54      V., por exemplo, Acórdãos de 30 de setembro de 2003, Köbler (C‑224/01, EU:C:2003:513, n.o 36); de 13 de junho de 2006, Traghetti del Mediterraneo (C‑173/03, EU:C:2006:391, n.o 31); e de 28 de julho de 2016, Tomášová(C‑168/15, EU:C:2016:602, n.o 20).


55      V., por exemplo, Acórdãos de 30 de setembro de 2003, Köbler (C‑224/01, EU:C:2003:513, n.o 51); de 13 de junho de 2006, Traghetti del Mediterraneo (C‑173/03, EU:C:2006:391, n.os 42 e 45); e de 28 de julho de 2016, Tomášová (C‑168/15, EU:C:2016:602, n.os 22 a 23).


56      V., por exemplo, Acórdãos de 30 de setembro de 2003, Köbler (C‑224/01, EU:C:2003:513, n.os 57 a 58); de 13 de junho de 2006, Traghetti del Mediterraneo (C‑173/03, EU:C:2006:391, n.os 44 a 45); e de 28 de julho 2016, Tomášová (C‑168/15, EU:C:2016:60, n.o 38).


57      V., por exemplo, Acórdãos de 30 de setembro de 2003, Köbler (C‑224/01, EU:C:2003:513, n.o 40); de 28 de fevereiro de 2018, ZPT (C‑518/16, EU:C:2018:126, n.o 22); e de 24 de outubro de 2018, XC e o. (C‑234/17, EU:C:2018:853, n.o 58).


58      V., por exemplo, Acórdão de 28 de julho de 2016, Tomášová (C‑168/15, EU:C:2016:602, n.os 38 a 39).


59      Acórdão de 6 de outubro de 1982, Cilfit e o. (283/81, EU:C:1982:335).


60      V., por exemplo, Acórdão de 22 de junho de 2010, Melki e Abdeli (C‑188/10 e C‑189/10, EU:C:2010:363, n.o 63), e Despacho de 16 de julho de 2015, Striani e o. (C‑299/15, não publicado, EU:C:2015:519, n.o 33).


61      V., por exemplo, Acórdãos de 30 de setembro de 2003, Köbler (C‑224/01, EU:C:2003:513, n.os 54 a 56), e de 28 de julho de 2016, Tomášová (C‑168/15, EU:C:2016:602, n.os 25 a 26).


62      V. Acórdãos de 6 de outubro de 1982, Cilfit e o. (283/81, EU:C:1982:335, n.o 21); de 18 de outubro de 2011, Boxus e o.(C‑128/09 a C‑131/09, C‑134/09 e C‑135/09, EU:C:2011:667, n.o 31); e de 28 de julho de 2016, Association France Nature Environnement(C‑379/15, EU:C:2016:603, n.o 50). O sublinhado é meu.


63      V., por exemplo, Acórdão de 28 de julho de 2016, Association France Nature Environnement(C‑379/15, EU:C:2016:603, n.o 49).


64      Apenas posso remeter para as sábias palavras proferidas a este respeito pelo advogado‑geral F. G. Jacobs, já em 1997, no processo Wiener SI (C‑338/95, EU:C:1997:352). V., também, Conclusões do advogado‑geral D. Ruiz‑Jarabo Colomer no processo Gaston Schul Douane‑expediteur (C‑461/03, EU:C:2005:415, n.os 44 e segs.).


65      Em particular, também à luz da jurisprudência mais recente que parece estar a adotar uma abordagem mais «liberal» do dever de reenvio — v., em especial, Acórdão de 9 de setembro de 2015, Ferreira da Silva e Brito e o. (C‑160/14, EU:C:2015:565, n.os 41 a 42).


66      Recentemente, v. Acórdão de 4 de outubro de 2018, Comissão/França (Imposto sobre os rendimentos mobiliários retido na fonte) (C‑416/17, EU:C:2018:811, n.os 111 a 113).


67      Acórdãos de 30 de setembro de 2003, Köbler (C‑224/01, EU:C:2003:513, n.o 56); de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation (C‑446/04, EU:C:2006:774, n.o 214); de 25 de novembro de 2010, Fuß (C‑429/09, EU:C:2010:717, n.o 52); e de 28 de julho de 2016, Tomášová (C‑168/15, EU:C:2016:602, n.o 26).