Language of document : ECLI:EU:C:2019:349

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção)

2 de maio de 2019 (*)

«Reenvio prejudicial — Fiscalidade — Imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Dedução do imposto pago a montante — Sexta Diretiva 77/388/CEE — Artigo 17.o, n.os 2 e 6 — Diretiva 2006/112/CE — Artigos 168.o e 176.o — Exclusão do direito à dedução — Aquisição de serviços de alojamento e de restauração — Cláusula de standstill — Adesão à União Europeia»

No processo C‑225/18,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo, Polónia), por Decisão de 23 de outubro de 2017, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 28 de março de 2018, no processo

Grupa Lotos S.A.

contra

Minister Finansów,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção),

composto por: F. Biltgen, presidente de secção, J. Malenovský e L. S. Rossi (relatora), juízes,

advogado‑geral: M. Bobek,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

considerando as observações apresentadas:

–        em representação da Grupa Lotos S.A., por B. Wolniewicz, radca prawny,

–        em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão Europeia, por J. Jokubauskaitė e M. Owsiany‑Hornung, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 168.o, alínea a), e do artigo 176.o da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1, a seguir «Diretiva IVA»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Grupa Lotos S.A., com sede na Polónia, sociedade‑mãe de um grupo de sociedades com atividade, nomeadamente, no setor dos combustíveis e lubrificantes, ao Minister Finansów (Ministro das Finanças, Polónia), a respeito de uma decisão fiscal pela qual o Ministro das Finanças lhe recusou o direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) pago pela Grupa Lotos e que incidiu sobre a aquisição de serviços de alojamento e de restauração que esta sociedade revende e, portanto, refatura a outros sujeitos passivos do IVA.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O artigo 17.o, n.os 2 e 6, da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme (JO 1977, L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54), conforme alterada pela Diretiva 95/7/CEE do Conselho, de 10 de abril de 1995 (JO 1995, L 102, p. 1) (a seguir «Sexta Diretiva»), previa:

«2.      Desde que os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das próprias operações tributáveis, o sujeito passivo está autorizado a deduzir do imposto de que é devedor:

a)      O [IVA] devido ou pago no território do país em relação a bens que lhe sejam ou venham a ser entregues e em relação a serviços que lhe sejam ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo;

[…]

6.      O mais tardar antes de decorrido o prazo de quatro anos a contar da data da entrada em vigor da presente diretiva, o Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, determinará quais as despesas que não conferem direito à dedução do [IVA]. Serão excluídas do direito à dedução, em qualquer caso, as despesas que não tenham caráter estritamente profissional, tais como despesas sumptuárias, recreativas ou de representação.

Até à entrada em vigor das disposições acima referidas, os Estados‑Membros podem manter todas as exclusões previstas na legislação nacional respetiva no momento da entrada em vigor da presente diretiva.»

4        A Sexta Diretiva foi revogada e substituída pela Diretiva IVA, que entrou em vigor em 1 de janeiro de 2007.

5        O artigo 168.o da Diretiva IVA dispõe:

«Quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado‑Membro em que efetua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor os montantes seguintes:

a)      O IVA devido ou pago nesse Estado‑Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo;

[…]»

6        O artigo 176.o da Diretiva IVA enuncia:

«O Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, determina quais as despesas que não conferem direito à dedução do IVA. Em qualquer caso, são excluídas do direito à dedução as despesas que não tenham caráter estritamente profissional, tais como despesas sumptuárias, recreativas ou de representação.

Até à entrada em vigor das disposições referidas no primeiro parágrafo, os Estados‑Membros podem manter todas as exclusões previstas na respetiva legislação nacional em 1 de janeiro de 1979 ou, no que respeita aos Estados‑Membros que tenham aderido à Comunidade após essa data, na data da respetiva adesão.»

 Direito polaco

7        O artigo 25.o, n.o 1, ponto 3b), da ustawa o podatku od towarów i usług oraz o podatku akcyzowym (Lei relativa ao imposto sobre bens e serviços e ao imposto especial de consumo), de 8 de janeiro de 1993 (Dz. U. de 1993, n.o 11, posição 50), na versão em vigor até à data da sua revogação em 1 de maio de 2004, previa:

«Não dão lugar a redução do montante ou a reembolso da diferença de imposto devido, a aquisição, pelo sujeito passivo, de:

3b)      serviços de alojamento e de restauração, à exceção:

a)      casos em que esses serviços são adquiridos pelo sujeito passivo que presta serviços turísticos, se tais serviços turísticos incluírem serviços de alojamento ou de restauração ou ambos;

b)      a aquisição de refeições prontas para passageiros por um sujeito passivo que presta serviços de transporte de passageiros.»

8        O artigo 8.o, n.o 2a), da ustawa o podatku od towarów i usług (Lei relativa ao imposto sobre bens e serviços), de 11 de março de 2004 (Dz. U. de 2011, n.o 177, posição 1054), na sua versão em vigor à data do litígio no processo principal (a seguir «Lei do IVA»), dispõe:

«Quando um sujeito passivo participa numa prestação de serviços, agindo em seu próprio nome mas por conta de outrem, considera‑se que recebeu e forneceu pessoalmente os serviços em questão.»

9        O artigo 86.o, n.o 1, da Lei do IVA enuncia:

«Na medida em que sejam utilizados bens e serviços para a prática de operações sujeitas a tributação, o sujeito passivo […] tem o direito de deduzir do valor do imposto devido o valor do imposto pago a montante, sob reserva do disposto no artigo 114.o, artigo 119.o, n.o 4, artigo 120.o, n.os 17 e 19, e artigo 124.o»

10      O artigo 88.o, n.o 1, da Lei do IVA, na sua versão em vigor até 1 de dezembro de 2008, previa:

«Não dão lugar a redução do montante ou a reembolso da diferença de imposto devido, a aquisição, pelo sujeito passivo, de: […]

4)      serviços de alojamento e restauração, à exceção de:

a)      casos em que esses serviços são adquiridos pelo sujeito passivo que presta serviços turísticos, se tais serviços turísticos, tributados segundo regras diferentes das que estão definidas no artigo 119.o, incluírem serviços de alojamento ou de restauração ou ambos;

b)      a compra de refeições prontas para passageiros por um sujeito passivo que presta serviços de transporte de passageiros.»

11      Na sua versão em vigor após 1 de dezembro de 2008, o artigo 88.o, n.o 1, da Lei do IVA dispõe:

«Não dão lugar a redução do montante ou a reembolso da diferença de imposto devido, a aquisição, pelo sujeito passivo, de: […]

4)      serviços de alojamento e restauração, à exceção de:

a)      [revogada]

b)      a compra de refeições prontas para passageiros por um sujeito passivo que presta serviços de transporte de passageiros.»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

12      Durante o ano de 2014, a Grupa Lotos, sujeito passivo de IVA na Polónia, adquiriu serviços de alojamento e de restauração adquiridos, em parte, para seu uso próprio e, em parte, para revender às suas filiais, as quais também são sujeitos passivos nesse Estado‑Membro.

13      A Grupa Lotos solicitou às autoridades fiscais polacas uma decisão fiscal, pedindo, nomeadamente, se, na hipótese de adquirir serviços de alojamento e de restauração que refaturaria depois a outros sujeitos passivos de IVA, tinha direito à dedução do IVA pago a montante segundo o regime de direito comum previsto no artigo 86.o, n.o 1, da Lei do IVA.

14      Na opinião da Grupa Lotos, na medida em que, por um lado, resulta do artigo 8.o, n.o 2a), da Lei do IVA que um operador, que adquire em nome próprio serviços para os revender, é considerado um prestador de serviços e, por outro, que os serviços de alojamento e de restauração estão sujeitos ao IVA aquando da sua revenda pela Grupa Lotos, o IVA pago a montante sobre a sua aquisição deve poder ser deduzido, em conformidade com o artigo 86.o, n.o 1, da Lei do IVA. A restrição prevista no artigo 88.o, n.o 1, ponto 4, dessa lei, relativa à exclusão do direito à dedução para os serviços de alojamento e de restauração, não é aplicável neste caso visto que a Grupa Lotos não é considerada o consumidor final desses serviços, mas sim um prestador de serviços à semelhança dos sujeitos passivos do IVA que prestam este tipo de serviços.

15      Na sua decisão fiscal de janeiro de 2015, as autoridades fiscais recusaram a posição da Grupa Lotos, com o fundamento de que a exclusão do direito à dedução prevista, sem ambiguidade, no artigo 88.o, n.o 1, ponto 4, da Lei do IVA, não distingue consoante o sujeito passivo, que compra, a montante, serviços de alojamento e de restauração atua, a jusante, enquanto consumidor final ou enquanto prestador de serviços.

16      O recurso de anulação da decisão fiscal, interposto pela Grupa Lotos no Wojewódzki Sąd Administracyjny w Gdańsku (Tribunal Administrativo da província de Gdansk, Polónia), foi julgado improcedente com base em fundamentos análogos aos apresentados pelas autoridades fiscais.

17      A Grupa Lotos interpôs então recurso de cassação no Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo, Polónia), reiterando, em substância, a sua posição resumida no n.o 14 do presente acórdão.

18      O órgão jurisdicional de reenvio observa que o artigo 86.o, n.o 1, da Lei do IVA reflete o princípio do direito à dedução do IVA pago a montante, previsto no artigo 168.o, alínea a), da Diretiva IVA. Acrescenta que a proibição da dedução do IVA no caso de serviços de alojamento e de restauração, enunciada no artigo 88.o, n.o 1, ponto 4, da Lei do IVA, era, antes da adesão da República da Polónia à União Europeia em 1 de maio de 2004 e até 1 de dezembro de 2008, uma reprodução exata do texto do artigo 25.o, n.o 1, ponto 3b), da Lei de 8 de janeiro de 1993, relativa ao imposto sobre bens e serviços e ao imposto especial de consumo, e era baseada na cláusula de standstill constante do artigo 17.o, n.o 6, segundo parágrafo, da Sexta Diretiva (reproduzido no artigo 176.o, segundo parágrafo, da Diretiva IVA).

19      Observa também que, até 1 de dezembro de 2008, o artigo 88.o, n.o 1, ponto 4, da Lei do IVA continha uma alínea a) nos termos da qual a exclusão da dedução não abrangia os casos em que os serviços de alojamento e de restauração tinham sido adquiridos por sujeitos passivos que prestavam serviços turísticos. No entanto, a 1 de dezembro de 2008, o legislador polaco revogou as disposições que figuravam no referido artigo 88.o, n.o 1, ponto 4, alínea a), o que conduziu a uma aplicação alargada da exclusão do direito à dedução do IVA no caso de aquisição de serviços de alojamento e de restauração face à situação anterior à adesão da República da Polónia à União.

20      O órgão jurisdicional de reenvio explica que a exclusão da dedução do imposto, que resulta do artigo 88.o, n.o 1, ponto 4, da Lei do IVA, é justificada pelo facto de o IVA incluído em aquisições relacionadas com despesas com serviços de alojamento e restauração poder, frequentemente, ser para consumo ao invés de ter um caráter estritamente profissional. O objetivo desta disposição é, por conseguinte, proibir a dedução do IVA sobre este tipo de despesa para os serviços em causa, que sob o pretexto da sua utilização em atividades económicas do sujeito passivo são, ou podem ser, na verdade, utilizados para consumo privado.

21      Contudo, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, como no processo principal, esta proibição não deve ser aplicada a um sujeito passivo que adquire os referidos serviços para os revender a consumidores ou a outros sujeitos passivos, uma vez que, neste caso, as despesas incorridas a montante estão relacionadas com a atividade económica desse sujeito passivo. Nesse caso, com efeito, uma vez que a proibição de deduzir o IVA implica uma dupla tributação dos serviços em causa, a mesma viola os princípios da neutralidade e da proporcionalidade, bem como o objetivo prosseguido pelo legislador da União no artigo 176.o da Diretiva IVA.

22      É certo que o órgão jurisdicional de reenvio declara que não desconhece, nomeadamente, o Acórdão de 19 de setembro de 2000, Ampafrance e Sanofi (C‑177/99 e C‑181/99, EU:C:2000:470, n.os 56 e 61), do qual resulta que uma medida que consiste em excluir, por princípio, do direito à dedução do IVA todas as despesas de alojamento e de restauração não se afigura necessária para combater a fraude e a evasão fiscais, em particular quando resulta de dados objetivos que essas despesas foram efetuadas para fins estritamente profissionais. Contudo, esse órgão jurisdicional tem dúvidas sobre a questão de saber se este acórdão, proferido no âmbito de uma decisão do Conselho, se pode aplicar a uma exclusão prevista pelo direito nacional ao abrigo da cláusula de standstill, enunciada no artigo 176.o, segundo parágrafo, da Diretiva IVA, e se esta exclusão deve ser conforme com o princípio da proporcionalidade.

23      Nestas condições, o Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Deve considerar‑se que o artigo 168.o da Diretiva [IVA] e os princípios da neutralidade e proporcionalidade não são contrários a uma regulamentação como a constante do artigo 88.o, n.o 1, ponto 4, da [Lei do IVA], segundo a qual a redução do montante ou o reembolso da diferença relativamente ao imposto devido não se aplica a sujeitos passivos que prestam serviços de alojamento e restauração, com exceção da aquisição de refeições prontas para os passageiros pelo sujeito passivo que presta um serviço de transporte de passageiros, mesmo nos casos em que essas regras foram introduzidas na lei com base no artigo 17.o, n.o 6, da Sexta Diretiva […]?»

 Quanto à questão prejudicial

24      Através da sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 168.o, alínea a), da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, que, por um lado, prevê a extensão do âmbito de aplicação de uma exclusão do direito à dedução do IVA, posteriormente à adesão do Estado‑Membro em causa à União, e que implica que um sujeito passivo, prestador de serviços turísticos, seja privado, a partir da entrada em vigor dessa extensão, do direito de deduzir o IVA que incidiu sobre a aquisição de serviços de alojamento e de restauração que esse sujeito passivo refatura a outros sujeitos passivos no âmbito da prestação de serviços turísticos, e, por outro lado, prevê a exclusão do direito à dedução do IVA pago na aquisição de serviços de alojamento e de restauração, introduzida antes da adesão desse Estado‑Membro à União e mantida após tal adesão, em conformidade com o artigo 176.o, segundo parágrafo, da Diretiva IVA, e que implica que um sujeito passivo, que não presta serviços turísticos, seja privado do direito a deduzir o IVA que incidiu na aquisição de tais serviços de alojamento e de restauração que este sujeito passivo refatura a outros sujeitos passivos.

25      A este respeito, em primeiro lugar, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, o direito a dedução previsto no artigo 168.o, alínea a), da Diretiva IVA faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado. Exerce‑se imediatamente em relação à totalidade do IVA que incidiu sobre as operações efetuadas a montante (v., nomeadamente, Acórdãos de 18 de julho de 2013, AES‑3C Maritza East 1, C‑124/12, EU:C:2013:488, n.o 25, e de 14 de setembro de 2017, Iberdrola Inmobiliaria Real Estate Investments, C‑132/16, EU:C:2017:683, n.o 25).

26      De facto, o regime das deduções visa desonerar inteiramente o empresário do encargo do IVA devido ou pago no quadro de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA garante, por conseguinte, uma neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, independentemente dos respetivos fins ou resultados, desde que essas atividades estejam, em princípio, elas próprias sujeitas a IVA (v. Acórdão de 14 de setembro de 2017, Iberdrola Inmobiliaria Real Estate Investments, C‑132/16, EU:C:2017:683, n.o 26 e jurisprudência referida).

27      Daqui resulta que, na medida em que o sujeito passivo, agindo nessa qualidade na data em que adquire um bem ou um serviço, utilize esse bem ou serviço para as necessidades das suas operações tributadas está autorizado a deduzir o IVA devido ou pago em relação ao referido bem ou serviço (v., neste sentido, Acórdão de 14 de setembro de 2017, Iberdrola Inmobiliaria Real Estate Investments, C‑132/16, EU:C:2017:683, n.o 27 e jurisprudência referida).

28      Em segundo lugar, resulta igualmente da jurisprudência que só são permitidas derrogações ao direito à dedução do IVA nos casos expressamente previstos nas diretivas que regem esse imposto (v., neste sentido, Acórdãos de 19 de setembro de 2000, Ampafrance e Sanofi, C‑177/99 e C‑181/99, EU:C:2000:470, n.o 34, e de 8 de janeiro de 2002, Metropol e Stadler, C‑409/99, EU:C:2002:2, n.os 42, 44 e 58) e que tais derrogações são de interpretação restrita (Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Magoora, C‑414/07, EU:C:2008:766, n.o 28).

29      Entre essas derrogações figura o artigo 176.o, segundo parágrafo, da Diretiva IVA, em substância idêntico ao artigo 17.o, n.o 6, segundo parágrafo, da Sexta Diretiva, e cuja adoção não teve incidência na jurisprudência relativa à interpretação desta disposição (v., neste sentido, Acórdão de 30 de setembro de 2010, Oasis East, C‑395/09, EU:C:2010:570, n.os 17 e 27).

30      Tal como artigo 17.o, n.o 6, segundo parágrafo, da Sexta Diretiva que o antecedeu, o artigo 176.o, segundo parágrafo, da Diretiva IVA contém uma cláusula de standstill que prevê, nomeadamente, para os Estados que aderem à União, a manutenção das exclusões nacionais do direito à dedução do IVA que eram aplicáveis antes da data da respetiva adesão, até que o Conselho adote as disposições previstas no primeiro parágrafo desse artigo 176.o, coisa que, à data, o Conselho ainda não fez (v., neste sentido, Acórdãos de 15 de abril de 2010, X Holding e Oracle Nederland, C‑538/08 e C‑33/09, EU:C:2010:192, n.o 38 e jurisprudência referida, e de 18 de julho de 2013, AES‑3C Maritza East 1, C‑124/12, EU:C:2013:488, n.os 43 e 44).

31      Em terceiro lugar, a competência residual dos Estados‑Membros de manter as exclusões nacionais ao direito à dedução do IVA, em aplicação do artigo 176.o, segundo parágrafo, da Diretiva IVA, não é, porém, absoluta. Foi neste sentido que o Tribunal de Justiça declarou que a cláusula de standstill não visa permitir a um novo Estado‑Membro modificar a sua legislação interna por ocasião da sua adesão à União, cujo efeito consistiria em alargar o campo de aplicação das exclusões existentes, num sentido que se afaste dos objetivos da Diretiva IVA, o que seria contrário ao próprio espírito dessa cláusula (v., neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Magoora, C‑414/07, EU:C:2008:766, n.os 37 e 39).

32      Tal extensão do âmbito de aplicação das exclusões existentes conflituaria, além disso, com a obrigação dos Estados‑Membros de garantir a cobrança da totalidade do IVA nos seus territórios respetivos, privando a União de uma parte das receitas provenientes do IVA, a saber, uma parte dos seus recursos próprios, em violação, nomeadamente, do artigo 4.o, n.o 3, TUE (v., neste sentido, Acórdão de 2 de maio de 2018, Scialdone, C‑574/15, EU:C:2018:295, n.os 26 e 27 e jurisprudência referida).

33      O Tribunal de Justiça recordou igualmente que cabe aos órgãos jurisdicionais nacionais determinar o conteúdo da legislação nacional à data de adesão de um novo Estado‑Membro e de estabelecer se essa legislação teve por efeito alargar o âmbito de aplicação das exclusões existentes após a adesão (v., neste sentido, Acórdão de 18 de julho de 2013, AES‑3C Maritza East 1, C‑124/12, EU:C:2013:488, n.o 41 e jurisprudência referida).

34      No processo principal, resulta do pedido de decisão prejudicial que, à data da adesão da República da Polónia à União, o artigo 88.o, n.o 1, ponto 4, da Lei do IVA excluía do direito à dedução do IVA pago a montante que incidia sobre a aquisição dos serviços de alojamento e de restauração, à exceção, nomeadamente, da aquisição de serviços deste tipo, previstos nessa disposição, alínea a), a saber, os utilizados por sujeitos passivos que prestavam, a jusante, serviços turísticos.

35      No entanto, tal como salientado no n.o 19 do presente acórdão, o órgão jurisdicional de reenvio parece considerar que, a partir de 1 de dezembro de 2008 e, portanto, após a adesão da República da Polónia à União, o legislador nacional, ao revogar a disposição que figura no artigo 88.o, n.o 1, ponto 4, alínea a), da Lei do IVA, alargou as situações de exclusão do direito à dedução do IVA que incide na aquisição de serviços de alojamento e de restauração, incluindo no âmbito de aplicação da referida exclusão do IVA que incidiu a montante na aquisição de tais serviços por sujeitos passivos que prestam, a jusante, serviços turísticos.

36      À luz da jurisprudência referida, nomeadamente, nos n.os 30 a 32 do presente acórdão, tal extensão do âmbito de aplicação da exclusão do direito à dedução do IVA, após a adesão da República da Polónia à União, como constatada pelo órgão jurisdicional de reenvio, que implica que um sujeito passivo, prestador de serviços turísticos, seja privado, a partir de 1 de dezembro de 2008, do direito de deduzir o IVA pago a montante que incidiu na aquisição de serviços de alojamento e de restauração, não está abrangida pela cláusula de standstill prevista no artigo 176.o, segundo parágrafo, da Diretiva IVA. Tal extensão do âmbito de aplicação da exclusão do direito à dedução do IVA, após a adesão da República da Polónia à União, é, portanto, contrária ao artigo 168.o, alínea a), da Diretiva IVA.

37      No entanto, como o Tribunal de Justiça já declarou, há que ter em conta a aplicação efetiva das disposições nacionais relativas às exclusões do direito à dedução do IVA e dos efeitos daí resultantes para os sujeitos passivos (v., neste sentido, Acórdão de 18 de julho de 2013, AES‑3C Maritza East 1, C‑124/12, EU:C:2013:488, n.o 51).

38      A este respeito, importa salientar que, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, é incerto, como alegou a Comissão nas suas observações escritas, que uma extensão do âmbito de aplicação da exclusão do direito à dedução do IVA, como a indicada pelo órgão jurisdicional de reenvio, seja pertinente e efetivamente aplicável à situação que deu origem ao processo principal. Com efeito, nenhum elemento do processo indica que os serviços de alojamento e de restauração que a Grupa Lotos adquire a outros sujeitos passivos lhe servem para prestar, a jusante, serviços de turismo, incluindo em benefício de outros sujeitos passivos.

39      Embora o órgão jurisdicional de reenvio deva confirmar a exatidão da hipótese evocada pela Comissão, a exclusão do direito à dedução do IVA, que incidiu na aquisição por um sujeito passivo, como a Grupa Lotos, de serviços de alojamento e de restauração, revendidos, a jusante, a outros sujeitos passivos, sem relação com a prestação de serviços turísticos, deve, em princípio, estar abrangida pelo âmbito de aplicação da cláusula de standstill, prevista no artigo 176.o, segundo parágrafo, da Diretiva IVA. Com efeito, para os sujeitos passivos em causa, os efeitos da exclusão do direito à dedução do IVA, previsto no artigo 88.o, n.o 1, ponto 4, da Lei do IVA, permanecem, em princípio, inalterados, tanto antes como após a adesão da República da Polónia à União.

40      Neste caso, e num primeiro momento, importa ainda apreciar, em conformidade com a jurisprudência, se a exclusão do direito à dedução em causa diz respeito a uma categoria de despesas definida de maneira suficientemente precisa, ou, noutros termos, se a legislação nacional em causa precisa com suficiente rigor a natureza e o objeto dos bens ou dos serviços para os quais fica excluído o direito a dedução do IVA, a fim de garantir que a faculdade concedida aos Estados‑Membros não seja utilizada para prever exclusões gerais desse regime (v., neste sentido, Acórdão de 15 de abril de 2010, X Holding e Oracle Nederland, C‑538/08 e C‑33/09, EU:C:2010:192, n.os 44 e 45 e jurisprudência referida).

41      A este respeito, há que observar que, no Acórdão de 15 de abril de 2010, X Holding e Oracle Nederland (C‑538/08 e C‑33/09, EU:C:2010:192, n.os 50 e 51), o Tribunal de Justiça já admitiu que categorias de despesas relativas ao fornecimento de refeições e de bebidas ao pessoal de um sujeito passivo, bem como o fornecimento de um alojamento, foram definidas de forma suficientemente precisa, pelo que a exclusão do direito à dedução, prevista pelo direito nacional em causa nesse processo, estava abrangida pelo âmbito de aplicação da cláusula de standstill enunciada no artigo 17.o, n.o 6, segundo parágrafo, da Sexta Diretiva.

42      No caso vertente, há que salientar que, embora seja designada de forma bastante genérica, a categoria de despesas relativas aos «serviços de alojamento e de restauração», em causa no processo principal, na medida em que incide sobre a natureza dos referidos serviços, se afigura definida de forma suficientemente precisa na perspetiva das exigências estabelecidas pela jurisprudência.

43      Dito isto, num segundo momento, há que verificar se, como sugere a Comissão, a cláusula de standstill, prevista no artigo 176.o, segundo parágrafo, da Diretiva IVA, abrange apenas as exclusões do direito à dedução do IVA que possam ser autorizadas por uma decisão do Conselho, adotada ao abrigo do artigo 176.o, primeiro parágrafo, dessa diretiva.

44      Mais precisamente, a Comissão alega que resulta da génese do artigo 176.o da Diretiva IVA que este é aplicável a despesas relativamente às quais, mesmo que tenham sido efetuadas no âmbito de uma atividade económica, é difícil repartir a parte utilizada para fins profissionais e a parte utilizada para fins privados. Por conseguinte, a Comissão considera que a exclusão do direito à dedução em causa no processo principal é demasiado abrangente na medida em que engloba situações em que a afetação das despesas oneradas a montante do IVA é exclusivamente profissional.

45      Esta argumentação deve ser julgada improcedente.

46      Com efeito, por um lado, o artigo 176.o, primeiro parágrafo, da Diretiva IVA enuncia simplesmente que o Conselho determinará quais as despesas que não conferem direito à dedução do IVA e que, em qualquer caso, são excluídas do direito à dedução as despesas que não tenham caráter estritamente profissional, tais como despesas sumptuárias, recreativas ou de representação. Como tal, esta disposição não impede que o Conselho, no momento oportuno, exclua do direito à dedução as despesas que tenham caráter profissional.

47      Por outro lado, o artigo 176.o, segundo parágrafo, da Diretiva IVA visa a manutenção de manter «todas as exclusões» anteriores a 1 de janeiro de 1979 ou, no que respeita aos Estados‑Membros que tenham aderido após essa data, na data da respetiva adesão. Ora, importa recordar que o Tribunal de Justiça afirmou explicitamente no Acórdão de 5 de outubro de 1999, Royscot e o. (C‑305/97, EU:C:1999:481, n.o 20), a respeito de uma exclusão do direito à dedução do IVA que incidia na compra de veículos automóveis, que a expressão «todas as exclusões», enunciada no artigo 17.o, n.o 6, segundo parágrafo, da Sexta Diretiva, inclui, atendendo à letra e à génese do referido artigo, igualmente as despesas que têm caráter estritamente profissional.

48      Por conseguinte, a cláusula de standstill, prevista no artigo 176.o, segundo parágrafo, da Diretiva IVA autoriza os Estados‑Membros a excluir do direito à dedução do IVA as categorias de despesas que têm caráter estritamente profissional, desde que estas sejam definidas de modo suficientemente preciso, na aceção da jurisprudência referida no n.o 40 do presente acórdão.

49      Esta interpretação do artigo 176.o, segundo parágrafo, da Diretiva IVA não é contrariada pelo Acórdão de 19 de setembro de 2000, Ampafrance e Sanofi (C‑177/99 e C‑181/99, EU:C:2000:470), referido pelo órgão jurisdicional de reenvio.

50      Com efeito, o processo que deu origem a esse acórdão dizia respeito a uma exclusão do direito à dedução do IVA relativo às despesas de alojamento, de restaurante, de receção e com espetáculos, introduzida pela legislação de um Estado‑Membro após a entrada em vigor da Sexta Diretiva e que tinha sido autorizada por uma decisão do Conselho, em derrogação do artigo 17.o, n.o 6, dessa diretiva. Ora, ainda que o Tribunal de Justiça tenha considerado, nos n.os 58 e 61 do Acórdão de 19 de setembro de 2000, Ampafrance e Sanofi (C‑177/99 e C‑181/99, EU:C:2000:470), que a decisão do Conselho era inválida, nomeadamente com fundamento no facto de ser contrária aos princípios da neutralidade e da proporcionalidade, indicou, no n.o 39 desse acórdão, sem exame ulterior, que as outras exclusões do direito à dedução, que existiam anteriormente à entrada em vigor da Sexta Diretiva e que foram posteriormente mantidas de modo idêntico na legislação nacional em causa, deviam ser consideradas abrangidas pela cláusula de standstill prevista no artigo 17.o, n.o 6, segundo parágrafo, da Sexta Diretiva.

51      No que se refere ao processo principal, daqui resulta que, se o órgão jurisdicional de reenvio vier a concluir que a supressão da disposição constante do artigo 88.o, n.o 1, ponto 4, alínea a), da Lei do IVA não teve qualquer efeito na situação da Grupa Lotos, a exclusão do direito à dedução do IVA que incide na aquisição de serviços de alojamento e de restauração, introduzida antes da adesão da República da Polónia à União e mantida após essa adesão, está abrangida pelo âmbito de aplicação da cláusula de standstill prevista no artigo 176.o, segundo parágrafo, da Diretiva IVA, e, portanto, não é contrária às disposições do artigo 168.o, alínea a), desta diretiva.

52      Atendendo às considerações precedentes, há que responder à questão submetida que o artigo 168.o, alínea a), da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que:

–        se opõe a uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, que prevê a extensão do âmbito de aplicação de uma exclusão do direito à dedução do IVA, após a adesão do Estado‑Membro em causa à União, e que implica que um sujeito passivo, prestador de serviços turísticos, seja privado, a partir da entrada em vigor dessa extensão, do direito à dedução do IVA que incidiu sobre a aquisição de serviços de alojamento e de restauração que esse sujeito passivo refatura a outros sujeitos passivos no âmbito da prestação de serviços turísticos e

–        não se opõe a uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, que prevê a exclusão do direito à dedução do IVA pago sobre a aquisição de serviços de alojamento e de restauração, introduzida antes da adesão do Estado‑Membro em causa à União e mantida após essa adesão, em conformidade com o artigo 176.o, segundo parágrafo, da Diretiva IVA, e que implica que um sujeito passivo, que não preste serviços turísticos, seja privado do direito de deduzir o IVA que incidiu sobre a aquisição de tais serviços de alojamento e de restauração que esse sujeito passivo refatura a outros sujeitos passivos.

 Quanto às despesas

53      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Oitava Secção) declara:

O artigo 168.o, alínea a), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretado no sentido de que:

–        se opõe a uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, que prevê a extensão do âmbito de aplicação de uma exclusão do direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado (IVA), após a adesão do EstadoMembro em causa à União Europeia, e que implica que um sujeito passivo, prestador de serviços turísticos, seja privado, a partir da entrada em vigor dessa extensão, do direito à dedução do IVA que incidiu sobre a aquisição de serviços de alojamento e de restauração que esse sujeito passivo refatura a outros sujeitos passivos no âmbito da prestação de serviços turísticos e

–        não se opõe a uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, que prevê a exclusão do direito à dedução do IVA pago sobre a aquisição de serviços de alojamento e de restauração, introduzida antes da adesão do EstadoMembro em causa à União e mantida após essa adesão, em conformidade com o artigo 176.o, segundo parágrafo, da Diretiva 2006/112, e que implica que um sujeito passivo, que não preste serviços turísticos, seja privado do direito de deduzir o IVA que incidiu sobre a aquisição de tais serviços de alojamento e de restauração que esse sujeito passivo refatura a outros sujeitos passivos.

Assinaturas


*      Língua do processo: polaco.