Language of document : ECLI:EU:C:2020:264

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

2 de abril de 2020 (*)

«Reenvio prejudicial — Liberdade de estabelecimento — Livre prestação de serviços — Mercados de instrumentos financeiros — Diretiva 2004/39/CE — Conceitos de “cliente não profissional” e de “consumidor” — Condições para invocar a qualidade de consumidor — Determinação da competência para conhecer do pedido»

No processo C‑500/18,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Tribunalul Specializat Cluj (Tribunal especializado de Cluj, Roménia), por Decisão de 2 de maio de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 30 de julho de 2018, no processo

AU

contra

Reliantco Investments LTD,

Reliantco Investments LTD Limassol Sucursala Bucureşti,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: M. Vilaras, presidente de secção, S. Rodin (relator), D. Šváby, K. Jürimäe e N. Piçarra, juízes,

advogado‑geral: H. Saugmandsgaard Øe,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

considerando as observações apresentadas:

–        em representação de AU, por V. Berea e A. I. Rusan, avocats,

–        em representação da Reliantco Investments LTD e da Reliantco Investments LTD Limassol Sucursala Bucureşti, por C. Stoica, L. Radu e D. Aragea, avocats,

–        em representação do Governo romeno, inicialmente, por C.‑R. Canţăr, E. Gane, A. Wellman e O.‑C. Ichim, a seguir, por estes três últimos, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo checo, por M. Smolek e J. Vláčil, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo português, por L. Inez Fernandes, P. Lacerda, P. Barros da Costa e L. Medeiros, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por T. Scharf, N. Ruiz García, L. Nicolae e M. Heller, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2004/39/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de abril de 2004, relativa aos mercados de instrumentos financeiros, que altera as Diretivas 85/611/CEE e 93/6/CEE do Conselho e a Diretiva 2000/12/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e que revoga a Diretiva 93/22/CEE do Conselho (JO 2004, L 145, p. 1), e do artigo 7.o, ponto 2, e do artigo 17.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento (UE) n.o 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2012, L 351, p. 1).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe AU à Reliantco Investments LTD e à Reliantco Investments LTD Limassol Sucursala Bucureşti a respeito de ordens com limite de preço, contando com a descida do preço do petróleo, submetidas por AU numa plataforma online pertencente às demandadas no processo principal, na sequência das quais perdeu uma determinada quantia em dinheiro.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Diretiva 93/13/CEE

3        O artigo 2.o da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores (JO 1993, L 95, p. 29), prevê:

«Para os efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

b)      “Consumidor”, qualquer pessoa singular que, nos contratos abrangidos pela presente diretiva, atue com fins que não pertençam ao âmbito da sua atividade profissional;

c)      “Profissional”, qualquer pessoa singular ou coletiva que, nos contratos abrangidos pela presente diretiva, seja ativa no âmbito da sua atividade profissional, pública ou privada.»

4        O artigo 3.o, n.o 1, da referida diretiva dispõe:

«Uma cláusula contratual que não tenha sido objeto de negociação individual é considerada abusiva quando, a despeito da exigência de boa‑fé, der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato.»

 Diretiva 2004/39

5        Nos termos do considerando 31 da Diretiva 2004/39:

«Um dos objetivos da presente diretiva é proteger os investidores. As medidas destinadas a proteger os investidores devem ser adaptadas às particularidades de cada categoria de investidores (investidores não profissionais, investidores profissionais e contrapartes).»

6        O artigo 4.o, n.o 1, da referida diretiva enuncia:

«Para os efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

10)      “Cliente”: qualquer pessoa singular ou coletiva a quem uma empresa de investimento presta serviços de investimento e/ou serviços auxiliares;

11)      “Cliente profissional”: um cliente que satisfaz os critérios estabelecidos no anexo II;

12)      “Cliente não profissional”: um cliente que não é um cliente profissional;

[…]

17)      “Instrumento financeiro”: qualquer dos instrumentos especificados na secção C do anexo I;

[…]»

7        Nos termos do artigo 19.o da Diretiva 2004/39:

«[…]

2.      Todas as informações, incluindo as comunicações comerciais, enviadas pelas empresas de investimento aos seus clientes ou clientes potenciais devem ser corretas e claras e não induzir em erro. As comunicações comerciais devem ser claramente identificadas como tal.

3.      Devem ser prestadas informações adequadas, de forma compreensível, aos clientes ou clientes potenciais acerca:

–        da empresa de investimento e dos respetivos serviços,

–        dos instrumentos financeiros e estratégias de investimento propostas; tal deve incluir orientações adequadas e avisos sobre os riscos inerentes a investimentos nesses instrumentos ou no que respeita a determinadas estratégias de investimento,

–        dos espaços e das organizações de negociação, e

–        dos custos e encargos associados,

que lhes permitam razoavelmente compreender a natureza e os riscos inerentes ao serviço de investimento e ao tipo específico de instrumento financeiro que é oferecido e, por conseguinte, tomar decisões de investimento de forma informada. Estas informações podem ser fornecidas em formato normalizado.

[…]

5.      Os Estados‑Membros devem assegurar que, ao prestarem serviços de investimento diferentes dos referidos no n.o 4, as empresas de investimento solicitem ao cliente ou potencial cliente que lhes forneça informações sobre os seus conhecimentos e experiência em matéria de investimento no que respeita ao tipo específico de produto ou serviço oferecido ou solicitado, de modo a permitir à empresa determinar se o produto ou o serviço de investimento considerado lhe é mais adequado.

Se, com base nas informações recebidas ao abrigo do parágrafo anterior, a empresa de investimento considerar que o produto ou serviço não é adequado ao cliente ou potencial cliente, deve avisá‑lo desse facto. Esse aviso pode ser feito em formato normalizado.

No caso de o cliente ou cliente potencial decidir não fornecer as informações a que se refere o primeiro parágrafo, ou não fornecer informações suficientes, sobre os seus conhecimentos e experiência, a empresa de investimento deverá avisar o cliente ou cliente potencial de que essa decisão não permitirá à empresa determinar se o produto ou serviço de investimento considerado lhe é adequado. Esse aviso pode ser feito em formato normalizado.

[…]»

8        O anexo I, secção C, ponto 9, da referida diretiva refere‑se aos «[c]ontratos financeiros por diferenças (financial contracts for diferences)».

9        Segundo o anexo II da mesma diretiva, «[o] cliente profissional é um cliente que dispõe da experiência, dos conhecimentos e da competência necessários para tomar as suas próprias decisões de investimento e ponderar devidamente os riscos em que incorre». Em especial, nos termos desse anexo, consideram‑se profissionais «[a]s entidades que necessitam de ser autorizadas ou regulamentadas para operar nos mercados financeiros».

 Regulamento (CE) n.o 864/2007

10      O artigo 2.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 864/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de julho de 2007, relativo à lei aplicável às obrigações extracontratuais («Roma II») (JO 2007, L 199, p. 40), prevê:

«Para efeitos do presente regulamento, o dano abrange todas as consequências decorrentes da responsabilidade fundada em ato lícito, ilícito ou no risco, do enriquecimento sem causa, da negotiorum gestio ou da culpa in contrahendo

11      Nos termos do artigo 12.o, n.o 1, desse regulamento:

«A lei aplicável a uma obrigação extracontratual decorrente de negociações realizadas antes da celebração de um contrato, independentemente de este ser efetivamente celebrado, é a lei aplicável ao contrato ou que lhe seria aplicável se tivesse sido celebrado.»

 Regulamento n.o 1215/2012

12      O considerando 18 do Regulamento n.o 1215/2012 enuncia:

«No respeitante aos contratos de seguro, de consumo e de trabalho, é conveniente proteger a parte mais fraca por meio de regras de competência mais favoráveis aos seus interesses do que a regra geral.»

13      O artigo 7.o do referido regulamento dispõe:

«As pessoas domiciliadas num Estado‑Membro podem ser demandadas noutro Estado‑Membro:

1)      a)      Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão;

[…]

2)      Em matéria extracontratual, perante o tribunal do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso;

[…]»

14      O artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1215/2012, que figura no capítulo II, secção 4, deste regulamento, tem a seguinte redação:

«Em matéria de contrato celebrado por uma pessoa, o consumidor, para finalidade que possa ser considerada estranha à sua atividade comercial ou profissional, a competência é determinada pela presente Secção, sem prejuízo do disposto no artigo 6.o e no artigo 7.o, ponto 5, se se tratar de:

[…]

c)      Em todos os outros casos, contrato celebrado com uma pessoa com atividade comercial ou profissional no Estado‑Membro do domicílio do consumidor ou que dirija essa atividade, por quaisquer meios, a esse Estado‑Membro ou a vários Estados incluindo esse Estado‑Membro, desde que o contrato seja abrangido por essa atividade.»

15      O artigo 18.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1215/2012 prevê:

«O consumidor pode intentar uma ação contra a outra parte no contrato, quer nos tribunais do Estado‑Membro onde estiver domiciliada essa parte, quer no tribunal do lugar onde o consumidor tiver domicílio, independentemente do domicílio da outra parte.»

16      Nos termos do artigo 19.o do referido regulamento:

«As partes só podem derrogar ao disposto na presente secção por acordos que:

1)      Sejam posteriores ao surgimento do litígio;

2)      Permitam ao consumidor recorrer a tribunais que não sejam os indicados na presente secção; ou

3)      Sejam celebrados entre o consumidor e o seu cocontratante, ambos com domicílio ou residência habitual, no momento da celebração do contrato, num mesmo Estado‑Membro, e atribuam competência aos tribunais desse Estado‑Membro, salvo se a lei desse Estado‑Membro não permitir tais acordos.»

17      O artigo 25.o do mesmo regulamento dispõe:

«1.      Se as partes, independentemente do seu domicílio, tiverem convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado‑Membro têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência, a menos que o pacto seja, nos termos da lei desse Estado‑Membro, substantivamente nulo. Essa competência é exclusiva, salvo acordo das partes em contrário. O pacto atributivo de jurisdição deve ser celebrado:

a)      Por escrito ou verbalmente com confirmação escrita; ou

b)      De acordo com os usos que as partes tenham estabelecido entre si; ou

c)      No comércio internacional, de acordo com os usos que as partes conheçam ou devam conhecer e que, em tal comércio, sejam amplamente conhecidos e regularmente observados pelas partes em contratos do mesmo tipo, no ramo comercial concreto em questão.

[…]

4.      Os pactos atributivos de jurisdição bem como as estipulações similares de atos constitutivos de trusts não produzem efeitos se forem contrários ao disposto nos artigos 15.o, 19.o ou 23.o, ou se os tribunais cuja competência pretendam afastar tiverem competência exclusiva por força do artigo 24.o

[…]»

 Direito romeno

18      O artigo 1254.o do codul civil (Código Civil) prevê:

«1.      Considera‑se que o contrato ferido de nulidade absoluta ou anulado nunca foi celebrado.

2.      A anulação do contrato implica, nas condições previstas na lei, a anulação dos atos posteriores celebrados com base neste.

3.      Quando o contrato é anulado, cada uma das partes deve restituir à outra, em espécie ou por equivalente, as prestações recebidas, nos termos dos artigos 1639.o a 1647.o, mesmo que estas tenham sido executadas de forma sucessiva ou tenham tido caráter continuado.»

19      O artigo 1269.o do Código Civil enuncia:

«1.      Se, após a aplicação das regras de interpretação, o contrato ainda não for claro, deve ser interpretado em benefício de quem se obriga.

2.      As cláusulas dos contratos de adesão são interpretadas contra quem as propôs.»

20      Nos termos do artigo 2.o, n.o 1, da Legea nr. 193/2000 privind clauzele abuzive din contractele încheiate între profesionişti şi consumatori (Lei n.o 193/2000, Relativa às Cláusulas Abusivas nos Contratos Celebrados entre Profissionais e Consumidores), que transpõe a Diretiva 93/13 para o direito romeno:

«Entende‑se por “consumidor” qualquer pessoa singular ou grupo de pessoas singulares constituído em associação que, no contexto de um contrato abrangido pelo âmbito de aplicação da presente lei, atue com fins estranhos às suas atividades comerciais, industriais ou produtivas, artesanais ou profissionais.»

21      O artigo 4.o, n.os 2 e 3, da referida lei dispõe:

«2.      Considera‑se que uma cláusula contratual não foi negociada diretamente com o consumidor se tiver sido estabelecida sem que este tenha tido a possibilidade de influenciar a sua natureza, como no caso dos contratos‑tipo ou das condições gerais de venda utilizadas pelos comerciantes que operam no mercado do produto ou do serviço em causa.

3.      O facto de alguns elementos das cláusulas contratuais ou de apenas uma das cláusulas terem sido negociados diretamente com o consumidor não exclui a aplicação das disposições da presente lei ao resto do contrato, se a apreciação global do contrato revelar que se trata de um contrato preestabelecido unilateralmente pelo operador económico. Se um operador económico afirmar que uma cláusula normalizada foi negociada diretamente com o consumidor, incumbir‑lhe‑á apresentar prova nesse sentido.»

22      O artigo 4.o, n.o 1, da Legea nr. 297/2004 privind piaţa de capital (Lei n.o 297/2004, sobre os Mercados de Capitais) tem a seguinte redação:

«Os serviços de investimento financeiro são prestados por intermédio de pessoas singulares que atuam como agentes para os referidos serviços. Essas pessoas exercem a sua atividade exclusivamente em nome do intermediário que as emprega e não podem prestar serviços de investimento financeiro em nome próprio.»

23      O artigo 4.o, n.o 1, do Ordonanţa Guvernului nr. 85/2004 privind protecţia consumatorilor la încheierea şi executarea contractelor la distanţă privind servicii financiare (Decreto do Governo n.o 85/2004, Relativo à Proteção dos Consumidores na Celebração e Execução dos Contratos à Distância Relativos aos Serviços Financeiros), prevê:

«Antes da celebração de um contrato à distância ou no momento da apresentação da proposta, o fornecedor deve informar atempadamente o consumidor, de forma correta e completa, sobre os seguintes elementos de identificação relativos, pelo menos:

[…]

c)      À denominação do intermediário, à qualidade em que este atua na relação com o consumidor, ao endereço da sede social ou, consoante o caso, do seu domicílio e às modalidades de contacto deste, ao número de telefone/faxe, ao endereço de correio eletrónico, ao registo comercial em que está inscrito e ao seu número único de registo, quando o consumidor opera com um intermediário;

[…]»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

24      Em 15 de novembro de 2016, AU abriu uma conta de negociação na plataforma online UFX, disponibilizada pela Reliantco Investments, com vista à negociação de instrumentos financeiros, como os contratos financeiros por diferenças (a seguir «CFD»).

25      Ao criar a sua conta na plataforma online UFX, AU utilizou um nome de domínio de uma sociedade comercial e manteve contactos com a Reliantco Investments na qualidade de diretor do desenvolvimento dessa sociedade.

26      Em 11 de janeiro de 2017, AU celebrou com a Reliantco Investments um contrato relativo aos lucros resultantes da negociação de instrumentos financeiros, no qual indicava ter lido, compreendido e aceitado os termos e as condições da proposta. Por força desse contrato, todos os litígios e diferendos decorrentes do contrato assim celebrado ou relacionados com o mesmo devem ser submetidos aos tribunais cipriotas, e esse contrato, bem como todas as relações atinentes à negociação entre as partes, são regulados pelo direito cipriota.

27      Em 13 de janeiro de 2017, AU submeteu na plataforma online UFX várias ordens com limite de preço, contando com a descida do preço do petróleo, e alegou que, na sequência dessas transações, tinha perdido a totalidade da quantia bloqueada na conta de negociação, ou seja, 1 919 720 dólares americanos (USD) (cerca de 1 804 345 euros).

28      Em 26 de abril de 2017, AU intentou no órgão jurisdicional de reenvio uma ação contra as demandadas no processo principal. Alega ter sido vítima de uma manipulação que provocou a perda da quantia mencionada no número anterior e pede, nestas circunstâncias, que as demandadas sejam declaradas responsáveis a título da responsabilidade civil por facto ilícito, por inobservância das disposições relativas à proteção dos consumidores. Além disso, nessa mesma ação, pediu a declaração de nulidade, por um lado, de certas cláusulas contratuais, em seu entender, abusivas e, por outro, de certas ordens que submeteu na plataforma UFX, bem como o restabelecimento da situação anterior das partes.

29      Segundo AU, em conformidade com o artigo 17.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 1215/2012, lido em conjugação com os artigos 18.o e 19.o do mesmo regulamento, os tribunais romenos são competentes para conhecer da referida ação, dado que ele é um consumidor com domicílio na Roménia.

30      As demandadas no processo principal invocam a exceção de incompetência geral dos tribunais romenos. Consideram que, por força do artigo 25.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1215/2012 e da cláusula atributiva de competência mencionada no n.o 26 do presente acórdão, a ação intentada por AU é da competência dos tribunais cipriotas. Sublinham que o Eparhiako Dikastirio Lemesou (Tribunal Regional de Limassol, Chipre), no qual AU apresentou uma providência cautelar para apreensão dos bens de sua propriedade situados em Chipre, se declarou competente para conhecer dessa ação.

31      Além disso, sustentam que a ação intentada por AU se baseia numa «culpa in contrahendo», sendo que esta é uma obrigação extracontratual abrangida pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.o 864/2007.

32      As demandadas no processo principal contestam igualmente a qualidade de consumidor de AU, alegando que este é uma pessoa singular com fins lucrativos, dado que praticou atos específicos de uma atividade profissional, tendo o interessado obtido, durante a execução do contrato em causa, um lucro de 644 413,53 USD (cerca de 605 680 euros) proveniente de 197 transações efetuadas no período compreendido entre novembro de 2016 e 13 de janeiro de 2017, das quais apenas seis são contestadas.

33      O órgão jurisdicional de reenvio, no âmbito do exame da sua competência para conhecer do mérito do litígio, constata que AU baseou a sua ação na responsabilidade civil por facto ilícito, a saber, uma responsabilidade civil extracontratual, à qual se aplica, em princípio, o Regulamento n.o 864/2007, invocando simultaneamente a sua qualidade de consumidor, o que faz com que a competência jurisdicional poderia então ser determinada por força das disposições do artigo 17.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 1215/2012.

34      Todavia, tem dúvidas quanto ao argumento apresentado por AU em resposta às alegações das demandadas no processo principal, segundo o qual o conceito de «cliente não profissional», que figura no artigo 4.o, n.o 1, ponto 12, da Diretiva 2004/39, e o de «consumidor», na aceção do artigo 2.o, alínea b), da Diretiva 93/13, se sobrepõem. Com efeito, no entender do referido órgão jurisdicional, resulta da interpretação dessas disposições que, embora um «consumidor» só possa ser uma pessoa singular que não atua no âmbito da sua atividade profissional, um «cliente não profissional» pode ser quer uma pessoa singular quer uma pessoa coletiva ou uma entidade diferente das mencionadas no anexo II da Diretiva 2004/39.

35      O órgão jurisdicional de reenvio faz igualmente referência ao Acórdão de 3 de julho de 1997, Benincasa (C‑269/95, EU:C:1997:337), no qual o Tribunal de Justiça declarou que só os contratos celebrados fora e independentemente de qualquer atividade ou finalidade de ordem profissional, com o único objetivo de satisfazer as necessidades de consumo privado de um indivíduo, estão abrangidos pelo regime especial em matéria de proteção do consumidor, proteção que não se justifica em caso de contratos cujo objetivo é uma atividade profissional.

36      Além disso, afirma que o capítulo II, secção 4, do Regulamento n.o 1215/2012, que regula a competência em matéria de contratos celebrados pelos consumidores, é aplicável, regra geral, às ações intentadas por um consumidor com base num contrato, ao passo que a ação intentada por AU se baseia exclusivamente na responsabilidade civil por facto ilícito, que exclui a existência de uma relação contratual.

37      Nestas circunstâncias, o Tribunalul Specializat Cluj (Tribunal especializado de Cluj, Roménia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve o órgão jurisdicional nacional, ao interpretar o conceito de “cliente não profissional”, previsto no artigo 4.o, n.o 1, ponto 12, da Diretiva 2004/39, utilizar os mesmos critérios interpretativos que definem o conceito de consumidor, na aceção do artigo 2.o, alínea b), da Diretiva 93/13 […]?

2)      Em caso de resposta negativa à questão anterior, que condições poderá […] um “cliente não profissional”, na aceção da Diretiva 2004/39, num litígio como o do processo principal, [invocar a] qualidade de consumidor? e

3)      Em especial, deverá a realização por parte de um “cliente não profissional”, na aceção da Diretiva 2004/[39], de um elevado volume de transações num período de tempo relativamente curto e do investimento de elevadas quantias em dinheiro em instrumentos financeiros como os definidos no artigo 4.o, n.o 1, ponto 17, da Diretiva 2004/39 constituir critério relevante para a qualificação como consumidor de um “cliente não profissional” na aceção da referida diretiva?

4)      Deve o órgão jurisdicional nacional, ao determinar a sua competência, dado que tem a obrigação de definir o âmbito, consoante o caso, do artigo 17.o, n.o 1, alínea c), ou do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento […] n.o 1215/2012, tomar em consideração o fundamento de direito material invocado pelo demandante — exclusivamente responsabilidade extracontratual — [para contestar a introdução] de cláusulas pretensamente abusivas na aceção da Diretiva 93/13, para as quais a lei material aplicável seria definida nos termos do Regulamento n.o 864/2007 ou […] a eventual qualidade de consumidor do demandante torna irrelevante o fundamento de direito material do seu pedido?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à admissibilidade

38      O Governo romeno tem dúvidas quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial. Alega que o órgão jurisdicional de reenvio deveria ter prestado mais informações sobre a ação de AU e exposto os argumentos de direito em que esta se baseia. Além disso, sublinha que as questões submetidas não têm em conta a cláusula atributiva de jurisdição que figura no contrato celebrado entre AU e a Reliantco Investments. Devido a estas deficiências, o Governo romeno considera que o pedido de decisão prejudicial não contém todas as informações necessárias para permitir dar respostas pertinentes às questões submetidas.

39      A este respeito, há que recordar que o juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão judicial a tomar, tem competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça (Acórdão de 10 de dezembro de 2018, Wightman e o., C‑621/18, EU:C:2018:999, n.o 26).

40      Além disso, as questões relativas à interpretação do direito da União submetidas pelo juiz nacional no quadro regulamentar e factual que define sob sua responsabilidade, e cuja exatidão não cabe ao Tribunal de Justiça verificar, gozam de uma presunção de pertinência (Acórdão de 24 de outubro de 2019, État belge, C‑35/19, EU:C:2019:894, n.o 29).

41      Todavia, por um lado, se for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, ou que o Tribunal de Justiça não dispõe dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas, pode julgar inadmissível o pedido de decisão prejudicial (Acórdão de 17 de outubro de 2019, Comida paralela 12, C‑579/18, EU:C:2019:875, n.o 20).

42      Por outro lado, devido ao espírito de cooperação que rege as relações entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça no âmbito do processo prejudicial, a falta de certas constatações prévias pelo órgão jurisdicional de reenvio não leva necessariamente à inadmissibilidade do pedido, se, apesar dessas deficiências, o Tribunal de Justiça considerar, face aos elementos dos autos, estar em condições de dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio (Acórdão de 17 de outubro de 2019, Comida paralela 12, C‑579/18, EU:C:2019:875, n.o 21).

43      Uma vez que, no caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio definiu, em conformidade com a jurisprudência referida nos n.os 41 e 42 do presente acórdão, o quadro regulamentar e factual que permite ao Tribunal de Justiça responder às questões que lhe são submetidas, e que não incumbe ao Tribunal de Justiça verificar a exatidão desse quadro, há que declarar admissível o presente pedido de decisão prejudicial.

 Quanto às questões primeira a terceira

44      Com as suas questões primeira a terceira, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1215/2012 deve ser interpretado no sentido de que uma pessoa singular que, nos termos de um contrato como um CFD celebrado com uma sociedade financeira, efetua operações financeiras por intermédio dessa sociedade, pode ser qualificada de «consumidor», na aceção dessa disposição, e se é pertinente, para efeitos dessa qualificação, ter em conta fatores como o facto de essa pessoa ter efetuado um elevado número de transações durante um período relativamente curto ou ter investido elevadas quantias nessas transações, ou de essa pessoa ser um «cliente não profissional», na aceção do artigo 4.o, n.o 1, ponto 12, da Diretiva 2004/39.

45      Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1215/2012 é aplicável no caso de estarem preenchidos três requisitos, isto é, em primeiro lugar, existir uma parte contratual, na qualidade de consumidor, que atue num âmbito que possa ser considerado estranho à sua atividade comercial ou profissional; em segundo lugar, ter sido efetivamente celebrado um contrato entre esse consumidor e um profissional; e, em terceiro lugar, esse contrato integrar uma das categorias referidas no dito artigo 17.o, n.o 1, alíneas a) a c). Estes requisitos devem estar cumulativamente preenchidos, pelo que, se não se verificar um dos três requisitos, a competência não pode ser determinada segundo as regras relativas aos contratos celebrados por consumidores (Acórdão de 3 de outubro de 2019, Petruchová, C‑208/18, EU:C:2019:825, n.o 39 e jurisprudência referida).

46      Como resulta da decisão de reenvio, as questões primeira a terceira submetidas ao Tribunal de Justiça no presente processo dizem respeito ao primeiro destes três requisitos, ou seja, a qualidade de «consumidor» de uma parte contratual.

47      A este respeito, cabe recordar que o conceito de «consumidor» na aceção dos artigos 17.o e 18.o do Regulamento n.o 1215/2012 deve ser interpretado de forma restritiva, atendendo à posição dessa pessoa num contrato determinado, em conjugação com a natureza e a finalidade deste, e não à situação subjetiva dessa mesma pessoa, pois uma única e mesma pessoa pode ser considerada consumidor, no âmbito de determinadas operações, e operador económico, no âmbito de outras (Acórdão de 3 de outubro de 2019, Petruchová, C‑208/18, EU:C:2019:825, n.o 41 e jurisprudência referida).

48      O Tribunal de Justiça concluiu daí que só os contratos celebrados fora e independentemente de qualquer atividade ou finalidade de ordem comercial ou profissional, unicamente com o objetivo de satisfazer as próprias necessidades de consumo privado de um indivíduo, ficam sob a alçada do regime especial previsto pelo referido regulamento para proteção do consumidor enquanto parte considerada mais fraca (Acórdão de 3 de outubro de 2019, Petruchová, C‑208/18, EU:C:2019:825, n.o 42 e jurisprudência referida).

49      Esta proteção especial não é justificada no caso de contratos que têm como objetivo uma atividade comercial ou profissional, mesmo que prevista para o futuro, dado que o caráter futuro de uma atividade nada retira ao seu caráter comercial ou profissional (Acórdão de 3 de outubro de 2019, Petruchová, C‑208/18, EU:C:2019:825, n.o 43 e jurisprudência referida).

50      Daqui se conclui que as regras de competência específicas dos artigos 17.o a 19.o do Regulamento n.o 1215/2012 só são, em princípio, aplicáveis nos casos em que o contrato foi celebrado entre as partes para uma utilização não comercial ou profissional do bem ou serviço em causa (Acórdão de 3 de outubro de 2019, Petruchová, C‑208/18, EU:C:2019:825, n.o 44 e jurisprudência referida).

51      No que respeita aos contratos como os CFD celebrados entre uma pessoa singular e uma sociedade financeira, o Tribunal de Justiça declarou que esses instrumentos são abrangidos pelo âmbito de aplicação dos artigos 17.o a 19.o do Regulamento n.o 1215/2012 (Acórdão de 3 de outubro de 2019, Petruchová, C‑208/18, EU:C:2019:825, n.o 49).

52      Por outro lado, há que recordar que o artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1215/2012 não exige que o consumidor atue, no âmbito de um contrato celebrado para uma utilização estranha à sua atividade comercial ou profissional, de uma determinada forma (v., neste sentido, Acórdão de 3 de outubro de 2019, Petruchová, C‑208/18, EU:C:2019:825, n.o 58).

53      O Tribunal de Justiça deduziu daqui que fatores como o valor das operações efetuadas ao abrigo de contratos como os CFD, a dimensão dos riscos de perdas financeiras associados à conclusão de tais contratos, os eventuais conhecimentos ou experiência de uma pessoa no domínio dos instrumentos financeiros ou ainda o seu comportamento ativo no âmbito de tais operações são, enquanto tais, em princípio, destituídos de pertinência (v., neste sentido, Acórdão de 3 de outubro de 2019, Petruchová, C‑208/18, EU:C:2019:825, n.o 59).

54      O mesmo se diga da circunstância de o consumidor ter realizado um elevado número de transações num período relativamente curto ou de ter investido elevadas quantias nessas transações.

55      No que se refere à pertinência, para efeitos da qualificação de uma pessoa como «consumidor», na aceção do artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1215/2012, do facto de essa pessoa ser um «cliente não profissional», na aceção do artigo 4.o, n.o 1, ponto 12, da Diretiva 2004/39, há que recordar que a circunstância de uma pessoa ser qualificada de «cliente não profissional», na aceção da última disposição, é, enquanto tal, em princípio, irrelevante para efeitos da sua qualificação como «consumidor», na aceção da primeira disposição (v., neste sentido, Acórdão de 3 de outubro de 2019, Petruchová, C‑208/18, EU:C:2019:825, n.o 77).

56      Nestas circunstâncias, é igualmente irrelevante a questão de saber se o conceito de «cliente não profissional», na aceção do artigo 4.o, n.o 1, ponto 12, da Diretiva 2004/39, deve ser interpretado à luz dos mesmos critérios que são pertinentes para a interpretação do conceito de «consumidor», referido no artigo 2.o, alínea b), da Diretiva 93/13.

57      Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder às questões primeira a terceira que o artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1215/2012 deve ser interpretado no sentido de que uma pessoa singular que, ao abrigo de um contrato como um CFD celebrado com uma sociedade financeira, efetua operações financeiras por intermédio dessa sociedade pode ser qualificada de «consumidor», na aceção dessa disposição, se a celebração desse contrato não se inserir no âmbito da atividade profissional dessa pessoa, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar. Para efeitos desta qualificação, por um lado, fatores como o facto de essa pessoa ter efetuado um elevado número de transações num período relativamente curto ou ter investido elevadas quantias nessas transações não são, enquanto tais, em princípio, pertinentes e, por outro, o facto de essa mesma pessoa ser um «cliente não profissional», na aceção do artigo 4.o, n.o 1, ponto 12, da Diretiva 2004/39, é, enquanto tal, em princípio, irrelevante.

 Quanto à quarta questão

58      Com a sua quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o Regulamento n.o 1215/2012 deve ser interpretado no sentido de que, para determinar o órgão jurisdicional competente, uma ação fundada em responsabilidade civil por facto ilícito intentada por um consumidor contra o seu cocontratante está abrangida pelo capítulo II, secção 4, do referido regulamento.

59      A título preliminar, há que recordar que é jurisprudência constante que, na medida em que o Regulamento n.o 1215/2012 revoga e substitui o Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2001, L 12, p. 1), que, por sua vez, substituiu a Convenção de 27 de setembro de 1968 relativa à Competência Judiciária e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial (JO 1972, L 299, p. 32; EE 01 F1 p. 186), conforme alterada pelas convenções posteriores relativas à adesão de novos Estados‑Membros a esta convenção, a interpretação fornecida pelo Tribunal de Justiça no que respeita às disposições destes últimos instrumentos jurídicos é igualmente válida para as disposições do Regulamento n.o 1215/2012, quando estas disposições possam ser qualificadas de «equivalentes» (Acórdão de 29 de julho de 2019, Tibor‑Trans, C‑451/18, EU:C:2019:635, n.o 23).

60      Assim, importa sublinhar que o artigo 15.o do Regulamento n.o 44/2001, que corresponde ao artigo 17.o do Regulamento n.o 1215/2012, só se aplica quando a ação em causa tenha por base um contrato celebrado entre um consumidor e um profissional. Com efeito, em virtude da redação tanto da parte introdutória do n.o 1 do artigo 15.o do Regulamento n.o 44/2001 como do n.o 1, alínea c), do mesmo artigo, exige‑se que um «contrato» tenha sido «concluído» pelo consumidor com uma pessoa que tem atividade comercial ou profissional. Esta constatação é, além disso, corroborada pelo título da secção 4 do capítulo II deste regulamento, em que se insere este artigo 15.o, relativa à «[c]ompetência em matéria de contratos celebrados por consumidores» (Acórdão de 14 de maio de 2009, Ilsinger, C‑180/06, EU:C:2009:303, n.os 52 e 53).

61      Além disso, no âmbito da análise do artigo 13.o, primeiro parágrafo, da Convenção de 27 de setembro de 1968 relativa à Competência Judiciária e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial, que corresponde igualmente ao artigo 17.o do Regulamento n.o 1215/2012, o Tribunal de Justiça declarou que não se pode acolher uma interpretação desta convenção que conduza a que certas pretensões ao abrigo de um contrato celebrado por um consumidor sejam abrangidas pelas regras de competência dos artigos 13.o a 15.o da referida convenção, ao passo que outras ações, que têm com esse contrato um nexo de tal modo estreito que são dele indissociáveis, seriam sujeitas a regras diferentes (Acórdão de 11 de julho de 2002, Gabriel, C‑96/00, EU:C:2002:436, n.o 56).

62      Com efeito, a necessidade de evitar, tanto quanto possível, a multiplicação dos órgãos jurisdicionais competentes relativamente ao mesmo contrato, impõe‑se por maioria de razão quando se trata de um contrato entre um consumidor e um profissional (v., neste sentido, Acórdão de 11 de julho de 2002, Gabriel, C‑96/00, EU:C:2002:436, n.o 57).

63      Atendendo a que a multiplicação dos critérios de competência jurisdicional pode desfavorecer especialmente uma parte reputada fraca como o consumidor, é do interesse de uma boa administração da justiça que este último possa submeter ao mesmo tribunal todas as dificuldades que pode ocasionar um contrato que, alegadamente, o consumidor foi incitado a celebrar devido à utilização, pelo profissional, de formulações suscetíveis de induzir em erro o seu cocontratante (v., neste sentido, Acórdão de 11 de julho de 2002, Gabriel, C‑96/00, EU:C:2002:436, n.o 58).

64      Daqui resulta que, para aplicar o capítulo II, secção 4, do Regulamento n.o 1215/2012 a uma ação de um consumidor contra um profissional, não obstante o cumprimento das outras condições previstas no artigo 17.o, n.o 1, desse regulamento, deve ser efetivamente celebrado um contrato entre essas duas partes, e essa ação deve estar indissociavelmente ligada a esse contrato.

65      No caso em apreço, no que respeita, em primeiro lugar, à relação entre AU e a Reliantco Investments Limassol Sucursala Bucureşti, filial da Reliantco Investments, importa observar que dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe não decorre que estas duas partes tenham celebrado um contrato.

66      Por conseguinte, tendo em conta o exposto no n.o 60 do presente acórdão, na medida em que uma ação seja intentada sem que as referidas partes tenham celebrado um contrato, essa ação não está abrangida pelo capítulo II, secção 4, do Regulamento n.o 1215/2012.

67      No que respeita, em segundo lugar, à aplicabilidade da referida secção à ação de AU na medida em que é intentada contra a Reliantco Investments, com a qual aquele celebrou um contrato, cabe salientar que resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que a referida ação se baseia, nomeadamente, nas disposições nacionais relativas à proteção dos consumidores, a saber, a obrigação que incumbe ao fornecedor de, antes da celebração do contrato, informar, aconselhar e alertar os consumidores no que se refere aos serviços prestados e aos riscos a que se expõem.

68      Daqui decorre, sem prejuízo das verificações que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar, que a referida ação visa obter a declaração da responsabilidade do profissional por incumprimento de obrigações pré‑contratuais para com o consumidor cocontratante.

69      Tal ação deve ser considerada indissociavelmente ligada ao contrato celebrado entre o consumidor e o profissional, pelo que o capítulo II, secção 4, do Regulamento n.o 1215/2012 é aplicável à mesma.

70      Esta conclusão não é posta em causa pelo facto de a ação intentada por AU se destinar a obter a declaração de responsabilidade do profissional, designadamente, por uma «culpa in contrahendo», prevista no artigo 2.o, n.o 1, do Regulamento n.o 864/2007, aplicável às obrigações extracontratuais.

71      Pelo contrário, há que recordar que o artigo 12.o, n.o 1, do Regulamento n.o 864/2007 prevê que a lei aplicável a uma obrigação extracontratual decorrente de negociações realizadas antes da celebração de um contrato, independentemente de este ser efetivamente celebrado, é a lei aplicável ao contrato ou que lhe seria aplicável se tivesse sido celebrado.

72      Deste modo, a conclusão exposta no n.o 69 do presente acórdão reforça a necessária coerência entre a interpretação do Regulamento n.o 1215/2012 e a do Regulamento n.o 864/2007 (v., neste sentido, Acórdão de 21 de janeiro de 2016, ERGO Insurance e Gjensidige Baltic, C‑359/14 e C‑475/14, EU:C:2016:40, n.o 43), na medida em que tanto a lei aplicável a uma obrigação decorrente de negociações realizadas antes da celebração de um contrato como o órgão jurisdicional competente para conhecer de uma ação que tem por objeto essa obrigação são determinados tendo em conta o contrato cuja celebração está prevista.

73      Tendo em conta o que precede, há que responder à quarta questão que o Regulamento n.o 1215/2012 deve ser interpretado no sentido de que, para determinar o órgão jurisdicional competente, uma ação fundada em responsabilidade civil por facto ilícito intentada por um consumidor está abrangida pelo capítulo II, secção 4, do referido regulamento, se estiver indissociavelmente ligada a um contrato efetivamente celebrado entre esse consumidor e o profissional, o que cabe ao órgão jurisdicional nacional verificar.

 Quanto às despesas

74      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

1)      O artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento (UE) n.o 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que uma pessoa singular que, ao abrigo de um contrato como o contrato financeiro por diferenças celebrado com uma sociedade financeira, efetua operações financeiras por intermédio dessa sociedade pode ser qualificada de «consumidor», na aceção dessa disposição, se a celebração desse contrato não se inserir no âmbito da atividade profissional dessa pessoa, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar. Para efeitos desta qualificação, por um lado, fatores como o facto de essa pessoa ter efetuado um elevado número de transações num período relativamente curto ou ter investido elevadas quantias nessas transações não são, enquanto tais, em princípio, pertinentes e, por outro, o facto de essa mesma pessoa ser um «cliente não profissional», na aceção do artigo 4.o, n.o 1, ponto 12, da Diretiva 2004/39/CEdo Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de abril de 2004, relativa aos mercados de instrumentos financeiros, que altera as Diretivas 85/611/CEE e 93/6/CEE do Conselho e a Diretiva 2000/12/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e que revoga a Diretiva 93/22/CEE do Conselho, é, enquanto tal, em princípio, irrelevante.

2)      O Regulamento n.o 1215/2012 deve ser interpretado no sentido de que, para determinar o órgão jurisdicional competente, uma ação fundada em responsabilidade civil por facto ilícito intentada por um consumidor está abrangida pelo capítulo II, secção 4, do referido regulamento, se estiver indissociavelmente ligada a um contrato efetivamente celebrado entre esse consumidor e o profissional, o que cabe ao órgão jurisdicional nacional verificar.

Assinaturas


*      Língua do processo: romeno.