Language of document : ECLI:EU:T:2019:57

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção)

5 de fevereiro de 2019 (*)

«Variedades vegetais — Pedido de proteção comunitária das variedades vegetais para a variedade vegetal Braeburn 78 (11078) — Designação de outro organismo de exame — Alcance do exame que deve ser feito pela Câmara de Recurso — Dever de fundamentação»

No processo T‑177/16,

Mema GmbH LG, com sede em Terlan (Itália), representada por B. Breitinger e S. Kirschstein‑Freund, advogados,

recorrente,

contra

Instituto Comunitário das Variedades Vegetais (ICVV), representado por M. Ekvad, F. Mattina, O. Lamberti e U. Braun‑Mlodecka, na qualidade de agentes, assistidos por A. von Mühlendahl e H. Hartwig, advogados

recorrido,

que tem por objeto um recurso da Decisão da Câmara de Recurso do ICVV de 15 de dezembro de 2015 (processo A 001/2015), relativa a um pedido de concessão da proteção comunitária das variedades vegetais para a variedade vegetal Braeburn 78,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção),

composto por S. Frimodt Nielsen (relator), presidente, V. Kreuschitz e N. Półtorak, juízes,

secretário: R. Ükelyté, administradora,

vista a petição entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 22 de abril de 2016,

vista a contestação do ICVV entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 11 de julho de 2016,

vista a alteração da composição das Secções do Tribunal Geral,

vista a decisão de suspensão da instância de 24 de outubro de 2016,

vista a decisão de suspensão da instância de 22 de março de 2018,

após a audiência de 25 de setembro de 2018,

profere o presente

Acórdão

 Quadro jurídico

 Regulamento de base

1        Nos termos do artigo 6.o do Regulamento (CE) n.o 2100/94 do Conselho, de 27 de julho de 1994, relativo ao regime comunitário de proteção das variedades vegetais (JO 1994, L 227, p. 1; a seguir «regulamento de base»), o direito de proteção comunitária das variedades vegetais é concedido a variedades distintas, homogéneas, estáveis e novas.

2        Por força do artigo 7.o, n.o 1, do regulamento de base, uma variedade é considerada distinta se for possível distingui‑la claramente, por referência à expressão das características resultante de um genótipo específico ou de uma combinação de genótipos, de qualquer outra variedade cuja existência seja notoriamente conhecida à data do pedido de concessão da proteção comunitária das variedades vegetais.

3        A questão de saber se os critérios de distinção, de homogeneidade e de estabilidade estão preenchidos num caso concreto é analisada no âmbito de um exame técnico realizado em conformidade com os artigos 55.o e 56.o do regulamento de base.

4        O artigo 55.o, n.o 1, do regulamento de base prevê o seguinte:

«1. Se não detetar qualquer impedimento ao reconhecimento do direito comunitário de proteção vegetal com base nos exames [formal e material] previstos nos artigos 53.o e 54.o, o [Instituto Comunitário das Variedades Vegetais] providenciará para que o exame técnico destinado a verificar se foram respeitadas as condições [de distinção, de homogeneidade e de estabilidade] seja efetuado, em, pelo menos, um dos Estados‑Membros, pelo organismo ou organismos competentes encarregados pelo Conselho de Administração [do Instituto Comunitário das Variedades Vegetais] do exame técnico das variedades das espécies em causa, a seguir denominados “organismo ou organismos de exame”.»

5        Nos termos do artigo 56.o do regulamento de base, os exames técnicos são realizados de acordo com princípios orientadores de análise estabelecidos pelo Conselho de Administração e com as instruções eventualmente dadas pelo Instituto Comunitário das Variedades Vegetais (ICVV). Esses princípios orientadores descrevem, nomeadamente, o material vegetal necessário para o exame técnico, as modalidades dos testes, os métodos a aplicar, as observações a apresentar, o agrupamento das variedades incluídas no teste e o quadro das características a examinar. No âmbito do exame técnico, as plantas da variedade em causa são cultivadas ao lado das plantas das variedades que o ICVV e o centro de exame designado considerem ser as variedades das quais a variedade candidata é a mais próxima, segundo a descrição desta constante da descrição técnica que faz parte do pedido de concessão da proteção comunitária das variedades vegetais.

6        O artigo 57.o, n.os 1 e 3, do regulamento de base prevê o seguinte:

«1. O organismo de exame enviará ao [ICVV], a pedido deste ou se considerar que os resultados do exame técnico são adequados para avaliar a variedade, um relatório de exame e, quando considerar que as condições estabelecidas nos artigos 7.o a 9.o estão preenchidas, uma descrição da variedade.

2. O [IVCC] comunicará os resultados do exame técnico e a descrição da variedade ao requerente, convidando‑o a apresentar as suas observações.

3. Se o [ICVV] considerar que o relatório de exame não constitui base suficiente para uma decisão, pode providenciar por sua iniciativa, após consulta ao requerente, ou a pedido do requerente, para que seja realizado um exame complementar. Para efeitos de avaliação dos resultados, qualquer exame complementar efetuado antes da tomada de decisão definitiva, nos termos dos artigos 61.o e 62.o, será considerado parte do exame referido no n.o 1 do artigo 56.o»

7        Quanto às regras que regem o processo no ICVV, o artigo 72.o do regulamento de base dispõe o seguinte:

«A instância de recurso deliberará sobre o recurso com base no exame efetuado nos termos do artigo 71.o Essa instância pode exercer todos os poderes que pertençam ao [ICVV] ou remeter o processo para a instância competente do [ICVV], a fim de lhe ser dado seguimento. Essa instância ficará vinculada ao precedente da instância de recurso, desde que os factos em apreço sejam os mesmos.»

8        O artigo 75.o do regulamento de base enuncia o seguinte:

«As decisões do [ICVV] serão fundamentadas. Basear‑se‑ão exclusivamente em motivos ou elementos de prova sobre os quais as partes no processo tenham tido oportunidade de se pronunciar oralmente ou por escrito.»

9        O artigo 76.o do regulamento de base prevê o seguinte:

«No decurso dos processos perante o [ICVV] este procederá a averiguações oficiosas dos factos na medida em que os mesmos devam ser objeto de exame nos termos dos artigos 54.o e 55.o O [ICVV] não tomará em consideração os factos ou elementos de prova que não tenham sido apresentados pelas partes no prazo fixado pelo [ICVV].»

 Protocolo ICVVTP/14/2 final

10      O ponto I do Protocolo TP/14/2 final do ICVV, de 14 de março de 2006, relativo aos exames da distinção, homogeneidade e estabilidade (Maçã) (a seguir «Protocolo ICVV‑TP/14/2»):

«O Protocolo descreve os procedimentos técnicos a seguir para dar cumprimento ao regulamento de base. Os procedimentos técnicos foram aprovados pelo Conselho de Administração e baseiam‑se no Documento Geral TG/1/3 da [União Internacional para a Proteção das Variedades Vegetais] e nas Orientações da [União Internacional para a Proteção das Variedades Vegetais] TG/14/9 de 6 de abril de 2005 para a realização dos testes DHE. Este protocolo aplica‑se às variedades do fruto Malus domestica Borkh.»

11      O ponto III.5, último parágrafo, do Protocolo ICVV‑TP/14/2 prevê o seguinte:

«As observações sobre os frutos devem ser feitas […] no momento da maturação dos alimentos.»

12      O ponto Ad 56 do Protocolo ICVV‑TP/14/2 prevê o seguinte:

«Tempo de colheita

O tempo de colheita é o período ótimo para obter um fruto em condição máxima para ser comido (v. [ponto] Ad 57).»

13      O ponto Ad 57 do Protocolo ICVV‑TP/14/2 prevê o seguinte:

«Tempo de maturação dos alimentos

O tempo de maturação dos alimentos é o período em que o fruto atingiu uma cor, uma firmeza, uma textura, um aroma e um sabor ótimos para consumo. Dependendo do tipo de fruto, este período pode ocorrer diretamente após ser apanhado da árvore (p. ex., para as variedades precoces) ou após um período de armazenamento ou condicionamento (p. ex., para as variedades tardias).»

 Antecedentes do litígio

14      Em 20 de maio de 2009, Jørn Hansson, proprietário da recorrente Mesma GmbH LG, apresentou um pedido de concessão da proteção comunitária das variedades vegetais junto do ICVV, ao abrigo do regulamento de base. A variedade vegetal para a qual a proteção foi pedida é a variedade Braeburn 78, pertencente à espécie Malus domestica Borkh.

15      O ICVV incumbiu o Groupe d’étude et de contrôle des variétés et des semences (GEVES) (Grupo de estudo e de controlo das variedades e das sementes), local de exame do Institut national de la recherche agronomique (INRA) (Instituto Nacional de Investigação Agrícola, sito em Angers‑Beaucoué (França), de proceder ao exame técnico da variedade candidata, em conformidade com o artigo 55.o, n.o 1, do regulamento de base.

16      O exame técnico foi realizado com base no Protocolo ICVV‑TP/14/2.

17      O GEVES, cujo relatório de exame foi transmitido ao ICVV em 21 de maio de 2014, considerou que a variedade Braeburn 78 não era suficientemente distinta da variedade de comparação Royal Braeburn com fundamento nas seguintes constatações:

«Com base nas observações DUS 2012‑2013, a variedade candidata não se distingue claramente da Royal Braeburn e da X9466. Esta conclusão baseia‑se nos seguintes elementos:

Em 2012: primeira colheita significativa de frutos

Variedade/

Característica

Data de

Colheita

Regressão

do amido

Firmeza

(kg/cm²)

Índice

refratométrico (%)

Acidez

(g/l ácido málico)

Tonalidade

(espetrocolorimetria) *

Variedade candidata

11/10

5,5

9,2

12,8

7,39

18,64

Royal Braeburn

11/10

20,19

X9466 (1)

11/10

6,3

9,3

12,8

7,31

18,71

Uma diferença de 2 graus é claramente visível a olho nu

(1) árvores um ano mais velhas do que a variedade candidata.

A variedade candidata tem frutos lisos e raiados, como a Royal Braeburn e a X9466. A tonalidade e a cor do padrão da variedade candidata são próximas das da Royal Braeburn e da X9466. A maturação da variedade candidata é próxima da das outras mutações da Royal Braeburn com um período de maturação standard.

Em 2013: segunda colheita significativa de frutos

Variedade/

Característica

Data de

Colheita

Regressão

do amido


Firmeza

(kg/cm²)

Índice

refratométrico (%)

Acidez

(g/l ácido málico)

Tonalidade

(espetrocolorimetria) *

Variedade candidata

11/10

5,5

10,5

11,7

7,8

22,49

Royal Braeburn

11/10

6,0

10,0

11,6

8,08

23,55

X9466 (1)

11/10

5,7

10,2

11,2

7,53

22,07

Uma diferença de 2 graus é claramente visível a olho nu

(1) árvores um ano mais velhas do que a variedade candidata.

A variedade candidata tem frutos lisos e raiados, como a Royal Braeburn e a X9466. A tonalidade e a cor do padrão da variedade candidata são demasiado próximas das da Royal Braeburn e da X9466. A maturação da variedade candidata é próxima da das outras mutações da Royal Braeburn com um período de maturação standard. A pequena diferença de forma do fruto, mencionada pela recorrente em comparação com a Royal Braeburn, não se verifica.

A variedade é rejeitada por falta de distinção com a Royal Braeburn e a X9466.»

18      Com base neste relatório, e após ter recebido as observações da recorrente, o ICVV indeferiu o pedido de concessão da proteção comunitária por decisão de 18 de dezembro de 2014.

19      A recorrente interpôs recurso da decisão de indeferimento do ICVV. A Câmara de Recurso do ICVV negou provimento a esse recurso, por decisão de 15 de dezembro de 2015 notificada à recorrente em 22 de fevereiro de 2016 (a seguir «decisão impugnada»).

20      Em primeiro lugar, a Câmara de Recurso considerou, em substância, que o local de exame, a saber, Angers‑Beaucoué, contestado pela recorrente, era o sítio onde devia ser efetuado o exame técnico por força das disposições aplicáveis.

21      Em segundo lugar, quanto à data da colheita e à data de maturação, relativamente às quais a recorrente contestava, em substância, as condições e as conclusões do exame técnico, a Câmara de Recurso considerou o seguinte:

«As características “data de colheita” e “data de maturação dos alimentos” foram definidas de modo bastante vago nas orientações da UPVV (TG/14/9) e no protocolo de teste para a maçã que deriva das mesmas [ICVV‑TP/14/2], na medida em que as instruções cobrem uma ampla gama de níveis de maturação, desde precoce à tardia, e desde adequada ao consumo imediato ao armazenamento de longa duração. Uma utilização efetiva das orientações do protocolo requer experiência nos testes DUS e um conhecimento detalhado da semente.

Na secção “Explicações e métodos” que figura na tabela das características do protocolo de teste da maçã, são dadas instruções. As instruções relativas ao momento da colheita e ao da maturação dos alimentos são dadas nos [pontos] Ad 56 e Ad 57, na pág. 32.

Na opinião da Câmara de Recurso, estas instruções foram corretamente aplicadas pelo organismo de exame. Para uma boa comparação, os frutos das variedades candidatas e de referência foram colhidos na mesma data e (neste caso) logo que o índice de regressão do amido era de cerca de 5 para todas as variedades em causa.

O “momento de maturação” pode ser contestado, mas na medida em que os examinadores do GEVES têm experiência nesta semente, a Câmara de Recurso confia na sua apreciação do momento de maturação dos alimentos, que corresponde à fase em que todas as características dos frutos foram avaliadas. As características dos frutos maduros das mutações da Braeburn foram registadas e/ou medidas na mesma data (quando possível), ou seja, por volta de meados de novembro, como requerido.»

22      Por último, em terceiro lugar, quanto aos elementos distintivos relativos ao estriado dos frutos, à sua forma e ao seu tamanho, elementos relativamente aos quais a recorrente contestava as observações do organismo de exame, a Câmara de Recurso considerou que as características relativas ao «tamanho do fruto», à «forma do fruto», à «cor de base do fruto», à «extensão relativa à cor do padrão», à «intensidade da cor do padrão», ao «desenho da cor do padrão» e à «largura das estrias» podiam, em geral, ser avaliadas visualmente, ao passo que outras características, como a «altura do fruto», o «diâmetro do fruto» e o «ratio altura/diâmetro» precisavam de ser medidas, sendo, a este respeito, as características observadas visualmente, por vezes, confirmadas pelas medidas. A Câmara de Recurso concluiu daqui que o organismo de exame efetuou todos os testes em conformidade com as orientações aplicáveis e com o protocolo.

 Pedidos das partes

23      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada e devolver o processo à Câmara de Recurso para nova decisão, com indicação no sentido de anular a decisão impugnada e de ordenar ao ICVV que realize um exame complementar nos termos do artigo 57.o, n.o 3, do regulamento de base;

–        a título subsidiário, anular a decisão impugnada;

–        a título subsidiário, no caso de o Tribunal Geral julgar improcedentes os dois primeiros pedidos, suspender a decisão sobre o recurso nos termos do artigo 69.o, alínea d), do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, até que seja proferida decisão definitiva no recurso de anulação da proteção comunitária das variedades vegetais concedida à variedade de referência Royal Braeburn (pedido n.o 1998/1082; variedade n.o 11960).

–        condenar o ICVV nas despesas.

24      No entanto, a recorrente desistiu do seu segundo pedido apresentado a título subsidiário, o que foi registado na ata da audiência.

25      O ICVV conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        julgar o recurso parcialmente inadmissível;

–        julgar o recurso parcialmente improcedente;

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

26      A recorrente invoca três fundamentos de recurso, relativos, respetivamente, em substância, o primeiro, a um desvio de poder e a uma violação do artigo 57.o, n.o 3, do regulamento de base, o segundo, ao facto de o exame técnico estar viciada por diversos erros e, por último, o terceiro, a uma violação do direito de ser ouvido e a uma falta de fundamentação.

27      Depois de decidir da admissibilidade do primeiro pedido da recorrente, há que examinar, em primeiro lugar, a terceira parte do segundo fundamento e a segunda parte do terceiro fundamento, que dizem ambos respeito a uma falta de fundamentação da decisão impugnada.

 A título preliminar, quanto à admissibilidade do primeiro pedido da recorrente

28      Com o seu primeiro pedido, a recorrente pede ao Tribunal Geral que se digne, respetivamente, «anular a decisão impugnada e devolver o processo à Câmara de Recurso para nova decisão, com indicação no sentido de anular a decisão impugnada e de ordenar ao ICVV que realize um exame complementar nos termos do artigo 57.o, n.o 3, do regulamento de base».

29      Ora, importa recordar que, no âmbito de um recurso interposto para o juiz da União Europeia da decisão da Câmara de Recurso do ICVV, este deve, em conformidade com o artigo 73.o, n.o 6, do regulamento de base, tomar as medidas necessárias à execução do acórdão do juiz da União. Por conseguinte, não cabe ao Tribunal dirigir injunções ao ICVV, ao qual incumbe tirar as consequências do dispositivo e dos fundamentos dos acórdãos do juiz da União [v., neste sentido, Acórdão de 11 de julho de 2007, El Corte Inglés/IHMI — Bolaños Sabri (PiraÑAM diseño original Juan Bolaños), T‑443/05, EU:T:2007:219, n.o 20 e jurisprudência referida].

30      Portanto, o primeiro pedido é inadmissível na medida em que visa que o Tribunal Geral devolva o processo à Câmara de Recurso para nova decisão, com indicação no sentido de anular a decisão impugnada e de ordenar ao ICVV que realize um exame complementar nos termos do artigo 57.o, n.o 3, do regulamento de base.

 Quanto à terceira parte do segundo fundamento e à segunda parte do terceiro fundamento, relativas a uma falta de fundamentação da decisão impugnada

31      Em apoio da terceira parte do segundo fundamento e da segunda parte do terceiro fundamento, a recorrente invoca designadamente uma falta de fundamentação.

32      A este respeito, a recorrente alega, em substância, que a Câmara de Recurso não explicou as razões pelas quais, por um lado, não tinha tomado em consideração determinados elementos de prova que ela lhe tinha apresentado e que teriam sido suscetíveis de demonstrar, designadamente, que o claro marmoreado da variedade pedida se distinguia de forma suficientemente clara do da variedade de referência para as diferenciar (terceira parte do segundo fundamento) e, por outro, havia que confiar nas apreciações dos examinadores do organismo de exame e, por conseguinte, não ter em conta os elementos técnicos e os pareceres de peritos que a recorrente tinha apresentado em apoio do seu recurso (segunda parte do terceiro fundamento).

33      A título preliminar, importa recordar os princípios que determinam o alcance do exame que a Câmara de Recurso do ICVV deve efetuar.

34      Em primeiro lugar, há que recordar que a missão do ICVV se caracteriza por uma complexidade científica e técnica das condições de exame dos pedidos de concessão da proteção comunitária, pelo que lhe deve ser reconhecido um amplo poder de apreciação no exercício das suas funções (v. Acórdão de 19 de dezembro de 2012, Brookfield New Zealand e Elaris/ICVV e Schniga, C‑534/10 P, EU:C:2012:813, n.o 50 e jurisprudência referida). Esse poder de apreciação estende‑se, nomeadamente, à verificação do caráter distintivo de uma variedade, na aceção do artigo 7.o, n.o 1, do regulamento de base (v. Acórdão de 8 de junho de 2017, Schräder/ICVV, C‑625/15 P, EU:C:2017:435, n.o 46 e jurisprudência aí referida).

35      Todavia, o ICVV, enquanto organismo da União, está sujeito ao princípio da boa administração, em virtude do qual lhe compete examinar, com cuidado e imparcialidade, todos os elementos pertinentes de um pedido de concessão da proteção comunitária e reunir todos os elementos de facto e de direito necessários ao exercício do seu poder de apreciação. Deve ainda garantir a boa tramitação e a eficácia dos processos que leva a cabo (v. Acórdão de 8 de junho de 2017, Schniga/ICVV, C‑625/15 P, EU:C:2017:435, n.o 47 e jurisprudência referida).

36      Acresce que importa recordar que o artigo 76.o do regulamento de base prevê que «[n]o decurso dos processos perante o [ICVV] este procederá a averiguações oficiosas dos factos na medida em que os mesmos devam ser objeto de exame nos termos dos artigos 54.o e 55.o».

37      Além disso, o Tribunal de Justiça declarou que, nos termos do artigo 51.o do Regulamento (CE) n.o 874/2009 da Comissão, de 17 de setembro de 2009, que estabelece normas de execução do regulamento de base, no que respeita ao processo no ICVV (JO 2009, L 251, p. 3), as disposições relativas aos processos instaurados no ICVV são aplicáveis, mutatis mutandis, aos processos de recurso (Acórdão de 21 de maio de 2015, Schräder/ICVV, C‑546/12 P, EU:C:2015:332, n.o 46).

38      Assim, por um lado, o princípio do exame oficioso dos factos é também aplicável a esse processo na Câmara de Recurso (Acórdão de 21 de maio de 2015, Schräder/ICVV, C‑546/12 P, EU:C:2015:332, n.o 46). Por outro lado, a Câmara de Recurso está igualmente sujeita ao princípio da boa administração, em virtude do qual lhe compete examinar, com cuidado e imparcialidade, todos os elementos de facto e de direito pertinentes do caso de que conhece [Acórdão de 23 de novembro de 2017, Aurora/ICVV — SESVanderhave (M 02205), T‑140/15, EU:T:2017:830, n.o 74].

39      Em segundo lugar, o artigo 72.o do regulamento de base dispõe que a Câmara de Recurso pode exercer as competências da instância que tomou a decisão impugnada ou remeter o processo à referida instância para dar seguimento ao recurso.

40      A este respeito, importa recordar que, no que se refere ao artigo 71.o, n.o 1, do Regulamento (UE) 2017/1001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2017, sobre a marca da União Europeia (JO 2017, L 154, p. 1), que está redigido em termos semelhantes ao artigo 72.o do regulamento de base, foi reiteradamente declarado que decorre dessa disposição, bem como da economia do Regulamento 2017/1001, que a Câmara de Recurso dispõe, para decidir de um recurso, das mesmas competências que a instância que tomou a decisão impugnada e que a sua análise abrange a totalidade do litígio, tal como o mesmo se apresenta no momento em que delibera. Resulta também deste artigo que existe uma continuidade funcional entre as diferentes unidades do Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO) e as Câmaras de Recurso, da qual decorre que estas, no âmbito da reapreciação que devem fazer das decisões tomadas pelas unidades do EUIPO que decidem em primeira instância, devem basear a sua decisão em todos os elementos de facto e de direito que as partes tenham invocado quer no processo perante a unidade que decidiu em primeira instância quer no processo de recurso [v. Acórdão de 10 de julho de 2006, La Baronia de Turis/IHMI — Baron Philippe de Rothschild (LA BARONNIE), T‑323/03, EU:T:2006:197, n.os 56 a 58 e jurisprudência referida].

41      Além disso, foi declarado, quanto ao alcance do exame que as Câmaras de Recursos do EUIPO são obrigadas a fazer em relação à decisão que foi objeto do recurso, que este não depende do facto de a parte que interpôs recurso ter suscitado um fundamento específico em relação a essa decisão, criticando a interpretação ou a aplicação de uma regra de direito pela unidade do EUIPO que decidiu em primeira instância, ou ainda a apreciação, por essa unidade, de um elemento de prova. Assim, mesmo que a parte que interpôs o recurso na Câmara de Recurso não tenha suscitado um fundamento específico, a Câmara de Recurso é, apesar disso, obrigada a examinar, à luz de todos os elementos de direito e de facto pertinentes disponíveis, se uma nova decisão com o mesmo dispositivo que a decisão que foi objeto do recurso pode ou não ser legalmente adotada no momento em que é decidido o recurso [v. Acórdão de 8 de julho de 2004, Sunrider/IHMI — Espadafor Caba (VITAFRUIT), T‑203/02, EU:T:2004:225, n.o 21 e jurisprudência referida].

42      Deve considerar‑se que, tendo em conta a semelhança entre as disposições do Regulamento 2017/1001 e do regulamento de base, aplicam‑se princípios semelhantes aos procedimentos aplicados pelo ICVV.

43      Em terceiro lugar, importa recordar que, por força do artigo 75.o, primeira frase, do regulamento de base, as decisões do ICVV devem ser fundamentadas. O dever da fundamentação assim estabelecido tem o mesmo alcance que o consagrado no artigo 296.o TFUE e responde ao duplo objetivo de permitir, por um lado, aos interessados conhecerem as justificações da medida tomada a fim de defenderem os seus direitos e, por outro, ao juiz da União exercer a sua fiscalização sobre a legalidade da decisão [v. Acórdão de 23 de fevereiro de 2018 Schngiga/ICVV (Gala Schenico), T‑445/16, EU:T:2018:95, n.o 27 e jurisprudência referida].

44      O dever de fundamentação pode ser cumprido sem que seja necessário responder de expressa e exaustivamente a todos os argumentos apresentados por um recorrente, desde que o ICVV apresente os factos e as considerações jurídicas que revestem uma importância essencial na economia da decisão (v. Acórdão de 23 de fevereiro de 2018, Gala Schenico, T‑445/16, EU:T:2018:95, n.o 28 e jurisprudência referida).

45      No caso em apreço, importa previamente recordar que a questão de saber se, nomeadamente, o critério de distinção está preenchido é apreciada no âmbito de um exame técnico que, segundo o artigo 56.o do regulamento de base, deve ser realizado de acordo com os princípios orientadores estabelecidos pelo Conselho de Administração do ICVV e com as instruções dadas pelo ICVV. Esses princípios orientadores descrevem, nomeadamente, o material vegetal necessário para o exame técnico, os métodos a aplicar, as observações a apresentar e o quadro das características a examinar.

46      O Protocolo ICVV‑TP/14/2 descreve, por seu turno, os procedimentos técnicos a seguir para dar cumprimento ao regulamento de base.

47      Segundo o ponto III.5, última frase, do Protocolo ICVV‑TP/14/2, as características do fruto devem ser observadas no momento da maturação dos alimentos, que é, nos termos do ponto Ad 57 do referido protocolo, «o período em que o fruto atingiu uma cor, uma firmeza, uma textura, um aroma e um sabor ótimos para consumo». Dependendo do tipo de fruto, este período pode ocorrer diretamente após ser apanhado da árvore (as variedades precoces) ou após um período de armazenamento ou condicionamento (as variedades tardias). O momento da colheita é, por sua vez, definido como «o período ótimo para obter um fruto em condição máxima para ser comido», em conformidade com o ponto Ad 56 do mesmo protocolo.

48      Assim, tratando‑se de uma variedade tardia como no caso em apreço, para apreciar corretamente a distinção entre a variedade pedida e a variedade de referência, há que, por um lado, colher os frutos das variedades respetivas no momento ótimo para obter frutos em condição máxima para serem comidos e, por outro, efetuar as observações das características dos frutos quando estes tenham atingido o seu ponto de maturação, ou seja, quando tenham obtido uma cor, uma firmeza, uma textura, um aroma e um sabor ótimos para consumo.

49      Daqui resulta que, na hipótese de a colheita ocorrer numa altura que não permita a obtenção de uma cor, uma firmeza, uma textura, um aroma e um sabor ótimos dos frutos e de a observação das características ser efetuada num momento em que os frutos não atingiram a sua maturação, haveria necessariamente que considerar que os critérios relativos ao tempo da colheita e ao tempo de maturação dos alimentos não estavam preenchidos, o que, consequentemente, impediria uma apreciação comparativa correta da variedade pedida e da variedade de referência.

50      No caso em apreço, não se pode excluir que as críticas formuladas pela recorrente quanto à pretensa inobservância dos critérios do protocolo relativos ao momento da colheita e ao momento da maturação dos alimentos eram suscetíveis, se se revelassem verdadeiras, ter um impacto na questão de saber se a apreciação da distinção tinha sido efetuada em conformidade com o protocolo. Consequentemente, cabe à Câmara de Recurso pronunciar‑se a seu respeito, na medida em que essas considerações revestem, com efeito, uma importância essencial na economia da decisão que compete à Câmara de Recurso tomar no termo do exame que lhe incumbe efetuar em conformidade com os princípios recordados nos n.os 34 a 42, supra.

51      Ora, cumpre declarar que, em resposta aos argumentos apresentados pela recorrente contra as apreciações do GEVES no que respeita, em especial, por um lado, à data da colheita e às considerações relativas ao índice de regressão do amido e, por outro, à data de maturação dos alimentos, a Câmara de Recurso (v. n.o 21, supra) limitou‑se, por um lado, a considerar que os critérios a aplicar estavam efetivamente definidos de forma vaga, mas que, na sua opinião, tinham sido «aplicados» e, por outro, a indicar que confiava nas conclusões dos peritos, sem todavia explicar de modo algum por que razão os argumentos técnicos e os elementos de prova, em especial, os relatórios de peritos apresentados pela recorrente, não eram pertinentes e, consequentemente, deviam ser afastado.

52      A decisão impugnada não revela, portanto, de forma clara e inequívoca, o raciocínio da Câmara de Recurso que a levou a basear‑se nas constatações lacunares do GEVES e a afastar a argumentação apresentada pela recorrente.

53      A este respeito, importa ainda salientar que, no que se refere à variedade de referência, o quadro elaborado pelo GEVES em apoio do seu relatório de exame (v. n.o 17, supra) não contém, no que diz respeito ao ano de 2012, nenhuma indicação relativa, respetivamente, ao índice de regressão do amido — ao passo que o próprio ICVV reconheceu que se tratava de um critério determinante —, à firmeza, à acidez e ao índice refratométrico.

54      Acresce que o ICVV, interrogado sobre esse assunto na audiência, não forneceu nenhuma explicação suscetível de permitir compreender a falta desses elementos.

55      O mesmo se diga no que respeita à data precisa em que o ICVV efetuou os exames relativos às características dos frutos que alcançaram o ponto de maturação para as mutações da Braeburn, que não figura no relatório do GEVES e a respeito da qual o ICVV não pôde esclarecer o Tribunal na audiência.

56      Consequentemente, cumpre declarar que o raciocínio que conduziu a Câmara de Recurso a afastar os argumentos apresentados pela recorrente é de tal forma deficiente que há que considerar que a fundamentação da decisão controvertida não existe ou é, no mínimo, insuficiente.

57      Por conseguinte, há que acolher a terceira parte do segundo fundamento e a segunda parte do terceiro fundamento, relativos a uma violação do dever de fundamentação estabelecido no artigo 75.o do regulamento de base e, consequentemente, anular a decisão impugnada, sem que seja necessário pronunciar‑se sobre as outras partes invocadas em apoio do segundo e terceiro fundamentos nem sobre o primeiro fundamento.

 Quanto às despesas

58      Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o ICVV sido vencido no essencial dos seus pedidos, há que condená‑lo nas despesas, de acordo com o pedido da recorrente.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção),

decide:

1)      A Decisão da Câmara de Recurso do Instituto Comunitário das Variedades Vegetais (ICVV) de 15 de dezembro de 2015 (processo A 001/2015), relativa a um pedido de concessão da proteção comunitária das variedades vegetais para a variedade vegetal Braeburn 78, é anulada.

2)      É negado provimento ao recurso quanto ao restante.

3)      O ICVV é condenado nas despesas.

Frimodt Nielsen

Kreuschitz

Półtorak

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 5 de fevereiro de 2019.

Assinaturas


*      Língua do processo: alemão.