Language of document : ECLI:EU:C:2019:672

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

5 de setembro de 2019 (*)

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Ação de indemnização — Artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE — Duração excessiva do processo no Tribunal Geral da União Europeia — Reparação do prejuízo alegadamente sofrido pela recorrente — Não aplicação do conceito de “empresa única” — Prejuízos materiais — Despesas de garantia bancária — Nexo de causalidade — Lucros cessantes — Dano moral — Responsabilidade da União Europeia pelos danos causados pelas violações do direito da União decorrentes de uma decisão do Tribunal Geral — Inexistência de responsabilidade»

Nos processos apensos C‑447/17 P e C‑479/17 P,

que têm por objeto dois recursos de uma decisão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interpostos, respetivamente, em 25 de julho de 2017 e 8 de agosto de 2017,

União Europeia, representada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, representado inicialmente por J. Inghelram e K. Sawyer, e em seguida por J. Inghelram, na qualidade de agentes,

recorrente,

sendo as outras partes no processo:

Guardian Europe Sàrl, com sede em Bertrange (Luxemburgo), representada por C. O’Daly, solicitor, e F. Louis, avocat,

demandante em primeira instância,

União Europeia, representada pela Comissão Europeia, representada por N. Khan, A. Dawes e C. Urraca Caviedes, na qualidade de agentes,

demandada em primeira instância (C‑447/17 P),

e

Guardian Europe Sàrl, com sede em Bertrange, representada por C. O’Daly, solicitor, e F. Louis, avocat,

recorrente,

sendo as outras partes no processo:

União Europeia, representada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, representado inicialmente por J. Inghelram e K. Sawyer, e em seguida por J. Inghelram, na qualidade de agentes,

União Europeia, representada pela Comissão Europeia, representada por N. Khan, A. Dawes e C. Urraca Caviedes, na qualidade de agentes,

demandadas em primeira instância (C‑479/17 P),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: R. Silva de Lapuerta (relatora), vice‑presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de presidente da Primeira Secção, J.‑C. Bonichot, E. Regan, C. G. Fernlund e S. Rodin, juízes,

advogado‑geral: Y. Bot,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 16 de maio de 2019,

profere o presente

Acórdão

1        Com os respetivos recursos, por um lado, a União Europeia, representada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (C‑447/17 P), e, por outro, a Guardian Europe Sàrl (C‑479/17 P) pedem a anulação parcial do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 7 de junho de 2017, Guardian Europe/União Europeia (T‑673/15, a seguir «acórdão recorrido», EU:T:2017:377), pelo qual este, por um lado, condenou a União Europeia, representada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, a pagar uma indemnização no montante de 654 523,43 euros à Guardian Europe a título do prejuízo material sofrido por esta sociedade em consequência da violação do prazo razoável de julgamento no processo que deu origem ao Acórdão de 27 de setembro de 2012, Guardian Industries e Guardian Europe/Comissão (T‑82/08, EU:T:2012:494) (a seguir «processo T‑82/08»), e, por outro, negou provimento ao recurso quanto ao restante.

 Quadro jurídico

 Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia

2        O artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia prevê:

«Pode ser interposto recurso para o Tribunal de Justiça das decisões do Tribunal Geral que ponham termo à instância, bem como das decisões que apenas conheçam parcialmente do mérito da causa ou que ponham termo a um incidente processual relativo a uma exceção de incompetência ou a uma questão prévia de inadmissibilidade. O recurso deve ser interposto no prazo de dois meses a contar da notificação da decisão impugnada.

O recurso pode ser interposto por qualquer das partes que tenha sido total ou parcialmente vencida […]»

 Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça

3        Nos termos do artigo 174.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, «[o]s pedidos formulados na resposta devem ter por objeto que seja dado ou negado provimento, total ou parcial, ao recurso».

4        O artigo 176.o deste regulamento tem a seguinte redação:

«1.      As partes a que se refere o artigo 172.o do presente regulamento podem apresentar um recurso subordinado no prazo previsto para a apresentação da resposta.

2.      O recurso subordinado deve ser apresentado em requerimento separado, distinto da resposta.»

5        O artigo 178.o do referido regulamento enuncia:

«1.      Os pedidos do recurso subordinado devem ter por objeto a anulação, total ou parcial, da decisão do Tribunal Geral, tal como figura no dispositivo dessa decisão.

2.      Podem igualmente ter por objeto a anulação de uma decisão, expressa ou tácita, relativa à admissibilidade do recurso interposto para o Tribunal Geral.

[…]»

 Antecedentes do litígio

6        Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 12 de fevereiro de 2008, a Guardian Industries Corp. e a Guardian Europe interpuseram recurso da Decisão C(2007) 5791 final da Comissão, de 28 de novembro de 2007, relativa a um processo de aplicação do artigo [101.o TFUE] e do artigo 53.o do Acordo EEE (processo COMP/39165 — Vidro plano) (a seguir «decisão controvertida»). Na petição, essas sociedades pediram, em substância, que o Tribunal Geral anulasse parcialmente essa decisão, na parte em que lhes diz respeito, e que reduzisse o montante da coima que lhes foi aplicada na referida decisão.

7        Por Acórdão de 27 de setembro de 2012, Guardian Industries e Guardian Europe/Comissão (T‑82/08, EU:T:2012:494), o Tribunal Geral negou provimento ao recurso.

8        Por petição que deu entrada em 10 de dezembro de 2012, a Guardian Industries e a Guardian Europe interpuseram recurso do Acórdão de 27 de setembro de 2012, Guardian Industries e Guardian Europe/Comissão (T‑82/08, EU:T:2012:494).

9        Por Acórdão de 12 de novembro de 2014, Guardian Industries e Guardian Europe/Comissão (C‑580/12 P, EU:C:2014:2363), o Tribunal de Justiça, em primeiro lugar, anulou o Acórdão de 27 de setembro de 2012, Guardian Industries e Guardian Europe/Comissão (T‑82/08, EU:T:2012:494), na medida em que este acórdão julgou improcedente o fundamento relativo a uma violação do princípio da não discriminação em sede do cálculo do montante da coima solidariamente aplicada à Guardian Industries e à Guardian Europe e condenou estas últimas a suportar as despesas. Em segundo lugar, o Tribunal de Justiça anulou o artigo 2.o da decisão controvertida na parte em que fixava o montante da coima solidariamente aplicada à Guardian Industries e à Guardian Europe em 148 000 000 euros. Em terceiro lugar, o Tribunal de Justiça fixou em 103 600 000 euros o montante da coima solidariamente aplicada à Guardian Industries e à Guardian Europe pela infração considerada provada do artigo 1.o da decisão controvertida. Em quarto lugar, o Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso quanto ao restante. Em quinto lugar, o Tribunal de Justiça procedeu à repartição das despesas.

 Tramitação do processo no Tribunal Geral e acórdão recorrido

10      Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 19 de novembro de 2015, a Guardian Europe intentou uma ação baseada no artigo 268.o TFUE e no artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE contra a União Europeia, representada pela Comissão e pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, através da qual pretendia ser ressarcida do prejuízo que alegadamente sofreu devido, por um lado, à duração excessiva do processo T‑82/08 e, por outro, à violação do princípio da igualdade de tratamento cometida na decisão controvertida e no Acórdão de 27 de setembro de 2012, Guardian Industries e Guardian Europe/Comissão (T‑82/08, EU:T:2012:494).

11      No acórdão recorrido, o Tribunal Geral decidiu:

«1)      A União Europeia, representada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, é condenada a pagar uma indemnização de 654 523,43 euros à Guardian Europe […] a título do prejuízo material sofrido por esta sociedade em razão da violação do prazo razoável de julgamento no [processo T‑82/08]. Esta indemnização será acrescida de juros compensatórios a contar de 27 de julho de 2010 [e] até à prolação do presente acórdão, à taxa de inflação anual declarada, para o período em questão, pelo Eurostat (Serviço de Estatística da União Europeia) no Estado‑Membro de estabelecimento dessa sociedade.

2)      A indemnização referida no n.o 1 será acrescida de juros de mora, a contar da prolação do presente acórdão e até integral pagamento, à taxa fixada pelo Banco Central Europeu (BCE) para as suas operações principais de refinanciamento, acrescida de dois pontos de percentagem.

3)      A ação é julgada improcedente quanto ao restante.

4)      A Guardian Europe suportará as despesas efetuadas pela União, representada pela Comissão Europeia.

5)      A Guardian Europe, por um lado, e a União, representada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, por outro, suportarão as suas próprias despesas.»

 Pedidos das partes

12      Através do recurso que interpôs no processo C‑447/17 P, a União Europeia, representada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, pede ao Tribunal de Justiça que:

–        anule o n.o 1 da parte decisória do acórdão recorrido;

–        julgue improcedente o pedido da Guardian Europe, formulado em primeira instância, destinado a obter uma indemnização de um montante de 936 000 euros relativo a despesas de garantia bancária a título de indemnização pelo prejuízo que alegadamente sofreu devido ao não cumprimento da obrigação de proferir acórdão num prazo razoável no âmbito do processo T‑82/08 ou, apenas a título subsidiário, reduza essa indemnização para um montante de 299 251,64 euros, acrescido de juros compensatórios calculados tendo em conta o facto de esse montante ser composto por diferentes montantes que se tornaram exigíveis em diferentes momentos; e

–        condene a Guardian Europe nas despesas.

13      A Guardian Europe pede ao Tribunal de Justiça que:

–        negue provimento ao recurso; e

–        condene a recorrente nas despesas.

14      A União Europeia, representada pela Comissão, pede ao Tribunal de Justiça que:

–        dê provimento ao recurso na sua totalidade; e

–        condene a Guardian Europe nas despesas.

15      Com o seu recurso no processo C‑479/17 P, a Guardian Europe pede ao Tribunal de Justiça que:

–        anule o acórdão recorrido, por no n.o 3 da parte decisória se ter julgado parcialmente improcedente o pedido de indemnização da Guardian Europe baseado no artigo 268.o TFUE e no artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE;

–        condene a União Europeia, representada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, a indemnizá‑la pelos danos que sofreu em virtude de o Tribunal Geral não ter respeitado as exigências relativas ao facto de o acórdão dever ser proferido dentro de um prazo razoável, nos seguintes montantes, a que acrescem, por um lado, juros compensatórios contados de 27 de julho de 2010 até à data em que no presente processo for proferido o correspondente acórdão, à taxa de inflação anual apurada, relativamente ao período em causa, pelo Eurostat no Estado‑Membro em que a Guardian Europe se encontra estabelecida, e, por outro, juros de mora contados da data em que no presente processo for proferido o correspondente acórdão, à taxa definida pelo BCE para as suas operações principais de refinanciamento, acrescida de dois pontos percentuais:

–        1 388 000 euros a título de custos de oportunidade ou de lucros cessantes;

–        143 675,78 euros a título de despesas de garantia bancária;

–        a título de danos morais, um montante determinado sob a forma de uma percentagem adequada da coima aplicada à Guardian Europe na decisão controvertida;

–        condene a União Europeia, representada pela Comissão e pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, a indemnizá‑la pelos danos que sofreu em virtude de a Comissão e o Tribunal Geral terem violado o princípio da igualdade de tratamento, nos seguintes montantes, a que acrescem, por um lado, juros compensatórios contados de 19 de novembro de 2010 até à data em que no presente processo for proferido o correspondente acórdão, à taxa de inflação anual apurada, relativamente ao período em causa, pelo Eurostat no Estado‑Membro em que a Guardian Europe se encontra estabelecida, e, por outro, juros de mora contados da data em que no presente processo for proferido o correspondente acórdão, à taxa definida pelo BCE para as suas operações principais de refinanciamento, acrescida de dois pontos percentuais:

–        7 712 000 euros a título de custos de oportunidade ou de lucros cessantes;

–        a título de danos morais, uma percentagem adequada da coima aplicada à Guardian na decisão controvertida;

–        a título subsidiário, remeta o processo ao Tribunal Geral; e

–        condene a União Europeia, representada pela Comissão e pelo Tribunal de Justiça de União Europeia, nas despesas.

16      A União Europeia, representada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, pede ao Tribunal de Justiça que:

–        negue provimento ao recurso; e

–        condene a Guardian Europe nas despesas.

17      A União Europeia, representada pela Comissão, pede ao Tribunal de Justiça que:

–        negue provimento ao presente recurso na parte em que é interposto contra a Comissão; e

–        condene a Guardian Europe nas suas próprias despesas, bem como nas da União Europeia, representada pela Comissão.

18      Através do seu recurso subordinado no processo C‑479/17 P, a União Europeia, representada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, pede ao Tribunal de Justiça que:

–        anule a decisão de indeferimento da exceção de inadmissibilidade do pedido de indemnização pelo lucro cessante;

–        declare inadmissível o pedido de indemnização pelo lucro cessante apresentado pela Guardian Europe; e

–        condene a Guardian Europe nas despesas.

19      A Guardian Europe pede ao Tribunal de Justiça que:

–        negue provimento ao recurso subordinado; e

–        condene a União Europeia, representada pelo Tribunal de Justiça de União Europeia, nas despesas.

20      Por Decisão da vice‑presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de presidente da Primeira Secção, de 3 de junho de 2019, os processos C‑447/17 P e C‑479/17 P foram apensados para efeitos do acórdão.

 Quanto ao recurso no processo C447/17 P

21      No seu recurso no processo C‑447/17 P, a União Europeia, representada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, invoca quatro fundamentos. No entanto, por carta de 7 de janeiro de 2019, desistiu do primeiro, terceiro e quarto fundamentos invocados em apoio do seu recurso.

 Argumentos das partes

22      Em apoio do seu segundo e, após a sua desistência parcial, único fundamento de recurso, a União Europeia, representada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, recorrente no processo C‑447/17 P, alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito na interpretação do conceito de «nexo de causalidade», ao considerar, no n.o 161 do acórdão recorrido, que existe um nexo de causalidade suficientemente direto entre a violação do prazo razoável de julgamento no processo T‑82/08 e o prejuízo sofrido pela Guardian Europe devido ao pagamento de despesas de garantia bancária durante o período correspondente à ultrapassagem do referido prazo.

23      Em particular, a recorrente no presente recurso, no processo C‑447/17 P, considera que o Tribunal Geral se baseou na premissa errada de que a opção de constituir uma garantia bancária se exerce num só e único momento, ou seja, no momento da «escolha inicial» de constituir essa garantia. Ora, uma vez que a obrigação de pagar a coima existia durante todo o processo nos órgãos jurisdicionais da União, a Guardian Europe tinha a possibilidade de pagar a coima e de executar assim a obrigação que lhe incumbia a este respeito. Tendo a possibilidade de pagar a coima, em qualquer momento, a própria escolha feita por essa sociedade de substituir esse pagamento por uma garantia bancária é uma escolha continuada, que fez ao longo do processo. Deste modo, a causa determinante do pagamento das despesas de garantia bancária reside na sua própria escolha de não pagar a totalidade da coima e de substituir esse pagamento por uma garantia bancária, e não na violação do prazo razoável de julgamento.

24      Além disso, os factos no presente processo também confirmam essa interpretação. Com efeito, como resulta do n.o 156 do acórdão recorrido, a Guardian Europe anulou a garantia bancária em 2 de agosto de 2013, numa data que não tinha qualquer nexo com o processo pendente nos órgãos jurisdicionais da União, ou seja, dez meses depois da prolação do Acórdão de 27 de setembro de 2012, Guardian Industries e Guardian Europe/Comissão (T‑82/08, EU:T:2012:494), e dezasseis meses antes da prolação do Acórdão de 12 de novembro de 2014, Guardian Industries e Guardian Europe/Comissão (C‑580/12 P, EU:C:2014:2363).

25      A União Europeia, representada pela Comissão, apoia os argumentos invocados pela recorrente no processo C‑447/17 P.

26      A Guardian Europe, recorrida no processo C‑447/17 P, alega que o atraso do Tribunal Geral foi, no caso em apreço, a única razão que esteve na origem das despesas de garantia bancária suplementares em que esta sociedade teve de incorrer, não lhe cabendo qualquer responsabilidade a este respeito. Neste contexto, a Guardian Europe sublinha que não violou nenhuma regra de direito quando decidiu prestar uma garantia bancária à Comissão, sendo esta escolha, pelo contrário, perfeitamente legal. Por conseguinte, se o Tribunal de Justiça viesse a considerar que a opção legal de constituir uma garantia bancária desencadeava a «responsabilidade» da Guardian Europe, o recurso por violação dos direitos protegidos no artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») seria privado de qualquer efetividade quando uma empresa optasse por cobrir uma parte da sua coima com uma garantia.

27      A Guardian Europe salienta que existe uma distinção entre, por um lado, as despesas de garantia bancária efetuadas no decurso do prazo razoável de julgamento, as quais, em aplicação da jurisprudência decorrente, nomeadamente, do Acórdão de 21 de abril de 2005, Holcim (Deutschland)/Comissão (T‑28/03, EU:T:2005:139), e do Despacho de 12 de dezembro de 2007, Atlantic Container Line e o./Comissão (T‑113/04, não publicado, EU:T:2007:377), não são recuperáveis, e, por outro, as despesas de garantia bancária efetuadas depois do referido prazo.

28      A este respeito, baseando‑se no n.o 62 do Acórdão de 21 de abril de 2005, Holcim (Deutschland)/Comissão (T‑28/03, EU:T:2005:139), a Guardian Europe sublinha que uma das razões principais pelas quais os órgãos jurisdicionais da União Europeia consideraram que as despesas de garantia bancária não são recuperáveis quando uma decisão da Comissão que aplica uma coima é anulada reside no facto de que as despesas ligadas à garantia bancária já efetuadas teriam de ser pagas aos bancos fosse qual fosse o resultado final do recurso de anulação. Ora, este raciocínio não pode claramente ser aplicável ao presente processo, uma vez que a Guardian Europe não tinha de pagar despesas de garantia bancária suplementares se o Tribunal Geral tivesse decidido sobre o seu recurso num prazo razoável.

29      A Guardian Europe pede ao Tribunal de Justiça que rejeite os argumentos apresentados pela recorrente no processo C‑447/17 P relativamente à qualificação da opção de constituir uma garantia bancária como «escolha continuada» e que confirme a análise efetuada pelo Tribunal Geral no n.o 160 do acórdão recorrido.

30      A Guardian Europe acrescenta que, segundo o direito dos Estados‑Membros, o nexo de causalidade só é interrompido se o comportamento da vítima for culposo. Ora, no caso em apreço, o comportamento desta sociedade não pode ser considerado culposo uma vez que tentou ativamente acelerar o processo no Tribunal Geral e contactou várias vezes a Secretaria para se informar sobre o estado do processo.

31      A Guardian Europe conclui, assim, pela improcedência deste fundamento.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

32      Importa recordar que, como o Tribunal de Justiça já sublinhou, o requisito relativo ao nexo de causalidade exigido no artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE incide sobre a existência de um nexo suficientemente direto de causa e efeito entre o comportamento das instituições da União e o dano, nexo que cabe ao recorrente provar, de modo que esse comportamento imputado deve ser a causa determinante do dano (Acórdão de 13 de dezembro de 2018, União Europeia/Kendrion, C‑150/17 P, EU:C:2018:1014, n.o 52 e jurisprudência referida).

33      Há portanto que verificar se a violação do prazo razoável de julgamento no processo T‑82/08 é a causa determinante do prejuízo resultante do pagamento de despesas de garantia bancária durante o período correspondente à ultrapassagem do referido prazo para demonstrar a existência de um nexo direto de causa e efeito entre o comportamento censurado à União Europeia, representada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, e o dano alegado.

34      A este respeito, há que observar que, no âmbito de uma ação de indemnização intentada contra a Comissão, destinada a obter, nomeadamente, o reembolso das despesas com a garantia suportadas pelos recorrentes, a fim de obter a suspensão de decisões de recuperação das restituições em causa, decisões que foram posteriormente retiradas, o Tribunal de Justiça declarou que, quando uma decisão que impõe o pagamento de uma coima é acompanhada da faculdade de prestar uma caução destinada a garantir o referido pagamento e os juros de mora, enquanto se aguarda o desfecho de um recurso interposto dessa decisão, o dano que consiste nas despesas com a garantia resulta, não da referida decisão, mas da própria escolha do interessado de prestar uma garantia em vez de cumprir imediatamente a obrigação de reembolso. Nestas condições, o Tribunal de Justiça demonstrou que não existia qualquer nexo causal direto entre o comportamento censurado à Comissão e o prejuízo alegado (v., neste sentido, Acórdão de 28 de fevereiro de 2013, Inalca e Cremonini/Comissão, C‑460/09 P, EU:C:2013:111, n.os 118 e 120).

35      Ora, o Tribunal Geral considerou, no n.o 160 do acórdão recorrido, que o nexo entre o facto de ter sido excedido o prazo razoável de julgamento no processo T‑82/08 e o pagamento das despesas de garantia bancária durante o período em que o prazo foi ultrapassado não podia ter sido interrompido pela escolha inicial da Guardian Europe de não pagar imediatamente uma parte da coima aplicada pela decisão controvertida e de constituir uma garantia bancária.

36      Em especial, como resulta do referido n.o 160 do acórdão recorrido, as duas circunstâncias em que o Tribunal Geral se baseou para chegar à conclusão enunciada no número anterior do presente acórdão são, por um lado, que, na data em que a Guardian Europe interpôs o seu recurso no processo T‑82/08, e naquela em que esta sociedade constituiu uma garantia bancária, a violação do prazo razoável de julgamento era imprevisível, e a referida empresa podia legitimamente esperar que o seu recurso fosse tratado num prazo razoável e, por outro, que o prazo razoável de julgamento foi excedido posteriormente à escolha inicial da Guardian Europe de constituir uma garantia bancária.

37      Ora, estas duas circunstâncias não podem ser relevantes para considerar que o nexo de causalidade entre a violação do prazo razoável de julgamento, no âmbito do processo T‑82/08, e o prejuízo sofrido pela Guardian Europe, devido ao pagamento de despesas de garantia bancária durante o período correspondente à ultrapassagem do referido prazo, não pode ter sido quebrado pela escolha desta empresa de constituir a referida garantia (v. Acórdão de 13 de dezembro de 2018, União Europeia/Kendrion, C‑150/17 P, EU:C:2018:1014, n.o 57).

38      Com efeito, só não seria assim se a manutenção da garantia bancária revestisse um caráter obrigatório, de modo a que a empresa que interpôs um recurso da decisão da Comissão que lhe aplicava uma coima, e que escolheu constituir uma garantia bancária a fim de não executar imediatamente essa decisão, não tivesse o direito, antes da data da prolação do acórdão no âmbito desse recurso, de pagar a referida coima e de pôr termo à garantia bancária que tinha constituído (Acórdão de 13 de dezembro de 2018, União Europeia/Kendrion, C‑150/17 P, EU:C:2018:1014, n.o 58 e jurisprudência aí referida).

39      Ora, como o Tribunal de Justiça já declarou, da mesma forma que a constituição da garantia bancária, a sua manutenção depende da livre apreciação da empresa em causa à luz dos seus interesses financeiros. Com efeito, nada no direito da União impede essa empresa de pôr termo, a qualquer momento, à garantia bancária que constituiu e de pagar a coima aplicada, quando, tendo em conta a avaliação das circunstâncias relativamente às existentes na data da constituição dessa garantia, a referida empresa considerar que esta opção é para ela mais vantajosa. Tal poderia acontecer, nomeadamente, quando o decurso do processo no Tribunal Geral conduz a empresa em questão a considerar que o acórdão será proferido numa data posterior à que tinha inicialmente considerado e que, consequentemente, o custo da garantia bancária será superior ao que tinha inicialmente previsto, quando da constituição da mesma (Acórdão de 13 de dezembro de 2018, União Europeia/Kendrion, C‑150/17 P, EU:C:2018:1014, n.o 59 e jurisprudência aí referida).

40      No caso em apreço, tendo em conta o facto de, por um lado, em 12 de fevereiro de 2010, ou seja, dois anos após a apresentação da petição no âmbito do processo T‑82/08, a abertura da fase oral neste processo ainda não ter ocorrido, como resulta das considerações feitas pelo Tribunal Geral no n.o 133 do acórdão recorrido, e de, por outro, o prazo que a própria Guardian Europe considerou, na sua petição em primeira instância, como sendo o prazo normal para o tratamento de um processo como o T‑82/08 ser precisamente de dois anos, não se pode deixar de observar que, o mais tardar em 12 de fevereiro de 2010, a Guardian Europe não podia ignorar que a duração da tramitação do referido processo ia exceder largamente a que tinha inicialmente previsto, e que poderia reconsiderar a conveniência de manter a garantia bancária, atendendo aos custos suplementares que a manutenção dessa garantia poderia envolver.

41      Nestas condições, a violação do prazo razoável de julgamento no processo T‑82/08 não pode ser a causa determinante do prejuízo sofrido pela Guardian Europe devido ao pagamento de despesas de garantia bancária no decurso do período correspondente à ultrapassagem desse prazo. Com efeito, tal prejuízo resulta da própria escolha da Guardian Europe de manter a garantia bancária durante a tramitação desse processo, apesar das consequências financeiras que isso implicava (v. Acórdão de 13 de dezembro de 2018, União Europeia/Kendrion, C‑150/17 P, EU:C:2018:1014, n.o 61).

42      Resulta das considerações expostas que, ao considerar que existe um nexo de causalidade suficientemente direto entre a violação do prazo razoável de julgamento no processo T‑82/08 e as perdas sofridas pela Guardian Europe devido ao pagamento de despesas de garantia bancária durante o período correspondente à ultrapassagem desse prazo, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito na interpretação do conceito de «nexo de causalidade».

43      Por conseguinte, devendo este fundamento ser julgado procedente, há que dar provimento ao recurso no processo C‑447/17 P e anular o n.o 1 da parte decisória do acórdão recorrido.

 Quanto ao recurso subordinado no processo C479/17 P

 Argumentos das partes

44      Com o seu fundamento único invocado em apoio do seu recurso subordinado no processo C‑479/17 P, que deve ser analisado antes do recurso principal neste processo, a União Europeia, representada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, recorrente no referido recurso subordinado, alega que, ao julgar improcedente, no n.o 65 do acórdão recorrido, a exceção de inadmissibilidade baseada no facto de que o ressarcimento do lucro cessante invocado pela Guardian Europe aniquilaria os efeitos jurídicos de uma decisão definitiva, a saber, concretamente, a Decisão da Comissão de 23 de dezembro de 2014 (a seguir «Decisão de dezembro de 2014»), o Tribunal Geral cometeu um erro de direito.

45      A recorrente no recurso subordinado no processo C‑479/17 P, partindo do facto de que os juros que a Comissão pagou à Guardian Europe, em conformidade com a Decisão de dezembro de 2014, visam reparar o prejuízo que essa sociedade sofreu devido à privação do gozo do montante da coima indevidamente pago, sustenta que o pedido de indemnização a título de lucro cessante apresentado pela Guardian Europe tende, em definitivo, a obter a reparação deste prejuízo a uma taxa superior à que é utilizada pela Comissão na referida decisão.

46      Ora, para poder aspirar a uma taxa de rendimento mais elevada sobre o montante de que a Guardian Europe não pôde dispor devido ao pagamento indevido da coima aplicada, esta sociedade devia ter interposto um recurso de anulação da referida decisão. Assim, contrariamente às conclusões constantes do n.o 64 do acórdão recorrido, este pedido de indemnização tem o mesmo objeto e o mesmo efeito que um pedido de anulação da Decisão de dezembro de 2014.

47      Nestas condições, o Tribunal Geral devia ter aplicado o princípio segundo o qual uma decisão definitiva não pode ser posta em causa pela via de uma ação de indemnização com o mesmo objeto e o mesmo efeito daqueles que teria um recurso de anulação, que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, e nomeadamente dos Acórdãos de 15 de dezembro de 1966, Schreckenberg/Comissão (59/65, EU:C:1966:60), e de 14 de fevereiro de 1989, Bossi/Comissão (346/87, EU:C:1989:59, n.os 31 a 35), e do Despacho de 4 de outubro de 2010, Ivanov/Comissão (C‑532/09 P, não publicado, EU:C:2010:577, n.os 23 a 25), e, por conseguinte, devia ter julgado inadmissível o pedido de indemnização formulado pela Guardian Europe no que respeita a um alegado lucro cessante.

48      A Guardian Europe contesta os argumentos da recorrente no recurso subordinado no processo C‑479/17 P.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

49      Importa recordar que, segundo jurisprudência constante, a ação de indemnização, baseada no artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE, foi instituída como via autónoma, com uma função particular no âmbito do sistema dos meios processuais e subordinada a condições de exercício concebidas tendo em vista o seu objetivo específico, de modo que a declaração de inadmissibilidade do pedido de anulação não acarreta automaticamente a do pedido de indemnização (Despacho de 21 de junho de 1993, Van Parijs e o./Conselho e Comissão, C‑257/93, EU:C:1993:249, n.o 14 e jurisprudência referida).

50      No entanto, embora uma parte possa agir através de uma ação de indemnização sem estar obrigada por nenhuma disposição a pedir a anulação do ato ilegal que lhe causa prejuízo, não pode todavia contornar por esse meio a inadmissibilidade de um pedido que visa a mesma ilegalidade e tem os mesmos objetivos pecuniários (Despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 26 de outubro de 1995, Pevasa e Inpesca/Comissão, C‑199/94 P e C‑200/94 P, EU:C:1995:360, n.o 27 e a jurisprudência referida).

51      Assim, uma ação de indemnização deve ser declarada inadmissível quando, na realidade, se destine a obter a revogação de uma decisão individual que se tornou definitiva e que, caso fosse aceite, teria como consequência a eliminação dos efeitos jurídicos dessa decisão. É o que acontece quando a recorrente pretende, através de um pedido de indemnização, obter um resultado idêntico ao que teria obtido através da procedência de um recurso de anulação que não interpôs em tempo útil (v., neste sentido, Despacho de 4 de outubro de 2010, Ivanov/Comissão, C‑532/09 P, não publicado, EU:C:2010:577, n.os 23, 24 e jurisprudência referida).

52      Há que verificar, como sustenta a recorrente no recurso subordinado no processo C‑479/17 P, se o pedido de indemnização apresentado pela Guardian Europe, com base no artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE, a fim de obter a reparação do prejuízo relativo ao alegado lucro cessante, visa obter um resultado idêntico ao de um recurso de anulação que tivesse sido interposto contra a Decisão de dezembro de 2014.

53      Como resulta do n.o 24 do acórdão recorrido, com a sua ação de indemnização, a Guardian Europe pediu, nomeadamente, a reparação do prejuízo que alegadamente sofreu em razão, por um lado, da duração da tramitação no processo T‑82/08 e, por outro, da violação do princípio da igualdade de tratamento cometida na decisão controvertida e no Acórdão de 27 de setembro de 2012, Guardian Industries e Guardian Europe/Comissão (T‑82/08, EU:T:2012:494), que consiste em lucros cessantes ligados à diferença entre, por um lado, os juros reembolsados pela Comissão sobre uma parte do montante da coima que acabou por ser julgada indevida pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 12 de novembro de 2014, Guardian Industries e Guardian Europe/Comissão (C‑580/12 P, EU:C:2014:2363), e, por outro, que poderia ter obtido se, em vez de pagar à Comissão a quantia julgada indevida pelo Tribunal de Justiça, a demandante a tivesse investido nas suas atividades.

54      Por outro lado, como resulta dos n.os 54 e 55 do acórdão recorrido, pela sua Decisão de dezembro de 2014, a Comissão reembolsou uma parte do montante da coima considerada indevida pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 12 de novembro de 2014, Guardian Industries e Guardian Europe/Comissão (C‑580/12 P, EU:C:2014:2363), e pagou juros sobre este montante que ascenderam a 988 620 euros.

55      No que respeita a esta decisão, importa recordar que, como o Tribunal de Justiça já salientou, resulta do artigo 266.o, primeiro parágrafo, TFUE que a instituição de que emane o ato anulado deve tomar as medidas necessárias à execução do acórdão que declara esse ato nulo e sem efeito. Isto implica, designadamente, o pagamento das quantias devidas e a repetição do indevido, bem como o pagamento de juros de mora. Neste contexto, o Tribunal de Justiça precisou que o pagamento desses juros constitui uma medida de execução do acórdão de anulação, na aceção do artigo 266.o, primeiro parágrafo, TFUE, na medida em que se destina a indemnizar através de uma quantia fixa a privação do gozo de um crédito e a incitar o devedor a executar, o mais brevemente possível, o acórdão de anulação (v. Acórdão de 12 de fevereiro de 2015, Comissão/IPK International, C‑336/13 P, EU:C:2015:83, n.os 29 e 30).

56      Para efeitos da determinação do montante dos juros de mora que devem ser pagos a uma empresa que tenha pagado uma coima aplicada pela Comissão, na sequência da anulação dessa coima, essa instituição deve aplicar a taxa fixada para o efeito pelo Regulamento Delegado (UE) n.o 1268/2012 da Comissão, de 29 de outubro de 2012, sobre as normas de execução do Regulamento (UE, Euratom) n.o 966/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, relativo às disposições financeiras aplicáveis ao orçamento geral da União (JO 2012, L 362, p. 1).

57      Assim, quando o capital disponível de uma empresa punida pela Comissão lhe permite pagar a coima aplicada e posteriormente anulada, o dano que consiste na privação do gozo desse capital será normalmente coberto pelo pagamento, por parte da Comissão, de juros de mora sobre o montante da coima indevidamente paga, calculados em conformidade com o Regulamento Delegado n.o 1268/2012, no caso em apreço, o montante de 988 620 euros.

58      No entanto, não se pode excluir que, em circunstâncias específicas, o montante desses juros seja insuficiente para assegurar a reparação integral do prejuízo sofrido devido à privação do gozo da quantia indevidamente paga.

59      Ora, nessas circunstâncias, a fim de obter a reparação do prejuízo resultante de uma privação do gozo da quantia indevidamente paga não abrangida pelo montante correspondente aos juros de mora a pagar pela Comissão, a empresa em causa deve apresentar um pedido de indemnização, com base no artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE.

60      Esta apreciação é corroborada pelo artigo 266.o, segundo parágrafo, TFUE, que estabelece que a obrigação que incumbe à instituição autora do ato anulado de tomar as medidas necessárias à execução do próprio acórdão, entre as quais se inclui o pagamento de juros de mora, não prejudica aquela que possa decorrer da aplicação do artigo 340.o TFUE.

61      No caso em apreço, há que observar que, com a sua ação de indemnização, a Guardian Europe não pede o reembolso da parte da coima considerada indevida no Acórdão de 12 de novembro de 2014, Guardian Industries e Guardian Europe/Comissão (C‑580/12 P, EU:C:2014:2363), nem o pagamento dos juros vencidos por esse montante quando este se encontrava na posse da Comissão, mas os lucros cessantes mencionados no n.o 53 do presente acórdão.

62      Importa igualmente observar que, quanto aos juros de mora, a eventual anulação da Decisão de dezembro de 2014 não poderia dar lugar ao pagamento, a favor da Guardian Europe, de uma quantia diferente do montante dos juros que deviam ser reembolsados pela Comissão, em conformidade com o disposto no Regulamento Delegado n.o 1268/2012.

63      Por conseguinte, há que concluir que o pedido de indemnização apresentado pela Guardian Europe, com base no artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE, destinado a obter a reparação do prejuízo resultante dos lucros cessantes alegados, não visa obter um resultado idêntico ao de um recurso de anulação que tenha sido interposto contra a Decisão de dezembro de 2014.

64      Por conseguinte, no n.o 64 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral constatou corretamente que o pedido de reparação formulado pela demandante no que diz respeito a alegados lucros cessantes não tem o mesmo objeto nem o mesmo efeito que um eventual recurso de anulação interposto contra a Decisão de dezembro de 2014 e não pode, por conseguinte, ser julgado inadmissível com base em desvio de processo.

65      Por conseguinte, o Tribunal Geral não pode ser acusado de ter cometido um erro de direito quando, no n.o 65 do acórdão recorrido, rejeitou os fundamentos de inadmissibilidade baseados no facto de que a reparação dos lucros cessantes alegados tornaria nulos os efeitos de uma decisão que se tornou definitiva.

66      Por conseguinte, há que afastar o fundamento único invocado no recurso subordinado no processo C‑479/17 P e julgá‑lo improcedente.

 Quanto ao recurso principal no processo C479/17 P

67      Em apoio do presente recurso no processo C‑479/17 P, a Guardian Europe invoca seis fundamentos.

 Quanto ao sexto fundamento

 Argumentos das partes

68      Com o seu sexto fundamento, que importa analisar em primeiro lugar, a Guardian Europe alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito quando considerou que só um acórdão proferido por um órgão jurisdicional da União de última instância é suscetível de implicar a responsabilidade da União Europeia em razão de uma violação do direito da União.

69      Com efeito, segundo a Guardian Europe, a jurisprudência do Tribunal de Justiça não afasta expressamente a possibilidade de uma decisão de um órgão jurisdicional inferior poder dar lugar a uma ação de indemnização por violação do direito da União. O princípio estabelecido no Acórdão de 30 de setembro de 2003, Köbler (C‑224/01, EU:C:2003:513), não se limita aos órgãos jurisdicionais que decidem em última instância.

70      Por outro lado, mesmo que se admitisse que só uma decisão de um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro que decide em última instância pode dar lugar a uma responsabilidade por violação do direito da União, daí não decorreria que esse princípio seria igualmente aplicável ao Tribunal Geral, tendo em conta as diferenças existentes entre este e os órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros.

71      Além disso, uma vez que o Tribunal de Justiça não pode, por definição, cometer uma violação do direito da União num acórdão, a apreciação que figura no n.o 122 do acórdão recorrido tem como consequência que os órgãos jurisdicionais da União nunca podem ser responsabilizados por uma violação do direito da União.

72      Por último, a Guardian Europe critica o Tribunal Geral por ter considerado, no n.o 124 do acórdão recorrido, que a Guardian Europe não alegou disfuncionamentos jurisdicionais graves, designadamente de natureza processual ou administrativa.

73      A União Europeia, representada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, recorrida no recurso principal no processo C‑479/17 P, contesta os argumentos da Guardian Europe.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

74      Para apreciar a procedência da acusação formulada pela Guardian Europe à luz do n.o 122 do acórdão recorrido, importa recordar que, no contexto do princípio da responsabilidade de um Estado‑Membro por danos causados aos particulares pelas violações do direito da União que lhe são imputáveis, o Tribunal de Justiça declarou que esse princípio é igualmente aplicável quando a violação em causa resulte de uma decisão de um órgão jurisdicional desse Estado‑Membro que decide em última instância (v. Acórdão de 30 de setembro de 2003, Köbler, C‑224/01, EU:C:2003:513, n.o 50).

75      Para chegar a esta apreciação, o Tribunal de Justiça baseou‑se, nomeadamente, no papel essencial desempenhado pelo poder judicial na proteção dos direitos que os particulares retiram das regras da União e na circunstância de um órgão jurisdicional que decide em última instância constituir, por definição, a última instância perante a qual estes podem invocar os direitos que lhes são conferidos pelo direito da União. Quanto a este último aspeto, o Tribunal de Justiça sublinhou que, dado que uma violação destes direitos por uma decisão desse órgão jurisdicional que se tornou definitiva já não pode geralmente ser sanada, os particulares não podem ser privados da possibilidade de acionarem a responsabilidade do Estado a fim de obterem por este meio uma proteção jurídica dos seus direitos (v., neste sentido, Acórdão de 30 de setembro de 2003, Köbler, C‑224/01, EU:C:2003:513, n.os 33 e 34).

76      Importa salientar que, contrariamente ao que a Guardian Europe alega, resulta claramente da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o princípio evocado no n.o 74 do presente acórdão não é aplicável quando a violação do direito da União é cometida por um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro que não decide em última instância (v., neste sentido, Acórdão de 28 de julho de 2016, Tomášová, C‑168/15, EU:C:2016:602, n.o 36).

77      Com efeito, se, não existindo uma possibilidade de recurso interno de uma decisão judicial emanada de um órgão jurisdicional nacional que decide em última instância, a ação de responsabilidade do Estado é a única via de recurso que permite garantir o restabelecimento do direito lesado e assegurar, assim, a tutela jurisdicional efetiva dos direitos que decorrem para os particulares da ordem jurídica da União, o mesmo não acontece no que respeita às decisões proferidas pelos órgãos jurisdicionais de primeira instância, uma vez que estas são suscetíveis de recurso interno, pelo que as violações do direito da União decorrentes destas últimas decisões podem ser corrigidas ou ser objeto de uma retificação.

78      Por conseguinte, como salientou o advogado‑geral no n.o 110 das suas conclusões, o exercício do recurso jurisdicional constitui o modo adequado de reparação das violações do direito da União decorrentes das decisões proferidas pelos órgãos jurisdicionais nacionais que não decidem em última instância.

79      Importa verificar se o princípio que exclui a responsabilidade de um Estado‑Membro por danos causados aos particulares em virtude de uma violação do direito da União por uma decisão de um órgão jurisdicional desse Estado‑Membro que não decide em última instância pode ser transposto no âmbito do regime da responsabilidade da União previsto no artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE.

80      A este respeito, há que observar que, por um lado, como resulta do artigo 19.o, n.o 1, primeiro parágrafo, TUE, o Tribunal de Justiça da União Europeia, a quem incumbe o ónus de garantir o respeito do direito na interpretação e aplicação dos Tratados, inclui vários órgãos jurisdicionais, a saber, o Tribunal de Justiça, o Tribunal Geral e tribunais especializados.

81      Por outro lado, o artigo 256.o TFUE prevê que o Tribunal Geral é competente para conhecer «em primeira instância» dos recursos referidos nessa disposição, podendo as decisões proferidas por esse órgão jurisdicional no âmbito desses recursos ser objeto de recurso para o Tribunal de Justiça. A possibilidade de recurso de uma decisão do Tribunal Geral para o Tribunal de Justiça está igualmente prevista no artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia.

82      Assim, as características do sistema jurisdicional da União instituído pelos Tratados para assegurar a fiscalização jurisdicional na ordem jurídica da União permitem equiparar o Tribunal Geral a um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro que não decida em última instância, como salientou o advogado‑geral no n.o 112 das suas conclusões.

83      Nestas condições, uma vez que as violações do direito da União decorrentes das decisões do Tribunal Geral que podem ser objeto de recurso para o Tribunal de Justiça são suscetíveis de ser corrigidas ou de ser objeto de uma retificação, o que, como resulta do n.o 123 do acórdão recorrido, foi precisamente o caso no que respeita ao Acórdão de 27 de setembro de 2012, Guardian Industries e Guardian Europe/Comissão (T‑82/08, EU:T:2012:494), há que concluir que o exercício do recurso constitui o modo adequado de reparação dos erros de direito cometidos nessas decisões, sendo, portanto, o princípio evocado no n.o 79 do presente acórdão transponível no âmbito do regime da responsabilidade da União previsto no artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE, à luz das referidas decisões.

84      Por conseguinte, as violações do direito da União decorrentes de uma decisão proferida pelo Tribunal Geral, como o Acórdão de 27 de setembro de 2012, Guardian Industries e Guardian Europe/Comissão (T‑82/08, EU:T:2012:494), não são suscetíveis de desencadear a responsabilidade da União.

85      Deste modo, o Tribunal Geral não cometeu nenhum erro de direito ao declarar, no n.o 122 do acórdão recorrido, que a responsabilidade da União não pode ser declarada em razão do conteúdo de uma decisão jurisdicional que não tenha sido proferida por um órgão jurisdicional da União pronunciando‑se em última instância e que pudesse portanto ser objeto de recurso.

86      No que respeita ao argumento formulado pela Guardian Europe, exposto no n.o 72 do presente acórdão, relativo à apreciação do Tribunal Geral que figura no n.o 124 do acórdão recorrido, como salientou o advogado‑geral no n.o 121 das suas conclusões, ao contrário do que esta sociedade alega, resulta claramente da petição apresentada no Tribunal Geral que o pedido de indemnização dos danos alegadamente causados pelo Acórdão de 27 de setembro de 2012, Guardian Industries e Guardian Europe/Comissão (T‑82/08, EU:T:2012:494), se baseava apenas na violação, pelo Tribunal Geral, da jurisprudência do Tribunal de Justiça nesse acórdão. Por conseguinte, o Tribunal Geral não pode ser acusado de ter considerado, no n.o 124 do acórdão recorrido, que a argumentação da recorrente a este respeito não se baseava na existência de disfuncionamentos jurisdicionais graves que afetavam a atividade de um órgão jurisdicional da União.

87      Consequentemente, há que julgar improcedente o sexto fundamento.

 Quanto ao primeiro e quarto fundamentos

 Argumentos das partes

88      Com o seu primeiro e quarto fundamentos, que importa analisar em conjunto, a Guardian Europe censura o Tribunal Geral por ter afirmado, nos n.os 103 e 153 do acórdão recorrido, que não suportou pessoalmente o encargo ligado ao pagamento da coima aplicada pela Comissão e que não podia, portanto, alegar que, devido à violação do prazo razoável de julgamento no processo T‑82/08 e à violação do princípio da igualdade de tratamento na decisão controvertida e no Acórdão de 27 de setembro de 2012, Guardian Industries e Guardian Europe/Comissão (T‑82/08, EU:T:2012:494), sofreu um prejuízo real e certo relativo ao lucro cessante invocado.

89      A Guardian Europe alega, em particular, que o Tribunal Geral violou o conceito de «empresa», na aceção do direito da União. Uma vez que, no decurso do procedimento administrativo na Comissão que conduziu à decisão controvertida, o grupo Guardian foi sempre tratado como uma «empresa única», na aceção do direito da União, tendo a coima aplicada à Guardian Europe sido calculada com base no valor das vendas do grupo Guardian e não nas da Guardian Europe, o grupo Guardian deveria igualmente ser considerado uma «empresa única», para efeitos da apreciação, no âmbito do artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE, do prejuízo resultante da violação pelo Tribunal Geral do artigo 47.o da Carta e da violação pela Comissão e pelo Tribunal Geral do princípio da igualdade de tratamento.

90      A Guardian Europe considera igualmente que, para apreciar a existência do seu prejuízo pessoal, o Tribunal Geral não podia ignorar a realidade dos seus vínculos de grupo com as suas filiais que detinha a 100 %.

91      Por último, a Guardian Europe sustenta que o Tribunal de Justiça dispõe de todos os elementos exigidos para conceder uma indemnização como ressarcimento do lucro cessante que alegadamente sofreu devido a essas violações.

92      A União Europeia, representada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, contesta os argumentos da Guardian Europe.

93      A Comissão sustenta, a título principal, que o Tribunal Geral devia ter considerado prescrito o pedido de indemnização em razão da violação do princípio da igualdade de tratamento na decisão controvertida. Segundo a Comissão, trata‑se de uma questão de admissibilidade e, portanto, de ordem pública, que o juiz da União pode, e deve mesmo, suscitar oficiosamente.

94      A título subsidiário, a Comissão alega que o quarto fundamento do recurso deve ser julgado inadmissível, uma vez que o pedido de indemnização do lucro cessante dirigido contra a Comissão é uma contestação tardia da decisão relativa ao reembolso do excesso de pagamento provisório da coima.

95      A título mais subsidiário, a Comissão sustenta que, em todo o caso, o Tribunal Geral não cometeu nenhum erro ao concluir que a Guardian Europe não tinha sofrido nenhum prejuízo ao pagar provisoriamente a coima. Com efeito, contrariamente ao que alega a Guardian Europe, esta não foi tratada como uma empresa única, na aceção do direito da União, na decisão controvertida para efeitos da determinação da coima. Segundo a Comissão, só as entidades dotadas de personalidade jurídica podem ser consideradas responsáveis por infrações.

96      Por último, a título ainda mais subsidiário, a Comissão considera que, mesmo no caso de os argumentos apresentados no âmbito do quarto fundamento serem acolhidos, a Guardian Europe não sofreu nenhum lucro cessante em razão de uma alegada violação suficientemente caracterizada do princípio da igualdade de tratamento cometida na decisão controvertida. A este respeito, a Comissão sustenta que, na medida em que a Guardian Europe não tinha efetuado vendas cativas, a aplicação de um método de cálculo das coimas que incluía essas vendas implicaria, na realidade, apenas uma majoração das coimas aplicadas a outros destinatários.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

97      Em primeiro lugar, quanto à argumentação da Guardian Europe no que se refere ao alegado lucro cessante que sofreu em razão da violação do princípio da igualdade de tratamento cometida no Acórdão de 27 de setembro de 2012, Guardian Industries e Guardian Europe/Comissão (T‑82/08, EU:T:2012:494), como resulta dos n.os 122 a 125 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral rejeitou o pedido de reparação resultante da alegada violação, não baseando‑se nas constatações efetuadas nos n.os 103 e 153 desse acórdão, relativas ao facto de a recorrente não ter suportado pessoalmente o encargo ligado ao pagamento da coima aplicada pela decisão controvertida, mas pelo facto de a União não poder ser responsabilizada por uma decisão judicial que não foi proferida por um órgão jurisdicional da União que decide em última instância. Daqui resulta que esta argumentação se baseia numa leitura errada do acórdão recorrido e é, portanto, desprovida de fundamento, tanto mais que, como resulta do n.o 84 do presente acórdão, foi, em todo o caso, com razão que o Tribunal Geral declarou que essa violação não é suscetível de desencadear a responsabilidade da União, nos termos do artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE.

98      Em segundo lugar, há que salientar que, como resulta dos n.os 93 e 94 do presente acórdão, na sua resposta, a Comissão contesta a rejeição pelo Tribunal Geral, nos n.os 46 e 65 do acórdão recorrido, dos fundamentos de inadmissibilidade relativos, por um lado, à prescrição do pedido de indemnização dos danos materiais alegadamente sofridos em razão da violação do princípio da igualdade de tratamento cometida na decisão controvertida e, por outro, ao facto de a reparação dos lucros cessantes resultantes de tal violação tornar nulos os efeitos da Decisão de dezembro de 2014. Segundo a Comissão, estes fundamentos de inadmissibilidade são de ordem pública e devem, portanto, ser suscitados oficiosamente pelo Tribunal de Justiça.

99      A este respeito, no que se refere, por um lado, ao fundamento de inadmissibilidade relativo à prescrição do referido pedido, importa recordar que o Tribunal de Justiça já decidiu que a prescrição constitui um fundamento de inadmissibilidade que, diferentemente dos prazos processuais, não é de ordem pública, mas determina a extinção da ação de responsabilidade unicamente a pedido do demandado (Acórdão de 8 de novembro de 2012, Evropaïki Dynamiki/Comissão, C‑469/11 P, EU:C:2012:705, n.o 54), e que o respeito de um prazo de prescrição não pode ser examinado oficiosamente pelo juiz da União, mas deve ser invocado pela parte interessada (Acórdão de 14 de junho de 2016, Marchiani/Parlamento, C‑566/14 P, EU:C:2016:437, n.o 94 e jurisprudência referida).

100    Assim, não se pode deixar de observar que, se a Comissão pretendia que o Tribunal de Justiça anulasse o n.o 46 do acórdão recorrido que rejeita este fundamento de inadmissibilidade, deveria ter interposto um recurso subordinado para esse efeito, como resulta dos artigos 174.o, 176.o e 178.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

101    No que se refere, por outro lado, ao fundamento de inadmissibilidade de que a ação destinada à reparação do lucro cessante alegadamente sofrido devido à violação do princípio da igualdade de tratamento cometida na decisão controvertida aniquilaria os efeitos jurídicos da Decisão de dezembro de 2014, sem antecipar a questão de saber se esse fundamento de inadmissibilidade é suscetível de ser suscitado oficiosamente pelo Tribunal de Justiça, há que observar que a argumentação da Comissão equivale a imputar ao Tribunal Geral o mesmo erro de direito que o visado pelo fundamento único suscitado em apoio do recurso subordinado no processo C‑479/17 P, interposto pela União Europeia, representada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia. Ora, como foi indicado no n.o 66 do presente acórdão, este fundamento foi julgado improcedente.

102    Em terceiro lugar, no que respeita à argumentação da Guardian Europe segundo a qual o Tribunal Geral, nos n.os 103 e 153 do acórdão recorrido, violou o conceito de «empresa», na aceção do direito da União, importa recordar que o Tribunal de Justiça já decidiu que os autores dos Tratados escolheram utilizar o conceito de «empresa» para designar o autor de uma violação do direito da concorrência, suscetível de ser sancionado em aplicação dos artigos 101.o ou 102.o TFUE, e não o conceito de «sociedade» ou de «pessoa coletiva», utilizado no artigo 54.o TFUE (Acórdão de 18 de julho de 2013, Schindler Holding e o./Comissão, C‑501/11 P, EU:C:2013:522, n.o 102).

103    Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o direito da concorrência da União visa as atividades das empresas e que o conceito de «empresa» abrange qualquer entidade que exerça uma atividade económica, independentemente do seu estatuto jurídico e do seu modo de financiamento (Acórdão de 27 de abril de 2017, Akzo Nobel e o./Comissão, C‑516/15 P, EU:C:2017:314, n.o 47 e jurisprudência referida).

104    O Tribunal de Justiça precisou igualmente que o conceito de «empresa», inserido nesse contexto, deve ser entendido no sentido de que designa uma unidade económica, mesmo que, do ponto de vista jurídico, essa unidade económica seja constituída por várias pessoas singulares ou coletivas (Acórdão de 27 de abril de 2017, Akzo Nobel e o./Comissão, C‑516/15 P, EU:C:2017:314, n.o 48 e jurisprudência referida).

105    Assim, o conceito de «empresa», na aceção evocada no número anterior do presente acórdão, é especificamente utilizado para implementar as disposições pertinentes do direito da concorrência da União e, nomeadamente, para efeitos da designação do autor de uma infração aos artigos 101.o e 102.o TFUE.

106    Em contrapartida, este conceito não é aplicável no âmbito de uma ação de indemnização, baseada no artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE. Com efeito, como recordou o advogado‑geral no n.o 73 das suas conclusões, tal ação é uma ação de direito comum, que se rege por normas processuais gerais, sujeitas, no presente caso, ao direito das sociedades, independentes da lógica da responsabilidade na perspetiva do direito dos cartéis.

107    Por conseguinte, o Tribunal Geral não violou, nos n.os 103 e 153 do acórdão recorrido, o conceito de «empresa», na aceção do direito da União.

108    Em quarto lugar, no que respeita à crítica pela Guardian Europe, à luz da realidade das suas relações com as suas filiais, da constatação feita pelo Tribunal Geral nos n.os 103 e 153 do acórdão recorrido, segundo a qual não tinha suportado pessoalmente o encargo ligado ao pagamento da coima, há que recordar, a título prévio, que, quando uma pessoa invoca um direito a indemnização que lhe é próprio, incumbe‑lhe, designadamente, demonstrar que o prejuízo pelo qual pede ressarcimento lhe foi pessoalmente causado.

109    No caso em apreço, quanto ao prejuízo invocado pela Guardian Europe a título do lucro cessante, importa recordar que, como resulta dos autos remetidos ao Tribunal de Justiça, é pacífico que, por um lado, uma parte da coima no montante de 148 000 000 euros aplicada solidariamente à Guardian Europe e à sua sociedade‑mãe, a saber, 111 000 000 euros, foi imediatamente paga à Comissão, em março de 2008, tendo o saldo de 37 000 000 euros sido coberto por uma garantia bancária e que, por outro, no mês de julho de 2013, essa garantia foi anulada, um montante total de 48 263 003 euros, correspondente à totalidade do saldo da coima acrescido dos juros, posteriormente pago à Comissão.

110    É igualmente pacífico que, em consequência do Acórdão de 12 de novembro de 2014, Guardian Industries e Guardian Europe/Comissão (C‑580/12 P, EU:C:2014:2363), que, nomeadamente, reduziu a referida coima para um montante de 103 600 000 euros, tanto o montante de 7 400 000 euros, que constitui o excesso do pagamento inicial de 111 000 000 euros relativo à coima ajustada pelo Tribunal de Justiça, como o montante de 48 263 003 euros pago à Comissão na sequência da anulação da garantia bancária se tinham revelado indevidos, a saber, um valor total de 55 663 003 euros.

111    Neste contexto, no âmbito do pedido de reparação do prejuízo alegadamente sofrido em razão de uma violação do princípio da igualdade de tratamento, perante o Tribunal Geral, a Guardian Europe pediu uma indemnização no montante de 9 292 000 euros, a título de lucro cessante que alegadamente sofreu durante o período compreendido entre março de 2008, data do pagamento da quantia de 111 000 000 euros, e 12 de novembro de 2014, data do acórdão do Tribunal de Justiça que reduzia a coima aplicada. Os lucros cessantes invocados consistiam, em especial, na diferença entre, por um lado, os juros reembolsados pela Comissão, na sequência da redução da coima pelo Tribunal de Justiça, e, por outro, os rendimentos que a Guardian Europe poderia ter obtido, durante o período indicado, se, em vez de pagar a quantia indevida de 55 663 003 euros, tivesse investido esse montante nas suas atividades.

112    Por outro lado, no âmbito do pedido de reparação do prejuízo alegadamente sofrido em razão da violação do prazo razoável de julgamento no processo T‑82/08 no Tribunal Geral, a Guardian Europe pediu uma indemnização no montante de 1 671 000 euros, a título do lucro cessante que alegadamente sofreu durante o período compreendido entre 12 de fevereiro de 2010, data em que, no seu entender, o acórdão no processo T‑82/08 deveria ter sido proferido, e 27 de setembro de 2012, data do acórdão que pôs termo a este processo, devido à violação do prazo razoável de julgamento no referido processo. Os lucros cessantes invocados consistiam, em especial, na diferença entre, por um lado, a parte dos juros reembolsados pela Comissão, na sequência da redução da coima efetuada pelo Tribunal de Justiça respeitante ao referido período, e, por outro, os rendimentos que a Guardian Europe poderia ter obtido, durante o mesmo período, se, em vez de pagar imediatamente a quantia indevida de 7 400 000 euros, tivesse investido esse montante nas suas atividades.

113    Ora, como resulta das constatações efetuadas pelo Tribunal Geral, nos n.os 100 a 102 do acórdão recorrido, no que diz respeito, por um lado, à quantia de 111 000 000 euros paga à Comissão em março de 2008, foi pago pela Guardian Industries um montante de 20 000 000 euros. Quanto à quantia restante de 91 000 000 euros, embora o pagamento desta à Comissão tenha sido efetuado pela Guardian Europe, não deixa de ser verdade que, em aplicação de vários acordos celebrados entre a Guardian Europe e as suas sete filiais, são estas últimas que, a partir de 31 de dezembro de 2007, suportaram, do ponto de vista contabilístico e financeiro, a parte da coima aplicada pela Comissão correspondente a esse montante de 91 000 000 euros, em conformidade com a repartição resultante dos referidos acordos. Por outro lado, no que respeita ao montante de 48 263 003 euros pago em julho de 2013, foram as sete filiais da Guardian Europe que, cada uma delas, pagaram diretamente à Comissão uma parte desse montante.

114    Daqui resulta que a quantia indevida de 55 663 003 euros, incluindo o montante de 7 400 000 euros pago à Comissão em março de 2008, foi, de facto, paga, não pela Guardian Europe, mas, em parte, pelas suas sete filiais e, em parte, pela Guardian Industries, o que, além disso, não é contestado pela Guardian Europe.

115    Todavia, há que ter em conta o facto de que, como a Guardian Europe sustenta tanto nas suas observações apresentadas ao Tribunal de Justiça como nas já apresentadas ao Tribunal Geral, esta sociedade detinha essas filiais a 100 %. Nestas condições, como expôs, em substância, o advogado‑geral no n.o 79 das suas conclusões, o empobrecimento das referidas filiais, após o pagamento da coima em causa, constitui, com efeito, um prejuízo financeiro suportado pela sociedade de que as filias dependem totalmente. Tendo em conta esta circunstância, o Tribunal Geral não pôde, sem cometer um erro de direito, retirar do facto de as filiais da Guardian Europe terem pagado essa coima a constatação de que esta sociedade não suportou pessoalmente o encargo ligado ao pagamento da referida coima nem concluir, por esse motivo, que não podia obter a reparação dos lucros cessantes mencionados nos n.os 111 e 112 do presente acórdão.

116    No entanto, este erro de direito não é suscetível de pôr em causa a rejeição, pelo Tribunal Geral, dos pedidos de reparação apresentados pela Guardian Europe a título do referido lucro cessante. Com efeito, esta sociedade não pode validamente sustentar que sofreu pessoalmente um prejuízo real e certo, que consiste no lucro cessante ligado à impossibilidade de investir nas suas atividades os montantes indevidamente pagos à Comissão pelas suas sete filiais e pela Guardian Industries, na medida em que estabelece que, se essas empresas tivessem podido dispor dessas quantias, as teriam investido nas atividades da Guardian Europe.

117    Ora, a Guardian Europe não apresentou nenhum elemento que permita estabelecer tal circunstância, tendo‑se esta sociedade limitado a afirmar que o pagamento da coima pelas suas filiais e pela Guardian Industries tinha implicado uma diminuição dos seus recursos que afetavam a sua atividade na Europa.

118    Assim, resulta do que precede que o Tribunal Geral tinha fundamento para rejeitar os pedidos de reparação dos lucros cessantes acima referidos.

119    Consequentemente, o primeiro e quarto fundamentos devem ser julgados improcedentes.

 Quanto ao segundo fundamento

120    Com o seu segundo fundamento, a Guardian Europe sustenta que, ao conceder‑lhe apenas 82 % do montante que pediu a título de despesas de garantia bancária pagas para além do prazo razoável de julgamento no processo T‑82/08, pelo facto de a sociedade‑mãe da Guardian Europe, a saber, a Guardian Industries, ter pagado 18 % desse montante, o Tribunal Geral violou o conceito de «empresa», na aceção do direito da União, e desvirtuou os elementos de prova apresentados pela Guardian Europe.

121    Uma vez que este fundamento está relacionado com o montante da indemnização concedida pelo Tribunal Geral a título do prejuízo material sofrido devido ao pagamento pela Guardian Europe de despesas de garantia bancária durante o período correspondente à ultrapassagem do prazo razoável do julgamento no processo T‑82/08, e que, como resulta do n.o 43 do presente acórdão, o n.o 1 da parte decisória do acórdão recorrido foi anulado, já não há que examinar esse fundamento.

 Quanto ao terceiro e quinto fundamentos

 Argumentos das partes

122    Com o terceiro e quinto fundamentos, que devem ser analisados em conjunto, a Guardian Europe acusa o Tribunal Geral de ter cometido um erro de direito, ao rejeitar os seus pedidos de reparação de uma alegada ofensa à sua reputação resultante de uma violação do prazo razoável de julgamento no processo T‑82/08, bem como de uma violação do princípio da igualdade de tratamento na decisão controvertida e no Acórdão de 27 de setembro de 2012, Guardian Industries e Guardian Europe/Comissão (T‑82/08, EU:T:2012:494), baseando‑se, por um lado, na falta de prova do dano moral invocado e, por outro, no facto de qualquer ofensa à sua reputação resultante dessas violações ter sido suficientemente reparada pela declaração da violação do prazo razoável de julgamento no processo T‑82/08, bem como pela anulação da decisão controvertida e pela redução do montante da coima efetuadas pelo Tribunal de Justiça.

123    A Guardian Europe sublinha que o direito à reparação de um dano moral assenta na própria finalidade do direito de ser julgado num prazo razoável, consagrado no artigo 47.o da Carta, e que a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem admite a existência de uma presunção segundo a qual a duração excessiva de um processo ocasiona um dano moral.

124    Por outro lado, a Guardian Europe salienta que o facto de a coima que lhe foi aplicada pela Comissão na decisão controvertida ser a mais elevada dava a impressão de que essa sociedade era o principal participante no cartel objeto dessa decisão, apesar de ser o mais pequeno produtor e da sua participação nesse cartel ter sido a mais curta, impressão que só foi retificada quando o Tribunal de Justiça, no seu Acórdão de 12 de novembro de 2014, Guardian Industries e Guardian Europe/Comissão (C‑580/12 P, EU:C:2014:2363), reduziu o montante da coima aplicada à Guardian Europe para o segundo montante mais baixo, em razão de uma violação do princípio da não discriminação pela Comissão.

125    Assim, o «peso relativo» da Guardian Europe na infração foi mantido num nível desproporcionalmente elevado durante um período excessivo, o que deveria permitir obter uma indemnização sem ter de apresentar qualquer prova suplementar.

126    Por último, segundo a Guardian Europe, a declaração da violação do prazo razoável de julgamento, a anulação da decisão controvertida e a redução da coima aplicadas pelo Tribunal de Justiça não constituem uma reparação adequada da ofensa à reputação que sofreu até à referida declaração e à referida anulação.

127    A este respeito, a Guardian Europe recorda que as coimas aplicadas pela Comissão às empresas que infringem as regras do direito da concorrência da União são publicadas, pelo que os intervenientes no mercado, incluindo os consumidores, têm conhecimento delas. Assim, a Guardian Europe foi erradamente considerada como a principal protagonista do cartel em causa na decisão controvertida durante o período em causa.

128    Nestas circunstâncias, a Guardian Europe considera que a única forma de reparação adequada no presente processo é uma reparação pecuniária calculada em percentagem da sua coima, como o Tribunal Geral declarou no Acórdão de 16 de junho de 2011, Bavaria/Comissão (T‑235/07, EU:T:2011:283, n.os 342 e 343).

129    A União Europeia, representada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, contesta os argumentos da Guardian Europe.

130    A Comissão, baseando‑se, nomeadamente, no Acórdão de 28 de fevereiro de 2013, Inalca e Cremonini/Comissão (C‑460/09 P, EU:C:2013:111, n.o 99), alega que o pedido de indemnização em razão de uma alegada ofensa à reputação da Guardian Europe, decorrente da decisão controvertida, prescreveu, uma vez que essa violação não é de natureza recorrente e foi ocasionada inteiramente à data da adoção dessa decisão.

131    A título subsidiário, a Comissão sustenta que os argumentos da Guardian Europe não têm fundamento.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

132    Em primeiro lugar, quanto à argumentação da Guardian Europe no que se refere ao alegado lucro cessante que sofreu em razão da violação do princípio da igualdade de tratamento cometida no Acórdão de 27 de setembro de 2012, Guardian Industries e Guardian Europe/Comissão (T‑82/08, EU:T:2012:494), como resulta dos n.os 122 a 125 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral não rejeitou o pedido de reparação resultante da alegada violação baseando‑se na falta de prova do dano moral invocado ou no facto de que qualquer ofensa à reputação da recorrente resultante dessa violação tinha sido suficientemente reparada, mas com o fundamento de que a União não pode ser responsabilizada por uma decisão judicial que não tenha sido proferida por um órgão jurisdicional da União que decide em última instância. Daqui resulta que esta argumentação se baseia numa leitura errada do acórdão recorrido e é, portanto, desprovida de fundamento, tanto mais que, como resulta do n.o 84 do presente acórdão, foi, em todo o caso, com razão que o Tribunal Geral declarou que essa violação não é suscetível de desencadear a responsabilidade da União, nos termos do artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE.

133    Em segundo lugar, quanto à argumentação da Comissão relativa à prescrição do pedido de reparação de uma alegada ofensa à reputação da Guardian Europe decorrente da violação do princípio da igualdade de tratamento cometida na decisão controvertida, uma vez que, conforme resulta da jurisprudência recordada no n.o 99 do presente acórdão, não há que analisar oficiosamente se esse pedido respeita o prazo de prescrição a que está sujeito, esta argumentação devia ter sido objeto de um recurso subordinado interposto pela Comissão em conformidade com os artigos 174.o, 176.o e 178.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

134    Em terceiro lugar, a Guardian Europe contesta os fundamentos que levaram o Tribunal Geral a rejeitar, nos n.os 115 e 148 do acórdão recorrido, os seus pedidos de reparação de uma alegada ofensa à sua reputação resultante da violação do princípio da igualdade de tratamento cometida na decisão controvertida, bem como da violação do prazo razoável de julgamento no processo T‑82/08, a saber, por um lado, que não tinha demonstrado que essas violações eram suscetíveis de prejudicar a sua reputação, como foi constatado nos n.os 113 e 145 do acórdão recorrido, e, por outro, que, admitindo que essas violações prejudicaram a reputação da Guardian Europe, a declaração da violação do prazo razoável de julgamento no processo T‑82/08, bem como a anulação da decisão controvertida e a redução do montante da coima aplicada efetuadas pelo Tribunal de Justiça, são suficientes para reparar o dano moral invocado, como foi constatado nos n.os 114 e 146 do acórdão recorrido.

135    No que respeita, em primeiro lugar, aos fundamentos evocados nos n.os 113 e 145 do acórdão recorrido, importa recordar que, em conformidade com a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, por um lado, qualquer dano cuja reparação seja pedida no âmbito de uma ação de responsabilidade civil extracontratual da União ao abrigo do disposto no artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE, deve ser real e certo. Por outro lado, para que possa ser desencadeada a responsabilidade extracontratual da União, o prejuízo deve decorrer de modo suficientemente direto do comportamento ilegal das instituições. Em todo o caso, compete à parte que põe em causa a responsabilidade extracontratual da União apresentar provas concludentes quanto à existência ou à extensão do prejuízo que invoca, bem como à existência de um nexo de causalidade suficientemente direto entre o comportamento da instituição em questão e o dano alegado (Acórdão de 30 de maio de 2017, Safa Nicu Sepahan/Conselho, C‑45/15 P, EU:C:2017:402, n.os 61, 62 e jurisprudência referida).

136    Daqui decorre que a argumentação da Guardian Europe, segundo a qual existia, no caso em apreço, uma presunção a respeito da existência do dano moral invocado, que lhe dispensava qualquer elemento de prova a este respeito, é desprovida de fundamento.

137    Além disso, importa recordar que, segundo jurisprudência assente, o Tribunal Geral tem competência exclusiva para apurar e apreciar os factos e, em princípio, para analisar as provas que considera sustentarem esses factos. Com efeito, quando essas provas tiverem sido obtidas regularmente e os princípios gerais de direito e as regras processuais aplicáveis em matéria de ónus e de produção da prova tiverem sido respeitados, cabe exclusivamente ao Tribunal Geral a apreciação do valor a atribuir aos elementos que lhe foram submetidos. Consequentemente, esta apreciação não constitui, sob reserva de desvirtuação desses elementos, uma questão de direito sujeita, enquanto tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça. Além disso, essa desvirtuação deve resultar de forma manifesta dos documentos dos autos, sem que seja necessário proceder a uma nova apreciação dos factos e das provas (Acórdão de 16 de junho de 2016, Evonik Degussa e AlzChem/Comissão, C‑155/14 P, EU:C:2016:446, n.o 23 e jurisprudência referida).

138    No caso em apreço, no n.o 112 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral constatou que a argumentação da Guardian Europe segundo a qual a decisão controvertida tinha criado uma impressão enganosa relativamente ao papel desempenhado por esta empresa no cartel do vidro plano não assentava em elementos de prova que demonstrassem que, pela sua gravidade, a violação do princípio da igualdade de tratamento cometida nessa decisão era suscetível de ter incidência sobre a sua reputação, para além da incidência relacionada com a sua participação no cartel.

139    Por outro lado, no n.o 144 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral declarou que a argumentação da Guardian Europe segundo a qual esta sociedade foi considerada durante mais tempo como tendo uma responsabilidade especial na infração em causa devido à violação do prazo razoável de julgamento no processo T‑82/08 não era apoiada por elementos de prova que pudessem demonstrar que, pela sua gravidade, a violação do prazo razoável de julgamento era suscetível de ter incidência na reputação da recorrente, para além da incidência causada pela decisão controvertida.

140    Há que salientar que a Guardian Europe não demonstrou nem sequer alegou que as apreciações que constam dos n.os 112 e 144 do acórdão recorrido assentavam numa desvirtuação dos elementos de prova.

141    Nestas condições, o Tribunal Geral declarou corretamente, nos n.os 113 e 145 do acórdão recorrido, que a Guardian Europe não tinha demonstrado que a violação do princípio da igualdade de tratamento cometida na decisão controvertida, bem como a violação do prazo razoável de julgamento no processo T‑82/08, eram suscetíveis de atentar contra a sua reputação e, consequentemente, rejeitou, nos n.os 115 e 148 do acórdão recorrido, os pedidos de reparação apresentados a esse título.

142    No que se refere, em segundo lugar, aos fundamentos enunciados nos n.os 114 e 146 do acórdão recorrido, resulta claramente da própria redação destes números que esses fundamentos são excessivos, uma vez que os fundamentos expostos nos n.os 113 e 145 do acórdão recorrido são suficientes para rejeitar os pedidos de reparação da alegada ofensa à reputação invocada pela Guardian Europe.

143    A este respeito, recorde‑se que, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, desde que um dos fundamentos considerados pelo Tribunal Geral seja suficiente para justificar a parte decisória do seu acórdão, os vícios que possam eventualmente afetar outro fundamento, igualmente assinalado no acórdão em questão, não têm, de qualquer forma, qualquer influência na referida parte decisória, de forma que o fundamento que os invoca é inoperante e deve ser rejeitado (Acórdão de 29 de abril de 2004, Comissão/CAS Succhi di Frutta, C‑496/99 P, EU:C:2004:236, n.o 68 e jurisprudência referida).

144    Por conseguinte, há que julgar o terceiro e quinto fundamentos parcialmente inoperantes e parcialmente improcedentes.

 Quanto ao recurso no Tribunal Geral

145    Em conformidade com o artigo 61.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, quando o recurso for julgado procedente, o Tribunal de Justiça anula a decisão do Tribunal Geral. Pode, neste caso, decidir definitivamente o litígio, se estiver em condições de ser julgado, ou remeter o processo ao Tribunal Geral, para julgamento.

146    No caso em apreço, tendo sido dado provimento ao recurso no processo C‑447/17 P e tendo o n.o 1 da parte decisória do acórdão recorrido sido anulado, o Tribunal de Justiça considera que há que decidir definitivamente sobre a ação de indemnização intentada pela Guardian Europe na medida em que visa obter a reparação do prejuízo resultante do pagamento de despesas de garantia bancária para além do prazo razoável de julgamento no âmbito do processo T‑82/08.

147    A este respeito, cumpre recordar que, segundo jurisprudência constante, a responsabilidade extracontratual da União, na aceção do artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE, está sujeita à verificação de um conjunto de requisitos, concretamente, a ilegalidade do comportamento imputado à instituição da União, a realidade do dano e a existência de um nexo de causalidade entre o comportamento dessa instituição e o dano invocado (Acórdão de 20 de setembro de 2016, Ledra Advertising e o./Comissão e BCE, C‑8/15 P a C‑10/15 P, EU:C:2016:701, n.o 64 e jurisprudência referida).

148    Como o Tribunal de Justiça já declarou, quando uma destas condições não está preenchida, deve ser negado provimento ao recurso na totalidade, sem necessidade de apreciar as outras condições da responsabilidade extracontratual da União (Acórdão de 14 de outubro 1999, Atlanta/Comunidade Europeia, C‑104/97 P, EU:C:1999:498, n.o 65 e jurisprudência referida). Por outro lado, o juiz da União não é obrigado a examinar estas condições segundo uma ordem determinada (Acórdão de 18 de março de 2010, Trubowest Handel e Makarov/Conselho e Comissão, C‑419/08 P, EU:C:2010:147, n.o 42 e jurisprudência referida).

149    Pelos fundamentos expostos nos n.os 32 a 41 do presente acórdão, a ação de indemnização intentada pela Guardian Europe no Tribunal Geral, na medida em que visa obter uma indemnização no montante de 936 000 euros a título do alegado prejuízo material que consistiu no pagamento de despesas de garantia bancária para além do prazo razoável de julgamento no âmbito do processo T‑82/08, deve ser julgada improcedente.

 Quanto às despesas

150    Em conformidade com o disposto no artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, se o recurso for julgado procedente e o Tribunal de Justiça decidir definitivamente o litígio, decidirá igualmente sobre as despesas.

151    De acordo com o artigo 138.o, n.o 1, deste regulamento, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral por força do disposto no artigo 184.o, n.o 1, do referido regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

152    Tendo a União Europeia, representada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia e pela Comissão, pedido a condenação da Guardian Europe e tendo esta sido vencida, tanto no âmbito do recurso no processo C‑447/17 P como no âmbito do recurso principal no processo C‑479/17 P, há que condenar esta sociedade a suportar, além das suas próprias despesas, a totalidade das despesas efetuadas pela União Europeia, representada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia e pela Comissão, tanto em primeira instância como no âmbito destes dois recursos.

153    Por outro lado, uma vez que a Guardian Europe pediu a condenação da União Europeia, representada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, e esta foi vencida no seu fundamento único, no âmbito do recurso subordinado no processo C‑479/17 P, há que condenar esta última a suportar, além das suas próprias despesas, todas as despesas efetuadas pela Guardian Europe no âmbito do referido recurso subordinado.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) decide:

1)      É anulado o n.o 1 da parte decisória do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 7 de junho de 2017, Guardian Europe/União Europeia (T673/15, EU:T:2017:377).

2)      É negado provimento ao recurso principal no processo C479/17 P interposto pela Guardian Europe Sàrl.

3)      É negado provimento ao recurso subordinado no processo C479/17 P interposto pela União Europeia, representada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia.

4)      É julgada improcedente a ação de indemnização intentada pela Guardian Europe Sàrl, na medida em que visa obter uma indemnização de um montante de 936 000 euros a título do alegado prejuízo material que consiste no pagamento de despesas de garantia bancária para além do prazo razoável de julgamento no âmbito do processo que deu origem ao Acórdão de 27 de setembro de 2012, Guardian Industries e Guardian Europe/Comissão (T82/08, EU:T:2012:494).

5)      A Guardian Europe Sàrl é condenada a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela União Europeia, representada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia e pela Comissão Europeia, em primeira instância e no âmbito do recurso no processo C447/17 P e do recurso principal no processo C479/17 P.

6)      A União Europeia, representada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, suporta, além das suas próprias despesas, a totalidade das despesas efetuadas pela Guardian Europe Sàrl no âmbito do recurso subordinado no processo C479/17 P.

Assinaturas


*      Língua do processo: inglês.