CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL
HENRIK SAUGMANDSGAARD ØE
apresentadas em 6 de dezembro de 2018 (1)
Processo C‑24/17
Österreichischer Gewerkschaftsbund, Gewerkschaft Öffentlicher Dienst
contra
Republik Österreich
[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal, Áustria)]
«Reenvio prejudicial — Política social — Diretiva 2000/78/CE — Proibição das discriminações baseadas na idade — Sistema nacional de remuneração e progressão dos agentes contratuais da função pública — Regulamentação de um Estado‑Membro julgada discriminatória — Adoção de uma nova regulamentação para obviar a essa discriminação — Modalidades de transição das pessoas interessadas para o novo sistema — Perpetuação da diferença de tratamento — Justificações — Direito a reparação — Direito a uma proteção jurisdicional efetiva — Artigo 45.o TFUE — Regulamento (UE) n.o 492/2011 — Livre circulação dos trabalhadores — Inexistência de entrave»
I. Introdução
1. O pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal, Áustria) incide na interpretação do artigo 45.o TFUE, dos artigos 20.o, 21.o e 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), dos artigos 1.o, 2.o, 6.o e 17.o da Diretiva 2000/78/CE, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional (2), e do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento (UE) n.o 492/2011, relativo à livre circulação dos trabalhadores na União (3).
2. Este pedido insere‑se no âmbito de um litígio que opõe a Österreichischer Gewerkschaftsbund, Gewerkschaft öffentlicher Dienst (Confederação Austríaca dos Sindicatos, Sindicato da Função Pública, a seguir «ÖGB»), à Republik Österreich (a seguir «República da Áustria»), e tem por objeto a legalidade do regime federal de remuneração e progressão dos agentes contratuais da função pública, adotado na Áustria, no início de 2015, para pôr termo a uma discriminação baseada na idade, na sequência do Acórdão Schmitzer (4).
3. Em substância, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, em primeiro lugar, sobre se o direito da União — e mais especificamente, os artigos 1.o, 2.o e 6.o da Diretiva 2000/78 e o artigo 21.o da Carta — se opõe às modalidades escolhidas pelo legislador austríaco com vista à transição dos agentes contratuais do antigo regime de remuneração e progressão para o novo regime. Considero que assim é, pelas razões que serão expostas nas presentes conclusões.
4. Em seguida, na hipótese de o Tribunal de Justiça dar, conforme preconizo, uma resposta afirmativa à primeira questão submetida, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se uma compensação financeira deve ser concedida, designadamente ao abrigo do artigo 17.o da Diretiva 2000/78, aos agentes contratuais que tenham sido desfavorecidos pelo antigo regime. Entendo que deve ser dada a esta questão uma resposta mitigada, baseada antes no artigo 16.o desta diretiva.
5. Na hipótese inversa, se for dada uma resposta negativa à primeira questão, esse órgão jurisdicional pretende saber se uma regulamentação nacional, como a que está em causa, priva os interessados do direito a uma ação efetiva, na aceção do artigo 47.o da Carta. Embora considere que o Tribunal de Justiça não tem de se pronunciar sobre esta questão subsidiária, apresentarei, no entanto, algumas observações a este respeito.
6. Por último, o Tribunal de Justiça é chamado a determinar se o direito da União — em especial o artigo 45.o TFUE, o artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 492/2011 e os artigos 20.o e 21.o da Carta — se opõe a que os períodos de atividade anteriores de um agente contratual da função pública possam ser considerados de forma diferente, a saber, na íntegra ou parcialmente, em função da qualidade do seu antigo empregador. A meu ver, o direito da União não impede disposições nacionais como as que estão em causa no processo principal.
7. Sublinho que há uma conexão estreita entre este processo e o processo C‑396/17, Leitner, que é objeto de conclusões distintas mas datadas do mesmo dia que as presentes conclusões (5).
II. Quadro jurídico
A. Direito da União
1. Diretiva 2000/78
8. O artigo 1.o da Diretiva 2000/78 dispõe que esta «tem por objeto estabelecer um quadro geral para lutar contra a discriminação em razão da […] idade […], no que se refere ao emprego e à atividade profissional, com vista a pôr em prática nos Estados‑Membros o princípio da igualdade de tratamento».
9. O artigo 2.o desta diretiva, sob a epígrafe «Conceito de discriminação», define, no seu n.o 1, o «princípio da igualdade de tratamento» como sendo «a ausência de qualquer discriminação, direta ou indireta, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.o». No seu n.o 2, alínea a), dispõe que «[se c]onsidera[…] que existe discriminação direta sempre que, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.o, uma pessoa seja objeto de um tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou possa vir a ser dado a outra pessoa em situação comparável».
10. O artigo 6.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Justificação das diferenças de tratamento com base na idade», prevê, no seu n.o 1, primeiro parágrafo, que «[s]em prejuízo do disposto no n.o 2 do artigo 2.o, os Estados‑Membros podem prever que as diferenças de tratamento com base na idade não constituam discriminação se forem objetiva e razoavelmente justificadas, no quadro do direito nacional, por um objetivo legítimo, incluindo objetivos legítimos de política de emprego, do mercado de trabalho e de formação profissional, e desde que os meios para realizar esse objetivo sejam apropriados e necessários». O seu segundo parágrafo especifica que «[e]ssas diferenças de tratamento podem incluir, designadamente […] [a] fixação de condições mínimas de idade, experiência profissional ou antiguidade no emprego para o acesso ao emprego ou a determinadas regalias associadas ao emprego […]».
11. O artigo 9.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Defesa dos direitos», prevê, no seu n.o 1, que «[o]s Estados‑Membros tomam as medidas necessárias para assegurar que todas as pessoas que se considerem lesadas pela não aplicação, no que lhes diz respeito, do princípio da igualdade de tratamento, possam recorrer a processos judiciais e/ou administrativos, incluindo, se considerarem adequado, os processos de conciliação, para exigir o cumprimento das obrigações impostas pela presente diretiva, mesmo depois de extintas as relações no âmbito das quais a discriminação tenha alegadamente ocorrido».
12. O artigo 16.o da Diretiva 2000/78, sob a epígrafe «Cumprimento», prevê, na sua alínea a), que «[o]s Estados‑Membros tomam as medidas necessárias para assegurar que […] [s]ejam suprimidas as disposições legislativas, regulamentares e administrativas contrárias ao princípio da igualdade de tratamento».
13. O artigo 17.o desta diretiva, sob a epígrafe «Sanções», dispõe que «[o]s Estados‑Membros determinam o regime de sanções aplicável às violações das disposições nacionais aprovadas em execução da presente diretiva, e adotam as medidas necessárias para assegurar a aplicação dessas disposições. As sanções, em que se pode incluir o pagamento de indemnizações à vítima, devem ser efetivas, proporcionadas e dissuasivas […]».
2. Regulamento n.o 492/2011
14. Constante da secção 2 do capítulo I do Regulamento n.o 492/2011, sob a epígrafe «Do exercício do emprego e da igualdade de tratamento», o seu artigo 7.o, n.o 1, enuncia que «[o] trabalhador nacional de um Estado‑Membro não pode ser sujeito no território de outro Estado‑Membro, em razão da sua nacionalidade, a um tratamento diferente daquele que é concedido aos trabalhadores nacionais no que respeita a todas as condições de emprego e de trabalho, nomeadamente em matéria de remuneração, de despedimento e de reintegração profissional ou de reemprego, se ficar desempregado».
B. Direito austríaco
1. VBG 2010
15. A classificação dos agentes contratuais na tabela salarial e respetiva progressão, que ocorre, em princípio, de dois em dois anos, regem‑se pela Vertragsbedienstetengesetz de 1948 (6) (Lei de 1948 relativa aos agentes contratuais, a seguir «VBG 1948»), com as alterações que lhe foram introduzidas sucessivamente, em especial para ter em conta os acórdãos do Tribunal de Justiça proferidos no âmbito de litígios relativos às disposições do direito austríaco nesta matéria.
16. Na sequência do Acórdão Hütter (7), a VBG 1948 foi alterada por uma lei federal publicada em 30 de agosto de 2010 (8) (VBG 1948 na versão resultante desta lei, a seguir «VBG 2010»).
17. O § 19, n.o 1, da VBG 2010 enunciava que «[a] progressão na carreira é determinada em função de uma data de referência» e que «[s]alvo disposição em contrário no presente artigo, o período necessário à progressão para o segundo escalão de cada categoria de emprego é de cinco anos, e de dois anos para os outros escalões».
18. O § 26, n.o 1, da VBG 2010 previa que «[s]em prejuízo das restrições enunciadas nos n.os 4 a 8, a data de referência para efeitos de progressão de escalão é determinada tendo em conta, retroativamente, os períodos posteriores a 30 de junho do ano seguinte à admissão ao serviço em que foram ou deveriam ter sido concluídos nove anos de escolaridade após ingresso no primeiro grau de ensino […]».
2. VBG, conforme alterada
19. Na sequência do Acórdão Schmitzer (9), o teor dos §§ 19 e 26 da VBG 1948 foi novamente alterado, com efeito retroativo, por força de uma lei federal publicada em 11 de fevereiro de 2015 (10) (VBG 1948 na versão resultante desta lei, a seguir «VBG 2015»).
20. Além disso, a fim de dar cumprimento a um acórdão do Verwaltungsgerichtshof (Supremo Tribunal Administrativo, Áustria) (11), uma lei federal publicada em 6 de dezembro de 2016 (12) alterou novamente a VBG 1948 (na versão resultante desta lei, a seguir «VBG 2016», e, em conjunto com a VBG 2015, «VBG, conforme alterada»), no que diz respeito à data da entrada em vigor dos §§ 19 e 26 da VBG 2015.
21. Sob a epígrafe «Classificação e progressão», o § 19, n.o 1, da VBG 2015 prevê que «[a] classificação e progressão na carreira é determinada pela antiguidade no escalão».
22. Sob a epígrafe «Antiguidade no escalão», o § 26 da VBG 2015 enuncia:
«1. A antiguidade no escalão compreende a duração dos períodos de atividade úteis para efeitos de progressão, acrescida da duração dos períodos de atividade anteriores suscetíveis de serem tomados em conta.
2. A antiguidade no escalão terá em conta, como períodos de atividade anteriores, os períodos cumpridos
1) no âmbito de uma relação laboral com uma coletividade territorial ou com uma associação de municípios de um Estado‑Membro do Espaço Económico Europeu, da República da Turquia ou da Confederação Suíça;
2) no âmbito de uma relação laboral com um órgão da União Europeia ou com uma organização internacional da qual a [República da] Áustria faça parte;
3) nos quais o agente contratual tenha tido direito a uma pensão de invalidez ao abrigo da Heeresversorgungsgesetz (Lei relativa às pensões das Forças Armadas) […], bem com
4) […] em serviço militar […], em serviço de formação militar […], em serviço cívico […], em serviço militar obrigatório […].
3. Além dos períodos referidos no n.o 2, podem ser tomados em conta como períodos de atividade anteriores, até ao máximo de dez anos, os períodos de exercício de uma atividade profissional ou de um estágio junto de uma Administração que sejam pertinentes. […]»
23. Nos termos do § 100, n.o 70, ponto 3, da VBG 2016, «na versão da lei federal publicada no BGB1. I, 32/2015, entram em vigor: […] as disposições dos §§ 19 e 26, incluindo as suas epígrafes, em 1 de julho de 1948; todas as versões destas disposições, publicadas antes de 11 de fevereiro de 2015, deixam de ser aplicadas nos processos em curso ou futuros […]».
3. GehG, conforme alterada
24. A Gehaltsgesetz 1956 (13) (Lei de 1956 relativa aos salários, a seguir «GehG 1956») também foi alterada por força de leis federais que foram publicadas, respetivamente, em 11 de fevereiro de 2015 e 6 de dezembro de 2016, acima referidas (14) (GehG 1956, na versão resultante destas duas leis, a seguir «GehG, conforme alterada»).
25. Resulta do § 94a da VBG, conforme alterada, que, «para efeitos de transição dos agentes contratuais para o sistema de remuneração recentemente criado pela lei federal publicada no BGB1. ,I 32/2015, aplicam‑se os §§ 169c, 169d e 169e da GehG[, conforme alterada]», relativos à reclassificação dos funcionários que já estão ao serviço no novo regime de remuneração e progressão.
26. Sob a epígrafe «Transição das relações de trabalho em vigor», o § 169c da GehG, conforme alterada, prevê, nos seus n.os 1 a 9:
«1. Todos os funcionários das categorias e níveis salariais mencionados no § 169d que estejam ao serviço em 11 de fevereiro de 2015 serão reclassificados, exclusivamente com base nos seus salários anteriores, no novo regime salarial criado por esta lei, de acordo com as disposições seguintes. Num primeiro momento, os funcionários serão classificados, com base no seu salário anterior, num escalão do novo regime salarial no qual o salário anterior será mantido. […]
2. A transição dos funcionários para o novo regime salarial faz‑se através de uma fixação global da sua antiguidade no escalão. Para essa fixação global é determinante o montante de transição. O montante de transição corresponde ao salário integral, sem eventuais progressões extraordinárias, que serviu para calcular o vencimento mensal do funcionário do mês de fevereiro de 2015 (mês da transição). […]
2a. Considera‑se montante de transição o salário de base do escalão que foi efetivamente aplicado para calcular o vencimento pago no mês de transição (classificação de acordo com a folha de salário). Não é permitida a apreciação da regularidade dos salários, quer quanto aos seus fundamentos quer quanto ao seu montante. Uma retificação posterior do vencimento pago só pode ser tida em conta para efeitos do cálculo do montante de transição,
1) se essa retificação tiver por objeto erros materiais cometidos na introdução dos dados num sistema de tratamento automático de dados, e
2. se os dados introduzidos por erro divergirem manifestamente dos dados que deviam ter sido introduzidos, como demonstravam os documentos já existentes no momento dessa introdução.
[…]
2c. Os n.os 2a e 2b da presente disposição transpõem para o direito austríaco, em matéria de estatuto dos empregados federais e do pessoal docente dos Länder, os artigos 2.o e 6.o da Diretiva 2000/78 […], com a interpretação que lhes foi dada pelo Acórdão [Specht e o. (15)]. As modalidades de transição dos funcionários nomeados antes da entrada em vigor da reforma federal das remunerações de 2015 foram, portanto, estabelecidas no novo regime de remuneração e preveem, por um lado, que o escalão remuneratório em que estão doravante classificados é determinado unicamente com base no vencimento obtido ao abrigo do antigo regime de remuneração, apesar de este regime se basear numa discriminação em razão da idade do funcionário, e, por outro, que a ulterior progressão para um escalão remuneratório superior é doravante calculada unicamente em função da experiência profissional adquirida desde a entrada em vigor da reforma das remunerações de 2015.
3. A antiguidade no escalão remuneratório dos funcionários reclassificados é calculada com base no período de tempo necessário para progredir do primeiro escalão (a partir do primeiro dia) para o escalão da mesma categoria profissional a que corresponde, na versão em vigor em 12 de fevereiro de 2015, o salário de montante imediatamente inferior ao montante de transição. Se o montante de transição for igual ao montante mais baixo de um escalão da mesma categoria profissional, será este o nível salarial aplicável. Todos os montantes comparados devem ser arredondados para a unidade de euro mais próximo.
[…]
6. […] Se o novo vencimento do funcionário for inferior ao montante de transição, ser‑lhe‑á pago, a título de prémio complementar, um prémio de manutenção correspondente à diferença, que será considerado para o cálculo da pensão de reforma […], até atingir um escalão remuneratório superior ao montante de transição. A comparação dos montantes inclui os eventuais prémios de antiguidade ou as progressões excecionais.
[…]
9. A fim de preservar as expectativas ligadas à progressão seguinte, à progressão excecional ou ao prémio de antiguidade no anterior regime de remuneração, é devido ao funcionário um prémio de manutenção, que será considerado para o cálculo da pensão de reforma, sob a forma de um prémio complementar […], assim que atingir o escalão transitório […].»
III. Litígio no processo principal, questões prejudiciais e tramitação do processo no Tribunal de Justiça
27. A ÖGB, que representa, designadamente, os agentes contratuais que têm uma relação laboral de caráter privado com a República da Áustria, propôs uma ação contra esta última, junto do Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal), com vista a obter a declaração de que as disposições do regime de remuneração e progressão aplicável a esses agentes desde a reforma da VBG 1948 ocorrida em início de 2015 (16), permanecem contrárias ao direito da União, bem como a aplicação de outras modalidades a favor dos interessados.
28. Para fundamentar a sua ação, a ÖGB alega que a discriminação em razão da idade decorrente do antigo regime foi mantida pelo novo regime, pelo facto de a remuneração devida em fevereiro de 2015 ser considerada como ponto referência para efeitos de reclassificação salarial dos agentes em causa. Acrescenta que estes últimos não têm nenhuma possibilidade de obter a fiscalização da legalidade da referida remuneração, devido à supressão retroativa da «data de referência para efeitos de progressão» até então aplicável.
29. Por outro lado, alega que a distinção prevista entre os períodos de atividade anteriores cumpridos ao serviço de uma coletividade territorial de um Estado‑Membro do Espaço Económico Europeu (EEE) ou de uma entidade equiparada, que devem ser considerados na íntegra, e períodos cumpridos ao serviço de outros empregadores, que apenas são tidos em conta de forma limitada, é contrária à interpretação do direito da União dada pelo Tribunal de Justiça (17).
30. A República da Áustria contestou estas pretensões, invocando, por um lado, que a regulamentação adotada em 2015 respeita a jurisprudência do Tribunal de Justiça (18). Além disso, refuta o argumento relativo à alegada violação do direito a uma ação efetiva.
31. Por outro lado, alega que é conforme com o direito da União o facto de essa regulamentação considerar na íntegra apenas os períodos de atividade anteriores cumpridos no âmbito de uma relação laboral que implique uma proximidade especial com o serviço público.
32. Neste contexto, por decisão de 19 de dezembro de 2016, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 18 de janeiro de 2017, o Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:
«1. a) Deve o direito da União, em especial os artigos 1.o, 2.o e 6.o da Diretiva 2000/78 […], [conjugados] com o artigo 21.o da Carta […], ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que substitui um regime salarial discriminatório em razão da idade (relativamente ao cálculo dos períodos de [atividade] anteriores cumpridos antes dos 18 anos) por um novo sistema salarial, mas em que a transição dos agentes atuais para o novo sistema salarial se faz de modo que o novo sistema salarial é aplicado retroativamente à data da entrada em vigor da lei original, sendo porém a primeira classificação no novo sistema salarial adaptada [em função do] salário efetivamente pago, nos termos do [antigo] sistema salarial[, num] determinado mês de transição (fevereiro de 2015), de modo que [os efeitos financeiros da] discriminação em razão da idade [são mantidos]?
b) Em caso de resposta afirmativa à [primeira] questão [alínea a)]: [d]eve o direito da União, em especial o artigo 17.o da Diretiva 2000/78[…], ser interpretado no sentido de que os agentes [que estão ao serviço], que eram discriminados no anterior sistema salarial em relação à contagem dos períodos de [atividade] cumpridos antes dos 18 anos, devem receber uma compensação financeira, quando [os efeitos financeiros desta] discriminação em razão da idade [são mantidos mesmo] após a transição para o novo sistema salarial?
c) Em caso de resposta negativa à [primeira] questão [alínea a)]: [d]eve o direito da União, em especial o artigo 47.o da Carta, ser interpretado no sentido de que o direito fundamental [a uma ação] efetiva nele consagrado se opõe a uma legislação nacional segundo a qual o anterior sistema salarial discriminatório [deixa de ser] aplicável nos processos [em curso] [ou] futur[o]s e a transição de regime salarial dos agentes [que estão ao serviço] para o novo regime é adaptada exclusivamente [com base no] salário [calculado] ou efetivamente pago [no] mês da transição?
2) Deve o direito da União, em especial o artigo 45.o TFUE, o artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento [n.o 492/2011] e os artigos 20.o e seguintes da Carta, ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação segundo a qual os períodos de [atividade] anteriores de um agente contrat[ual cumpridos]
– no [âmbito] de uma relação de [trabalho] com uma coletividade territorial ou com uma associação de municípios de um Estado‑Membro do [EEE], da República da Turquia ou da Confederação Suíça, com [um órgão] da União Europeia ou com uma [organização] internacional da qual a Áustria faça parte, podem ser tomados em conta na sua totalidade, e
– no quadro de uma relação de [trabalho] com outro empregador e apenas no exercício de uma atividade profissional pertinente ou de um estágio administrativo […] [só] podem ser tomados em conta até ao limite máximo total de dez anos?»
33. Foram apresentadas observações escritas no Tribunal de Justiça pela ÖGB, pelo Governo austríaco e pela Comissão.
34. Por correspondência enviada em 14 de junho de 2018, o Tribunal de Justiça dirigiu um pedido de esclarecimentos, que o órgão jurisdicional de reenvio satisfez, e colocou uma pergunta para resposta escrita, à qual responderam a ÖGB, o Governo austríaco e a Comissão.
35. Na audiência de 12 de setembro de 2018, essas mesmas partes e interessados apresentaram as suas observações orais.
IV. Análise
A. Observações preliminares
36. O presente processo diz respeito à nova regulamentação austríaca relativa às modalidades segundo as quais a experiência adquirida antes do início de funções é considerada para efeitos de classificação e progressão dos agentes contratuais da função pública. Este sistema de remuneração, que resulta da reforma da VBG 1948 no início de 2015, é análogo ao que foi instaurado concomitantemente para os funcionários (19).
37. Ao abrigo deste novo sistema, a classificação de um agente contratual na tabela salarial e sua subsequente progressão de escalão são determinados em função não de uma «data de referência», ponto de partida fictício, mas da «antiguidade» na referida tabela (20). Para o cálculo desta última, tem‑se em conta, além da duração da relação laboral em curso, os períodos de atividade anteriores ao início de funções, desde que estes sejam expressamente considerados pertinentes, e isto de forma variável consoante o tipo de empregador, a saber, na íntegra, quando os períodos de atividade foram cumpridos ao serviço das entidades públicas designadas, mas apenas até ao limite máximo total de dez anos, nos restantes casos (21).
38. Os agentes contratuais que estão ao serviço à data da entrada em vigor da reforma (22), que se aplica de forma retroativa (23), transitam para o novo sistema de remuneração por via de uma reclassificação que, resumidamente, opera da seguinte forma (24). Em primeiro lugar, todos os agentes em causa são classificados num escalão do novo sistema com base na sua remuneração anterior. Em seguida, a sua antiguidade é fixada de forma global na tabela salarial, em função de um «montante de transição», que corresponde ao escalão remuneratório que determinou efetivamente a remuneração paga pelo empregador no mês de fevereiro de 2015, dito «mês da transição», sendo que a regularidade desta remuneração apenas pode ser objeto de apreciação em caso de erros materiais e manifestos de codificação (25).
39. As questões submetidas pelo Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal) convidam o Tribunal de Justiça, em substância, a determinar se a nova regulamentação em causa perpetua, relativamente aos agentes contratuais que já estão ao serviço, a discriminação baseada na idade, contrária ao direito da União, que foi salientada pelo Acórdão Schmitzer (26), como afirma a ÖGB, ou se não for esse o caso, conforme sustenta a demandada no processo principal.
40. Esse órgão jurisdicional interroga‑se, em primeiro lugar, sobre a compatibilidade com o direito da União das modalidades segundo as quais é efetuada a transição dos agentes contratuais do antigo regime austríaco de remuneração e progressão, julgado discriminatório, para o novo regime (secção B). Mais especificamente, aponta o facto de a transição ser efetuada sem uma compensação financeira dos agentes que foram prejudicados pelo antigo sistema (secção C). A título subsidiário, refere também que este novo regime não permite aos agentes reclassificados obter a reapreciação do elemento de referência que foi fixado segundo as regras do antigo regime, o que os pode privar do direito à uma proteção jurisdicional efetiva (secção D). Por último, pergunta se o direito da União se opõe às regras segundo das quais os períodos de atividade anteriores devem ser considerados na íntegra ou apenas em parte, consoante a qualidade do empregador ao serviço do qual foram cumpridos (secção E).
B. Quanto às modalidades de transição dos agentes contratuais do anterior regime de remuneração e progressão para o novo regime [primeira questão, alínea a)]
41. Com a primeira parte da sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o direito da União, designadamente os artigos 1.o, 2.o e 6.o da Diretiva 2000/78, lidos em conjugação com o artigo 21.o da Carta, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional nos termos da qual um regime de remuneração discriminatório é substituído por um novo regime, quando a transição de todos os agentes contratuais que estão ao serviço para este último regime é efetuada de tal forma que a primeira classificação no novo regime é fixada em função do salário pago num determinado mês, que foi calculado em conformidade com o antigo regime (27). Antes de mais, saliento que, pelos termos utilizados no final da sua questão (28), o órgão jurisdicional de reenvio indica de forma explícita que considera a priori que a discriminação anterior é perpetuada pela regulamentação em causa (29).
42. A este respeito, a ÖGB alega que, uma vez que a regulamentação objeto do litígio no processo principal prevê que a reclassificação dos agentes contratuais que já estão ao serviço é efetuada com base na remuneração paga no mês de fevereiro de 2015, que foi fixada de forma discriminatória, a discriminação baseada na idade decorrente do antigo regime de remuneração persiste por causa desta ligação (30), e que os motivos invocados para justificar esta regulamentação não são conformes ao direito da União. O Governo austríaco não desmente que os efeitos da discriminação criada pelo antigo regime possam perdurar deste modo, mas afirma que as modalidades adotadas para efetuar a transição dos referidos agentes para o novo regime de remuneração são não só justificadas por objetivos legítimos, mas também adequadas e necessárias para alcançar esses objetivos. Em contrapartida, a Comissão considera que tal regulamentação não é compatível com as exigências decorrentes dos artigos 2.o e 6.o da Diretiva 2000/78, na medida em que mantém uma diferença de tratamento baseada na idade que não é devidamente justificada. Partilho também desta opinião pelos motivos a seguir expostos.
43. Desde logo, no que se refere às disposições visadas na presente questão prejudicial, saliento que o princípio da não discriminação em razão da idade é consagrado no artigo 21.o da Carta e materializado pela Diretiva 2000/78, mas que, no âmbito de um litígio como o do processo principal, convém examinar esta questão à luz desta diretiva, tendo em conta que as medidas nacionais em causa estão abrangidas pelo seu âmbito de aplicação (31). Além disso, uma vez que nem o objeto da Diretiva 2000/78 nem os fatores de discriminação por ela proibidos, conforme definidos no seu artigo 1.o, são diretamente sondados no presente processo, não me parece necessário que o Tribunal de Justiça proceda a uma interpretação desta disposição.
44. Em seguida, no que se refere às alegações formuladas relativamente à regulamentação nacional em causa no processo principal, afigura‑se‑me que esta é contestada no que diz respeito às modalidades segundo as quais os agentes que já estavam ao serviço aquando da adoção da reforma de 2015 transitam do anterior regime de remuneração, julgado discriminatório (32), para o novo regime. Por outras palavras, há que determinar se as disposições em causa são suscetíveis de perpetuar a discriminação em razão da idade que decorre desse antigo regime, antes de examinar se estas disposições são objetiva e razoavelmente justificadas, de modo a escapar à proibição prevista pela Diretiva 2000/78.
45. Em primeiro lugar, no que respeita à existência de uma discriminação baseada na idade, observo que, nos termos do artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2000/78, existe uma discriminação direta sempre que, designadamente em razão da idade, uma pessoa seja objeto de um tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou possa vir a ser dado a outra pessoa em situação comparável.
46. Além disso, recordo que, no Acórdão Schmitzer (33), na origem da reforma aqui em causa (34), o Tribunal de Justiça considerou que a regulamentação austríaca anterior a esta reforma continha uma diferença de tratamento diretamente baseada na idade na aceção daquela disposição e que esta diferença não era devidamente justificada por objetivos legítimos, pelo que estava abrangida pela proibição prevista no referido artigo 2.o, n.o 2, alínea a).
47. Por outro lado, o Tribunal de Justiça declarou de forma reiterada que sempre que a reclassificação de uma categoria de pessoas num novo sistema de remuneração seja efetuada exclusivamente em função de um parâmetro relacionado com a idade, decorrente do antigo sistema, as disposições nacionais deste tipo são suscetíveis de perpetuar a diferença de tratamento, baseada na idade, no novo sistema (35).
48. No caso em apreço, o § 169c da GehG, conforme alterada, lido em conjugação com o § 94a da VBG, conforme alterada, prevê que a reclassificação dos agentes contratuais que estão ao serviço é efetuada «exclusivamente com base no seu salário anterior» (36), o qual se baseia, ele próprio, na idade. Deste modo, estas disposições perpetuam uma situação discriminatória nos termos da qual os agentes que eram desfavorecidos pelo antigo sistema auferem uma remuneração menor do que a auferida por outros agentes, ainda que as suas situações sejam comparáveis, e isto unicamente devido à idade que tinham quando exerceram as atividades anteriores a ter em conta.
49. O órgão jurisdicional de reenvio pronuncia‑se no mesmo sentido. Remetendo para a jurisprudência do Tribunal de Justiça acima mencionada, o Governo austríaco reconhece, aliás, que estas disposições do novo sistema de remuneração são suscetíveis de prolongar os efeitos discriminatórios do antigo sistema (37). Além disso, a Comissão expõe que resulta de trabalhos preparatórios nacionais que foi de forma absolutamente intencional que o legislador austríaco optou por um método com tais consequências (38).
50. Portanto, a meu ver, é inegável que uma regulamentação como a que está em causa perpetua uma situação discriminatória, ou seja, a diferença de tratamento diretamente baseada na idade na aceção do artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2000/78, que foi constatada pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Schmitzer (39). Por conseguinte, as discriminações que existiam antes da reforma em causa vão, inevitavelmente, prosseguir, e isto de forma não apenas provisória, mas duradoura, até mesmo definitiva (40).
51. Em segundo lugar, relativamente à eventual justificação da diferença de tratamento que assim persiste, há que recordar que o artigo 6.o da Diretiva 2000/78 permite afastar a qualificação de discriminação direta na aceção do seu artigo 2.o, e, consequentemente, a proibição daí resultante, sempre que as diferenças de tratamento com base na idade forem «objetiva e razoavelmente justificadas, no quadro do direito nacional, por um objetivo legítimo», como os enumerados neste artigo 6.o (41), e desde que «os meios para realizar esse objetivo sejam apropriados e necessários».
52. Em conformidade com jurisprudência constante, no âmbito de um reenvio prejudicial, embora caiba em última instância ao juiz nacional, que tem competência exclusiva para apreciar os factos, determinar se e em que medida a regulamentação interna em causa no processo principal está em conformidade com esses requisitos, o Tribunal de Justiça, chamado a fornecer ao juiz nacional respostas úteis, tem competência para dar indicações, extraídas dos autos do processo principal, bem como das observações que lhe tenham sido submetidas, suscetíveis de lhe permitir proferir a decisão no litígio que lhe está submetido (42).
53. Quanto aos objetivos suscetíveis de justificar o teor da regulamentação em causa, o órgão jurisdicional de reenvio (43) e o Governo austríaco referem que as modalidades de transição adotadas na reforma de 2015 visavam, por um lado, evitar as dificuldades demasiado importantes que resultariam de uma fixação específica para cada um dos muitos agentes em causa (44), por outro lado, manter a operação neutra em termos de custos para o Estado, e, por último, prevenir descidas importantes do nível de remuneração para estes agentes.
54. Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que justificações baseadas em eventuais dificuldades administrativas e no aumento dos encargos financeiros não podem, em princípio, servir de fundamento ao desrespeito das obrigações decorrentes da proibição de discriminações em razão da idade, prevista pela Diretiva 2000/78. No entanto, o Tribunal de Justiça admitiu que não se pode exigir um exame de cada caso particular para determinar individualmente os períodos de experiência anteriores, na medida em que a gestão do regime em causa deve ser viável do ponto de vista técnico e económico (45).
55. Por outro lado, é ponto assente que a vontade, expressamente manifestada pelo legislador austríaco (46), de oferecer a uma categoria de pessoas a garantia de uma transição para o novo sistema de remuneração sem perdas financeiras e, portanto, no respeito dos direitos adquiridos e da proteção da confiança legítima destas pessoas, constitui um objetivo legítimo de política de emprego e do mercado de trabalho (47), que pode justificar, durante um período transitório, a manutenção das remunerações anteriores e, por consequência, de um regime discriminatório em razão da idade (48).
56. Uma vez que a regulamentação nacional em causa no processo principal prossegue efetivamente um objetivo legítimo na aceção do artigo 6.o da Diretiva 2000/78, há que verificar, a seguir, se os meios utilizados são adequados e necessários para atingir esse fim, em conformidade com esta disposição.
57. Quanto ao caráter adequado de tais disposições, à semelhança do órgão jurisdicional de reenvio e da Comissão, tenho sérias dúvidas de que o elemento controvertido da reforma de 2015, a saber, a reclassificação de todos os agentes contratuais que estão ao serviço «exclusivamente com base no seu salário anterior» (49), possa ser considerada adequada para atingir o objetivo de proteção, tanto dos direitos adquiridos como da confiança legítima de todas as pessoas abrangidas por esse dispositivo.
58. Com efeito, resulta das indicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio que o legislador austríaco adotou diversas medidas destinadas a evitar que todas estas pessoas, quer tenham sido ou não favorecidas pelo antigo regime, sofram uma perda importante de salário por causa da referida reforma (50). Ora, o próprio facto de tais medidas transitórias terem de ser adotadas, em complemento do dispositivo baseado na remuneração anterior que é posto em causa, permite presumir que este não é apto por si só e, portanto, em si mesmo, a preservar os direitos adquiridos e as expectativas legítimas dos interessados.
59. Além disso, quanto ao caráter necessário de disposições como as que estão em causa no processo principal, considero que o dispositivo adotado em 2015 vai além do que é necessário para atingir o objetivo acima referido. Conforme indica a Comissão (51), e apesar da opinião contrária do Governo austríaco, outros tipos de medidas, menos penalizadoras para as pessoas desfavorecidas pelo antigo regime (52), poderiam ter sido aplicadas para preservar os direitos adquiridos e a confiança legítima de todos os agentes em causa (53), sem que, a meu ver, a gestão do novo regime se tornasse inviável de um ponto de vista técnico e económico (54).
60. Esta constatação impõe‑se, a meu ver, sobretudo, atendendo à duração ilimitada do novo dispositivo, que não permite uma convergência progressiva do tratamento reservado aos agentes desfavorecidos pelo antigo regime para o tratamento concedido aos agentes favorecidos, de modo a que os primeiros beneficiem a médio ou mesmo a curto prazo, e, em todo o caso, após um período previsível, de uma recuperação das vantagens concedidas aos segundos (55).
61. A este respeito, recordo que o Tribunal de Justiça já declarou que o objetivo em causa não pode justificar uma medida que, como no caso em apreço, mantém definitivamente a diferença de tratamento em razão da idade que a reforma de um regime discriminatório visa eliminar. Tal medida, embora possa assegurar a proteção dos direitos adquiridos e da confiança legítima em relação aos funcionários favorecidos pelo regime anterior, não é adequada para estabelecer um regime não discriminatório para os funcionários desfavorecidos por esse regime anterior (56).
62. Por fim, esclareço que o argumento aduzido pelo Governo austríaco segundo o qual o Gewerkschaft Öffentlicher Dienst (Sindicato da Função Pública, Áustria) deu o seu acordo em relação às modalidades da reforma em questão não é suscetível de pôr em causa a análise anterior. Com efeito, tal como os Estados‑Membros, os parceiros sociais devem agir no respeito das obrigações resultantes da Diretiva 2000/78 (57), mesmo que o papel por eles desempenhado possa ser crucial aquando da elaboração de determinadas normas (58).
63. Por conseguinte, considero que, não obstante a ampla margem de apreciação reconhecida aos Estados‑Membros e aos parceiros sociais na escolha não só da prossecução de um determinado objetivo em matéria de política social e de emprego, mas também na definição das medidas suscetíveis de o realizar (59), o legislador austríaco não podia razoavelmente considerar que era adequado e necessário adotar disposições nacionais como o § 169c da GehG, conforme alterada, lido em conjugação com o § 94a da VBG, conforme alterada.
64. À luz de todas estas considerações, entendo que os artigos 2.o e 6.o da Diretiva 2000/78 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a modalidades segundo as quais os agentes contratuais que já estão ao serviço transitam de um antigo regime de remuneração discriminatório para um novo regime, como as modalidades previstas pela regulamentação nacional em causa no processo principal.
C. Quanto a necessidade de pagar uma compensação financeira aos agentes contratuais desfavorecidos [primeira questão, alínea b)]
65. Importa salientar que o órgão jurisdicional de reenvio submete a segunda parte da sua primeira questão na hipótese de o Tribunal de Justiça declarar previamente que uma discriminação baseada na idade é perpetuada por uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal. Tendo em conta a resposta afirmativa que preconizo que seja dada à primeira parte da primeira questão, considero que o Tribunal de Justiça terá de responder à segunda parte desta questão.
66. O órgão jurisdicional de reenvio pretende aqui saber, em substância, que consequências jurídicas devem ser retiradas da constatação de que uma violação do princípio da não discriminação é mantida por um dispositivo como o que está em causa, que visa a transição de agentes contratuais para um novo regime de remuneração e progressão. Mais especificamente, pergunta se «o direito da União, em especial o artigo 17.o da Diretiva 2000/78», impõe ou não a concessão de uma compensação financeira (60) aos agentes que já estavam ao serviço e foram discriminados em razão da idade pelo efeito do antigo regime de remuneração e progressão, à luz dos anteriores acórdãos do Tribunal de Justiça (61).
67. Sem se referir expressamente ao artigo 17.o da Diretiva 2000/78, a ÖGB alega que, até que o direito da União seja corretamente aplicado, as pessoas desfavorecidas devem beneficiar das mesmas vantagens que as pessoas favorecidas. O Governo austríaco não apresentou observações específicas sobre esta segunda parte da primeira questão prejudicial (62). A Comissão, após ter referido especificamente este artigo 17.o nas suas observações e considerado que uma compensação financeira pode ser devida no caso em apreço, acaba por sugerir que se responda que, na falta de um sistema conforme com esta diretiva, devem ser concedidas aos agentes desfavorecidos pelo regime anterior as mesmas vantagens de que beneficiaram os agentes favorecidos por esse regime, no que diz respeito à tomada em consideração dos períodos de atividade cumpridos antes dos 18 anos de idade, mas também à progressão de escalão remuneratório.
68. Apesar de ter um entendimento análogo, em substância, à proposta final daquela instituição, considero, no entanto, que o artigo 17.o da Diretiva 2000/78, mencionado na presente questão prejudicial, não é o fundamento jurídico adequado para apreciar a necessidade ou não de conceder uma compensação financeira às pessoas discriminadas, em tais circunstâncias (63).
69. Com efeito, saliento que este artigo 17.o, relativo às sanções que os Estados‑Membros devem aplicar a quem violar as disposições nacionais adotadas para transpor aquela diretiva (64), não abrange o presente caso, em que está em causa a forma como um Estado‑Membro deve eventualmente corrigir (65) uma discriminação gerada não por uma violação dessas disposições nacionais que deva ser punida de modo adequado (66), mas pelo desrespeito das exigências do direito da União por parte dessas mesmas disposições nacionais.
70. Considero que é mais adequado remeter, neste caso, para o disposto no artigo 16.o da Diretiva 2000/78, relativo à obrigação de os Estados‑Membros alterarem as suas normas nacionais para as tornar conformes com o princípio da não discriminação, tal como foi feito pelo Tribunal de Justiça, por diversas vezes, inclusive muito recentemente, em contextos semelhantes de reformulação de regimes nacionais de remuneração por motivo de discriminação (67). Assim, proponho responder à presente questão tendo em consideração o disposto no artigo 16.o desta diretiva (68).
71. A este respeito, o Tribunal de Justiça já declarou que o referido artigo 16.o impõe aos Estados‑Membros que alterem as suas regulamentações nacionais de modo a ficarem conformes com o direito da União, deixando‑lhes, porém, a liberdade de optar, entre as diferentes medidas destinadas a pôr termo a uma discriminação proibida, pela que lhes pareça mais adequada para o efeito. Em conformidade com esta jurisprudência, a supressão de uma discriminação baseada na idade, como a que está em causa no processo principal, não implica necessariamente que o trabalhador discriminado sob o regime legal anterior beneficie automaticamente do direito a receber retroativamente uma compensação financeira, que consiste na diferença entre o salário que teria auferido na falta de discriminação e o que efetivamente recebeu, ou um aumento dos salários futuros. Só assim será enquanto não forem adotadas pelo legislador nacional medidas que restabeleçam a igualdade de tratamento. Com efeito, neste caso, o cumprimento do princípio da igualdade apenas pode ser assegurado pela concessão às pessoas da categoria desfavorecida das mesmas vantagens de que beneficiam as pessoas da categoria privilegiada, regime este que, por falta de aplicação correta do direito da União, é o único sistema de referência válido (69).
72. Ora, a regulamentação em causa corresponde, a meu ver, a esta última hipótese, dado que, pelas razões expostas no âmbito da primeira questão prejudicial, alínea a) (70), as medidas adotadas pelo legislador austríaco, com vista à transição dos agentes contratuais que estão ao serviço para o novo regime de remuneração e progressão, não permitem restabelecer uma igualdade de tratamento a favor dos agentes desfavorecidos pelo antigo regime (71). Uma vez que a nova regulamentação mantém os efeitos discriminatórios da regulamentação anterior (72), o respeito do princípio da igualdade de tratamento implica atribuir a estas pessoas as mesmas vantagens que as concedidas aos agentes contratuais que foram favorecidos pelo antigo regime, tanto no que diz respeito à tomada em consideração dos períodos de atividade cumpridos antes dos 18 anos de idade como à progressão de escalão remuneratório (73). Mais especificamente, entendo a jurisprudência acima referida no sentido de que significa que o restabelecimento de uma igualdade de tratamento pode ir até ter de pagar uma compensação financeira aos agentes desfavorecidos se um reequilíbrio a seu favor não for atingido, o mais rapidamente possível (74), por qualquer outro meio adequado para assegurar a convergência exigida por força do direito da União.
73. É neste sentido que, a meu ver, deve ser interpretado o artigo 16.o da Diretiva 2000/78 para dar uma resposta útil à segunda parte da primeira questão prejudicial.
D. Quanto à admissibilidade do novo regime de remuneração e progressão à luz do direito a uma proteção jurisdicional efetiva [primeira questão, alínea c)]
74. Antes de mais, sublinho que a primeira questão, alínea c), é colocada apenas no caso de resposta negativa à primeira questão, alínea a), ou seja, se o Tribunal de Justiça julgar que uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal já não viola as disposições do direito da União, na medida em que pôs bem termo à discriminação em razão da idade anteriormente verificada. Dado que proponho, pelo contrário, que seja dada uma resposta afirmativa à primeira questão, alínea a), considero que o Tribunal de Justiça não terá de se pronunciar sobre a presente questão. No entanto, por forma a ser exaustivo, apresentarei algumas observações a este respeito.
75. Com esta questão (75), o Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal) pretende saber se o direito da União, mais especificamente o artigo 47.o da Carta, deve ser interpretado no sentido de que o direito fundamental a uma proteção jurisdicional efetiva se opõe a uma regulamentação nacional que prevê que o antigo sistema de remuneração e progressão, julgado discriminatório, deixa de poder ser aplicado nos processos em curso ou futuros (76), e que a transição dos agentes contratuais que já estão ao serviço para o novo sistema se efetua exclusivamente com base no salário pago no mês em que a transição ocorreu (77). Este órgão jurisdicional tende a considerar que esta regulamentação é compatível com o direito da União, com o fundamento de que «o artigo 47.o, primeiro parágrafo, da Carta exige apenas um processo judicial em que possam ser tomadas medidas adequadas e indicadas para constatar e pôr termo a uma violação do direito no caso em apreço».
76. Em contrapartida, a ÖGB afirma que a supressão retroativa do fator de progressão que era aplicável até à adoção da reforma controvertida (78) retira às pessoas interessadas a possibilidade de obter a fiscalização, por um órgão jurisdicional independente, da legalidade do salário que é doravante tomado como base de reclassificação (79), e, portanto, priva os interessados do direito a uma ação efetiva consagrado no artigo 47.o da Carta (80). O Governo austríaco não apresentou observações sobre esta questão (81). Por sua vez, a Comissão considera, a título subsidiário, que o referido artigo 47.o deve ser interpretado, se necessário, no sentido de que não se opõe a tais disposições nacionais. Sou também desta opinião, pelas razões que se seguem.
77. Antes de mais, considero que é incontestável que o presente processo se refere a uma situação em que um Estado‑Membro aplicou o direito da União, na aceção do artigo 51.o, n.o 1, da Carta, pelo que o legislador federal tinha o dever de respeitar os direitos fundamentais garantidos no artigo 47.o da Carta, mais especificamente o direito de os particulares beneficiarem de uma proteção jurisdicional efetiva das prerrogativas que o direito da União lhes confere (82). Saliento que esta proteção também está, de resto, prevista de forma expressa pela Diretiva 2000/78 (83), cuja transposição era explicitamente visada nos termos da regulamentação aqui em causa (84).
78. Além disso, recordo que cada Estado‑Membro dispõe de uma certa autonomia nesta matéria, que lhe permite definir as modalidades processuais das ações judiciais destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos conferidos aos particulares pelo direito da União, desde que essas modalidades respeitem os dois limites fixados pela jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a saber, o princípio da equivalência e o princípio da efetividade (85). Tal como já foi salientado, as exigências decorrentes do artigo 47.o da Carta, que o Tribunal de Justiça pôde estabelecer, são tão circunscritas quanto dependentes de múltiplos fatores, e o direito a uma ação efetiva, em especial, não implica que os órgãos jurisdicionais nacionais competentes possam necessariamente, em todas as circunstâncias, reformar as decisões impugnadas em relação a todos os elementos em que estas se baseiam (86).
79. Por outro lado, devido às ligações existentes entre o artigo 47.o, primeiro parágrafo, da Carta e o artigo 13.o da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (87), há que ter em conta a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem relativa a esta última disposição (88). Ora, resulta desta jurisprudência que o direito a uma ação efetiva perante um tribunal deve permitir aos litigantes invocar os direitos e liberdades consagrados pela referida Convenção, sendo que este direito faz recair sobre os Estados uma obrigação cujo alcance varia em função da natureza da alegação do demandante, e que o caráter efetivo da ação não depende da certeza de um desfecho favorável para o interessado (89).
80. No caso em apreço, constato que, no âmbito do novo regime austríaco de remuneração e progressão, o alcance da fiscalização material que os órgãos jurisdicionais nacionais competentes podem exercer relativamente ao «montante de transição», que determina a reclassificação dos agentes contratuais em causa (90), é reduzido (91). Com efeito, esta fiscalização apenas pode incidir sobre as inexatidões resultantes de erros de codificação dos dados pertinentes (92), e não sobre uma eventual irregularidade no cálculo do salário em que se baseia o referido montante, cálculo efetuado com base no antigo regime de remuneração.
81. No entanto, conforme foi referido tanto pelo órgão jurisdicional de reenvio como pela Comissão, todas as pessoas afetadas pela reforma controvertida — ou seja, os agentes contratuais que já estavam ao serviço, quer tenham sido favorecidos ou desfavorecidos pelo antigo regime — dispõem de vias judiciais que lhes permitem obter a fiscalização da legalidade do sistema ao abrigo do qual transitam para o novo regime de remuneração e progressão (93). Esta fiscalização jurisdicional da validade das normas em causa pode ser exercida, em especial, à luz das exigências do direito da União (94), de modo que uma eventual incompatibilidade da reforma com essas exigências possa ser detetada. A ação judicial instaurada no processo principal (95), que deu origem ao presente pedido de decisão prejudicial, é, aliás, reveladora da existência e da eficácia dessas vias judiciais. Os interessados podem, assim, recorrer aos órgãos jurisdicionais austríacos para fazer valer os direitos que lhes são conferidos pelo direito da União, em termos, a meu ver, compatíveis com o conteúdo acima referido do direito fundamental a uma ação efetiva, na aceção do artigo 47.o da Carta, e que permitem, mais especificamente, fazer respeitar as obrigações decorrentes da Diretiva 2000/78.
82. Por conseguinte, na hipótese de o Tribunal de Justiça se pronunciar quanto à primeira questão, alínea c), proponho que responda que o artigo 47.o da Carta deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a disposições nacionais como as referidas nesta questão.
E. Quanto à variabilidade da tomada em consideração de períodos de serviço anteriores (segunda questão)
83. Com a sua última questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta ao Tribunal de Justiça, em substância, se o direito da União — em especial o artigo 45.o TFUE, o artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 492/2011 e os artigos 20.o e 21.o da Carta — deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, que prevê que os períodos de atividade anteriores de um agente contratual da função pública são considerados, para efeitos de classificação e progressão desse agente contratual, de forma diferente consoante a qualidade do antigo empregador, ou seja, na íntegra sempre que esses serviços tenham sido prestados junto de uma coletividade territorial de um Estado‑Membro do EEE ou de uma entidade do setor público equiparada, ou apenas em parte, nos outros casos (96).
84. A este respeito, a ÖGB alega que uma regulamentação deste tipo é contrária ao princípio da igualdade de tratamento entre os nacionais e os cidadãos de outros Estados‑Membros, sem especificar os elementos constitutivos desta alegada discriminação, e afirma que nenhum motivo legítimo a justifica. Em contrapartida, o Governo austríaco e a Comissão sustentam que o direito da União não se opõe a tal regulamentação. Partilho deste último ponto de vista pelas seguintes razões.
85. Em primeiro lugar, no que diz respeito aos «artigos 20.o e seguintes da Carta», relativos à igualdade perante a lei e à não discriminação, que me parecem ser referidos simplesmente para completar as outras disposições citadas na presente questão prejudicial (97), saliento que o artigo 52.o, n.o 2, da Carta dispõe que os direitos nela expressamente reconhecidos, que se regem por disposições constantes dos Tratados, entre os quais figura a livre circulação dos trabalhadores garantida pelo artigo 45.o TFUE, são exercidos de acordo com as condições e limites definidos por estes últimos instrumentos. Daqui resulta que, para responder à questão submetida, a análise do referido artigo 45.o é suficiente (98).
86. Em seguida, recordo que o artigo 45.o, n.o 2, TFUE dispõe que a livre circulação dos trabalhadores implica a abolição de toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade, entre os trabalhadores dos Estados‑Membros, no que diz respeito ao emprego, à remuneração e demais condições de trabalho. Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 492/2011 constitui uma expressão particular desta proibição no domínio específico das condições de emprego e de trabalho, pelo que estas duas disposições devem ser interpretadas da mesma forma (99).
87. Como referem tanto o órgão jurisdicional de reenvio como a Comissão, o n.o 4 do referido artigo 45.o prevê que as suas disposições não são aplicáveis aos empregos na Administração Pública (100), mas considero que esta exceção não é operante no presente caso, dado que a regulamentação em causa não limita o acesso a tais empregos apenas aos nacionais austríacos e que o litígio no processo principal me parece envolver pessoas que já foram admitidas ao serviço na Administração Pública austríaca (101).
88. O Tribunal de Justiça tem julgado de forma constante que o princípio da igualdade de tratamento inscrito tanto no artigo 45.o TFUE como no artigo 7.o do Regulamento n.o 492/2011 proíbe não só as discriminações diretas, ostensivamente baseadas na nacionalidade, mas ainda qualquer forma indireta de discriminação que, mediante a aplicação de outros critérios de distinção, conduza efetivamente ao mesmo resultado (102).
89. No caso em apreço, considero que a existência de uma discriminação direta pode facilmente ser excluída, na medida em que a regulamentação controvertida não gera diferenças de tratamento baseadas na nacionalidade dos agentes contratuais em causa (103). Com efeito, os períodos de serviço anteriores são considerados na íntegra ou apenas parcialmente, não consoante os agentes contratuais sejam cidadãos austríacos ou cidadãos estrangeiros, mas consoante esses períodos tenham sido cumpridos junto de uma das entidades do setor público enumeradas pelo legislador federal ou junto de um empregador de qualquer outra categoria.
90. Quanto à eventual existência de uma discriminação indireta, recordo que uma regulamentação de um Estado‑Membro, ainda que indistintamente aplicável em razão da nacionalidade, deve ser considerada indiretamente discriminatória, na aceção das disposições do direito da União acima referidas, quando, devido à própria natureza, possa afetar os trabalhadores migrantes em maior medida do que os trabalhadores nacionais e, consequentemente, apresente o risco de desfavorecer mais particularmente os primeiros, a menos que seja objetivamente justificada e proporcionada ao objetivo prosseguido (104).
91. No caso em apreço, o critério em que se baseia a diferença de tratamento contestada resume‑se a saber se o agente em causa exerceu anteriormente a sua atividade, cujo tempo pede que seja considerado, na função pública ou no setor privado, independentemente do Estado‑Membro onde a exerceu (105). Ora, considero que este critério de distinção, baseado na natureza e não no local dessas atividades, tendo em conta a sua neutralidade em termos geográficos, não é suscetível de afetar mais os trabalhadores de outros Estados‑Membros do que os trabalhadores austríacos. Por conseguinte, não pode desfavorecer esta primeira categoria de pessoas e gerar, assim, uma discriminação indireta. Acrescento que, à luz dos elementos acima expostos, não se pode considerar que a disposição em causa no processo principal tenha uma natureza análoga à que esteve na origem do acórdão invocado pela ÖGB para sustentar a sua alegação que é objeto da presente questão prejudicial (106).
92. Por outro lado, uma vez que prevê expressamente que os períodos de atividade anteriores no setor público que foram cumpridos no território de outros Estados‑Membros do EEE são tidos em conta da mesma forma que quando prestados no território austríaco (107), considero que a regulamentação em causa não cria a este respeito um obstáculo à liberdade de circulação dos trabalhadores prevista no artigo 45.o TFUE. Com efeito, a referida regulamentação, por um lado, não constitui um entrave à entrada de trabalhadores provenientes de outros Estados‑Membros na função pública austríaca, uma vez que a antiguidade é tida em conta nas mesmas condições que as dos trabalhadores austríacos, e, por outro, não tem por efeito impedir ou dissuadir os trabalhadores austríacos de integrarem o mercado de trabalho de outro Estado‑Membro (108).
93. A título subsidiário, na hipótese de o Tribunal de Justiça julgar, não obstante, que uma regulamentação nacional como a que é aplicável no processo principal gera uma discriminação indireta ou constitui um entrave, recordo que é jurisprudência constante, por um lado, que uma desigualdade de tratamento baseada indiretamente na nacionalidade não é proibida desde que seja objetivamente justificada e proporcionada ao objetivo prosseguido, e, por outro, que um entrave à livre circulação de trabalhadores pode também ser declarado compatível com o direito da União nas mesmas condições (109).
94. Ora, essa regulamentação pode, a meu ver, ser devidamente justificada pela prossecução de um objetivo legítimo. Com efeito, conforme alega o Governo austríaco, o Tribunal de Justiça já admitiu reiteradamente que o facto de recompensar a experiência adquirida na área em causa, que permite ao trabalhador desempenhar melhor as suas funções, constitui um objetivo legítimo de política salarial, do qual decorre que os empregadores são, em princípio (110), livres de considerar exclusivamente esses períodos de atividade cumpridos anteriormente quando fixam uma remuneração (111). Por conseguinte, é, a meu ver, conforme com o direito da União que a regulamentação aqui em causa tenha por efeito privilegiar especificamente a experiência profissional adquirida no setor público em relação à adquirida no setor privado, para determinar a classificação nos escalões e, consequentemente, a remuneração dos agentes contratuais da função pública.
95. No que diz respeito à proporcionalidade das medidas adotadas pelo legislador austríaco, indicarei simplesmente — ainda a título subsidiário —, por um lado, que os Estados‑Membros dispõem de uma ampla margem de apreciação na definição das medidas suscetíveis de realizar um objetivo por eles determinado em matéria de política social e de emprego (112), e, por outro, que não me parece que medidas deste tipo sejam inadequadas ou excedam o que é necessário (113) para atingir o objetivo legítimo supramencionado (114).
96. Por conseguinte, proponho que se responda à última questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio que o artigo 45.o TFUE e o artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 492/2011 devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação nacional que prevê, para efeitos de classificação e progressão de um agente contratual da função pública, que apenas sejam considerados na íntegra os períodos de atividade anteriores que cumpriu ao serviço de uma coletividade territorial de um Estado‑Membro do EEE ou de outras entidades do setor público equiparadas.
V. Conclusão
97. À luz das considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões prejudiciais submetidas pelo Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal) do seguinte modo:
1. Os artigos 2.o e 6.o da Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional que, para efeitos de tomada em consideração dos períodos de atividade cumpridos antes dos 18 anos de idade, substitui um sistema de remuneração julgado discriminatório em razão da idade por um novo sistema de remuneração, mas prevê que a transição de todas as pessoas que já estão ao serviço para este sistema é efetuada determinando a sua primeira classificação neste novo sistema com base no salário pago num determinado mês e calculado nos termos do antigo sistema, de modo que os efeitos financeiros da discriminação baseada na idade são mantidos.
2. O artigo 16.o da Diretiva 2000/78 deve ser interpretado no sentido de que, num caso como o do processo principal, em que ainda não tenha sido adotado um sistema que proceda à supressão da discriminação em razão da idade em conformidade com o disposto nesta diretiva, o restabelecimento da igualdade de tratamento implica a concessão às pessoas desfavorecidas pelo regime anterior de vantagens idênticas às que beneficiaram as pessoas favorecidas por esse regime, no que respeita não só à tomada em consideração dos períodos de atividade cumpridos antes dos 18 anos de idade, mas igualmente à progressão de escalão remuneratório.
3. O artigo 45.o TFUE e o artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento (UE) n.o 492/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de abril de 2011, relativo à livre circulação dos trabalhadores na União, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação nacional que prevê, para efeitos de classificação e progressão dos agentes contratuais da função pública, que apenas sejam considerados na íntegra os períodos de atividade anteriores quando cumpridos pelos interessados que já estão ao serviço de uma coletividade territorial de um Estado‑Membro do Espaço Económico Europeu ou de outras entidades do setor público equiparadas, ao passo que nos outros casos esses períodos apenas são tidos em conta parcialmente.