Language of document : ECLI:EU:T:2019:532

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Primeira Secção)

12 de julho de 2019 (*)

«Auxílios de Estado — Regime de auxílios executado pela França entre 1994 e 2008 — Subvenções ao investimento concedidas pela região Île‑de‑France — Decisão que declara o regime de auxílios compatível com o mercado interno — Vantagem — Caráter seletivo — Artigo 107.o, n.o 1, TFUE — Dever de fundamentação — Conceitos de “auxílio existente” e de “auxílio novo” — Artigo 108.o TFUE — Artigo 1.o, alínea b), i) e v), do Regulamento (UE) 2015/1589»

No processo T‑292/17,

Região ÎledeFrance (França), representada por J.‑P. Hordies, advogado,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por L. Armati, C. Georgieva‑Kecsmar e T. Maxian Rusche, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objeto um pedido baseado no artigo 263.o TFUE e destinado a obter a anulação parcial da Decisão (UE) 2017/1470 da Comissão, de 2 de fevereiro de 2017, relativa aos regimes de auxílios SA.26763 2014/C (ex 2012/NN) concedidos pela França a favor das empresas de autocarros na região Île‑de‑France (JO 2017, L 209, p. 24),

O TRIBUNAL GERAL (Primeira Secção),

composto por: I. Pelikánová, presidente, V. Valančius e U. Öberg (relator), juízes,

secretário: L. Ramette, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 9 de outubro de 2018,

profere o presente

Acórdão

I.      Antecedentes do litígio

1        A recorrente, Região Île‑de‑France, foi instituída como entidade pública dotada de personalidade jurídica e de autonomia financeira ao abrigo da loi n.o 76‑394, du 6 mai 1976, portant création et organisation de la Région d’Île‑de‑France (Lei n.o 76‑394, relativa à criação e à organização da Região Île‑de‑France, JORF de 7 de maio de 1976, p. 2741). Nos termos do artigo 6.o dessa lei, a Região Île‑de‑France foi incumbida, nomeadamente, de definir a política regional de circulação e de transporte de passageiros no seu território e de assegurar a sua execução.

2        O artigo 17.o da loi n.o 76‑394 prevê, nomeadamente, o seguinte:

«O conseil régional regula, através das respetivas deliberações, os assuntos que são da competência da [R]egião […]»

3        Em 20 de outubro de 1994, o conseil régional d’Île‑de‑France (Conselho Regional de Île‑de‑France) adotou a deliberação CR 34‑94, relativa aos auxílios para a melhoria dos serviços de transporte público rodoviário explorados por empresas privadas ou por empresas públicas, para renovar um conjunto de medidas de auxílio anteriormente executadas a favor das referidas empresas. Seguiram‑se‑lhe duas deliberações, designadamente as deliberações CR 44‑98 e CR 47‑01 (a seguir, conjuntamente com a deliberação CR 34‑94, «deliberações controvertidas»), respetivamente, em 1998 e em 2001, antes de o dispositivo de auxílio aplicado ser revogado, em 2008.

4        Nos termos das deliberações controvertidas, a recorrente concedia auxílios financeiros às autarquias locais do seu território que tivessem celebrado contratos de exploração de linhas regulares de autocarro com empresas privadas de transporte coletivo regular rodoviário ou que explorassem essas linhas diretamente através de uma empresa pública (a seguir «autarquias locais em causa»). Em seguida, as autarquias locais em causa pagavam os auxílios concedidos pela recorrente às referidas empresas de transporte (a seguir «beneficiários finais»).

5        No âmbito do regime de auxílios instituído pelas deliberações controvertidas (a seguir «regime de auxílios em causa»), os auxílios eram concedidos sob a forma de subvenções ao investimento (a seguir «subvenções controvertidas») e visavam promover a aquisição de veículos novos e a instalação de novos equipamentos pelos beneficiários finais, com vista a melhorar a oferta de transporte coletivo e a obviar às externalidades negativas relacionadas com a circulação rodoviária particularmente densa do território da recorrente.

6        De acordo com as autoridades francesas, 135 empresas beneficiaram do regime de auxílios em causa entre 1994 e 2008. A utilização das subvenções controvertidas era regulada por aditamentos aos contratos de exploração celebrados entre as autarquias locais em causa e os beneficiários finais. Os aditamentos eram visados pelo presidente do conseil régional d’Île‑de‑France e estabeleciam detalhadamente as obrigações às quais estavam sujeitos os beneficiários finais como contrapartida do pagamento das referidas subvenções.

7        Em 17 de outubro de 2008, foi apresentada à Comissão Europeia uma denúncia relativa aos regimes de auxílios de Estado considerados ilegais, constituídos por medidas de apoio a favor de determinadas empresas de autocarros, executadas entre 1994 e 2008 pela recorrente no seu território e, posteriormente, a partir de 2008, pelo sindicato dos transportes de Île‑de‑France (STIF, França) nesse mesmo território.

8        Por ofício de 11 de março de 2014, a Comissão notificou a República Francesa da sua decisão de dar início ao procedimento formal de investigação previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE. Através da publicação dessa decisão no Jornal Oficial da União Europeia (JO 2014, C 141, p. 38), a Comissão convidou as partes interessadas a apresentar as respetivas observações acerca das medidas em causa.

9        Em 30 de abril de 2014, a República Francesa apresentou as suas observações à Comissão. Todas as observações apresentadas pelas partes interessadas, entre as quais a recorrente, foram comunicadas à República Francesa, que não formulou qualquer comentário.

10      Em 21 de junho de 2016, a Comissão recebeu uma nota conjunta de quatro das sete partes interessadas, destinada a esclarecer a posição destas na sequência da prolação do Acórdão de 6 de outubro de 2015, Comissão/Andersen (C‑303/13 P, EU:C:2015:647). Em 9 de novembro de 2016, a recorrente completou as suas observações.

11      Em 2 de fevereiro de 2017, a Comissão pôs termo ao procedimento formal de investigação, previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE, e adotou a Decisão (UE) 2017/1470, relativa aos regimes de auxílios SA.26763 2014/C (ex 2012/NN) concedidos pela França a favor das empresas de autocarros na região Île‑de‑France (JO 2017, L 209, p. 24, a seguir «decisão impugnada»).

12      Na decisão impugnada, a Comissão considerou, nomeadamente, que as subvenções controvertidas concedidas pela recorrente entre 1994 e 2008 ao abrigo do regime de auxílios em causa constituíam auxílios de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE. Na medida em que as condições das trocas comerciais entre os Estados‑Membros não tinham sido afetadas numa medida contrária ao interesse comum, a Comissão considerou que o referido regime era compatível com o mercado interno na aceção do artigo 107.o, n.o 3, TFUE. Em contrapartida, concluiu que, na medida em que os auxílios não tinham sido objeto de notificação e deviam ser qualificados como «auxílios novos», o regime de auxílios em causa tinha sido ilegalmente executado, em violação do artigo 108.o, n.o 3, TFUE.

13      A parte dispositiva da decisão impugnada tem a seguinte redação:

«Artigo 1.o

O regime de auxílios concedido ilegalmente pela [República Francesa], entre 1994 e 2008, sob a forma de subvenções ao investimento concedidas pela Região Île‑de‑France, no quadro das deliberações CR 34‑94, CR 44‑98 e CR 47‑01, é compatível com o mercado interno.

[…]

Artigo 4.o

A República Francesa é a destinatária da presente decisão.»

II.    Processo nos órgãos jurisdicionais nacionais

14      Em maio de 2004, o syndicat autonome des transporteurs de voyageurs (Sindicato Autónomo dos Transportadores de Passageiros, a seguir «SATV») pediu ao presidente do conseil régional d’Île‑de‑France que revogasse as deliberações controvertidas. Em 17 de junho de 2004, na sequência do indeferimento desse pedido, o SATV interpôs no tribunal administratif de Paris (Tribunal Administrativo de Paris, França) uma ação de anulação da decisão do presidente do conseil régional d’Île‑de‑France.

15      Através da Sentença n.o 0417015, de 10 de julho de 2008, o tribunal administratif de Paris (Tribunal Administrativo de Paris) deu provimento à ação do SATV e ordenou à recorrente que submetesse ao conseil régional d’Île‑de‑France uma nova deliberação com o fundamento de que a Comissão não fora notificada do regime de auxílios em causa. O tribunal administratif de Paris (Tribunal Administrativo de Paris) ordenou ainda à recorrente que revogasse as deliberações controvertidas.

16      A recorrente, embora recorrendo dessa decisão, adotou a deliberação CR 80‑08, de 16 de outubro de 2008, destinada a revogar as deliberações controvertidas.

17      Através do Acórdão n.o 08PA 04753, de 12 de julho de 2010, a cour administrative d’appel de Paris (Tribunal Administrativo de Recurso de Paris, França) confirmou a Sentença n.o 0417015 do tribunal administratif de Paris (Tribunal Administrativo de Paris), de 10 de julho de 2008. A recorrente interpôs recurso de cassação dessa decisão para o Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, França). Através do Acórdão n.o 343440, de 23 de julho de 2012, o Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) negou provimento a esse recurso e referiu que o facto de o mercado do transporte público regular de passageiros no território da recorrente estar fechado à concorrência era irrelevante para a qualificação das subvenções controvertidas como auxílios de Estado, uma vez que os beneficiários finais operavam igualmente noutros mercados abertos à concorrência.

18      Na sequência do indeferimento de vários pedidos de oposição de terceiros pela cour administrative d’appel de Paris (Tribunal Administrativo de Recurso de Paris), em 27 de novembro de 2015, os beneficiários finais que tinham apresentado esses pedidos interpuseram recursos de cassação para o Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional), os quais continuavam pendentes à data da apresentação da petição no presente processo.

19      Na sequência de uma nova petição apresentada pelo SATV em 27 de outubro de 2008, o tribunal administratif de Paris (Tribunal Administrativo de Paris), através do Acórdão n.o 0817138, de 4 de junho de 2013, ordenou à recorrente que emitisse os títulos executivos que permitissem a recuperação das subvenções controvertidas. Em 27 de novembro de 2015, a cour administrative d’appel de Paris (Tribunal Administrativo de Recurso de Paris) negou provimento ao recurso da Região contra essa decisão (Acórdão n.o 13PA 03172). A recorrente interpôs recurso de cassação para o Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional), o qual continuava pendente à data da apresentação da petição no presente processo.

III. Tramitação processual e pedidos das partes

20      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 16 de maio de 2017, a recorrente interpôs o presente recurso, nos termos do artigo 263.o TFUE, que tem por objeto a anulação parcial da decisão impugnada.

21      A recorrente pede que o Tribunal Geral se digne:

–        julgar o recurso admissível;

–        anular a decisão impugnada na parte em que a Comissão qualificou o regime de auxílios em causa como «regime de auxílios de Estado»;

–        condenar a Comissão nas despesas.

22      A Comissão pede que o Tribunal Geral se digne:

–        a título principal, julgar o recurso inadmissível;

–        a título subsidiário, negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

IV.    Questão de direito

A.      Quanto à admissibilidade

23      A Comissão, sem suscitar uma exceção de inadmissibilidade por requerimento separado com base no artigo 130.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, pede que o recurso seja julgado inadmissível por falta de legitimidade e de interesse em agir da recorrente.

24      A recorrente alega que, embora não seja a destinatária da decisão impugnada, o recurso é admissível na medida em que dispõe quer de legitimidade quer de interesse em agir contra a decisão impugnada.

25      A este respeito, importa recordar que o juiz da União Europeia pode apreciar, consoante as circunstâncias de cada caso específico, se uma boa administração da justiça justifica negar provimento a um recurso sem decidir previamente sobre a sua admissibilidade (Acórdãos de 26 de fevereiro de 2002, Conselho/Boehringer, C‑23/00 P, EU:C:2002:118, n.os 51 e 52, e de 14 de setembro de 2015, Brouillard/Tribunal de Justiça, T‑420/13, não publicado, EU:T:2015:633, n.o 18).

26      Nas circunstâncias do caso em apreço, o Tribunal Geral considera que, por razões de economia processual, há que começar por analisar o mérito do recurso, sem decidir previamente sobre a sua admissibilidade.

B.      Quanto ao mérito

27      Em apoio do seu recurso, a recorrente invoca, no essencial, dois fundamentos. O primeiro fundamento é relativo à violação do artigo 1.o, alínea b), i) e v), do Regulamento (UE) 2015/1589 do Conselho, de 13 de julho de 2015, que estabelece as regras de execução do artigo 108.o TFUE (JO 2015, L 249, p. 9), na medida em que a Comissão considerou erradamente, na decisão impugnada, que os auxílios concedidos entre 1994 e 2008 ao abrigo do regime de auxílios em causa eram auxílios novos que, na falta de notificação, tinham sido ilegalmente executados. O segundo fundamento é relativo à violação do dever de fundamentação, na medida em que, no quadro da sua apreciação quanto à qualificação das subvenções controvertidas como auxílios de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, a Comissão não fundamentou de forma suficiente em que medida essas subvenções eram seletivas e conferiam uma vantagem económica indevida aos beneficiários finais.

28      A este respeito, importa salientar que, no pedido, a recorrente requer expressamente ao Tribunal Geral que anule a decisão impugnada na parte em que a Comissão concluiu que as subvenções controvertidas constituíam um regime de auxílios de Estado.

29      Contudo, a epígrafe dos fundamentos suscitados em apoio do presente recurso não permite presumir que estes se destinam a pôr em causa a qualificação das subvenções controvertidas como auxílios de Estado.

30      De facto, resulta da epígrafe dos fundamentos suscitados que o segundo destes visa apenas obter a declaração da insuficiência de fundamentação que afeta a decisão impugnada no que respeita à qualificação das subvenções controvertidas como auxílios de Estado e que o primeiro visa contestar a apreciação efetuada pela Comissão nessa decisão relativamente ao caráter novo do regime de auxílios em causa.

31      No entanto, decorre claramente da petição que, com o segundo fundamento, na verdade formulado como sendo relativo apenas à violação do dever de fundamentação, a recorrente, na realidade, critica igualmente a Comissão por ter concluído que os critérios de seletividades e de vantagem estavam cumpridos no caso em apreço. Assim, com esse fundamento, a recorrente pretende obter a declaração da violação do dever de fundamentação e pôr em causa a legalidade material da decisão impugnada, devido ao facto de as subvenções controvertidas não constituírem auxílios de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

32      Além disso, decorre tanto dos argumentos formulados pela recorrente nos seus articulados como dos que esta apresentou na audiência que o pedido de anulação da decisão impugnada não visa apenas pôr em causa a qualificação das subvenções controvertidas como auxílios de Estado, mas igualmente contestar o caráter novo do regime de auxílios em causa. Nestas condições, importa considerar que o primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 1.o, alínea b), i) e v), do Regulamento 2015/1589, permite sustentar esse pedido.

33      Tendo em conta estes elementos, há que considerar que os fundamentos invocados se destinam a sustentar o pedido da recorrente no sentido de obter a anulação parcial da decisão impugnada devido, por um lado, à inexistência de auxílios de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE e, por outro, à qualificação errada do regime de auxílios em causa como regime de auxílios novo.

34      Por outro lado, importa recordar que a falta ou a insuficiência de fundamentação visa determinar a violação de formalidades essenciais e requer, por isso, um exame distinto, enquanto tal, da apreciação da inexatidão da fundamentação da decisão impugnada, cuja fiscalização faz parte da apreciação da justeza dessa decisão (v., nesse sentido, Acórdãos de 2 de abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s France, C‑367/95 P, EU:C:1998:154, n.o 67, e de 15 de dezembro de 2005, Itália/Comissão, C‑66/02, EU:C:2005:768, n.o 26).

35      Daqui decorre que o segundo fundamento, na medida em que visa, nomeadamente, obter a declaração da violação do dever de fundamentação e de um erro de apreciação por parte da Comissão quanto à qualificação das subvenções controvertidas como auxílios de Estado, deve ser analisado antes do primeiro fundamento, que diz respeito apenas à legalidade material da decisão impugnada.

1.      Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do dever de fundamentação e a um erro de apreciação na qualificação das subvenções controvertidas à luz do artigo 107.o,  n.o 1, TFUE

a)      Quanto à violação do dever de fundamentação

36      Em primeiro lugar, a recorrente sustenta que a decisão impugnada está viciada por insuficiência de fundamentação, na medida em que a Comissão se limitou a salientar, nessa decisão, que o regime de auxílios em causa efetuava, de facto, uma seleção entre os operadores económicos do setor do transporte público regular rodoviário e favorecia esse setor económico em relação a outros setores. A questão da seletividade dos auxílios foi objeto apenas de três considerandos na decisão impugnada (designadamente, os considerandos 222 a 224 dessa decisão).

37      Em segundo lugar, a recorrente considera que a insuficiência de fundamentação que caracteriza a decisão impugnada se deve ao facto de a Comissão não ter demonstrado em que medida os beneficiários finais dispunham de margens de manobra específicas, na sequência da concessão das subvenções controvertidas no âmbito do regime de auxílios em causa. A Comissão não analisou, nomeadamente, a forma como essas subvenções permitiram aos beneficiários finais atenuar o impacto dos encargos que podiam recair sobre eles e, portanto, conferir‑lhes uma vantagem económica.

38      A Comissão contesta os argumentos da recorrente. Em especial, considera que a decisão impugnada contém explicações pormenorizadas no que respeita quer à existência de uma vantagem económica quer ao caráter seletivo dessa vantagem. Esclarece que, na medida em que as deliberações controvertidas não especificam nenhum parâmetro‑chave relativo à amortização da vantagem obtida, foi de forma suficientemente fundamentada que concluiu pela existência de uma vantagem económica indevida a favor dos beneficiários finais.

39      A este respeito, recorde‑se que, nos termos do artigo 296.o, segundo parágrafo, TFUE, os atos jurídicos são fundamentados. Acresce que, nos termos do artigo 41.o, n.o 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, o direito a uma boa administração compreende a obrigação, por parte da administração, de fundamentar as suas decisões.

40      Segundo jurisprudência constante, o alcance do dever de fundamentação depende da natureza do ato em causa e do contexto em que é adotado. A fundamentação deve deixar transparecer de forma clara e inequívoca o raciocínio da instituição, de maneira a permitir, por um lado, ao juiz da União, exercer a sua fiscalização da legalidade e, por outro, aos interessados conhecer as justificações da medida adotada, a fim de poderem defender os seus direitos e verificar se a decisão é ou não correta (Acórdão de 6 de março de 2003, Westdeutsche Landesbank Girozentrale e Land Nordrhein‑Westfalen/Comissão, T‑228/99 e T‑233/99, EU:T:2003:57, n.o 278).

41      Não se exige que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um ato satisfaz as exigências do artigo 296.o, segundo parágrafo, TFUE deve ser apreciada não somente tendo em conta o seu teor, mas também o seu contexto e o conjunto das regras jurídicas que regem a matéria em causa (Acórdão de 6 de março de 2003, Westdeutsche Landesbank Girozentrale e Land Nordrhein‑Westfalen/Comissão, T‑228/99 e T‑233/99, EU:T:2003:57, n.o 279).

42      Contudo, embora a Comissão não esteja obrigada a tomar posição sobre todos os argumentos invocados perante ela pelos interessados, deve expor os factos e as considerações jurídicas que assumam uma importância essencial na economia da decisão (v., nesse sentido, Acórdão de 6 de março de 2003, Westdeutsche Landesbank Girozentrale e Land Nordrhein‑Westfalen/Comissão, T‑228/99 e T‑233/99, EU:T:2003:57, n.o 280).

43      No que respeita à qualificação de uma medida como auxílio, o dever de fundamentação obriga a que se indiquem as razões pelas quais a Comissão considera que a medida em causa integra o âmbito de aplicação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE (Acórdão de 13 de junho de 2000, EPAC/Comissão, T‑204/97 e T‑270/97, EU:T:2000:148, n.o 36).

44      A este respeito, em primeiro lugar, importa observar que, antes de concluir pela existência de uma vantagem económica na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, a Comissão respondeu aos argumentos das autoridades francesas e das partes interessadas, que recordou no considerando 198 da decisão impugnada e que visavam demonstrar que os auxílios tinham sido concedidos pela recorrente como contrapartida do cumprimento de obrigações de serviço público e não eram suscetíveis de conferir tal vantagem aos beneficiários finais, de acordo com as condições estabelecidas no Acórdão de 24 de julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg (C‑280/00, EU:C:2003:415, n.os 87 a 94).

45      Em especial, nos considerandos 201 a 207 da decisão impugnada, a Comissão apresentou as razões pelas quais considerava que as subvenções controvertidas não se destinavam a compensar obrigações de serviço público, mais acresciam ao regime contratual já existente entre as empresas de transporte público regular do território da recorrente e as autarquias locais em causa, para estimular o investimento. A Comissão esclareceu que o facto de a vantagem conferida por essas subvenções poder ser corrigida por uma eventual amortização das somas pagas por essas mesmas autarquias aos beneficiários finais, a fim de compensar as respetivas obrigações de serviço público, não era relevante para essa análise.

46      Tendo em conta a apreciação pormenorizada efetuada pela Comissão, na decisão impugnada, quanto à questão de saber se as subvenções controvertidas conferiam uma vantagem aos beneficiários finais, a Comissão não pode ser acusada de, no caso em apreço, não ter fornecido uma fundamentação suficiente para verificar que esse critério estava cumprido.

47      Em segundo lugar, quanto ao critério relativo à seletividade das subvenções controvertidas e à fundamentação fornecida na decisão impugnada relativamente a esse critério, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, compete à Comissão demonstrar que a medida em causa introduziu diferenciações entre as empresas que estão, em relação ao objetivo dessa medida, numa situação factual e jurídica comparável (v. nesse sentido, Acórdão de 8 de setembro de 2011, Comissão/Países Baixos, C‑279/08 P, EU:C:2011:551, n.o 62 e jurisprudência aí referida).

48      A este respeito, nos considerandos 222 e 223 da decisão impugnada, a Comissão, por um lado, referiu que as subvenções controvertidas diziam apenas respeito às empresas privadas de transporte público com as quais as autarquias locais em causa tinham celebrado um contrato de exploração, pelo que apenas o setor do transporte público regular rodoviário no território da recorrente era abrangido por essas subvenções. Por outro lado, a Comissão observou que, antes da concessão das subvenções, era feita uma seleção entre as empresas desse setor para determinar as que seriam incumbidas do cumprimento das obrigações de serviço público no território da recorrente.

49      Consequentemente, a Comissão concluiu, no considerando 224 da decisão impugnada, que o caráter seletivo do regime de auxílios em questão era evidente, tanto ao nível do setor em causa como no âmbito desse setor, entre as empresas às quais eram concedidas as subvenções controvertidas e as que eram excluídas do referido regime.

50      Daqui decorre que a Comissão forneceu explicações suficientemente pormenorizadas para permitir à recorrente compreender as razões pelas quais considerava que as subvenções controvertidas criavam uma diferenciação, na aceção da jurisprudência recordada no n.o 47, supra, entre os beneficiários finais e as empresas que estão, em relação ao objetivo prosseguido pelas deliberações controvertidas, numa situação factual e jurídica comparável com a dos referidos beneficiários.

51      Nestas condições, a recorrente não pode acusar a Comissão de ter cometido uma violação do dever de fundamentação no quadro das suas apreciações relativas ao caráter seletivo do regime de auxílios em causa, por um lado, e à vantagem económica indevida concedida aos beneficiários finais, por outro.

b)      Quanto ao erro de apreciação na qualificação das subvenções controvertidas como auxílios de Estado à luz do artigo 107.o,  n.o 1, TFUE e, em especial, dos critérios relativos à vantagem económica e à seletividade

1)      Quanto à procedência da apreciação relativa à vantagem económica

52      De acordo com a recorrente, a Comissão considerou, erradamente, na decisão impugnada, que o critério relativo à vantagem económica, previsto no artigo 107.o, n.o 1, TFUE, estava cumprido. Em especial, a Comissão não esclareceu quais eram os encargos específicos que podiam recair sobre os beneficiários finais, bem como a forma como as subvenções controvertidas permitiam reduzir esses encargos e, consequentemente, conferir‑lhes uma vantagem económica.

53      A Comissão contesta os argumentos da recorrente. Afirma que as deliberações controvertidas não especificavam os parâmetros‑chave relativos a uma eventual amortização da vantagem económica obtida pelos beneficiários finais. Por isso, teve razão ao concluir, tendo em conta o exposto no considerando 209 da decisão impugnada, designadamente, em especial, o facto de nada permitir supor, pela leitura das deliberações controvertidas, que as subvenções controvertidas fossem corretamente amortizadas, que os auxílios concedidos ao abrigo do regime de auxílios em causa conferiam uma vantagem económica indevida aos beneficiários finais.

54      A este respeito, importa começar por salientar que, no considerando 207 da decisão impugnada, a Comissão referiu que, na medida em que as subvenções controvertidas se destinavam a cobrir uma parte dos custos de investimento normalmente suportados pelas empresas do mercado do transporte público regular, a recorrente, ao conceder essas subvenções, disponibilizou margens de manobra para os beneficiários finais, que, desse modo, podiam utilizar os seus próprios recursos para outras finalidades.

55      Os elementos de análise descritos pormenorizadamente no considerando 207 da decisão impugnada são suficientes para rejeitar o argumento da recorrente de que a Comissão não explicou em que medida as subvenções controvertidas permitiam reduzir os encargos que recaíam sobre os beneficiários finais.

56      Uma vez que a recorrente não apresentou nenhum outro argumento ou elemento de prova para pôr em causa a apreciação efetuada pela Comissão, na decisão impugnada, no que respeita ao critério da vantagem económica, previsto no artigo 107.o, n.o 1, TFUE, e se limitou, aliás, a afirmar o caráter errado dessa apreciação, não há que pôr em causa a procedência da apreciação, constante na decisão impugnada, relativa à existência de uma vantagem económica.

2)      Quanto à procedência da apreciação relativa à seletividade

57      A recorrente contesta que as subvenções controvertidas sejam seletivas. A este respeito, alega que não dispunha de qualquer poder discricionário no que respeita à concessão dessas subvenções. Afirma que todos os operadores com atividade no mercado do transporte regular de passageiros eram elegíveis para essas subvenções, mediante a simples apresentação de um dossiê, na condição de terem celebrado um contrato de exploração com uma das autarquias locais em causa. Assim, dos 150 operadores de transporte público regular que exercem as suas atividades no seu território, mais de 130 beneficiaram dos auxílios concedidos ao abrigo do regime de auxílios em causa.

58      A Comissão contesta os argumentos da recorrente. Mais concretamente, sustenta que, como a própria recorrente reconheceu, determinadas empresas que exercem as suas atividades no mercado do transporte público regular de passageiros de Île‑de‑France foram excluídas do círculo dos beneficiários finais. O facto de um grande número de empresas ter tido a possibilidade de beneficiar das subvenções controvertidas não basta para pôr em causa o caráter seletivo dessas subvenções.

59      A este respeito, importa salientar que, como a própria recorrente admitiu nos seus articulados, a concessão das subvenções controvertidas dependia da celebração de um contrato de exploração entre os beneficiários finais e as autarquias locais em causa.

60      Daqui decorre que as empresas originárias de outros Estados‑Membros ou de outras regiões francesas não eram elegíveis para a concessão das subvenções controvertidas e que apenas as empresas com atividade no mercado do transporte regular de passageiros e que exercessem as suas atividades no território da recorrente podiam beneficiar do material subvencionado pelos auxílios concedidos ao abrigo do regime de auxílios em causa. Mais concretamente, apenas essas empresas podiam utilizar o material assim subvencionado noutras partes da União e do território francês, onde podiam concorrer com operadores de transporte público que não tinham beneficiado desses mesmos auxílios.

61      Por conseguinte, contrariamente ao que alega a recorrente, há que considerar que, ainda que um grande número de empresas que exercem atividades de transporte público regular rodoviário no seu território tenham podido beneficiar das subvenções controvertidas, o regime de auxílios em causa comportava diferenciações suscetíveis de favorecer «certas empresas ou certas produções» face a outras que estavam, em relação ao objetivo prosseguido pelo referido regime, numa situação factual e jurídica comparável.

62      Nestas condições, importa concluir que os argumentos apresentados pela recorrente não permitem pôr em causa a apreciação efetuada pela Comissão, na decisão impugnada, no que respeita à seletividade das subvenções controvertidas.

63      Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que julgar improcedentes os argumentos da recorrente relativos à apreciação efetuada pela Comissão, na decisão impugnada, quanto à seletividade do regime de auxílios controvertido e, por conseguinte, o segundo fundamento na íntegra.

2.      Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 1.o, alínea b), i) e v), do Regulamento 2015/1589, na medida em que o regime de auxílios em causa foi erradamente qualificado como regime de auxílios novo

64      A recorrente alega que o regime de auxílios em causa é um regime de auxílios existente, nos termos do artigo 1.o, alínea b), i), do Regulamento 2015/1589, uma vez que a possibilidade de as autarquias locais em causa concederem subvenções às empresas de transporte público rodoviário de passageiros foi introduzida pelo artigo 19.o do décret n.o 49‑1473, du 14 novembre 1949, relatif à la coordination et à l’harmonisation des transports ferroviaires et routiers (Decreto n.o 49‑1473, relativo à coordenação e à harmonização dos transportes ferroviários e rodoviários, JORF de 15 de novembro de 1949, p. 11104, a seguir «Decreto de 1949»), antes da entrada em vigor do Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia (atual Tratado FUE) em França, em 1 de janeiro de 1958.

65      A recorrente sustenta, por outro lado, que, na medida em que a decisão impugnada não contém nenhuma conclusão precisa quanto à data de instituição do regime de auxílios em causa, a Comissão não podia excluir a possibilidade de o referido regime de auxílios ter sido instituído num mercado inicialmente fechado à concorrência e constituir, por isso, um regime de auxílios existente, nos termos do artigo 1.o, alínea b), v), do Regulamento 2015/1589.

66      Quanto à argumentação da recorrente no sentido de que o regime de auxílios em causa foi aplicado pelas disposições do Decreto de 1949, a Comissão recorda que, no considerando 236 da decisão impugnada, concluiu que essas disposições não definiam nenhum dos parâmetros chave desse regime, designadamente a sua duração, o seu orçamento, os seus beneficiários, a natureza dos bens elegíveis para a subvenção e a taxa de subvenção aplicável, e não criavam qualquer direito a receber subvenções.

67      Além disso, quanto à argumentação da recorrente relativa à data a partir da qual as subvenções controvertidas eram suscetíveis de afetar a concorrência no mercado interno, a Comissão alega que, como concluiu o tribunal administratif de Paris (Tribunal Administrativo de Paris) na Sentença n.o 0417015, de 10 de julho de 2008, os beneficiários finais operavam simultaneamente no mercado do transporte regular de passageiros e no mercado do transporte ocasional de passageiros. Ora, o mercado do transporte ocasional de passageiros já foi liberalizado em 1979. Daqui decorre que o regime de auxílios em causa era suscetível de afetar a concorrência entre os Estados‑Membros nesse mercado desde a sua instituição, seja qual for a data desta, desde que se situe entre 1979 e 2008.

68      Em primeiro lugar, importa verificar se, como sustenta a recorrente, o regime de auxílios em causa foi instituído pelo Decreto de 1949, numa data anterior à entrada em vigor do Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia em França, e constituía, por conseguinte, um regime de auxílios existente nos termos do artigo 1.o, alínea b), i), do Regulamento 2015/1589.

69      O Decreto de 1949 previa, nomeadamente, o seguinte:

«Artigo 2.o

Os serviços de transporte de passageiros que estão sujeitos a medidas de coordenação e de harmonização por aplicação das disposições do artigo 7.o da Lei de 5 de julho de 1949 são os seguintes:

[…]

2. Os serviços rodoviários de transporte público de passageiros a seguir indicados […]:

Serviços regulares, incluindo os serviços sazonais e periódicos […];

Serviços ocasionais, ou seja, aqueles que, embora disponibilizados a pedido, respondem a necessidades gerais do público, renovando‑se em determinadas épocas de cada ano […]

Artigo 19.o

Uma autarquia local pode subvencionar um serviço rodoviário celebrando com uma empresa um contrato que fixe as obrigações impostas a essa empresa, para além das que resultam do seu regulamento de exploração.

A tarifa estabelecida nos termos desse contrato deve respeitar todas as regras contidas nos artigos anteriores.»

70      Quanto à questão de saber se as subvenções controvertidas têm origem no Decreto de 1949, em primeiro lugar, importa esclarecer que as modalidades de concessão das subvenções previstas no Decreto de 1949 diferiam das dos auxílios concedidos ao abrigo da deliberação CR 34‑94. Como alega, com razão, a Comissão, no âmbito da deliberação CR 34‑94, as subvenções controvertidas eram concedidas pela recorrente às autarquias locais antes de serem pagas aos beneficiários finais. Este mecanismo de pagamento não existia no quadro do Decreto de 1949.

71      Em segundo lugar, resulta do Acórdão n.o 343440, de 23 de julho de 2012, do Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) que as subvenções concedidas ao abrigo da deliberação CR 34‑94 destinavam‑se apenas a facilitar a aquisição de material pelas empresas de transporte público de Île‑de‑France, não tendo o regime de auxílios em causa por objeto ou por efeito impor, em contrapartida, obrigações tarifárias aos beneficiários finais. Tal não era o caso do artigo 19.o do Decreto de 1949 que, embora previsse, a título geral, a possibilidade de as autarquias locais francesas celebrarem contratos de subvenção com essas mesmas empresas, visava o controlo das tarifas aplicadas. Assim, o artigo 11.o desse decreto dispunha que, «relativamente aos serviços objeto de um contrato com uma autarquia local, as tarifas [eram] fixadas […] nos termos do contrato celebrado entre a empresa e a autarquia que paga[va] a subvenção».

72      Em terceiro lugar, as deliberações controvertidas não continham qualquer referência ao Decreto de 1949. Essas deliberações apenas mencionavam o code général des collectivités territoriales (Código Geral das Autarquias Locais), a loi no 82‑1153, du 30 décembre 1982, d’orientation des transports intérieurs (Lei n.o 82‑1153, relativa à orientação dos transportes nacionais, JORF de 31 de dezembro de 1982, p. 4004) e várias deliberações anteriores e decretos adotados de acordo com o direito nacional, entre os quais não constava o Decreto de 1949.

73      Em quarto lugar, as deliberações controvertidas inseriam‑se num quadro legislativo específico, relativo à organização dos transportes na Île‑de‑France, que foi descrito, pela primeira vez, na ordonnance n.o 59‑151, du 7 janvier 1959, relative à l’organisation des transports de voyageurs dans la région parisienne (Despacho n.o 59‑151, relativo à organização dos transportes de passageiros na região parisiense, JORF de 10 de janeiro de 1959, p. 696), quase dez anos depois da adoção do Decreto de 1949.

74      Decorre do conjunto de considerações que antecedem que o Decreto de 1949 não constituía a base jurídica do regime de auxílios em causa.

75      Nestas condições, há que concluir que a recorrente não apresentou no Tribunal Geral elementos de prova suficientes para demonstrar que o regime de auxílios em causa deve ser qualificado como regime de auxílios existente nos termos do artigo 1.o, alínea b), i), do Regulamento 2015/1589.

76      Em segundo lugar, quanto à questão de saber se o regime de auxílios em causa deve ser qualificado como regime de auxílios existente nos termos do artigo 1.o, alínea b), v), do Regulamento 2015/1589, importa recordar que, de acordo com a jurisprudência, o conceito de «evolução do mercado interno» constante dessa disposição pode ser interpretado no sentido de que se refere a uma alteração do contexto económico e jurídico no setor em que foi aplicada a medida em causa. Essa alteração pode, em especial, resultar da liberalização de um mercado inicialmente fechado à concorrência (v., por analogia, Acórdão de 24 de março de 2011, Freistaat Sachsen e Land Sachsen‑Anhalt/Comissão, T‑443/08 e T‑455/08, EU:T:2011:117, n.o 188).

77      Daqui decorre que um regime de auxílios instituído num mercado inicialmente fechado à concorrência deve ser considerado, a partir do momento da liberalização deste mercado, um regime de auxílios existente (Acórdão de 15 de junho de 2000, Alzetta e o./Comissão, T‑298/97, T‑312/97, T‑313/97, T‑315/97, T‑600/97 a T‑607/97, T‑1/98, T‑3/98 a T‑6/98 e T‑23/98, EU:T:2000:151, n.o 143).

78      Contudo, de acordo com o artigo 1.o, alínea b), v), do Regulamento 2015/1589, a data de liberalização de uma atividade pelo direito da União deve ser tomada em consideração apenas para efeitos de excluir que, após essa data, uma medida que não constituía um auxílio antes da liberalização seja qualificada como auxílio existente (v., por analogia, Acórdão de 16 de janeiro de 2018, EDF/Comissão, T‑747/15, EU:T:2018:6, n.o 369).

79      No caso em apreço, resulta da decisão impugnada, e mais concretamente do considerando 18, alínea a), e dos considerandos 19, 183 e 186 dessa decisão, que a Comissão considerou que o regime de auxílios em causa fora instituído em 1994 e revogado em 2008, o que tem como consequência que se deve considerar que os auxílios concedidos ao abrigo de deliberações anteriores constituem um regime de auxílios distinto do regime aplicado pelas deliberações CR 34‑94 e seguintes.

80      A este respeito, importa recordar que a loi n.o 93‑122, du 29 janvier 1993, relative à la prévention de la corruption et à la transparence de la vie économique et des procédures publiques (Lei n.o 93‑122, relativa à prevenção da corrupção e à transparência da vida económica e dos processos públicos, JORF de 30 de janeiro de 1993, p. 1588), que procedeu à liberalização do mercado do transporte regular de passageiros em todo o território francês, com exceção do território da recorrente, foi adotada em 1993, ou seja, antes da data de entrada em vigor da deliberação CR 34‑94, e que esta última data coincide, de acordo com a análise efetuada pela Comissão na decisão impugnada, com a data de instituição do regime de auxílios em causa.

81      Tendo em conta estes elementos, a Comissão considerou corretamente, na decisão impugnada, que os beneficiários finais podiam, a partir de 1994, utilizar o equipamento financiado pelas subvenções controvertidas noutros mercados de transporte público regular de passageiros abertos à concorrência e que, por conseguinte, essas subvenções eram suscetíveis de afetar a concorrência e as trocas comerciais entre os Estados‑Membros a partir dessa data.

82      A este respeito, há que sublinhar que a conclusão da Comissão de que todos os critérios previstos no artigo 107.o, n.o 1, TFUE estavam preenchidos relativamente a esse período está em conformidade com a análise constante das decisões dos órgãos jurisdicionais nacionais, designadamente, em especial, a Sentença n.o 0417015, de 10 de julho de 2008, do tribunal administratif de Paris (Tribunal Administrativo de Paris) e o Acórdão n.o 08PA04753, de 12 de julho de 2010, da cour administrative d’appel de Paris (Tribunal Administrativo de Recurso de Paris), referidos, nomeadamente, no considerando 226 da decisão impugnada.

83      Por outro lado, ainda que a Comissão tenha cometido um erro, como alega a recorrente, ao considerar que o regime de auxílios em causa só foi instituído em 1994, esse erro não é suficiente para invalidar a conclusão de que este deve ser considerado um regime de auxílios novo. De facto, resulta dos considerandos 226 e 237 da decisão impugnada que, mesmo admitindo a hipótese de se dever considerar que o regime de auxílios em causa foi instituído em 1979 ou, o mais tardar, em 1994, numa data em que o mercado do transporte regular de passageiros ainda estava fechado à concorrência, os beneficiários finais podiam utilizar o material subvencionado pela recorrente no âmbito de atividades de transporte ocasional abertas à concorrência.

84      No caso em apreço, a recorrente não apresentou nenhum elemento de prova para demonstrar que o mercado do transporte ocasional não era objeto de trocas comerciais entre os Estados‑Membros durante o período que precedeu a instituição do regime de auxílios em causa ou à data da sua instituição. A recorrente limitou‑se a afirmar, na audiência de alegações, que esse mercado era marginal em relação ao do transporte público regular de passageiros.

85      Ora, a cour administrative d’appel de Paris (Tribunal Administrativo de Recurso de Paris) já salientara, com razão, a relevância do mercado do transporte ocasional de passageiros no seu Acórdão n.o 15PA 00385, de 27 de novembro de 2015. Assim, foi com base nas decisões dos órgãos jurisdicionais nacionais que a Comissão concluiu que se devia considerar que o regime de auxílios em causa afetou, desde a sua instituição, as trocas comerciais entre os Estados‑Membros e a concorrência, e excluiu a sua qualificação como regime de auxílios existente nos termos do artigo 1.o, alínea b), v), do Regulamento 2015/1589.

86      Tendo em conta todos os elementos precedentes, importa concluir que a Comissão não violou o artigo 1.o, alínea b), i) e v), do Regulamento 2015/1589.

87      Por conseguinte, o primeiro fundamento deve ser julgado improcedente, bem como o recurso na íntegra.

 Quanto às despesas

88      Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

89      No caso em apreço, tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la nas suas próprias despesas e nas despesas da Comissão, em conformidade com o requerido por esta.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Primeira Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Região ÎledeFrance suportará, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Comissão Europeia.

Pelikánová

Valančius

Öberg

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 12 de julho de 2019.

Assinaturas


Índice



*      Língua do processo: francês.