Language of document : ECLI:EU:C:2018:723

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MANUEL CAMPOS SÁNCHEZ‑BORDONA

apresentadas em 13 de setembro de 2018 (1)

Processos apensos C266/17 e C267/17

Rhein‑Sieg‑Kreis

contra

Verkehrsbetrieb Hüttebräucker GmbH,

BVR Busverkehr Rheinland GmbH (C‑266/17)

e

Rhenus Veniro GmbH & Co. KG

contra

Kreis Heinsberg (C267/17)

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Oberlandesgericht Düsseldorf (Tribunal Regional Superior de Dusseldórfia, Alemanha)]

«Questão prejudicial — Transportes — Serviços públicos de transporte rodoviário de passageiros — Adjudicação por ajuste direto de contratos de serviço público: operador interno — Condições de aplicação do Regulamento (CE) n.o 1370/2007 — Controlo análogo — Adjudicação por ajuste direto sucessiva pelo operador interno — Momento em que se devem verificar os requisitos para a adjudicação por ajuste direto»






1.        Na origem destes dois pedidos de decisão prejudicial estão vários contratos de serviços públicos de transporte de passageiros por autocarro, adjudicados (ou em vias de ser adjudicados) por ajuste direto, por autoridades locais alemãs, aos seus respetivos «operadores internos». O tribunal de reenvio salienta que nenhum desses contratos reveste a forma jurídica de concessão de serviços de transporte.

2.        A proliferação deste mecanismo de adjudicação por ajuste direto, que prescinde do jogo da livre concorrência, favorecendo as empresas municipais de transporte, preocupa as empresas privadas do ramo, que veem a sua quota de mercado reduzida enquanto as empresas de capitais públicos mantêm ou aumentam a sua.

3.        O tribunal a quo pretende saber, em primeiro lugar e sobretudo, se a adjudicação desses contratos, por ajuste direto, aos operadores internos se rege pela lex specialis, que, neste caso, seria o artigo 5.o do Regulamento (CE) n.o 1370/2007 (2), pelas diretivas gerais em matéria de contratos públicos ou pelas normas do Tratado FUE. Para além desta dúvida crucial, as suas questões reportam‑se a outros pontos da relação entre as autoridades locais e os seus operadores internos.

I.      Quadro jurídico da União: Regulamento n.o 1370/2007

4.        O artigo 2.o do Regulamento n.° 1370/2007 dispõe:

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

[…]

b)      “Autoridade competente”, qualquer autoridade pública, ou agrupamento de autoridades públicas, de um ou mais Estados‑Membros com poder para intervir no transporte público de passageiros numa determinada zona geográfica, ou qualquer organismo investido dessas competências;

c)      “Autoridade competente a nível local”, qualquer autoridade competente cuja zona de competência geográfica não seja nacional;

[…]

h)      “Adjudicação por ajuste direto”, a adjudicação de um contrato de serviço público a um determinado operador de serviços públicos sem qualquer processo prévio de concurso;

i)      “Contrato de serviço público”, um ou vários atos juridicamente vinculativos que estabeleçam o acordo entre uma autoridade competente e um operador de serviço público para confiar a este último a gestão e a exploração dos serviços públicos de transporte de passageiros sujeitos às obrigações de serviço público. […]

j)      “Operador interno”, uma entidade juridicamente distinta, sobre a qual a autoridade competente a nível local ou, em caso de agrupamento de autoridades, pelo menos uma autoridade competente a nível local, exerce um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços;

[…]»

5.        Nos termos do artigo 4.o do Regulamento n.° 1370/2007:

«[…]

7.      […] Em caso de subcontratação, o operador encarregado da gestão e da prestação de serviços públicos de transporte de passageiros, de acordo com o presente regulamento, é obrigado a prestar ele próprio uma parte substancial dos serviços públicos de transporte. […]»

6.        O artigo 5.o do Regulamento n.° 1370/2007 dispõe que:

«1.      Os contratos de serviço público devem ser adjudicados de acordo com as regras estabelecidas no presente regulamento. No entanto, os contratos de serviços ou os contratos públicos de serviços, tal como definidos nas Diretivas 2004/17/CE [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos nos setores da água, da energia, dos transportes e dos serviços de postais (JO 2004, L 134, p. 1)] e 2004/18/CE [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços (JO 2004, L 134, p. 114)], para o transporte público de passageiros por autocarro ou elétrico, devem ser adjudicados nos termos dessas diretivas na medida em que tais contratos não assumam a forma de contratos de concessão de serviços, tal como definidos nessas diretivas. Sempre que os contratos devam ser adjudicados nos termos das Diretivas 2004/17/CE ou 2004/18/CE, não se aplica o disposto nos n.os 2 a 6 do presente artigo.

2.      Salvo proibição prevista pelo direito nacional, qualquer autoridade competente a nível local, quer se trate de uma autoridade singular ou de um agrupamento de autoridades fornecedoras de serviços públicos integrados de transporte de passageiros, pode decidir prestar ela própria serviços de transporte público de passageiros ou adjudicar por ajuste direto contratos de serviço público a uma entidade juridicamente distinta sobre a qual a autoridade competente a nível local, ou caso se trate de um agrupamento de autoridades, pelo menos uma autoridade competente a nível local, exerça um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços. Caso uma autoridade competente a nível local tome essa decisão, aplicam‑se as seguintes disposições:

a)      Para o efeito de determinar se a autoridade competente a nível local exerce tal controlo, devem ser considerados fatores como o nível de presença nos órgãos de administração, direção ou supervisão, as respetivas disposições estatutárias, a propriedade, a influência e o controlo efetivos sobre as decisões estratégicas e as decisões individuais de gestão. De acordo com o direito comunitário, a titularidade de 100% do capital pela autoridade pública competente, designadamente no caso das parcerias público‑privadas, não é um requisito obrigatório para determinar a existência de controlo na aceção do presente número, desde que se verifique uma influência pública dominante e o controlo possa ser determinado com base em outros critérios;

b)      É condição de aplicação do presente número que o operador interno e qualquer entidade sobre a qual este operador exerça uma influência, ainda que mínima, exerçam integralmente as suas atividades de transporte público de passageiros no interior do território da autoridade competente a nível local, mesmo que existam linhas secundárias ou outros elementos acessórios dessa atividade que entrem no território de autoridades competentes a nível local vizinhas, e não participem em concursos organizados fora do território da autoridade competente a nível local;

c)      Não obstante o disposto na alínea b), um operador interno pode participar em concursos a partir de dois anos antes do termo do contrato de serviço público que lhe tenha sido adjudicado por ajuste direto na condição de ter sido tomada a decisão de submeter a concurso os serviços públicos de transporte de passageiros abrangidos pelo contrato com o operador interno e de este não ter celebrado outros contratos de serviço público adjudicados por ajuste direto;

[…]

e)      Em caso de subcontratação ao abrigo do n.o 7 do artigo 4.o, o operador interno é obrigado a prestar ele próprio a maior parte do serviço público de transporte de passageiros.

3.      Qualquer autoridade competente que recorra a um terceiro que não seja um operador interno deve adjudicar os contratos de serviço público com base num concurso, exceto nos casos previstos nos n.os 4, 5 e 6. O concurso deve ser aberto a todos os operadores, ser imparcial e respeitar os princípios de transparência e não discriminação. Após a apresentação das propostas e da eventual pré‑seleção, o procedimento pode envolver negociações no respeito daqueles princípios, a fim de determinar a melhor forma de dar resposta à especificidade ou à complexidade das exigências.

[…]»

7.        O artigo 7.o do Regulamento n.° 1370/2007 preceitua que:

«[…]

2.      Cada autoridade competente toma as medidas necessárias para que, o mais tardar um ano antes da abertura do concurso ou um ano antes da adjudicação por ajuste direto, sejam publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, no mínimo, as seguintes informações:

a)      Nome e dados de contacto da autoridade competente;

b)      Tipo de procedimento previsto para a adjudicação;

c)      Serviços e territórios potencialmente abrangidos pela adjudicação.

[…]»

8.        O artigo 8.o do Regulamento n.° 1370/2007 dispõe:

«[…]

2.      Sem prejuízo do n.o 3, a adjudicação de contratos de serviço público de transporte ferroviário e rodoviário deve dar cumprimento ao disposto no artigo 5.o a partir de 3 de dezembro de 2019. Durante este período transitório, os Estados‑Membros devem tomar medidas para darem gradualmente cumprimento ao disposto no artigo 5.o a fim de evitar anomalias estruturais graves, nomeadamente relacionadas com a capacidade de transporte.

No prazo de seis meses a contar do termo da primeira metade do período transitório, os Estados‑Membros devem apresentar à Comissão um relatório de progresso salientando, em especial, a eventual adjudicação gradual de contratos de serviço público em cumprimento do artigo 5.o Com base nos relatórios de progresso dos Estados‑Membros, a Comissão pode propor medidas adequadas destinadas aos Estados‑Membros.

3.      Na aplicação do n.o 2, não são tidos em conta os contratos de serviço público adjudicados de acordo com o direito comunitário e interno:

a)      Antes de 26 de julho de 2000, com base num concurso;

b)      Antes de 26 de julho de 2000, com base num procedimento distinto do concurso;

c)      A partir de 26 de julho de 2000, e antes de 3 de dezembro de 2009, com base num concurso;

d)      A partir de 26 de julho de 2000 e antes de 3 de dezembro de 2009, com base num procedimento distinto do concurso.

Os contratos referidos na alínea a) podem manter‑se em vigor até ao termo da sua duração. Os contratos referidos nas alíneas b) e c) podem manter‑se em vigor até ao termo da sua duração, mas não por um período superior a trinta anos. Os contratos referidos na alínea d) podem manter‑se em vigor até ao termo da sua duração, desde que esta seja limitada e comparável aos prazos especificados no artigo 4.o

Os contratos de serviço público podem manter‑se em vigor até ao termo da sua duração se a sua extinção tiver consequências jurídicas e económicas indevidas e sob reserva de aprovação pela Comissão.

[…]»

II.    Factos do litígio e questões prejudiciais

A.      No processo C266/17

9.        O Rhein‑Sieg‑Kreis (Distrito de Rhein‑Sieg) é uma entidade territorial do Land Nordrhein‑Westfalen (Land da Renânia do Norte‑Vestfália) que, nos termos do direito nacional e para efeitos do Regulamento n.° 1370/2007, tem o estatuto de autoridade competente no seu âmbito geográfico.

10.      O Distrito de Rhein‑Sieg dispõe de um operador interno (Regionalverkehr Köln GmbH, a seguir «RV Köln») que tem personalidade jurídica própria (3). Nos termos do despacho de reenvio, aquele Kreis (Distrito) exerce sobre a RV Köln um controlo «análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços, sob a forma de um controlo conjunto com os demais sócios» (4).

11.      Além disso, o Distrito de Rhein‑Sieg constituiu, juntamente com outras entidades territoriais, um consórcio de gestão (Verkehrsverbund Rhein‑Sieg) que se ocupa basicamente de fixar tarifas, mas não exerce a atividade de transporte.

12.      O Distrito comunicou (5) que, nos termos do artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento n.° 1370/2007, ia proceder à adjudicação por ajuste direto do serviço público de transporte de passageiros «no seu território com linhas secundárias em territórios vizinhos» (6).

13.      A RV Köln presta o serviço público de transporte de passageiros adjudicado no território do Distrito, mesmo que existam linhas secundárias ou outros elementos acessórios dessa atividade que entram no território de autoridades competentes a nível local vizinhas. (7)

14.      A comunicação da adjudicação foi impugnada pela Verkehrsbetrieb Hüttebräucker GmbH e pela BVR Busverkehr Rheinland GmbH perante a Vergabekammer Rheinland (Secção de Contratos Públicos da Renânia, Alemanha), que proibiu a adjudicação do contrato, por ajuste direto, ao operador interno, por não estarem preenchidos os pressupostos de aplicação do artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento n.° 1370/2007: não havia controlo da entidade territorial sobre o operador, e a prestação do serviço público de transporte de passageiros ocorria em territórios distintos do da entidade adjudicante.

15.      Da decisão da Secção de Contratos Públicos da Renânia foi interposto recurso para o tribunal de reenvio. Este último ressalta a existência de posições jurisprudenciais divergentes, na Alemanha, relativamente aos contratos de transporte rodoviário de passageiros que não revistam a modalidade de concessão de serviços:

–        para alguns tribunais, apenas a concessão justifica a aplicação do Regulamento n.° 1370/2007. Não havendo concessão, aplica‑se o regime geral das diretivas de contratos públicos;

–        para outros, o artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento n.° 1370/2007 estabelece um regime especial que prevalece sobre as normas gerais. A remissão que o n.o 1 do artigo 5.o faz para as diretivas de contratos públicos carece de objeto, em casos como o presente, visto que as adjudicações internas não se submetem àquelas.

16.      Neste contexto, o Oberlandesgericht Düsseldorf (Tribunal Regional Superior de Dusseldórfia) submete ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento (CE) n.o 1370/2007 é aplicável aos contratos que, nos termos do artigo 5.o, n.o 1, primeiro período, do Regulamento (CE), não assumam a forma de contratos de concessão de serviços no sentido das Diretivas 2004/17/CE ou 2004/18/CE?

Em caso de resposta afirmativa à primeira questão:

2)      Se uma autoridade singular competente, nos termos do artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento (CE) n.o 1370/2007, adjudicar um contrato público de serviços, por ajuste direto, a um operador interno, a existência de um controlo dessa autoridade competente em conjunto com os outros sócios do operador interno fica prejudicada pelo facto de o poder de intervenção no setor dos transportes públicos de passageiros numa determinada zona geográfica [artigo 2.o, alíneas b) e c), do Regulamento (CE) n.o 1370/2007] estar repartido entre a autoridade singular competente e um agrupamento de entidades que prestam serviços integrados de transportes públicos de passageiros, por exemplo, em virtude de a competência para adjudicar os contratos públicos de serviços a um operador interno continuar a ser dessa autoridade singular, mas a competência tarifária ser transmitida para uma associação de transportes de que fazem parte, além da autoridade singular competente, outras autoridades competentes nas suas respetivas zonas geográficas?

3)      No caso de a autoridade singular competente, nos termos do artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento (CE) n.o 1370/2007, adjudicar um contrato público de serviços, por ajuste direto, a um operador interno, a existência de controlo dessa autoridade competente em conjunto com os outros sócios do operador interno fica prejudicada pelo facto de, segundo o pacto social desse operador, nas deliberações sobre a celebração, a alteração ou a cessação de um contrato público de serviços nos termos do artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento (CE) n.o 1370/2007, só ter direito de voto o sócio que, por si próprio ou através das entidades que direta ou indiretamente sejam suas detentoras, adjudicar o contrato público de serviços ao operador interno nos termos do artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento (CE) n.o 1370/2007?

4)      O artigo 5.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento (CE) n.o 1370/2007 permite que o operador interno desenvolva atividades de prestação de serviços de transporte público de passageiros para outras autoridades competentes a nível local no território dessas autoridades (incluindo as linhas secundárias ou outros elementos acessórios dessa atividade que entrem no território de autoridades competentes a nível local vizinhas), se tais serviços não forem adjudicados no quadro de concursos públicos?

5)      O artigo 5.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento (CE) n.o 1370/2007 permite que o operador interno preste serviços de transporte público de passageiros fora do território da autoridade que lhe adjudicou o contrato a favor de outras entidades adjudicantes com base em contratos de prestação de serviços que são abrangidos pela norma transitória do artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento (CE) n.o 1370/2007?

6)      Em que momento devem estar preenchidos os requisitos do artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento (CE) n.o 1370/2007?»

B.      No processo C267/17

17.      O Kreis Heinsberg (Distrito de Heinsberg) é uma entidade territorial do Land da Renânia do Norte‑Vestfália. Em conjunto com a cidade de Aachen, a área metropolitana de Aachen e o Distrito de Düren, faz parte do consórcio municipal de direito público Aachener Verkehrsverbund, criado para promover e fomentar o transporte público de proximidade de passageiros para os seus membros (8).

18.      Em 15 de março de 2016, o Distrito de Heinsberg comunicou (9) que procederia à adjudicação por ajuste direto, sem anúncio prévio de concurso público, dos serviços públicos de transporte de passageiros por autocarro e outros veículos, de acordo com o artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento n.° 1370/2007.

19.      O operador interno (10) a quem se pretendia adjudicar aquele serviço a partir de 1 de janeiro de 2018 e por um período de 120 meses era a WestVerkehrr GmbH, sociedade que exercia a sua atividade, basicamente, através da sua filial participada a 100%, Kreisverkehrsgesellschaft Heinsberg mbH, e que pretendia continuar a fazer do mesmo modo após a adjudicação por ajuste direto.

20.      A Rhenus Veniro GmbH impugnou a adjudicação perante a Secção de Contratos Públicos da Renânia, que julgou o seu recurso improcedente em 11 de novembro de 2016, pelo que recorreu para o Oberlandesgericht Düsseldorf (Tribunal Regional Superior de Dusseldórfia) alegando: a) que o artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento n.° 1370/2007 não é aplicável e, b) subsidiariamente, que o Distrito de Heinsberg, na qualidade de membro do Aachener Verkehrsverbund, não tem competência para adjudicar o contrato por ajuste direto, visto que essa competência cabe a uma autoridade singular ou a um agrupamento de autoridades, mas não a uma autoridade na qualidade de membro do agrupamento.

21.      Neste contexto, o Oberlandesgericht Düsseldorf (Tribunal Regional Superior de Dusseldórfia) submete ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento (CE) n.o 1370/2007 é aplicável aos contratos de serviço público, tal como definidos no artigo 2.o, alínea i), do regulamento, que sejam adjudicados por ajuste direto, não tendo adotado a forma de contratos de concessão de serviços na aceção das Diretivas 2004/17/CE ou 2004/18/CE no sentido do artigo 5.o, n.o 1, segundo período, do Regulamento?

2)      Os artigos 2.o, alínea b), e 5.o, n.o 2, do Regulamento (CE) n.o 1370/2007, devido à palavra “ou”, pressupõem a competência exclusiva de uma única autoridade ou de um agrupamento de autoridades, ou, nos termos destas disposições, é possível que uma única autoridade seja igualmente membro de um agrupamento de autoridade e transfira para esse agrupamento funções concretas, conservando, no entanto, poder para intervir em conformidade com o artigo 2.o, alínea b), e a condição de autoridade competente a nível na aceção do artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento?

3)      O artigo 5.o, n.o 2, alínea e), do Regulamento (CE) n.o 1370/2007, ao obrigar o operador interno a prestar ele próprio parte do serviço público do transporte de passageiros, exclui que a maior parte dos serviços seja prestada por uma filial por ele participada em 100%?

4)      Em que momento devem estar preenchidos os requisitos para a adjudicação por ajuste direto, nos termos do artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1370/2007: desde a publicação da intenção de proceder a uma adjudicação por ajuste direto nos termos do artigo 7.o do regulamento ou apenas no momento da própria adjudicação por ajuste direto?»

III. Tramitação processual no Tribunal de Justiça

22.      Os pedidos de decisão prejudicial deram entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 17 de maio de 2017, tendo‑se decidido a apensação dos mesmos.

23.      Depositaram observações escritas a Verkehrsbetrieb Hüttebräucker, a Rhenus Veniro, os Distritos de Rhein‑Sieg e de Heinsberg, o Governo austríaco e a Comissão Europeia.

24.      A Verkehrsbetrieb Hüttebräucker, a Rhenus Veniro, a BVR Busverkehr Rheinland, os Distritos de Rhein‑Sieg e de Heinsberg e a Comissão estiveram presentes na audiência realizada em 31 de maio de 2018.

IV.    Apreciação

A.      Aplicação do Regulamento n.° 1370/2007 (primeira questão prejudicial nos processos C266/17 e C267/17)

25.      O pressuposto de que devemos partir é o de que, nestes dois processos, segundo o tribunal de reenvio, a relação jurídica que se estabelece entre a autoridade adjudicante e o operador encarregado da prestação do serviço público de transporte rodoviário de passageiros não corresponde uma concessão de serviço público, mas sim a um contrato de serviço público.

26.      Assim sendo, é chamado à colação o artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento n.° 1370/2007, donde resulta que, em princípio, a adjudicação daquele contrato de serviço público deveria ser feita de acordo com as Diretivas 2004/17 e 2004/18 (11).

27.      O problema radica no facto de essas duas diretivas, contrariamente às ulteriores de 2014 (12), não preverem a adjudicação por ajuste direto desses contratos a operadores internos (também denominados operadores in house). Nestas condições, as alternativas são as seguintes:

–        recorrer à jurisprudência (13) que, no quadro normativo anterior às diretivas de contratos públicos de 2014, fixou os contornos da seleção direta do adjudicatário, quando se tratasse de um mero instrumento interno ao serviço da autoridade adjudicante que o controla. A jurisprudência Teckal, que se apresenta precisamente como exceção à aplicação das Diretivas 2004/17 e 2004/18, fornece orientações, de origem pretoriana, de modo a permitir este tipo de adjudicação por parte das autoridades públicas às suas entidades instrumentais;

–        aplicar as normas específicas que o Regulamento n.° 1370/2007 consagra para este tipo de adjudicação aos operadores internos.

28.      Tal como evidencia a divergência entre os tribunais alemães, a que aludem os despachos de reenvio, a solução do problema não é clara e a disparidade de regimes jurídicos resultante da adoção de uma ou de outra tese é significativa. Diferente seria se, nos litígios que originaram estes reenvios prejudiciais, se pudessem aplicar as Diretivas de 2014, na medida em que estas, embora com ligeiras diferenças, incorporaram formalmente no seu texto, no essencial, a jurisprudência Teckal (14).

29.      Nesse caso, não seria difícil admitir que a remissão para as Diretivas de 2004, efetuada no artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento n.° 1370/2007, deveria entender‑se como sendo feita para as Diretivas de 2014, desde que entraram em vigor (15). E como estas já preveem expressamente as regras aplicáveis à adjudicação dos contratos públicos aos operadores in house, caberia apenas esclarecer se estas têm prioridade sobre as que contém o artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento n.° 1370/2007 (16). Não obstante, a aplicação das Diretivas de 2014 não é viável, ratione temporis, nestes processos (17).

30.      O Tribunal de Justiça decidiu que «a diretiva aplicável é, em princípio, a que está em vigor no momento em que a entidade adjudicante escolhe o tipo de procedimento que vai adotar e dirime definitivamente a questão de saber se há ou não a obrigação de proceder à abertura prévia de um concurso para a adjudicação de um contrato público (Acórdão [de 11 de julho de 2013,] Comissão/Países Baixos, C‑576/10, EU:C:2013:510, n.o 52 e jurisprudência referida). Em contrapartida, são inaplicáveis as disposições de uma diretiva cujo prazo de transposição expirou após esse momento (v., neste sentido, o Acórdão [de 5 de outubro de 2000,] Comissão/França, C‑337/98, EU:C:2000:543, n.os 41 e 42)» (18).

31.      Dos dois despachos de reenvio resulta que os anúncios da adjudicação por ajuste direto foram feitos antes da data‑limite para transposição das Diretivas de 2014 (19). Além disso, não há nenhum elemento objetivo do qual se infira que a opção da autoridade adjudicante tenha mudado relativamente à manifestada nos anúncios.

32.      Consequentemente, devemos voltar à alternativa que antes expus, sem possibilidade de recurso às regras das Diretivas de 2014 sobre a adjudicação por ajuste direto aos operadores internos.

33.      Os procedimentos previstos nas Diretivas 2004/17 e 2004/18 não são aplicáveis a este género de adjudicações in house. Como já referi noutras conclusões, «[s]ob o regime in house a entidade adjudicante não celebra contrato, segundo uma perspetiva funcional, com outra entidade diferente, fazendo‑o, na realidade, consigo mesma, dada a relação que mantém com a entidade formalmente diferente. Em sentido estrito, não se pode falar de adjudicação de um contrato, mas sim de uma mera ordem ou encomenda, que não pode ser rejeitada pela outra “parte”, seja qual for a forma em que uma ou outra se traduzam. […] A ausência de uma verdadeira relação de alteridade justifica que uma entidade adjudicante não esteja obrigada a submeter‑se aos processos de adjudicação de contratos públicos quando utiliza meios próprios para realizar as suas tarefas» (20).

34.      Deste modo, a adjudicação aos operadores internos deve reger‑se quer pela jurisprudência Teckal quer pelas normas especiais do artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento n.° 1370/2007 (quando se tratar de serviços de transporte terrestre).

35.      Embora reconhecendo o peso dos argumentos contrários, inclino‑me a favor da prevalência do artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento n.° 1370/2007. Na minha opinião, são vários os argumentos que avalizam esta posição.

36.      O primeiro prende‑se com a interpretação literal do n.o 1, terceiro período, do mesmo artigo 5.o, lido a sensu contrario. Se os n.os 2 a 5 do referido artigo apenas cedem, excecional e limitadamente (21), quando os contratos de serviço «devam ser adjudicados nos termos das Diretivas 2004/17/CE ou 2004/18/CE», aplicar‑se‑ão em pleno se estas diretivas não previrem as adjudicações diretas a favor dos operadores internos, como é o caso. Já sublinhei que, para o Tribunal de Justiça, as adjudicações in house estão excluídas daquelas duas diretivas.

37.      Esta interpretação literal é corroborada pela própria redação do artigo 5.o, n.o 1: os contratos de serviço público de transporte de passageiros por autocarro «devem ser adjudicados nos termos dessas Diretivas [2004/17 e 2004/18]», quando não revistam a forma de contratos de concessão de serviços. Se estas últimas diretivas, como acontece, não incluírem nenhum procedimento para as adjudicações a operadores internos, que são sobretudo mecanismos de autoprestação a cargo dos poderes públicos, a remissão carece de objeto e de sentido.

38.      O mesmo não sucederia se se tratasse de adjudicações concorrenciais (isto é, não a favor dos operadores internos), para as quais a remissão mantém toda a sua eficácia. Quando uma autoridade pública queira adjudicar a terceiros um contrato deste género, que não revista a forma de concessão, deverá fazê‑lo através dos procedimentos concorrenciais que (estes sim) estão previstos nas Diretivas 2004/17 e 2004/18.

39.      O segundo argumento responde a uma apreciação sistemática das normas aplicáveis, ligada à regra da especialidade. Se o legislador da União procurou, no ano de 2007 (isto é, após a aprovação das Diretivas de 2004), instaurar um regime especial para as adjudicações in house dos contratos de serviço de transporte terrestre, penso que, em caso de dúvida, deve entender‑se que este regime, tal como configurado no artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento n.° 1370/2007, é preferível ao (geral) que decorre da jurisprudência Teckal.

40.      O terceiro e último argumento prende‑se com a finalidade visada pelo artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento n.° 1370/2007. O legislador da União, face às particularidades do transporte rodoviário de passageiros, pretendeu garantir que «qualquer autoridade local […] po[ssa] decidir prestar ela própria serviços públicos de transporte de passageiros no seu território ou confiá‑los a um operador interno sem os submeter a concurso». As condições para recorrer a este último mecanismo são bastante precisas e refletem o equilíbrio entre aquela finalidade e a «de garantir condições de concorrência equitativas» (22).

41.      É mais coerente com este propósito dar prioridade às regras específicas do Regulamento n.° 1370/2007, adequadas à fisionomia do transporte de passageiros por autocarro, do que cingir‑se aos critérios da jurisprudência Teckal, válidos para qualquer outro setor de serviços. Entre essas regras destaca‑se a que permite (e, em certa medida, favorece) que as autoridades locais se agrupem para adjudicar estes contratos a um operador interno sobre quem exerçam um controlo análogo ao que exercem sobre os seus próprios serviços.

42.      Em suma, a autoridade local que se proponha adjudicar diretamente a um operador interno um contrato de serviços públicos de transporte de passageiros por autocarro deve fazê‑lo no respeito das condições estabelecidas no artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento n.° 1370/2007.

B.      Intervenção da autoridade local na adjudicação do contrato e no controlo exercido sobre o operador interno (segunda questão prejudicial nos processos C266/17 e C267/17 e terceira questão prejudicial no processo C266/17)

43.      As entidades locais (Distritos) que, nestes dois processos, adjudicaram (ou se propunham adjudicar) os contratos aos seus operadores internos tinham formado, com outras entidades análogas, consórcios de gestão (Verkehrsverbund) de âmbito territorial superior. Entre as competências que atribuíram a estes consórcios encontra‑se a de fixar as tarifas comuns dos serviços de transporte de passageiros para os respetivos territórios (23).

44.      O tribunal de reenvio pretende saber se esta circunstância obsta a que cada uma das duas autoridades locais (Distritos) que integram os consórcios adjudique os seus contratos respetivos.

45.      Como já expus, o artigo 5.o, n.o 2, primeiro período, do Regulamento n.° 1370/2007 permite às autoridades locais, por si sós ou agrupadas com outras, adjudicarem diretamente os contratos aos operadores internos, sempre que «exerça[m] um controlo análogo ao que exerce[m] sobre os seus próprios serviços».

46.      Em abstrato, não percebo por que razão a atribuição do poder de aprovação das tarifas ao consórcio de gestão haveria de minar o «controlo análogo» das autoridades singulares sobre o seu operador interno. Neste ponto, concordo com a opinião do tribunal de reenvio. O estabelecimento de uma tarifa comum, decidida pelo consórcio, permite aos utentes beneficiarem de um serviço integrado de transporte, através da compra de apenas um bilhete, independentemente do operador interno que o realize e da autoridade local a que o mesmo esteja vinculado.

47.      O que importa aqui é saber se subsiste ou não o «controlo análogo» exercido por cada entidade local (ou, se for o caso, um controlo conjunto do agrupamento) sobre o operador interno. De acordo com a configuração que for feita, a delegação de poderes ao consórcio de gestão poderia esvaziar de competências a autoridade local, ao ponto de a mesma já não exercer sobre o operador interno um controlo comparável ao que exerce sobre os seus serviços.

48.      Limitada a questão prejudicial à delegação de poderes tarifários a favor do consórcio, não me parece que este dado implique, necessariamente, abdicar do controlo sobre o operador interno. Quanto ao resto, cada Distrito, enquanto entidade local que faz parte do consórcio de gestão, participa na tomada das decisões tarifárias deste último, o que mostra que conserva — ainda que partilhado — o controlo, incluindo sobre este aspeto do serviço.

49.      Naturalmente, a apreciação última sobre se, nas circunstâncias concretas de ambos os litígios, subsiste o controlo do operador interno pelos Distritos, individualmente ou agrupados, cabe ao órgão jurisdicional nacional, por este ser o único que dispõe dos elementos de prova adequados para o fazer (24). Na verdade, os despachos de reenvio não fornecem pormenores suficientes para se ter uma imagem fiel e completa das relações entre as autoridades locais e o operador interno.

50.      Ainda neste contexto, a terceira questão prejudicial do processo C‑266/17 faz referência a uma alteração do pacto social da RV Köln, aprovada em 21 de agosto de 2015 em assembleia geral de sócios, que terá restringido o direito de voto destes últimos apenas aos que adjudiquem um contrato ao abrigo do artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento n.° 1370/2007. O tribunal a quo pretende saber se esta alteração estatutária se poderá repercutir no controlo exercido pela entidade adjudicante local.

51.      A redação do despacho de reenvio é, neste ponto, de difícil compreensão. De qualquer modo, no seu n.o 21 dispõe que «não é atualmente previsível se o pacto social da interveniente subsistirá na sua versão original ou se entrará em vigor a nova versão de 21 de agosto de 2015». É que, antes (n.o 6), se explica que a decisão de alteração de 21 de agosto de 2015 foi impugnada e que «[s]egundo […] decisão definitiva […] está suspensa».

52.      Assim sendo (25), talvez a questão pudesse ser qualificada de hipotética, pois versa sobre um elemento de facto (a alteração estatutária) que o próprio tribunal de reenvio não considera relevante para a sua decisão, já que não está em vigor.

53.      De qualquer maneira, a nova redação do pacto social da RV Köln, neste processo, apenas levaria à confirmação de que o Distrito, precisamente por ser quem adjudicou o contrato ao dito operador, goza do direito de voto na assembleia geral daquele, isto é, pode exercer o controlo a que tem direito sobre a sociedade instrumental. Como bem salienta o tribunal de reenvio, a alteração do artigo 17.o, n.o 1, terceiro parágrafo, do pacto social conduz a um «reforço da influência do sócio que adjudica o contrato de serviços e em cujo território deve ser prestado o serviço de transporte de passageiros».

C.      Sobre o território em que o operador interno pode prestar serviços de transporte (quarta e quinta questões prejudiciais no processo C266/17)

54.      Com a sua quarta questão no processo C‑266/17, o tribunal de reenvio pretende saber se um operador interno a quem tenha sido atribuído o contrato mediante adjudicação por ajuste direto pode prestar serviços de transporte terrestre de passageiros não só no território da entidade local adjudicante mas também no de outras entidades locais agrupadas.

55.      Também neste ponto o despacho de reenvio não é muito claro. Poder‑se‑ia inferir do seu teor, uma vez mais, que a questão é hipotética, pois:

–        no anúncio da adjudicação, a entidade local referiu que o serviço iria ser prestado «no seu território com linhas secundárias em territórios vizinhos» (n.o 10 do despacho);

–        o próprio tribunal de reenvio corrobora este elemento ao declarar que «é executado no território das autoridades adjudicantes, mesmo que existam linhas secundárias ou outros elementos acessórios dessa atividade que entram no território de autoridades competentes a nível local vizinhas» (n.o 22 do despacho).

56.      No entanto, não devemos excluir que o sentido da questão é esclarecer se, independentemente de a adjudicação à RV Köln ter respeitado esta regra, esta sociedade está impedida de prestar os seus serviços a outras entidades locais, isto é, de estender a sua atividade aos territórios destas últimas.

57.      Nos termos do artigo 5.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.° 1370/2007, o operador interno apenas pode desempenhar as suas atividades de transporte público de passageiros dentro do território da autoridade local competente. No entanto, esta última tanto pode ser uma entidade local singular como um agrupamento de entidades locais (26). Nada impede, portanto, que uma ou mais entidades locais agrupadas encomendem o serviço a um único operador, comum a todas, sobre quem exercem um controlo análogo ao que exercem sobre os seus próprios serviços. Nesta hipótese, o operador interno pode efetuar as suas atividades em cada um dos territórios das entidades (agrupadas) que lhe tenham confiado o referido serviço.

58.      De resto, esta possibilidade não constitui uma novidade presente apenas no Regulamento n.° 1370/2007. O Tribunal de Justiça, ao desenvolver a jurisprudência Teckal, admitiu que algumas autoridades públicas desempenham as suas funções de serviço público em colaboração com outras, valendo‑se para tanto de uma entidade instrumental comum sobre quem exercem um controlo conjunto análogo (não idêntico) ao que exercem sobre os seus próprios serviços (27).

59.      No Acórdão Coditel Brabant (28), foi examinado o caso de uma entidade local que se «pretend[ia] associar a um agrupamento composto por outras autoridades públicas, como, por exemplo, uma sociedade cooperativa intermunicipal», para levar a cabo as suas tarefas. O Tribunal de Justiça admitiu o controlo conjunto pelas entidades locais, o qual não tinha de ser individual (29).

60.      Em suma, se o operador interno é uma entidade instrumental comum a várias entidades locais que exercem sobre ele um controlo (conjunto) análogo ao que exercem sobre os seus próprios serviços, deve entender‑se que o território mencionado no artigo 5.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.° 1370/2007 é o território de cada uma dessas entidades.

61.      Na quinta questão prejudicial, o tribunal a quo parece referir‑se não já ao território das entidades locais agrupadas mas sim ao de outras «autoridades adjudicantes» que, hipoteticamente, terão celebrado com a RV Köln contratos de serviço de transportes anteriores a 3 de dezembro de 2003, isto é, sujeitos a um regime transitório nos termos do artigo 8.o do Regulamento n.° 1370/2007.

62.      Esse artigo previa uma série de medidas que implicavam a introdução progressiva das regras de adjudicação constantes do próprio Regulamento n.° 1370/2007. Sem que seja necessário aprofundar agora o seu conteúdo, basta dizer que os contratos de serviço público adjudicados de acordo com o direito comunitário ou com o direito nacional, nas modalidades que especifica e nos períodos identificados no n.o 3 do artigo 8.o, podiam continuar até ao seu termo, com alguns limites.

63.      Como o despacho de reenvio não adianta mais pormenores, creio que os contratos preexistentes a que se refere estão vigentes em virtude das regras transitórias do artigo 8.o que a questão menciona. Por conseguinte, ao haver uma habilitação explícita do Regulamento n.° 1370/2007, que protege a manutenção desses contratos, deve entender‑se que a restrição territorial prevista no artigo 5.o, n.o 2, alínea b), do referido regulamento não os inclui.

D.      Momento em que devem estar preenchidos os requisitos do artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento n.° 1370/2007 (sexta questão prejudicial no processo C266/17 e quarta no processo C267/17)

64.      O tribunal de reenvio tem dúvidas sobre se os requisitos exigíveis nos termos do artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento n.° 1370/2007 devem estar preenchidos: a) no momento da adjudicação por ajuste direto ou b) no momento em que, nos termos do artigo 7.o, n.o 2, do dito regulamento, a autoridade competente tenha de publicar no Jornal Oficial da União Europeia as informações relativas à adjudicação por ajuste direto que se propõe realizar.

65.      O artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.° 1370/2007, ao especificar os dados que a autoridade competente deve inserir no seu anúncio (pelo menos, um ano antes da adjudicação por ajuste direto), não exige que se precise a identidade do futuro adjudicatário. Nada impede que, no intervalo que decorre entre o anúncio e a adjudicação, a entidade local possa estruturar as suas entidades instrumentais de um modo ou de outro: o importante é que o operador interno que venha a ser eleito reúna as condições legais (em particular, que esteja sujeito ao controlo da autoridade que lhe confia o serviço).

66.      A leitura conjunta do artigo 5.o, n.o 2, e do artigo 7.o, n.o 2, ambos do Regulamento n.° 1370/2007, leva‑me, pois, a afirmar que o momento em que se devem verificar os requisitos do primeiro desses dois preceitos é, precisamente, quando se procede à adjudicação por ajuste direto. Só então se conhecerá a identidade do operador selecionado, que é o dado essencial para determinar se, devido às suas características, a autoridade competente exerce sobre ele um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços e se esse operador se encontra ou não numa das circunstâncias previstas no artigo 5.o, n.o 2, alíneas b) e c), do Regulamento n.° 1370/2007.

E.      Prestação do serviço pelo operador interno através de uma entidade filial (terceira questão no processo C267/17)

67.      O operador interno WestVerkehr realiza materialmente o serviço público de transporte através de uma entidade filial cujo capital lhe pertence na íntegra. Perante este facto, e atento o teor do artigo 5.o, n.o 2, alínea e), do Regulamento n.° 1370/2007 («[e]m caso de subcontratação […] o operador interno é obrigado a prestar ele próprio a maior parte do serviço»), o tribunal de reenvio questiona‑se sobre se esse preceito admite a subcontratação da prestação à entidade filial.

68.      O Regulamento n.° 1370/2007 prevê a subcontratação como mecanismo de abertura a empresas diferentes do adjudicatário, a ele ligadas por um vínculo contratual. Porém, as empresas subcontratadas só podem levar a cabo uma percentagem limitada do serviço, pois:

–        se o adjudicatário for uma empresa autónoma, quer dizer, se não for um operador interno, «é obrigado a prestar ele próprio uma parte substancial dos serviços públicos de transporte de passageiros» [artigo 4.o, n.o 7] (30);

–        pelo contrário, se o adjudicatário for um operador interno, «é obrigado a prestar ele próprio a maior parte do serviço» [artigo 5.°, n.o 2, alínea e)].

69.      Todavia, neste caso, não creio que se possa falar, com propriedade, de subcontratação. Concordo com a tese exposta pelo Distrito de Heinsberg nas suas observações escritas, ao destacar que a relação entre uma filial cujo capital social pertença na íntegra ao operador interno que a controla e este último não é própria de um subcontrato. Para haver subcontratação, são necessárias duas empresas autónomas (31) que, «em condições de igualdade e não de dependência ou subordinação hierárquica» (32), acordem entre si as condições da sua relação contratual.

70.      A subcontratação a que fazem referência os artigos do Regulamento n.° 1370/2007 antes citados terá lugar quando o operador interno decide recorrer a um terceiro, alheio à sua estrutura societária, para a prestação do serviço (33). Mas se, com esse mesmo propósito, recorrer a uma sociedade filial por si participada a 100% e que controla plenamente, ao ponto de lhe impor as suas decisões empresariais, na realidade, numa perspetiva funcional, é verdadeiramente a mesma unidade económica e operacional que presta o referido serviço. Não há, pois, um verdadeiro terceiro com quem subcontratar.

71.      Nestas condições, o vínculo in house que liga o Distrito de Heinsberg ao seu operador interno (WestVerkehr) estende‑se à filial participada a 100% por esta última sociedade, sobre a qual a autoridade local exerce também um controlo (de segundo grau) equivalente ao que efetua sobre (o resto dos) seus serviços.

72.      Consequentemente, o artigo 5.o, n.o 2, segundo período, alínea e), do Regulamento n.° 1370/2007 não exclui que um operador interno encomende a uma filial da qual possui 100% das participações e que controla plenamente a prestação da maior parte dos serviços adjudicados.

V.      Conclusão

73.      À luz da fundamentação precedente, sugiro ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais submetidas pelo Oberlandesgericht Düsseldorf (Tribunal Regional Superior de Dusseldórfia, Alemanha), nestes termos:

«1)      O artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento (CE) n.o 1370/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2007, relativo aos serviços públicos de transporte ferroviário e rodoviário de passageiros e que revoga os Regulamentos (CEE) n.o 1191/69 e (CEE) n.o 1107/70 do Conselho:

–        é aplicável à adjudicação por ajuste direto realizada pelas autoridades locais competentes a favor de um operador interno sobre o qual exercem um controlo análogo ao que exercem sobre os seus próprios serviços, quando se trate de contratos de serviço público de transporte de passageiros que não revistam a forma de contratos de concessão de serviços, na aceção das Diretivas do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, a saber, a Diretiva 2004/17/CE, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos nos setores da água, da energia, dos transportes e dos serviços postais, ou a Diretiva 2004/18/CE, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços;

–        não obsta a que as autoridades locais confiem a um consórcio de autoridades locais, no qual se integram, o poder de fixar as tarifas comuns do serviço, desde que esta delegação não prive as ditas autoridades de exercerem sobre o operador interno um controlo análogo ao que exercem sobre os seus próprios serviços, o que cabe ao tribunal de reenvio apreciar;

–        não exclui que o operador interno a quem uma autoridade local competente tenha adjudicado a prestação do serviço a leve a cabo através de uma filial que controla plenamente, a quem pode impor as suas decisões e da qual possui 100% das participações sociais;

–        permite que o operador interno, enquanto entidade instrumental de todas as autoridades locais agrupadas, preste serviços públicos de transporte de passageiros em cada um dos territórios dessas autoridades;

–        autoriza, igualmente, que o operador interno continue a prestar os seus serviços fora do âmbito de competência territorial da autoridade local adjudicante, desde que o faça ao abrigo de contratos sujeitos ao regime transitório do artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1370/2007.

2)      Os requisitos para a adjudicação por ajuste direto ao operador interno, de acordo com o artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1370/2007, devem verificar‑se no momento da própria adjudicação por ajuste direto.»


1      Língua original: espanhol.


2      Regulamento (CE) do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2007, relativo aos serviços públicos de transporte ferroviário e rodoviário de passageiros e que revoga os Regulamentos (CEE) n.o 1191/69 e (CEE) n.o 1107/70 do Conselho (JO 2007, L 315, p. 1).


3      É uma sociedade de responsabilidade limitada em cujo capital participam diversas entidades públicas conjuntamente com o Distrito de Rhein‑Sieg (que o faz indiretamente através de uma sociedade filial por si participada a 100%).


4      N.o 20 do despacho de reenvio.


5      Comunicação publicada no suplemento do Jornal Oficial da União Europeia de 30 de setembro de 2015.


6      N.o 10 do despacho de reenvio.


7      Ibidem, n.o 22.


8      O § 10a dos estatutos do consórcio, sob a epígrafe «Constituição de um agrupamento de autoridades», estabelece que «[o]s membros da associação constituem um agrupamento de autoridades na aceção do artigo 5.o, n.o 2, primeiro período, do Regulamento n.° 1370/2007. Os seus membros estão habilitados a realizar adjudicações por ajuste direto de contratos de serviço público aos operadores internos. Os operadores internos podem prestar serviços públicos de transporte de passageiros, no território de todos os membros do agrupamento, a todos os membros da associação cujo território ultrapasse as linhas externas. Para tal, será necessário, em cada caso, o acordo do membro da associação que não participa no operador interno, relativamente aos serviços públicos de transporte rodoviário de passageiros previstos para o seu território. Para efeitos dos presentes estatutos, considera‑se que as adjudicações por ajuste direto são realizadas por todos os membros da associação». Acrescenta que «[a] tramitação dos procedimentos de adjudicação de contratos públicos cabe, em princípio, na qualidade de entidade adjudicante nos termos do artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento n.° 1370/2007, ao membro que exerça um controlo sobre o operador interno na aceção da referida disposição».


9      Anúncio publicado no suplemento do Jornal Oficial da União Europeia de 15 de março de 2016.


10      Na audiência, uma das partes manifestou reservas quanto ao facto de a empresa adjudicante se poder catalogar como operador interno. Não obstante, para o tribunal de reenvio, esta qualidade não é objeto de discussão.


11      De acordo com o dito preceito, «os contratos de serviços ou os contratos públicos de serviços, tal como definidos nas Diretivas 2004/17/CE e 2004/18/CE, para o transporte público de passageiros por autocarro ou elétrico […] devem ser adjudicados nos termos dessas diretivas na medida em que tais contratos não assumam a forma de contratos de concessão de serviços, tal como definidos nessas diretivas. Sempre que os contratos devam ser adjudicados nos termos das Diretivas 2004/17/CE ou 2004/18/CE, não se aplica o disposto nos n.os 2 a 6 do presente artigo» (o sublinhado é meu).


12      Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos e que revoga a Diretiva 2004/18/CE (JO 2014, L 94, p. 65), e Diretiva 2014/25/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos celebrados pelas entidades que operam nos setores da água, da energia, dos transportes e dos serviços postais e que revoga a Diretiva 2004/17/CE (JO 2014, L 94, p. 243) (a seguir «Diretivas de 2014»).


13      Acórdão de 18 de novembro de 1999, Teckal (C‑107/98, EU:C:1999:562; a seguir «jurisprudência Teckal»).


14      Assim, a Diretiva 2014/24 regula, no artigo 12.o, os «contratos públicos entre entidades no setor público». A Diretiva 2014/25 disciplina, no artigo 28.o, os «contratos entre autoridades adjudicantes».


15      A Comunicação da Comissão — Orientações para a interpretação do Regulamento (CE) n.o 1370/2007, relativo aos serviços públicos de transporte ferroviário e rodoviário de passageiros (JO 2014, C 92, p. 1), refere que, «[d]ado que as diretivas referidas no regulamento (Diretivas 2004/17/CE e 2004/18/CE) foram revogadas e substituídas pelas [Diretivas 2014/24 e 2014/25] supramencionadas, as remissões para as mesmas no regulamento devem entender‑se como remissões para as novas diretivas» (ponto 2.1.1).


16      Na audiência, discutiu‑se se se poderia aplicar, simultânea ou paralelamente, uma ou outra regra. Julgo, porém, que este não é o momento para entrar nesse debate, contrariamente ao que ocorrerá quando estiverem em causa adjudicações in house posteriores a 18 de abril de 2016.


17      Segundo a Comissão, o artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento n.° 1370/2007 não se aplica nestes casos, pois está limitado às concessões. A sua tese conduz, na realidade, a antecipar a aplicação das regras in house das Diretivas de 2014 a factos sujeitos às Diretivas de 2004. Paradoxalmente, quando a Comissão analisa em pormenor a segunda questão prejudicial e seguintes do processo C‑267/17, recorre ao conteúdo daquele preceito para fundamentar os seus argumentos.


18      Acórdão de 10 de julho de 2014, Impresa Pizzarotti (C‑213/13, EU:C:2014:2067, n.o 31). V., também, Acórdão de 27 de outubro de 2016, Hörmann Reisen (C‑292/15, EU:C:2016:817, n.o 32), que cita o Acórdão de 7 de abril de 2016, Partner Apelski Dariusz (C‑324/14, EU:C:2016:214, n.o 83).


19      Estas deviam estar transpostas, o mais tardar, em 18 de abril de 2016, e os anúncios de adjudicação dos processos principais foram feitos em 30 de setembro de 2015 e 16 de março de 2016.


20      Conclusões no processo LitSpecMet (C‑567/15,EU:C:2017:319, n.os 70 e 71).


21      V. Acórdão de 27 de outubro de 2016, Hörmann Reisen (C‑292/15, EU:C:2016:817, n.o 39).


22      Considerando 18 do Regulamento n.° 1370/2007.


23      Nos despachos de reenvio não se descreve pormenorizadamente o alcance dessas competências. O tribunal a quo apenas se refere à fixação das tarifas.


24      Os fatores a ponderar «para o efeito de determinar se [se] exerce esse controlo» constam do artigo 5.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.° 1370/2007.


25      Nas suas observações escritas no processo C‑266/17, o Distrito de Rhein‑Sieg afirma que, «contrariamente ao referido pelo tribunal de reenvio, a nova versão dos estatutos de 21 de agosto de 2015 […] aplica‑se plenamente» (n.o 29).


26      Como previsto, expressamente, do n.o 2, primeiro parágrafo, deste mesmo artigo.


27      Acórdão de 19 de abril de 2007, Asemfo (C‑295/05, EU:C:2007:227, n.o 62): «resulta da jurisprudência que, no caso de várias autarquias deterem uma empresa, a referida condição [realizar o essencial da sua atividade com a entidade ou entidades públicas aos que pertence] pode ser satisfeita se esta empresa realizar o essencial da sua actividade, não necessariamente com uma ou outra autarquia mas com essas autarquias consideradas no seu conjunto (Acórdão [de 11 de maio de 2006,] Carbotermo e Consorzio Alisei[, C‑340/04, EU:C:2006:308], n.o 70)».


28      Acórdão de 13 de novembro de 2008, Coditel Brabant (C‑324/07, EU:C:2008:621).


29      Ibidem, n.o 54 e parte dispositiva: «[N]o caso de uma autoridade pública se associar a uma sociedade cooperativa intermunicipal cujos associados são todos autoridades públicas, a fim de transferir para esta a gestão de um serviço público, o controlo que as autoridades associadas a essa sociedade exercem sobre ela pode, para ser qualificado de análogo ao controlo que exercem sobre os seus próprios serviços, ser exercido de forma conjunta por essas autoridades através de deliberações, se for caso disso aprovadas por maioria».


30      O Acórdão de 27 de outubro de 2016, Hörmann Reisen (C‑292/15, EU:C:2016:817), analisou a aplicação deste artigo a um concurso sujeito à Diretiva 2004/18 e entendeu que a fixação em 70% da prestação a ser efetuada pelo operador não se opunha ao artigo 7.o, n.o 4, do Regulamento n.° 1370/2007.


31      O considerando 19 do Regulamento n.° 1370/2007, ao mencionar a subcontratação, refere‑se à participação de empresas «distintas do operador de serviço público» (o sublinhado é meu).


32      Remeto para as minhas Conclusões do processo LitSpecMet (C567/15, EU:C:2017:319, n.os 71 e segs.).


33      Nas minhas Conclusões do processo LitSpec Met (C567/15, EU:C:2017:319, n.o 79), defendi esta posição: «a entidade adjudicante pode utilizar entidades instrumentais, dentro dos limites supramencionados, para lhes encomendar determinadas tarefas que, em princípio, deveriam ser objeto de contratos públicos, mas que são subtraídas ao seu regime. […] Mas, quando os meios instrumentais não têm, por seu turno, os recursos suficientes para fazer face, por si sós, às encomendas da entidade adjudicante e se veem obrigados a recorrer a terceiros para os conseguir, os motivos justificativos da exceção in house desaparecem, tornando‑se evidente uma (sub)contratação pública dissimulada, na qual a entidade adjudicante adquire, através de um intermediário (a entidade instrumental), os bens e serviços de terceiros, não se sujeitando às exigências das diretivas que deveriam regular a sua adjudicação».