Language of document : ECLI:EU:C:2019:280

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

2 de abril de 2019 (*)

«Reenvio prejudicial — Determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional — Regulamento (UE) n.o 604/2013 — Artigo 18.o, n.o 1, alíneas b) a d) — Artigo 23.o, n.o 1 — Artigo 24.o, n.o 1 — Procedimento de retomada a cargo — Critérios de responsabilidade — Novo pedido apresentado noutro Estado‑Membro — Artigo 20.o, n.o 5 — Processo de determinação em curso — Retirada do pedido — Artigo 27.o — Vias de recurso»

Nos processos apensos C‑582/17 e C‑583/17,

que têm por objeto dois pedidos de decisão prejudicial apresentados, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Países Baixos), por Decisões de 27 de setembro de 2017, que deram entrada no Tribunal de Justiça em 4 de outubro de 2017, nos processos

Staatssecretaris van Veiligheid en Justitie

contra

H. (C‑582/17),

R. (C‑583/17),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, R. Silva de Lapuerta, vice‑presidente, A. Arabadjiev, A. Prechal, M. Vilaras, E. Regan, C. Toader e C. Lycourgos, presidentes de secção, A. Rosas, M. Ilešič, L. Bay Larsen (relator), M. Safjan, D. Šváby, C. G. Fernlund e C. Vajda, juízes,

advogado‑geral: E. Sharpston,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 4 de setembro de 2018,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de H., por I. M. Zuidhoek, advocaat,

–        em representação de R., por M. P. Ufkes, advocaat,

–        em representação do Governo neerlandês, por M. K. Bulterman e M. H. S. Gijzen, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo alemão, por T. Henze e R. Kanitz, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo finlandês, por J. Heliskoski, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo do Reino Unido, por S. Brandon, Z. Lavery e R. Fadoju, na qualidade de agentes, assistidos por D. Blundell, barrister,

–        em representação do Governo suíço, por E. Bichet, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão Europeia, por G. Wils e M. Condou‑Durande, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 29 de novembro de 2018,

profere o presente

Acórdão

1        Os pedidos de decisão prejudicial têm por objeto a interpretação do Regulamento (UE) n.o 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional apresentado num dos Estados‑Membros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida (JO 2013, L 180, p. 31, a seguir «Regulamento Dublim III»).

2        Estes pedidos foram apresentados no âmbito de litígios que opõem o Staatssecretaris van Veiligheid en Justitie (Secretário de Estado da Segurança e da Justiça, Países Baixos) (a seguir «Secretário de Estado») a H. e a R., cidadãos sírios, a respeito da recusa de tomada em consideração dos seus pedidos de proteção internacional.

 Quadro jurídico

 Regulamento n.o 1560/2003

3        Os Anexos I e III do Regulamento (CE) n.o 1560/2003 da Comissão, de 2 de setembro de 2003, relativo às modalidades de aplicação do Regulamento (CE) n.o 343/2003 do Conselho, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de asilo apresentado num dos Estados‑Membros por um nacional de um país terceiro (JO 2003, L 222, p. 3), conforme alterado pelo Regulamento de Execução (UE) n.o 118/2014 da Comissão, de 30 de janeiro de 2014 (JO 2014, L 39, p. 1) (a seguir «Regulamento n.o 1560/2003», contêm respetivamente um «Formulário‑tipo para a determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional» e um «Formulário‑tipo para os pedidos de retomada a cargo».

 Regulamento Dublim III

4        Os considerandos 4, 5, 13, 14 e 19 do Regulamento Dublim III têm a seguinte redação:

«(4)      As conclusões do Conselho de Tampere precisaram […] que o [sistema europeu comum de asilo] deverá incluir, a curto prazo, um método claro e operacional para determinar o Estado‑Membro responsável pela análise dos pedidos de asilo.

(5)      Este método deverá basear‑se em critérios objetivos e equitativos, tanto para os Estados‑Membros como para as pessoas em causa. Deverá, permitir, nomeadamente, uma determinação rápida do Estado‑Membro responsável, por forma a garantir um acesso efetivo aos procedimentos de concessão de proteção internacional e a não comprometer o objetivo de celeridade no tratamento dos pedidos de proteção internacional.

[…]

(13)      De acordo com a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança de 1989, reconhecida pela Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, o interesse superior do menor deve constituir uma preocupação fundamental dos Estados‑Membros ao aplicarem o presente regulamento. Na avaliação do interesse superior do menor, os Estados‑Membros deverão, nomeadamente, ter devidamente em conta o bem‑estar e o desenvolvimento social do menor, questões relativas à sua segurança e proteção e as opiniões do menor em função da sua idade e grau de maturidade, incluindo o seu meio social e familiar. Além disso, devido à sua especial vulnerabilidade, deverão ser estabelecidas garantias processuais específicas para os menores não acompanhados.

(14)      De acordo com a Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, reconhecida pela Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, o respeito pela vida familiar deve constituir uma preocupação fundamental dos Estados‑Membros ao aplicarem o presente regulamento.

[…]

(19)      A fim de garantir a proteção efetiva dos direitos das pessoas em causa, deverão ser previstas garantias legais e o direito efetivo de recurso contra as decisões de transferência para o Estado‑Membro responsável, nos termos, nomeadamente, do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. A fim de garantir o respeito do direito internacional, o direito efetivo de recurso contra essas decisões deverá abranger a análise da aplicação do presente regulamento e da situação jurídica e factual no Estado‑Membro para o qual o requerente é transferido.»

5        O artigo 2.o deste regulamento tem a seguinte redação:

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

[…]

d)      “Análise de um pedido de proteção internacional”: o conjunto das medidas de análise, das decisões ou das sentenças relativas a um pedido de proteção internacional tomadas pelas autoridades competentes ou delas emanadas em conformidade com a Diretiva 2013/32/UE [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional (JO 2013, L 180, p. 60),] e com a Diretiva 2011/95/UE [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida (JO 2011, L 337, p. 9)], com exceção dos procedimentos de determinação do Estado‑Membro responsável nos termos do presente regulamento;

[…]»

6        O artigo 3.o, n.os 1 e 2, do referido regulamento enuncia:

«1.      Os Estados‑Membros analisam todos os pedidos de proteção internacional apresentados por nacionais de países terceiros ou por apátridas no território de qualquer Estado‑Membro, inclusive na fronteira ou nas zonas de trânsito. Os pedidos são analisados por um único Estado‑Membro, que será aquele que os critérios enunciados no [c]apítulo III designarem como responsável.

2.      Caso o Estado‑Membro responsável não possa ser designado com base nos critérios enunciados no presente regulamento, é responsável pela análise do pedido de proteção internacional o primeiro Estado‑Membro em que o pedido tenha sido apresentado.

[…]»

7        Inserido no capítulo III do Regulamento Dublim III, relativo aos «[c]ritérios de determinação do Estado‑Membro responsável», o artigo 9.o deste regulamento, com a epígrafe «Membros da família beneficiários de proteção internacional», tem a seguinte redação:

«Se um membro da família do requerente, independentemente de a família ter sido constituída previamente no país de origem, tiver sido autorizado a residir como beneficiário de proteção internacional num Estado‑Membro, esse Estado‑Membro é responsável pela análise do pedido de proteção internacional, desde que os interessados manifestem o seu desejo por escrito.»

8        O artigo 18.o do referido regulamento precisa:

«1.      O Estado‑Membro responsável por força do presente regulamento é obrigado a:

a)      Tomar a cargo, nas condições previstas nos artigos 21.o, 22.o e 29.o, o requerente que tenha apresentado um pedido noutro Estado‑Membro;

b)      Retomar a cargo, nas condições previstas nos artigos 23.o, 24.o, 25.o e 29.o, o requerente cujo pedido esteja a ser analisado e que tenha apresentado um pedido noutro Estado‑Membro, ou que se encontre no território de outro Estado‑Membro sem possuir um título de residência;

c)      Retomar a cargo, nas condições previstas nos artigos 23.o, 24.o, 25.o e 29.o, o nacional de um país terceiro ou o apátrida que tenha retirado o seu pedido durante o processo de análise e que tenha formulado um pedido noutro Estado‑Membro, ou que se encontre no território de outro Estado‑Membro sem possuir um título de residência;

d)      Retomar a cargo, nas condições previstas nos artigos 23.o, 24.o, 25.o e 29.o, o nacional de um país terceiro ou o apátrida cujo pedido tenha sido indeferido e que tenha apresentado um pedido noutro Estado‑Membro, ou que se encontre no território de outro Estado‑Membro sem possuir um título de residência.

2.      Nos casos abrangidos pelo n.o 1, alíneas a) e b), o Estado‑Membro responsável deve analisar ou finalizar a análise do pedido de proteção internacional apresentado pelo requerente.

Nos casos abrangidos pelo n.o 1, alínea c), se o Estado‑Membro responsável tiver interrompido a análise de um pedido na sequência da sua retirada pelo requerente antes de ter sido adotada em primeira instância uma decisão quanto ao mérito, esse Estado‑Membro assegura que o requerente tenha direito a pedir que a análise do seu pedido seja finalizada ou a introduzir novo pedido de proteção internacional […].

Nos casos abrangidos pelo n.o 1, alínea d), se o pedido tiver sido indeferido apenas na primeira instância, o Estado‑Membro responsável assegura que a pessoa em causa tenha, ou tenha tido, a oportunidade de se valer de recurso efetivo nos termos do artigo 46.o da Diretiva 2013/32/UE.»

9        O capítulo VI do mesmo regulamento, com a epígrafe «Procedimentos de tomada e retomada a cargo», contém os artigos 20.o e 33.o deste regulamento.

10      O artigo 20.o, n.o 5, primeiro parágrafo, do Regulamento Dublim III enuncia:

«O Estado‑Membro a que tiver sido apresentado pela primeira vez o pedido de proteção internacional é obrigado, nas condições previstas nos artigos 23.o, 24.o, 25.o e 29.o e a fim de concluir o processo de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise do pedido de proteção internacional, a retomar a cargo o requerente que se encontre presente noutro Estado‑Membro sem título de residência ou aí tenha formulado um pedido de proteção internacional, após ter retirado o seu primeiro pedido apresentado noutro Estado‑Membro durante o processo de determinação do Estado responsável.»

11      O artigo 21.o, n.o 1, primeiro parágrafo, deste regulamento tem a seguinte redação:

«O Estado‑Membro ao qual tenha sido apresentado um pedido de proteção internacional e que considere que a responsabilidade pela análise desse pedido cabe a outro Estado‑Membro pode requerer a este último, o mais rapidamente possível e, em qualquer caso, no prazo de três meses a contar da apresentação do pedido na aceção do artigo 20.o, n.o 2, que proceda à tomada a cargo do requerente.»

12      O artigo 22.o, n.os 2, 4, 5 e 7, do referido regulamento prevê:

«2.      Na condução do processo de determinação do Estado‑Membro responsável, são utilizados elementos de prova e indícios.

[…]

4.      A exigência de prova não deverá exceder o necessário à correta aplicação do presente regulamento.

5.      Na falta de uma prova formal, o Estado‑Membro requerido deve admitir a sua responsabilidade se existirem indícios coerentes, verificáveis e suficientemente pormenorizados para estabelecer a responsabilidade.»

[…]

7.      A ausência de resposta no termo do prazo de dois meses mencionado no n.o 1 e de um mês, previsto no n.o 6, equivale à aceitação do pedido e tem como consequência a obrigação de tomada a cargo da pessoa, incluindo a obrigação de tomar as providências adequadas para a sua chegada.»

13      O artigo 23.o do mesmo regulamento dispõe:

«1.      Se o Estado‑Membro ao qual foi apresentado um novo pedido de proteção internacional pela pessoa referida no artigo 18.o, n.o 1, alíneas b), c) ou d), considerar que o responsável é outro Estado‑Membro, nos termos do artigo 20.o, n.o 5, e do artigo 18.o, n.o 1, alíneas b), c) ou d), pode solicitar a esse outro Estado‑Membro que retome essa pessoa a seu cargo.

[…]

4.      Os pedidos de retomada a cargo são feitos num formulário‑tipo e devem conter as provas ou indícios descritos nas duas listas a que se refere o artigo 22.o, n.o 3, e/ou os elementos relevantes das declarações da pessoa em causa, que permitam às autoridades do Estado‑Membro requerido verificar se é responsável com base nos critérios definidos no presente regulamento.

A Comissão adota atos de execução relativos à aplicação uniforme das regras de preparação e apresentação dos pedidos de retomada a cargo. Esses atos de execução são adotados pelo procedimento de exame a que se refere o artigo 44.o, n.o 2.»

14      O artigo 24.o do Regulamento Dublim III enuncia:

«1.      Se o Estado‑Membro em cujo território se encontre, sem possuir um título de residência, a pessoa referida no artigo 18.o, n.o 1, alíneas b), c) ou d), e em que não foi apresentado nenhum novo pedido de proteção internacional, considerar que o Estado‑Membro responsável é outro, nos termos do artigo 20.o, n.o 5, e do artigo 18.o, n.o 1, alíneas b), c), ou d), pode solicitar a esse outro Estado‑Membro que retome essa pessoa a seu cargo.

[…]

5.      Os pedidos de retomada a cargo de uma pessoa referida no artigo 18.o, n.o 1, alíneas b), c) ou d), são feitos num formulário‑tipo e devem conter as provas ou indícios descritos nas duas listas a que se refere o artigo 22.o, n.o 3, e/ou os elementos relevantes das declarações da pessoa em causa, que permitam às autoridades do Estado‑Membro requerido verificar se é responsável, com base nos critérios definidos no presente regulamento.

[…]»

15      O artigo 25.o deste regulamento prevê:

«1.      O Estado‑Membro requerido procede às verificações necessárias e toma uma decisão sobre o pedido de retomar a pessoa em causa a cargo o mais rapidamente possível e, em qualquer caso, dentro do prazo de um mês a contar da data em que o pedido foi recebido. Quando o pedido se baseie em dados obtidos através do sistema Eurodac, o prazo é reduzido para duas semanas.

2.      A falta de uma decisão no prazo de um mês ou no prazo de duas semanas referidos no n.o 1 equivale à aceitação do pedido, e tem como consequência a obrigação de retomar a pessoa em causa a cargo, incluindo a obrigação de tomar as providências adequadas para a sua chegada.»

16      O artigo 27.o, n.o 1, do referido regulamento precisa:

«O requerente ou outra pessoa referida no artigo 18.o, n.o 1, alíneas c) ou d), tem direito a uma via de recurso efetiva, sob a forma de recurso ou de pedido de revisão, de facto e de direito, da decisão de transferência, para um órgão jurisdicional.»

 Litígios nos processos principais e questões prejudiciais

 Processo C582/17

17      Em 21 de janeiro de 2016, H. apresentou um pedido de proteção internacional nos Países Baixos.

18      Considerando que H. tinha anteriormente apresentado um pedido de proteção internacional na Alemanha, o Secretário de Estado apresentou, em 21 de março de 2016, às autoridades alemãs, um pedido de retomada a cargo em aplicação do artigo 18.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento Dublim III.

19      As autoridades alemãs não responderam a este pedido de retomada a cargo no prazo estabelecido de duas semanas.

20      Por decisão de 6 de maio de 2016, o Secretário de Estado decidiu não tomar em consideração o pedido de proteção internacional apresentado por H., por entender que esta não podia invocar o artigo 9.o do Regulamento Dublim III para estabelecer a responsabilidade do Reino dos Países Baixos em razão da presença do seu cônjuge neste Estado‑Membro, uma vez que estava em causa uma situação de retomada a cargo e não uma situação de tomada a cargo.

21      H. interpôs recurso dessa decisão para o Rechtbank den Haag zittingsplaats Groningen (Tribunal de Primeira Instância da Haia, Sala de Audiência de Groningen, Países Baixos).

22      Por sentença de 6 de junho de 2016, esse órgão jurisdicional deu provimento ao recurso e anulou a decisão do Secretário de Estado, por considerar que estava insuficientemente fundamentada.

23      H. e o Secretário de Estado interpuseram recurso dessa sentença.

24      O órgão jurisdicional de reenvio considera que, em conformidade com a lógica subjacente ao Regulamento Dublim III, o Estado‑Membro onde o primeiro pedido de proteção internacional foi apresentado é o único que determina o Estado‑Membro responsável. Deduz daí que H. não pode invocar nos Países Baixos um critério enunciado no capítulo III do referido regulamento, uma vez que não tinha esperado o fim do processo de determinação do Estado‑Membro responsável na Alemanha e que já existe um acordo de retomada a cargo entre estes dois Estados‑Membros.

25      Deste modo, esse órgão jurisdicional interroga‑se sobre a compatibilidade de tal solução com a adotada nos Acórdãos de 7 de junho de 2016, Ghezelbash (C‑63/15, EU:C:2016:409), e de 7 de junho de 2016, Karim (C‑155/15, EU:C:2016:410).

26      Nestas condições, o Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Países Baixos) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Deve o Regulamento [Dublim III] ser interpretado no sentido de que o Estado‑Membro onde o pedido de proteção internacional foi apresentado pela primeira vez é o único que procede à determinação do Estado‑Membro responsável, daí resultando que um estrangeiro só pode invocar nesse Estado‑Membro, ao abrigo do artigo 27.o [deste regulamento], a errada aplicação de um critério de responsabilidade enunciado no capítulo III do referido regulamento, nomeadamente no artigo 9.o

 Processo C583/17

27      Em 9 de março de 2016, R. apresentou um pedido de proteção internacional nos Países Baixos.

28      Considerando que R. tinha anteriormente apresentado um pedido de proteção internacional na Alemanha, o Secretário de Estado pediu às autoridades alemãs que a retomassem a cargo em aplicação do artigo 18.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento Dublim III.

29      Inicialmente, as autoridades alemãs indeferiram este pedido com o fundamento de que R. era casada com uma pessoa que beneficiava de proteção internacional nos Países Baixos.

30      O Secretário de Estado submeteu então às autoridades alemãs um pedido de reanálise no qual se precisava que o casamento de R. com essa pessoa era considerado inverosímil. Com base neste pedido, as autoridades alemãs reconsideraram a sua posição e aceitaram, por decisão de 1 de junho de 2016, retomar R. a cargo.

31      Por decisão de 14 de julho de 2016, o Secretário de Estado decidiu não tomar em consideração o pedido de proteção internacional apresentado por R., por entender, por um lado, que o pretenso cônjuge de R. não podia ser considerado membro da sua família, na medida em que R. tinha tornado inverosímil o alegado casamento, e, por outro, que R. não podia invocar o artigo 9.o do Regulamento Dublim III, uma vez que estava em causa uma situação de retomada a cargo e não uma situação de tomada a cargo.

32      R. interpôs recurso dessa decisão para o Rechtbank Den Haag zittingsplaats ’s‑Hertogenbosch (Tribunal de Primeira Instância da Haia, Sala de Audiência de Hertogenbosch, Países Baixos).

33      Por sentença de 11 de agosto de 2016, esse órgão jurisdicional deu provimento ao recurso e anulou a sentença do Secretário de Estado, com o fundamento de que um nacional de um país terceiro pode invocar os critérios enunciados no capítulo III do Regulamento Dublim III tanto numa situação de tomada a cargo como numa situação de retomada a cargo.

34      O Secretário de Estado recorreu dessa sentença para o órgão jurisdicional de reenvio.

35      Nestas condições, o Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve o Regulamento [Dublim III] ser interpretado no sentido de que o Estado‑Membro onde o pedido de proteção internacional foi apresentado pela primeira vez é o único que procede à determinação do Estado‑Membro responsável, daí resultando que um estrangeiro só pode invocar nesse Estado‑Membro, ao abrigo do artigo 27.o [deste regulamento], a errada aplicação de um critério de responsabilidade enunciado no capítulo III do referido regulamento, nomeadamente no artigo 9.o?

2)      Qual é a relevância, para a resposta à questão 1, do facto de, no Estado‑Membro onde o pedido de proteção internacional foi apresentado pela primeira vez, este pedido já ter sido objeto de uma decisão ou ter sido prematuramente retirado pelo estrangeiro?»

36      Por decisão do presidente do Tribunal de Justiça 19 de outubro de 2017, os processos C‑582/17 e C‑583/17 foram apensados para efeitos das fases escrita e oral e do acórdão.

 Quanto às questões prejudiciais

37      Com a sua questão no processo C‑582/17 e com as suas questões no processo C‑583/17, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o Regulamento Dublim III deve ser interpretado no sentido de que um nacional de um país terceiro que apresentou um pedido de proteção internacional num primeiro Estado‑Membro, depois abandonou esse Estado‑Membro e, em seguida, apresentou um novo pedido de proteção internacional num segundo Estado‑Membro pode invocar, no âmbito de um recurso interposto, ao abrigo do artigo 27.o, n.o 1, deste regulamento, nesse segundo Estado‑Membro contra uma decisão de transferência tomada a seu respeito, o critério de responsabilidade enunciado no artigo 9.o do referido regulamento.

 Quanto ao alcance do direito de recurso

38      O artigo 27.o, n.o 1, do Regulamento Dublim III prevê que o requerente de proteção internacional tem direito a uma via de recurso efetiva, sob a forma de recurso ou de pedido de revisão, de facto e de direito, da decisão de transferência, para um órgão jurisdicional.

39      O alcance desse recurso é precisado no considerando 19 deste regulamento, que indica que, a fim de garantir o respeito do direito internacional, o recurso efetivo instituído pelo referido regulamento contra as decisões de transferência deverá abranger, por um lado, a análise da aplicação do mesmo regulamento e, por outro, a análise da situação de facto e de direito no Estado‑Membro para o qual o requerente é transferido (Acórdãos de 26 de julho de 2017, Mengesteab, C‑670/16, EU:C:2017:587, n.o 43, e de 25 de outubro de 2017, Shiri, C‑201/16, EU:C:2017:805, n.o 37).

40      Neste contexto, atendendo nomeadamente à evolução geral ocorrida no sistema de determinação do Estado‑Membro responsável por um pedido de asilo apresentado num dos Estados‑Membros devido à adoção do Regulamento Dublim III e aos objetivos prosseguidos por este regulamento, o artigo 27.o, n.o 1, do referido regulamento deve ser interpretado no sentido de que o recurso aí previsto contra uma decisão de transferência deve poder ter por objeto tanto o respeito das regras de atribuição da responsabilidade de analisar um pedido de proteção internacional como as garantias processuais previstas pelo mesmo regulamento (v., neste sentido, Acórdãos de 26 de julho de 2017, A.S., C‑490/16, EU:C:2017:585, n.os 27 e 31; de 26 de julho de 2017, Mengesteab, C‑670/16, EU:C:2017:587, n.os 44 a 48; e de 25 de outubro de 2017, Shiri, C‑201/16, EU:C:2017:805, n.o 38).

41      A circunstância de a decisão de transferência contra a qual é interposto o recurso ter sido adotada no termo de um procedimento de tomada a cargo ou de retomada a cargo não é suscetível de influenciar o alcance assim reconhecido a esse recurso.

42      Com efeito, o artigo 27.o, n.o 1, do Regulamento Dublim III garante um direito de recurso tanto aos requerentes de proteção internacional, os quais podem ser objeto, consoante os casos, de um procedimento de tomada a cargo ou de retomada a cargo, como às outras pessoas referidas no artigo 18.o, n.o 1, alíneas c) ou d), deste regulamento, as quais podem ser objeto de um procedimento de retomada a cargo, sem fazer uma distinção quanto ao alcance do recurso aberto a estas diferentes categorias de recorrentes.

43      No entanto, esta conclusão não pode implicar que uma pessoa em causa possa invocar, perante o órgão jurisdicional nacional onde foi interposto esse recurso, disposições desse regulamento que, na medida em que não são aplicáveis à sua situação, não vinculam as autoridades competentes quando da condução do procedimento de tomada a cargo ou de retomada a cargo e da adoção da decisão de transferência.

44      No caso em apreço, resulta das decisões de reenvio que as questões submetidas têm precisamente origem nas dúvidas do órgão jurisdicional de reenvio quanto à aplicabilidade, nas situações em causa nos processos principais, do artigo 9.o do referido regulamento e, portanto, quanto à obrigação de as autoridades competentes neerlandesas terem em conta, no âmbito de um procedimento de retomada a cargo, o critério de responsabilidade enunciado neste artigo.

45      Por conseguinte, para responder a estas questões, importa determinar se as autoridades competentes estão obrigadas, em situações como as que estão em causa nos processos principais, a proceder à determinação do Estado‑Membro responsável pela análise do pedido tomando em consideração esse critério, antes de poderem formular validamente um pedido de retomada a cargo.

 Quanto ao procedimento aplicável em situações como as que estão em causa nos processos principais

46      O âmbito de aplicação do procedimento de retomada a cargo está definido nos artigos 23.o e 24.o do Regulamento Dublim III. Resulta do artigo 23.o, n.o 1, e do artigo 24.o, n.o 1, deste regulamento que este procedimento é aplicável às pessoas referidas no artigo 20.o, n.o 5, ou no artigo 18.o, n.o 1, alíneas b) a d), do referido regulamento.

47      O artigo 20.o, n.o 5, do mesmo regulamento prevê, nomeadamente, que se aplica a um requerente que formule um pedido de proteção internacional num Estado‑Membro após ter retirado o seu primeiro pedido apresentado noutro Estado‑Membro durante o processo de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise do pedido.

48      Esta disposição implica, assim, que um requerente que tenha formalmente advertido a autoridade competente do Estado‑Membro em que tinha apresentado o seu primeiro pedido da sua intenção de renunciar a esse pedido antes de esse processo estar concluído poderá, não obstante, ser transferido para esse primeiro Estado‑Membro com vista à conclusão do referido processo.

49      Ora, a transferência para esse efeito para o referido primeiro Estado‑Membro deveria, a fortiori, ser possível numa situação em que um requerente abandonou esse Estado‑Membro, antes de o processo de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise do pedido estar concluído, sem informar a autoridade competente desse primeiro Estado‑Membro da sua intenção de renunciar ao seu pedido e em que, consequentemente, esse processo ainda está em curso nesse Estado‑Membro.

50      Por conseguinte, há que considerar, como alegaram o Governo finlandês e a Comissão na audiência, que o artigo 20.o, n.o 5, do Regulamento Dublim III também é aplicável nessa situação, devendo a partida do requerente do território de um Estado‑Membro onde apresentou um pedido de proteção internacional ser equiparada, para efeitos da aplicação desta disposição, a uma retirada implícita desse pedido.

51      Quanto ao artigo 18.o, n.o 1, alíneas b) a d), do Regulamento Dublim III, este refere‑se a uma pessoa que, por um lado, apresentou um pedido de proteção internacional que está em fase de análise, retirou esse pedido em fase de análise ou viu esse pedido ser indeferido, e que, por outro, apresentou um pedido noutro Estado‑Membro ou se encontra, sem possuir um título de residência, no território de um outro Estado‑Membro (Acórdão de 25 de janeiro de 2018, Hasan, C‑360/16, EU:C:2018:35, n.o 44).

52      Uma vez que resulta do artigo 2.o, alínea d), deste regulamento que a análise de um pedido de proteção internacional abrange todas as medidas de análise tomadas pelas autoridades competentes sobre um pedido de proteção internacional, com exceção do processo de determinação do Estado‑Membro responsável por força do referido regulamento, há que considerar que o artigo 18.o, n.o 1, alíneas b) a d), do mesmo regulamento só pode ser aplicável se o Estado‑Membro no qual foi anteriormente apresentado um pedido tiver concluído esse processo de determinação admitindo a sua responsabilidade por analisar esse pedido e iniciado a análise do referido pedido em conformidade com a Diretiva 2013/32.

53      Decorre do que precede que situações como as que estão em causa nos processos principais estão abrangidas pelo âmbito de aplicação do procedimento de retomada a cargo, independentemente da questão de saber se o pedido de proteção internacional apresentado no primeiro Estado‑Membro foi retirado ou se a sua análise em conformidade com a Diretiva 2013/32 já foi iniciada no referido Estado‑Membro.

 Quanto ao regime aplicável aos procedimentos de retomada a cargo

54      Os procedimentos de tomada a cargo e de retomada a cargo devem obrigatoriamente ser conduzidos em conformidade com as regras enunciadas no capítulo VI do Regulamento Dublim III (v., neste sentido, Acórdãos de 26 de julho de 2017, Mengesteab, C‑670/16, EU:C:2017:587, n.o 49, e de 13 de novembro de 2018, X e X, C‑47/17 e C‑48/17, EU:C:2018:900, n.o 57), as quais submetem estes procedimentos a regimes distintos, definidos respetivamente nas secções II e III desse capítulo.

55      No âmbito do procedimento de tomada a cargo, o artigo 21.o, n.o 1, deste regulamento apenas prevê a possibilidade de o Estado‑Membro ao qual foi apresentado um pedido de proteção internacional requerer a outro Estado‑Membro a tomada a cargo de um requerente quando o primeiro desses Estados‑Membros considere que «a responsabilidade pela análise desse pedido» cabe ao segundo, sendo este, em princípio, o Estado‑Membro que designa os critérios enunciados no capítulo III do referido regulamento.

56      A aplicabilidade destes critérios no âmbito do procedimento de tomada a cargo é confirmada pelas disposições do artigo 22.o, n.os 2 a 5, do mesmo regulamento, que regem, de forma pormenorizada, a análise dos elementos de prova e dos indícios que permitem a aplicação dos referidos critérios e definem o nível de prova necessário para determinar a responsabilidade do Estado‑Membro requerido.

57      Decorre destes elementos que, no âmbito de procedimento de tomada a cargo, o processo de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise do pedido com base nos critérios estabelecidos no capítulo III do Regulamento Dublim III reveste um caráter central e que a autoridade competente do Estado‑Membro junto do qual foi apresentado um pedido só pode requerer a outro Estado‑Membro tal tomada a cargo quando essa autoridade considere que a responsabilidade pela análise desse pedido cabe a esse outro Estado‑Membro (v., neste sentido, Acórdão de 7 de junho de 2016, Ghezelbash, C‑63/15, EU:C:2016:409, n.o 43).

58      Todavia, o mesmo não se aplica ao procedimento de retomada a cargo, uma vez que este se rege por disposições que apresentam, a este respeito, diferenças substanciais em relação às disposições que regulam o procedimento de tomada a cargo.

59      Assim, em primeiro lugar, o artigo 23.o, n.o 1, e o artigo 24.o, n.o 1, do Regulamento Dublim III preveem a faculdade de formular um pedido de retomada a cargo se o Estado‑Membro requerente considerar que outro Estado‑Membro é «responsável […] nos termos do artigo 20.o, n.o 5, e do artigo 18.o, n.o 1, alíneas b) [a] d)» deste regulamento, e não se considerar que a «responsabilidade pela análise d[o] pedido» cabe a outro Estado‑Membro.

60      Daqui decorre, como salientou a Comissão na audiência, que o termo «responsável» é utilizado no artigo 23.o, n.o 1, e no artigo 24.o, n.o 1, do Regulamento Dublim III num sentido diferente do adotado no artigo 21.o, n.o 1, deste regulamento, na medida em que não visa especificamente a responsabilidade de analisar o pedido de proteção internacional. Resulta aliás do artigo 18.o, n.o 2, e do artigo 20.o, n.o 5, do referido regulamento que a transferência de uma pessoa para o Estado‑Membro sujeito a uma obrigação de retomada a cargo não tem necessariamente por objeto finalizar a análise desse pedido.

61      Assim, em conformidade com o artigo 23.o, n.o 1, e o artigo 24.o, n.o 1, do Regulamento Dublim III, o exercício da faculdade de formular um pedido de retomada a cargo não pressupõe que esteja estabelecida a responsabilidade do Estado‑Membro requerido por analisar o pedido de proteção internacional, mas que este Estado‑Membro satisfaça os requisitos previstos no artigo 20.o, n.o 5, ou no artigo 18.o, n.o 1, alíneas b) a d), deste regulamento.

62      Ora, resulta dos próprios termos do artigo 20.o, n.o 5, do referido regulamento que a obrigação de retomada a cargo que institui é imposta ao «Estado‑Membro a que tiver sido apresentado pela primeira vez o pedido de proteção internacional». Por conseguinte, os critérios de responsabilidade enunciados no capítulo III do mesmo regulamento não podem servir para identificar este Estado‑Membro.

63      Além disso, subordinar o cumprimento desta obrigação à conclusão, no Estado‑Membro requerente, do processo de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise do pedido, a fim de verificar que esta qualidade incumbe ao Estado‑Membro referido no artigo 20.o, n.o 5, do mesmo regulamento, contrariaria a própria lógica desta disposição, uma vez que esta precisa que a retomada a cargo do requerente imposta a esse Estado‑Membro tem por finalidade permitir a este último «concluir o processo de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise do pedido».

64      Aliás, o Tribunal de Justiça já declarou que a referida disposição enuncia obrigações específicas a cargo do primeiro Estado‑Membro onde o pedido de proteção internacional foi apresentado, ao qual o Regulamento Dublim III atribui assim um estatuto especial (v., neste sentido, Acórdão de 26 de julho de 2017, Mengesteab, C‑670/16, EU:C:2017:587, n.os 93 e 95).

65      Quanto ao artigo 18.o, n.o 1, alíneas b) a d), deste regulamento, é certo que resulta da sua redação que as obrigações que enuncia se impõem ao «Estado‑Membro responsável».

66      No entanto, como salientado nos n.os 52 e 53 do presente acórdão, as obrigações de retomada a cargo previstas nestas disposições só são aplicáveis se o processo de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise do pedido previsto pelo referido regulamento tiver sido anteriormente concluído no Estado‑Membro requerido e tiver levado este último a reconhecer a sua responsabilidade por analisar esse pedido.

67      Nessa situação, uma vez estabelecida a responsabilidade pela análise do pedido, não há que proceder a uma nova aplicação das regras que regulam o processo de determinação dessa responsabilidade, entre as quais figuram os critérios enunciados no capítulo III do mesmo regulamento.

68      Em segundo lugar, o artigo 25.o do Regulamento Dublim III corrobora a não pertinência dos critérios de responsabilidade enunciados no capítulo III deste regulamento no âmbito do procedimento de retomada a cargo.

69      Com efeito, enquanto o artigo 22.o, n.os 2 a 5, do Regulamento Dublim III prevê, de forma pormenorizada, o modo como esses critérios devem ser aplicados no âmbito do procedimento de tomada a cargo, não se pode deixar de observar que o artigo 25.o deste regulamento não contém nenhuma disposição semelhante e impõe apenas ao Estado‑Membro requerido que proceda às verificações necessárias para decidir sobre o pedido de retomada a cargo.

70      O caráter simplificado do procedimento de retomada a cargo é, além disso, confirmado pelo facto de o prazo para responder a um pedido de retomada a cargo, previsto no artigo 25.o, n.o 2, do referido regulamento, ser sensivelmente mais curto que o prazo para responder a um pedido de tomada a cargo, previsto no artigo 22.o, n.o 7, do mesmo regulamento.

71      Em terceiro lugar, a interpretação precedente é corroborada pelos formulários‑tipo de pedido de tomada a cargo e de pedido de retomada a cargo que figuram, respetivamente, no Anexo I e no Anexo III do Regulamento n.o 1560/2003.

72      Com efeito, enquanto o formulário‑tipo de pedido de tomada a cargo prevê que o Estado‑Membro requerente deve, selecionando uma opção, mencionar o critério de responsabilidade pertinente e permite o fornecimento das informações necessárias para verificar se esse critério está preenchido, o formulário‑tipo de pedido de retomada a cargo apenas prevê que o Estado‑Membro requerente indique se o seu pedido se baseia no artigo 20.o, n.o 5, ou no artigo 18.o, n.o 1, alíneas b), c) ou d), do Regulamento Dublim III, e não contém nenhuma rubrica relativa aos critérios de responsabilidade enunciados no capítulo III deste regulamento.

73      Em quarto lugar, importa salientar que a interpretação inversa, segundo a qual um pedido de retomada a cargo só pode ser formulado se o Estado‑Membro requerido puder ser designado como Estado‑Membro responsável em aplicação dos critérios de responsabilidade enunciados no capítulo III do Regulamento Dublim III, é contrariada pela economia geral deste regulamento.

74      Com efeito, esta interpretação implicaria, em definitivo, que os procedimentos de tomada a cargo e de retomada a cargo fossem conduzidos de forma idêntica em quase todos os aspetos e formassem, na prática, um procedimento único pressupondo, num primeiro momento, a determinação do Estado‑Membro responsável pela análise do pedido com base nos referidos critérios de responsabilidade e, depois, num segundo momento, a apresentação a este último de um pedido cuja procedência deveria ser apreciada nos mesmos termos.

75      Ora, se o legislador da União tivesse pretendido instituir um procedimento único deste tipo, não teria logicamente optado por consagrar, na própria estrutura do referido regulamento, a existência de dois procedimentos autónomos, aplicáveis a situações diferentes, definidos de forma pormenorizada e que são objeto de disposições diferentes.

76      Em quinto e último lugar, a interpretação referida no n.o 73 do presente acórdão seria igualmente suscetível de comprometer a realização de certos objetivos do Regulamento Dublim III.

77      Com efeito, esta interpretação implicaria, no casos previstos no artigo 18.o, n.o 1, alíneas b) a d), deste regulamento, que as autoridades competentes do segundo Estado‑Membro poderiam reanalisar, de facto, a conclusão a que chegaram, no termo do processo de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise do pedido, as autoridades competentes do primeiro Estado‑Membro quanto à sua própria responsabilidade, na medida em que as pessoas em causa abandonassem o território deste Estado‑Membro depois de este ter iniciado a análise do respetivo pedido, o que poderia incitar os nacionais de países terceiros que tivessem apresentado um pedido de proteção internacional num Estado‑Membro a deslocarem‑se para outros Estados‑Membros e dar assim origem a movimentos secundários que o Regulamento Dublim III visa precisamente evitar através da criação de mecanismos e de critérios uniformes para a determinação do Estado‑Membro responsável (v. por analogia, Acórdãos de 17 de março de 2016, Mirza, C‑695/15 PPU, EU:C:2016:188, n.o 52, e de 13 de setembro de 2017, Khir Amayry, C‑60/16, EU:C:2017:675, n.o 37).

78      Além disso, a interpretação mencionada no n.o 73 do presente acórdão poderia levar a uma violação do princípio essencial deste regulamento, enunciado no seu artigo 3.o, n.o 1, segundo o qual um pedido de proteção internacional só deve ser analisado por um único Estado‑Membro, na hipótese de o processo de determinação realizado no segundo Estado‑Membro conduzir a um resultado diferente do adotado no primeiro Estado‑Membro.

79      Por outro lado, a reanálise, eventualmente repetida várias vezes, do resultado do processo de determinação do Estado‑Membro responsável, num contexto em que a aplicação do referido regulamento e o acesso efetivo a um procedimento de proteção internacional já estavam assegurados, prejudicaria o objetivo de celeridade no tratamento dos pedidos de proteção internacional, a que se refere o considerando 5 do mesmo regulamento.

80      Daqui se conclui que, nos casos previstos no artigo 23.o, n.o 1, e no artigo 24.o, n.o 1, do Regulamento Dublim III, as autoridades competentes em causa não estão obrigadas, antes de apresentarem um pedido de retomada a cargo a outro Estado‑Membro, a determinar, com base nos critérios de responsabilidade estabelecidos por este regulamento, nomeadamente no critério enunciado no artigo 9.o do referido regulamento, se este último Estado‑Membro é responsável pela análise do pedido.

81      No entanto, importa salientar que, nos casos previstos no artigo 20.o, n.o 5, do Regulamento Dublim III, poderá então, em princípio, ocorrer uma eventual transferência sem que a responsabilidade pela análise do pedido do Estado‑Membro requerido tenha sido previamente estabelecida.

82      Portanto, na sequência dessa transferência e após a conclusão, nesse Estado‑Membro, do processo de determinação do Estado‑Membro responsável, não se pode excluir que deva ser ponderada uma transferência, em sentido inverso, para o Estado‑Membro que tinha anteriormente requerido a retomada a cargo do requerente. Além disso, como salientaram o Governo alemão e a Comissão, tendo em conta os prazos previstos no artigo 21.o, n.o 1, deste regulamento, é provável que o Estado‑Membro que tinha sido anteriormente obrigado a retomar a cargo esse requerente já não possa, no termo desse processo, formular validamente um pedido de tomada a cargo.

83      Sendo assim, há que recordar que os critérios de responsabilidade enunciados nos artigos 8.o a 10.o do referido regulamento, lidos à luz dos seus considerandos 13 e 14, têm por objeto contribuir para a proteção do interesse superior da criança e da vida familiar das pessoas em causa, que são, além disso, garantidos nos artigos 7.o e 24.o da Carta dos Direitos Fundamentais. Nestas condições, em conformidade com o princípio da cooperação leal, um Estado‑Membro não pode validamente formular um pedido de retomada a cargo, numa situação abrangida pelo artigo 20.o, n.o 5, do mesmo regulamento, quando a pessoa em causa tenha transmitido à autoridade competente elementos que provem de forma manifesta que esse Estado‑Membro deve ser considerado o Estado‑Membro responsável pela análise do pedido em aplicação desses critérios de responsabilidade. Nessa situação, compete, pelo contrário, ao referido Estado‑Membro admitir a sua própria responsabilidade.

84      Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à questão submetida no processo C‑582/17 e às questões submetidas no processo C‑583/17 que o Regulamento Dublim III deve ser interpretado no sentido de que um nacional de um país terceiro que apresentou um pedido de proteção internacional num primeiro Estado‑Membro, depois abandonou esse Estado‑Membro e, em seguida, apresentou um novo pedido de proteção internacional num segundo Estado‑Membro:

–        não pode, em princípio, invocar, no âmbito de um recurso interposto, ao abrigo do artigo 27.o, n.o 1, deste regulamento, nesse segundo Estado‑Membro contra a decisão de transferência tomada a seu respeito, o critério de responsabilidade enunciado no artigo 9.o do referido regulamento;

–        pode, por via de exceção, invocar, no âmbito de tal recurso, esse critério de responsabilidade, numa situação abrangida pelo artigo 20.o, n.o 5, do mesmo regulamento, desde que esse nacional de um país terceiro tenha transmitido à autoridade competente do Estado‑Membro requerente elementos que provem de forma manifesta que este deve ser considerado o Estado‑Membro responsável pela análise do pedido em aplicação do referido critério de responsabilidade.

 Quanto às despesas

85      Revestindo o processo, quanto às partes nas causas principais, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

O Regulamento (UE) n.o 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do EstadoMembro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional apresentado num dos EstadosMembros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida, deve ser interpretado no sentido de que um nacional de um país terceiro que apresentou um pedido de proteção internacional num primeiro EstadoMembro, depois abandonou esse EstadoMembro e, em seguida, apresentou um novo pedido de proteção internacional num segundo EstadoMembro:

–        não pode, em princípio, invocar, no âmbito de um recurso interposto, ao abrigo do artigo 27.o, n.o 1, deste regulamento, nesse segundo EstadoMembro contra a decisão de transferência tomada a seu respeito, o critério de responsabilidade enunciado no artigo 9.o do referido regulamento;

–        pode, por via de exceção, invocar, no âmbito de tal recurso, esse critério de responsabilidade, numa situação abrangida pelo artigo 20.o, n.o 5, do mesmo regulamento, desde que esse nacional de um país terceiro tenha transmitido à autoridade competente do EstadoMembro requerente elementos que provem de forma manifesta que este deve ser considerado o EstadoMembro responsável pela análise do pedido em aplicação do referido critério de responsabilidade.

Assinaturas


*      Língua do processo: neerlandês.