Language of document : ECLI:EU:C:2015:293

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

JULIANE KOKOTT

apresentadas em 30 de abril de 2015 (1)

Processo C‑105/14

Ivo Taricco e o.

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunale di Cuneo (Itália)]

«Proteção dos interesses financeiros da União — Crimes fiscais em matéria do imposto sobre o valor acrescentado — Dever dos Estados‑Membros de aplicarem sanções efetivas, proporcionadas e dissuasoras — Sanções penais — Prescrição do procedimento — Limitação legal da duração total da prescrição em caso da sua interrupção — Regime nacional de prescrição que em numerosos casos pode conduzir à impunidade — Legalidade das penas — Proibição de aplicação retroativa — Artigo 325.° TFUE — Diretiva 2006/112/CE — Regulamento (CE, Euratom) n.° 2988/95 — Convenção relativa à proteção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias (‘Convenção PIF’)»





I –    Introdução

1.        O direito da União impõe que os tribunais dos Estados‑Membros não apliquem determinadas disposições do seu direito interno sobre a prescrição de crimes para garantirem uma efetiva punição dos crimes fiscais? Esta é, no essencial, a questão sobre a qual o Tribunal de Justiça se deve debruçar no presente caso, face ao pedido de decisão prejudicial de um tribunal penal italiano.

2.        A questão coloca‑se no quadro de uma fraude fiscal descoberta em Itália, organizada por uma associação criminosa e relativa ao comércio de champanhe. É imputado a E. Taricco e a vários outros acusados terem apresentado, no quadro de uma organização criminosa, declarações fraudulentas relativas ao imposto sobre o valor acrescentado, utilizando faturas referentes a negócios inexistentes. As suas maquinações assemelham‑se manifestamente a uma fraude em «carrossel».

3.        É muito provável que os atos criminosos presumidamente cometidos em conexão com este caso venham a prescrever antes de ser proferida uma sentença penal definitiva. Isto resulta, segundo informação do órgão jurisdicional de reenvio, não só das circunstâncias deste caso concreto mas também de um problema estrutural do direito penal italiano, o qual prevê diversas possibilidades de interrupção da prescrição do procedimento mas não a sua suspensão durante a pendência de um processo penal. Além disso, aplica‑se um prazo absoluto de prescrição que, com base num regime legal de 2005, em caso de interrupção compreende apenas mais um quarto do prazo inicial em lugar da metade, como sucedia antes. Em particular este prazo absoluto de prescrição parece conduzir, num grande número de situações, à impunidade dos autores dos crimes.

4.        Como este caso se refere ao imposto sobre o valor acrescentado, do qual uma parte constitui um recurso próprio da União Europeia (2), surge aqui a oportunidade para esclarecer algumas questões fundamentais relacionadas com a proteção dos interesses financeiros da União. Neste contexto, os direitos dos arguidos no processo penal devem ser adequadamente tidos em conta. Deste ponto de vista, o presente processo pode recordar vagamente o famoso caso Berlusconi e o. (3). Um exame mais detalhado revela, porém, que as questões jurídicas colocadas no presente processo se diferenciam das que foram então analisadas pelo Tribunal de Justiça.

II – Quadro jurídico

A –    Direito da União

5.        Neste caso, o quadro jurídico da União é constituído, no essencial, por diversas disposições sobre a proteção dos interesses financeiros da União Europeia (antes, Comunidades Europeias). São de salientar os artigos 4.°, n.° 3, TUE e 325.° TFUE, o Regulamento (CE, EURATOM) n.° 2988/95 (4) e a chamada Convenção PIF (5). Há que remeter, também, para a Diretiva 2006/112/CE relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (6).

6.        Além disso, o Tribunal de Justiça deverá debruçar‑se sobre a interpretação dos artigos 101.°, 107.° e 119.° TFUE, de cuja transcrição literal, no entanto, prescindirei.

Disposições do Tratado FUE

7.        No artigo 325.° TFUE dispõe‑se o seguinte:

«1.      A União e os Estados‑Membros combaterão as fraudes e quaisquer outras atividades ilegais lesivas dos interesses financeiros da União, por meio de medidas a tomar ao abrigo do presente artigo, que tenham um efeito dissuasor e proporcionem uma proteção efetiva nos Estados‑Membros, bem como nas instituições, órgãos e organismos da União.

2.      Para combater as fraudes lesivas dos interesses financeiros da União, os Estados‑Membros tomarão medidas análogas às que tomarem para combater as fraudes lesivas dos seus próprios interesses financeiros.

[…]»

O Regulamento (CE, EURATOM) n.° 2988/95

8.        O Regulamento n.° 2988/95 estabelece o regime geral em matéria de controlos homogéneos e de medidas e sanções administrativas relativamente a irregularidades no domínio do direito da União (antes direito comunitário). O seu artigo 1.°, n.° 2, define o conceito de irregularidade:

«Constitui irregularidade qualquer violação de uma disposição de direito comunitário que resulte de um ato ou omissão de um agente económico que tenha ou possa ter por efeito lesar o orçamento geral das Comunidades ou orçamentos geridos pelas Comunidades, quer pela diminuição ou supressão de receitas provenientes de recursos próprios cobradas diretamente por conta das Comunidades, quer por uma despesa indevida.»

9.        O artigo 3.° do Regulamento n.° 2988/95 regula a prescrição do procedimento:

«1.      O prazo de prescrição do procedimento é de quatro anos a contar da data em que foi praticada a irregularidade referida no n.° 1 do artigo 1.° Todavia, as regulamentações setoriais podem prever um prazo mais reduzido, que não pode ser inferior a três anos.

O prazo de prescrição relativo às irregularidades continuadas ou repetidas corre desde o dia em que cessou a irregularidade. […]

A prescrição do procedimento é interrompida por qualquer ato, de que seja dado conhecimento à pessoa em causa, emanado da autoridade competente tendo em vista instruir ou instaurar procedimento por irregularidade. O prazo de prescrição corre de novo a contar de cada interrupção.

Todavia, a prescrição tem lugar o mais tardar na data em que termina um prazo igual ao dobro do prazo de prescrição sem que a autoridade competente tenha aplicado uma sanção, exceto nos casos em que o procedimento administrativo tenha sido suspenso em conformidade com o n.° 1 do artigo 6.°

[…]

3.      Os Estados‑Membros conservam a possibilidade de aplicar um prazo mais longo […]»

10.      O artigo 6.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2988/95 regula o procedimento administrativo, no caso de estar em curso um procedimento penal que diga respeito ao mesmo facto:

«Sem prejuízo das medidas e sanções administrativas comunitárias adotadas com base nos regulamentos setoriais vigentes aquando da entrada em vigor do presente regulamento, a imposição das sanções pecuniárias, com multas administrativas, pode ser suspensa por decisão da autoridade competente se, pelos mesmos factos, tiver sido movido procedimento penal contra a pessoa em questão. A suspensão do procedimento administrativo suspende o prazo de prescrição previsto no artigo 3.°

[…]»

A Convenção PIF

11.      Um conjunto de disposições comuns para a proteção penal dos interesses financeiros da União consta ainda da Convenção PIF, assinada em 26 de julho de 1995 no Luxemburgo pelos, ao tempo, 15 Estados‑Membros da União, que foi celebrada com base no n.° 2, alínea c), do artigo K3 do Tratado da União Europeia (7) e entrou em vigor em 17 de outubro de 2002 (8).

12.      Sob a epígrafe «Disposições gerais», o artigo 1.° da Convenção PIF define o crime de fraude e obriga os Estados‑Membros a considerarem os comportamentos referidos como infrações penais:

«1.      Para efeitos da presente convenção, constitui fraude lesiva dos interesses financeiros das Comunidades Europeias:

[…]

b)     Em matéria de receitas, qualquer ato ou omissão intencionais relativos:

–        à utilização ou apresentação de declarações ou de documentos falsos, inexatos ou incompletos, que tenha por efeito a diminuição ilegal de recursos do Orçamento Geral das Comunidades Europeias ou dos orçamentos geridos pelas Comunidades Europeias ou por sua conta;

–        à não comunicação de uma informação em violação de uma obrigação específica, que produza o mesmo efeito,

–        ao desvio de um benefício legalmente obtido, que produza o mesmo efeito.

2.      Sob reserva do n.° 2 do artigo 2.°, cada Estado‑Membro deve tomar as medidas necessárias e adequadas para transpor as disposições do n.° 1 para o direito penal interno, de modo a que os comportamentos que nelas se referem sejam considerados infrações penais.

3.      Sob reserva do n.° 2 do artigo 2.°, cada Estado‑Membro deve tomar igualmente as medidas necessárias para que a elaboração ou a prestação de declarações ou de documentos falsos, inexatos ou incompletos, que tenham o efeito referido no n.° 1, sejam consideradas infrações penais, se não o forem já, quer a título de infração principal, quer a título de cumplicidade, de instigação ou de tentativa de fraude na aceção do n.° 1.

[…]»

13.      O artigo 2.° da Convenção PIF contém os seguintes deveres dos Estados‑Membros quanto à previsão de sanções:

«1.      Cada Estado‑Membro deve tomar as medidas necessárias para que os comportamentos referidos no artigo 1.°, bem como a cumplicidade, a instigação ou a tentativa relativas aos comportamentos referidos no n.° 1 do artigo 1.°, sejam passíveis de sanções penais efetivas, proporcionadas e dissuasoras, incluindo, pelo menos nos casos de fraude grave, penas privativas de liberdade que possam determinar a extradição, entendendo‑se que se deve considerar fraude grave qualquer fraude relativa a um montante mínimo, a fixar em cada Estado‑Membro. Esse montante mínimo não pode ser fixado em mais de 50 000 ecus.

2.      Todavia, [no] caso de fraude menor, cujo montante total seja inferior a 4 000 ecus e que não apresente circunstâncias especiais de gravidade nos termos da sua legislação, o Estado‑Membro pode prever sanções de natureza diferente das previstas no n.° 1.

[...]»

A Diretiva relativa ao imposto sobre o valor acrescentado (Diretiva 2006/112/CE)

14.      No Título IX da Diretiva 2006/112, sob a epígrafe «Isenções», o artigo 131.° estabelece, na parte das «Disposições gerais» do Capítulo 1, o seguinte:

«As isenções previstas nos Capítulos 2 a 9 aplicam‑se sem prejuízo de outras disposições comunitárias e nas condições fixadas pelos Estados‑Membros a fim de assegurar a aplicação correta e simples das referidas isenções e de evitar qualquer possível fraude, evasão ou abuso.»

15.      O n.° 1 do artigo 138.°, que pertence às disposições sobre as «Isenções relacionadas com as operações intracomunitárias» do Título IX, Capítulo 4, da Diretiva 2006/112, prevê, em relação com a isenção das entregas de bens, o seguinte:

«Os Estados‑Membros isentam as entregas de bens expedidos ou transportados, para fora do respetivo território mas na Comunidade, pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, efetuadas a outro sujeito passivo ou a uma pessoa coletiva que não seja sujeito passivo agindo como tal num Estado‑Membro diferente do Estado de partida da expedição ou do transporte dos bens.»

16.      Além disso, nas disposições sobre as «Isenções aplicáveis a operações relacionadas com o tráfego internacional de bens» no Título IX, Capítulo 10, da Diretiva 2006/112 na Secção 1 sobre «Entrepostos aduaneiros, entrepostos não aduaneiros e regimes similares» o artigo 158.°, que transcrevo parcialmente, estabelece o seguinte:

«1.      Em derrogação do disposto no n.° 2 do artigo 157.°, os Estados‑Membros podem estabelecer um regime de entreposto não aduaneiro nos seguintes casos:

a)      Quando os bens se destinarem a lojas francas, para o efeito de entregas de bens a levar nas bagagens pessoais dos viajantes que se dirijam a territórios terceiros ou a países terceiros, por via aérea ou marítima, e que estejam isentos em conformidade com a alínea b) do n.° 1 do artigo 146.°;

b)      Quando os bens se destinarem a sujeitos passivos, para o efeito de entregas que efetuem a viajantes a bordo de uma aeronave ou de uma embarcação, durante um voo ou uma travessia marítima cujo lugar de chegada se situe fora da Comunidade;

c)      Quando os bens se destinarem a sujeitos passivos, para o efeito de entregas que efetuem com isenção de IVA em conformidade com o artigo 151.°

2.      Quando façam uso da faculdade de isenção prevista na alínea a) do n.° 1, os Estados‑Membros devem tomar as medidas necessárias para garantir a aplicação correta e simples dessa isenção e evitar qualquer possível fraude, evasão ou abuso.

[…]»

B –    Direito italiano

17.      O artigo 157.° do Codice penale italiano (9) na versão da Lei n.° 251, de 5 de dezembro de 2005 (10) (a seguir «Lei n.° 251/2005») prevê sob a epígrafe «Prescrição. Prazo de prescrição», o seguinte:

«Um crime prescreve dentro de um prazo que corresponde à duração máxima da pena prevista na norma para este crime; independentemente disso, o prazo de prescrição é de pelo menos 6 anos no caso de crimes e de pelo menos 4 anos no caso de contravenções mesmo que estas só possam ser punidas com uma sanção pecuniária.

Para o apuramento do prazo de prescrição ter‑se‑á em conta a pena estabelecida pela lei para o crime consumado ou tentado sem que sejam tomadas em conta as circunstâncias atenuantes ou agravantes com exceção daquelas para as quais a lei estabelece uma sanção diferente da pena normal [...]

[…]»

18.      O artigo 158.° do Codice penale regula o início do prazo de prescrição:

«O prazo de prescrição inicia‑se para o crime consumado no dia da consumação, para o crime tentado ou para o crime continuado no dia em que cessar a ação do agente ou a consumação.

[…]»

19.      O artigo 159.° do Codice penale determina os casos nos quais a prescrição se suspende. É o que acontece quando a causa é submetida a um outro órgão jurisdicional ou o defensor ou os acusados estão impedidos. «O prazo de prescrição volta a correr a partir do dia em que a cessa a causa da suspensão».

20.      Quanto à interrupção da prescrição o artigo 160.° do Codice penale prevê o seguinte:

«O prazo de prescrição é interrompido pela sentença de condenação ou pelo despacho de condenação.

Interrompem também a prescrição, o despacho que aplica providências cautelares pessoais ou [...] aquele que confirma a detenção ou a prisão, o interrogatório perante o Ministério Público ou o juiz, a citação para comparecer perante o Ministério Público para interrogatório, a notificação do despacho que fixa a audiência para decidir sobre o pedido de arquivamento, o pedido de submissão a julgamento e o despacho que fixa a audiência preliminar.

O prazo de prescrição interrompido volta a correr a partir da data da interrupção. No caso de existirem vários atos que interrompem a prescrição, o prazo volta a correr a partir da data do último desses atos; os prazos fixados no artigo 157.° não podem, em qualquer caso, ser prolongados para além dos prazos previstos no artigo 161.°, segundo parágrafo [...]»

21.      Antes da nova versão das disposições sobre a prescrição introduzida pela Lei n.° 251/2005 estava prevista, em caso de interrupção da prescrição, uma prorrogação do prazo de prescrição no máximo em metade.

22.      Os efeitos da suspensão e da interrupção da prescrição estão previstos no artigo 161.° do Codice penale da forma seguinte:

«A suspensão e a interrupção da prescrição têm efeito para todos os que cometeram o crime.

Salvo quando o processo tenha como fundamento os crimes a que se refere o artigo 51.°, terceiro parágrafo, alíneas b) e c), do Código de Processo Penal, a interrupção da prescrição em caso algum pode implicar o aumento em mais de um quarto do tempo necessário para a prescrição, da metade nos casos referidos no artigo 99.°, segundo travessão, de dois terços nos casos previstos no artigo 99.°, quarto travessão, e do dobro nos casos a que se referem os artigos 102.°, 103.° e 105.°»

23.      O artigo 416.° do Codice penale determina que é punido com pena de prisão de três a sete anos quem constituir uma associação cuja finalidade seja a prática de crimes. Quem participar nessa associação apenas como membro é punível com uma pena de prisão de um até cinco anos.

24.      A apresentação de uma declaração fraudulenta de imposto sobre o valor acrescentado através da utilização de faturas ou de outros documentos relativos a transações inexistentes (faturas falsas) é punida, de acordo com o artigo 2.° do Decreto legislativo (11) n.° 74 do Presidente da República, de 10 de março de 2000 (a seguir «DLgs 74/2000») (12), com pena de prisão de um ano e seis meses até seis anos. À mesma pena está sujeito, nos termos do artigo 8.° do DLgs 74/2000, quem emite faturas falsas para possibilitar a um terceiro a fuga ao imposto sobre o valor acrescentado.

III – Matéria de facto e processo principal

25.      É imputado a I. Taricco e a várias outras pessoas (a seguir também «os arguidos») terem constituído uma associação criminosa, no período entre 2005 e 2009, ou nela terem participado como membros. O objetivo desta associação criminosa consistiria no crime de emissão de faturas falsas, bem como no crime de declarações fraudulentas de imposto sobre o valor acrescentado através da utilização de faturas falsas.

26.      O objeto destas faturas falsas, cujo montante total atinge vários milhões de euros, era constituído por transações comerciais relativas a champanhe. Com base em acordos entre os arguidos terão sido efetuadas vendas no mercado nacional de champanhe, com a ajuda de várias empresas, das quais os representantes legais eram alguns dos arguidos, consideradas fraudulentamente como entregas intracomunitárias.

27.      No centro encontrava‑se a sociedade Planet Srl. Esta aceitava conscientemente faturas falsas de algumas outras empresas — as chamadas «missing traders» (13) — que, por seu lado, apareciam como pretensos importadores de champanhe. A Planet registava na sua contabilidade estas faturas, pelo que deduzia o IVA nelas indicado como imposto pago a montante e apresentava a seguir uma declaração anual de IVA incorreta. Deste modo, a Planet podia dispor do champanhe a um preço muito inferior ao preço de mercado e, em consequência, falsear a concorrência. As «missing traders», por seu lado, ou não apresentavam quaisquer declarações anuais de IVA ou, quando o faziam, não procediam ao pagamento do imposto correspondente.

28.      Concluída a instrução foi deduzida acusação contra os arguidos. O pedido de submissão dos arguidos a julgamento entrou primeiro no Tribunale di Mondovi. Depois, devido a uma série de requerimentos apresentados pelos advogados dos arguidos na audiência preliminar (14), o processo penal voltou de novo à fase de instrução, agora perante o Tribunale di Cuneo, o órgão jurisdicional de reenvio (15). Nesta fase processual o juiz da audiência preliminar (16) deve decidir se os resultados da instrução justificam que seja proferido um despacho para instauração do processo contra os arguidos e para marcação de uma data para a audiência de julgamento.

29.      Segundo informação do órgão jurisdicional de reenvio, de acordo com as disposições em vigor em Itália sobre a prescrição do procedimento criminal — mesmo tendo em conta a prorrogação, prevista na lei, do prazo de prescrição devido às diversas medidas que conduziram à interrupção da prescrição — todos os crimes fiscais que são imputados aos arguidos prescreverão o mais tardar em 8 de fevereiro de 2018. Em relação a um dos arguidos, G. Anakiev, a prescrição já se verificou em 11 de maio de 2013.

30.      Como o órgão jurisdicional de reenvio salienta, no presente caso é «muito provável» que a prescrição do procedimento ocorra quanto a todos os arguidos antes de ser proferida uma sentença definitiva. Este resultado, como o órgão jurisdicional de reenvio salienta, não representa uma particularidade do caso em apreço, verificando‑se, pelo contrário, em muitos processos penais em Itália, em especial nos processos relativos a crimes económicos que, pela sua natureza, exigem uma investigação muito aprofundada e se caracterizam por uma grande complexidade.

31.      O órgão jurisdicional de reenvio manifesta perante este quadro a preocupação de que o instituto da prescrição do procedimento na Itália — contra o seu próprio objetivo — se torne na realidade numa «garantia de impunidade» para os autores de crimes económicos e que, finalmente, a Itália negligencie os seus deveres para com a União Europeia. Isto resulta, de maneira determinante, da Lei n.° 251/2005, pela qual o prolongamento dos prazos de prescrição no caso da sua interrupção está agora limitado a um quarto, quando anteriormente se verificava um prolongamento de metade.

IV – Pedido de decisão prejudicial e tramitação processual perante o Tribunal de Justiça

32.      Por despacho de 17 de janeiro de 2014, entrado em 5 de março de 2014, o Tribunale di Cuneo submeteu as seguintes questões ao Tribunal de Justiça para decisão prejudicial:

«1)      A alteração do artigo 160.°, último parágrafo, do Código Penal italiano, introduzida pela Lei n.° [251/2005] — na parte em que, no caso de interrupção do prazo de prescrição, prevê apenas que este seja acrescido de um quarto da sua duração, permitindo assim a prescrição dos crimes e consequentemente a sua impunidade, não obstante o exercício tempestivo da ação penal — é contrária à norma que tutela a concorrência prevista no artigo [101.°] TFUE?

2)      A alteração do artigo 160.°, último parágrafo, do Código Penal italiano, introduzida pela Lei n.° [251/2005] — na parte em que, no caso de interrupção do prazo de prescrição, prevê apenas que este seja acrescido de um quarto da sua duração, privando assim de consequências penais os crimes cometidos por operadores económicos sem escrúpulos — traduz‑se numa forma de auxílio concedido pelo Estado italiano, proibido pelo artigo 107.° TFUE?

3)      A alteração do artigo 160.°, último parágrafo, do Código Penal italiano, introduzida pela Lei n.° [251/2005] — na parte em que, no caso de interrupção do prazo de prescrição, prevê apenas que este seja acrescido de um quarto da sua duração, criando assim uma possibilidade de impunidade para quem instrumentaliza a diretiva comunitária — traduz‑se na criação indevida pelo Estado italiano de uma isenção adicional relativamente às que estão [taxativamente] previstas no artigo 158.° da Diretiva 2006/112/CE [...]?

4)      A alteração do artigo 160.°, último parágrafo, do Código Penal italiano, introduzida pela Lei n.° [251/2005] — na parte em que, no caso de interrupção do prazo de prescrição, prevê apenas que este seja acrescido de um quarto da sua duração, e a consequente renúncia à punição dos comportamentos que privam o Estado dos recursos necessários, incluindo para fazer face às suas obrigações para com a União Europeia — viola o princípio das finanças públicas sólidas consagrado no artigo 119.° TFUE?»

33.      Dos arguidos no processo principal só G. Anakiev apresentou observações no processo de reenvio prejudicial. Além deste, apresentaram observações escritas os Governos da Itália, da Alemanha e da Polónia, bem como a Comissão Europeia. Com exceção de G. Anakiev e do Governo polaco, estes intervenientes estiveram representados na audiência de 3 de março de 2015.

V –    Considerações de natureza processual

34.      Antes de me debruçar sobre a apreciação do conteúdo das questões prejudiciais, são necessárias algumas considerações prévias de natureza processual, atendendo às dúvidas manifestadas pelos participantes no processo que dizem respeito, por um lado, à competência do Tribunal de Justiça para responder às questões prejudiciais (quanto a isto, a seguir Secção A), e por outro, à admissibilidade destas questões (v. infra, Secção B).

A –    Competência do Tribunal de Justiça para responder às questões prejudiciais

35.      No processo prejudicial o Tribunal de Justiça tem competência, nos termos do artigo 267.° TFUE, para se pronunciar sobre a interpretação dos Tratados e dos atos adotados pelas instituições, pelos órgãos ou organismos da União isto é, a sua competência abrange, em princípio, a interpretação da totalidade do direito da União (17).

36.      A esta competência não se opõe o facto de, no processo principal, estarem em causa crimes fiscais previstos pelo direito interno. Com efeito, embora a competência relativa à legislação penal e às regras do processo penal continue a pertencer predominantemente aos Estados‑Membros, as autoridades nacionais devem, no entanto, exercer as suas competências respetivas tendo em atenção os preceitos do direito da União (18). Em especial para processos penais em matéria de imposto sobre o valor acrescentado, o Tribunal de Justiça esclareceu recentemente que esses processos estão abrangidos pelo âmbito de aplicação do direito da União (19).

37.      O Tribunal de Justiça é competente, neste contexto, para a interpretação de todo o direito da União, incluindo a Convenção PIF, na medida em que esta seja relevante para a solução do caso presente. É certo que esta Convenção de 1995 ainda foi adotada no quadro do então designado «terceiro pilar» da União Europeia com base no Tratado da União Europeia na sua versão original (20). De acordo com o artigo 9.° do Protocolo relativo às disposições transitórias (21), a referida Convenção continua em vigor mesmo depois da abolição da estrutura em pilares da União Europeia com a entrada em vigor do Tratado de Lisboa. Continua, por isso, a ser parte integrante do direito da União.

38.      Além disso, desde 1 de dezembro de 2014, já não existem quaisquer limitações no que respeita à competência do Tribunal de Justiça para decidir a título prejudicial, no quadro do antigo terceiro pilar da União (v. artigo 10.°, n.os 1 e 3, do Protocolo relativo às disposições transitórias). Isto aplica‑se, também, aos pedidos de decisão prejudicial, como o presente, entrados ainda antes de 1 de dezembro de 2014 (22).

39.      De resto, o Tribunal de Justiça já era, antes de 1 de dezembro de 2014, competente para os pedidos de decisão prejudicial de todos os órgãos jurisdicionais italianos que dissessem respeito à interpretação da Convenção PIF. Na verdade, a República Italiana já tinha reconhecido desde o início, com outros fundamentos, a competência do Tribunal de Justiça para essas decisões a título prejudicial, por um lado, com base no Protocolo Adicional à Convenção PIF (23) e, por outro, com base no artigo 35.°, n.os 2 e 3, alínea b), do Tratado da União Europeia (24), tendo sempre reconhecido a todos os órgãos jurisdicionais nacionais competência para o reenvio a título prejudicial (25).

40.      Neste contexto, a competência do Tribunal de Justiça para analisar todas as questões jurídicas colocadas com este pedido de decisão prejudicial é inquestionável.

B –    Quanto à admissibilidade das questões prejudiciais

41.      Vários dos intervenientes no processo suscitaram a este propósito exceções relativamente à admissibilidade das questões colocadas ao Tribunal de Justiça (artigo 267.° TFUE, artigo 94.° do Regulamento de Processo). Essencialmente, colocam em dúvida a relevância destas questões para a decisão a proferir no processo principal.

42.      Quanto a isto é de notar que, segundo jurisprudência constante, compete exclusivamente ao órgão jurisdicional de reenvio, tendo em conta as especificidades de cada caso, determinar a necessidade de uma decisão prejudicial do Tribunal de Justiça, bem como a relevância para a decisão das questões colocadas ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, quando as questões tenham por objeto a interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se. Se um órgão jurisdicional nacional colocar ao Tribunal de Justiça questões relativas ao direito da União, existe a favor do seu pedido de decisão prejudicial uma presunção de relevância (26).

43.      Daqui se conclui que o Tribunal de Justiça só se pode recusar a responder a uma questão submetida à sua apreciação por um órgão jurisdicional nacional quando for manifesto que a interpretação do direito da União pedida não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não disponha dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe foram submetidas (27).

44.      Não há que recear que isso suceda no presente caso.

45.      As informações contidas no despacho de reenvio relativas à matéria de facto do processo principal, quanto ao direito nacional aplicável e quanto à necessidade de uma decisão prejudicial, são suficientes para possibilitar ao Tribunal de Justiça bem como aos intervenientes no processo, na aceção do artigo 23.° do Estatuto do Tribunal de Justiça, uma tomada de posição fundamentada quanto às questões colocadas.

46.      Com efeito, das explicações do órgão jurisdicional de reenvio deduz‑se sem dificuldade do que se trata no processo principal e o que nele está em causa. Várias pessoas são arguidas num processo penal italiano em matéria fiscal e o órgão jurisdicional de reenvio receia que as mesmas — bem como muitos outros presumidos autores na mesma situação — escapem às sanções legalmente previstas porque as disposições nacionais sobre a prescrição do procedimento preveem prazos de prescrição muito curtos, em especial, um prolongamento demasiado restrito destes prazos no caso da sua interrupção, de tal modo que se considera ilusório contar com uma condenação definitiva dos arguidos antes de se verificar a prescrição.

47.      Também não se pode considerar neste caso que as questões colocadas ao Tribunal de Justiça sejam de natureza hipotética ou que manifestamente não tenham ligação com a realidade do litígio no processo principal. Da resposta do Tribunal de Justiça depende, pois, de acordo com o despacho de reenvio, se as disposições sobre prescrição do direito nacional podem ser aplicadas no processo principal e se é possível esperar, de forma realista, que haja uma decisão definitiva neste processo antes de ocorrer a prescrição.

48.      Ao contrário do que o Governo italiano entende, não está proibido ao órgão jurisdicional de reenvio colocar a falha sistémica do direito penal italiano, por ele identificada, relativamente a um processo concreto perante ele pendente, como objeto de um reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça. Antes pelo contrário, o Tribunal de Justiça já se pronunciou várias vezes sobre problemas considerados estruturais de um sistema de sanções nacionais e exatamente também a propósito de pedidos de decisão prejudicial submetidos em processos penais nacionais pendentes (28).

49.      Mesmo que eventualmente os princípios gerais do direito da União, por exemplo, o princípio da legalidade das penas, proibissem o afastamento das disposições nacionais sobre prescrição relacionadas com o litígio, isto não levaria, ao contrário do entendimento do Governo italiano e de G. Anakiev, a pôr em causa a admissibilidade do pedido de decisão prejudicial, mas quando muito a permitir esclarecimentos por parte do Tribunal de Justiça na sua resposta sobre o mérito das questões prejudiciais (29).

50.      Podem, com efeito, neste ponto levantar‑se dúvidas quanto à relevância para a decisão das questões apresentadas, uma vez que o órgão jurisdicional de reenvio solicita ao Tribunal de Justiça a interpretação de algumas disposições de direito primário (artigos 101.°, 107.° e 119.° TFUE) que, à primeira vista, nada têm a ver com os problemas de prescrição penal aqui em discussão. Apesar disso, parece‑me não ser manifesto que as referidas disposições não tenham qualquer relação com o processo principal. Apenas uma análise — ainda que breve — pelo Tribunal de Justiça do conteúdo das referidas disposições do TFUE pode revelar se estas se opõem ou não a um regime sobre a prescrição penal como o italiano (30).

51.      Por uma questão de exaustividade, é finalmente de salientar que também a fase relativamente inicial do processo principal — isto é, a fase anterior à admissão da acusação para a audiência de julgamento — não põe em causa a admissibilidade do pedido de decisão prejudicial (31).

52.      No seu conjunto são, por isso, de rejeitar as reservas formuladas perante o Tribunal de Justiça quanto à admissibilidade deste pedido prejudicial.

VI – Apreciação do conteúdo das questões prejudiciais

53.      Como se conclui do pedido de decisão prejudicial, o Tribunale di Cuneo parte, quanto à maior parte dos tipos de crime relevantes no processo principal, de um prazo de prescrição de seis anos, e, quanto à constituição de uma associação criminosa, de um prazo de prescrição de sete anos. Se a prescrição, como aconteceu neste caso, for interrompida devido a determinadas medidas de instrução ou medidas coercivas, o prazo prolonga‑se, de acordo com o despacho de reenvio, em um quarto, o que alarga o prazo de seis anos para sete anos e seis meses, o prazo de prescrição de sete anos para oito anos e nove meses, continuando estes prazos a correr, em princípio, num processo penal pendente. Este regime de prescrição absoluta parece implicar, num grande número de casos, a impunidade dos autores dos crimes.

54.      Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber com o seu despacho de reenvio prejudicial, no essencial, se o direito da União se opõe a uma disposição nacional que regula a prescrição do procedimento criminal, como o do artigo 160.°, quarto parágrafo, do Codice penale na versão da Lei n.° 251/2005, segundo a qual, para os crimes fiscais em matéria de imposto sobre o valor acrescentado, o prazo original no caso da sua interrupção é apenas prolongado em um quarto, ocorrendo depois a prescrição absoluta.

55.      O órgão jurisdicional pretende, em particular, no quadro das suas quatro questões prejudiciais, obter esclarecimentos sobre a interpretação dos artigos 101.°, 107.° e 119.° TFUE, bem como do artigo 158.° da Diretiva 2006/112.

56.      Analisarei, a seguir, em primeiro lugar, estas disposições (v. quanto a isto, a seguir, Secção A) antes de tecer algumas considerações sobre a obrigação dos Estados‑Membros de aplicarem sanções efetivas (v. infra, Secção B) e, de finalmente, me debruçar sobre os efeitos no processo principal de eventuais violações do direito da União pelo regime nacional sobre a prescrição (v. infra Secção C).

A –    As disposições do direito da União mencionadas pelo órgão jurisdicional de reenvio

57.      No conjunto das suas quatro questões prejudiciais, o Tribunale di Cuneo refere‑se ao direito da concorrência da União (v. quanto a isto, a seguir, Secção 1), às possibilidades de isenção do imposto sobre o valor acrescentado (v. infra, Secção 2), bem como ao princípio das finanças públicas sólidas (v. infra, Secção 3).

1.      O direito da concorrência da União (primeira e segunda questões prejudiciais)

58.      Com as suas duas primeiras questões, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, no essencial, saber se um regime de prescrição do procedimento como o da lei italiana prejudica a concorrência no mercado interno europeu e, desse modo, viola as disposições dos artigos 101.° e 107.° TFUE.

59.      Quanto a isto, é de salientar que um regime de prescrição demasiado permissivo e a consequente falta de sanções penais eficazes para as irregularidades em matéria de imposto sobre o valor acrescentado podem proporcionar às empresas envolvidas nestas irregularidades uma vantagem concorrencial desleal no mercado interno. Isto não significa, no entanto, uma violação do artigo 101.° TFUE ou do artigo 107.° TFUE.

60.      É certo que o artigo 101.° TFUE, em conjugação com o artigo 4.°, n.° 3, TUE, proíbe os Estados‑Membros de criarem uma situação em que seja fácil às empresas chegarem, entre si, a acordos anticoncorrenciais (32). Seria, porém, ir demasiado longe retirar a consequência de que, através de uma eventual aplicação inadequada das disposições penais nacionais aos crimes fiscais em matéria de imposto sobre o valor acrescentado, é necessariamente promovida uma concertação ilegal entre empresas. Verificando‑se, porém, concertações anticoncorrenciais entre empresas, estas poderiam, aliás, ser punidas de forma completamente independente do direito penal fiscal, segundo os processos, previstos no direito da concorrência, e com as sanções específicas aí cominadas.

61.      No que respeita à proibição dos auxílios estatais nos termos do artigo 107.° TFUE, a aplicação inadequada das sanções em matéria de imposto sobre o valor acrescentado pode, é certo, ter como resultado uma vantagem financeira para as empresas. Esta vantagem não é, no entanto, seletiva porque não beneficia determinadas empresas ou setores de empresas em relação a outros, aplicando‑se, pelo contrário, em igual medida a todas as empresas que estão sujeitas ao direito penal nacional (33).

62.      Deve concordar‑se com o órgão jurisdicional de reenvio quando refere que as falhas sistémicas de um Estado‑Membro na aplicação de sanções a crimes fiscais em matéria de imposto sobre o valor acrescentado podem conduzir a uma distorção da concorrência em relação às empresas de outros Estados‑Membros, nos quais as autoridades nacionais reagem de forma mais forte às irregularidades. Esta problemática não pode, porém, ser apreciada à luz dos parâmetros do direito antitrust ou dos auxílios estatais mas, pelo contrário, deve ser discutida tendo em conta o sistema do imposto sobre o valor acrescentado e o dever a ele ligado de aplicar sanções efetivas (34).

2.      Os tipos de isenções previstas na diretiva IVA (terceira questão prejudicial)

63.      Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio deseja saber se um regime de prescrição como o italiano conduz à criação de uma nova isenção ao IVA, não prevista na Diretiva 2006/112.

64.      Quanto a isto é de salientar que o Tribunale di Cuneo, aparentemente, se enganou na disposição aplicável da Diretiva 2006/112. Com efeito, o artigo 158.° dessa diretiva, citado no despacho de reenvio, diz respeito à isenção de imposto sobre o valor acrescentado de determinadas operações em circunstâncias muito especiais, como nas lojas tax free, a bordo de uma aeronave ou de uma embarcação, bem como nas transações diplomáticas ou consulares. É manifesto que essas circunstâncias não se verificam aqui.

65.      Importa, porém, ter em consideração, como a Comissão justamente notou, o artigo 138.° da Diretiva 2006/112, no qual é regulado em que circunstâncias a transferência intracomunitária de bens é isenta de imposto sobre o valor acrescentado. Esta disposição apresenta, nesta medida, uma determinada relação com a situação de facto do processo principal, dado que aos arguidos é imputado terem apresentado fraudulentamente as suas transações comerciais internas de champanhe como entregas intracomunitárias.

66.      De qualquer modo, a circunstância descrita pelo órgão jurisdicional de reenvio, de que nos processos penais fiscais, por motivo de falhas sistémicas do direito interno, ocorre em inúmeros casos a prescrição do procedimento, não conduz, considerada por si só, a uma isenção do IVA para as empresas em questão. Na verdade, o crédito fiscal contra elas não depende, na sua existência, da implementação de um eventual direito de punir por parte do Estado.

3.      O princípio das finanças públicas sólidas (quarta questão prejudicial)

67.      Finalmente, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, com a sua quarta questão, ser esclarecido sobre se um regime de prescrição como o italiano está em concordância com o princípio das finanças públicas sólidas, tal como está expresso no artigo 119.° TFUE.

68.      Como norma introdutória às disposições sobre a política económica e monetária no Título VIII do Tratado da União Europeia, o artigo 119.° TFUE estabelece, no seu n.° 3, determinados «princípios orientadores» para a ação dos Estados‑Membros e da União nos quais se inclui, entre outros, o das finanças públicas sólidas.

69.      Diferentemente do que a Comissão parece entender, nesta disposição não é dada apenas uma orientação do ponto de vista político aos Estados‑Membros, mas também é estabelecida, de maneira juridicamente vinculativa, uma exigência do direito da União quanto à configuração dos seus orçamentos públicos. A natureza jurídica desta exigência não é posta em causa pelo facto de o seu conteúdo não ser especialmente concreto e ainda necessitar de ser tornado mais preciso através de normas e atos jurídicos adicionais (35). Em todo o caso, do caráter relativamente geral do artigo 119.°, n.° 3, TFUE, resulta necessariamente que é deixada aos Estados‑Membros uma ampla margem de manobra quanto à escolha dos meios internos que os mesmos — com base em apreciações económicas complexas — considerarem mais apropriados para, no âmbito das suas competências, garantirem finanças públicas sólidas (36).

70.      Não se pode entender que qualquer medida das autoridades nacionais com efeitos a nível das despesas ou das receitas, bem como qualquer renúncia a um crédito fiscal efetivamente existente constitui necessariamente uma violação do princípio das finanças públicas sólidas. Isso depende muito mais de saber se as finanças do respetivo Estado‑Membro podem ser consideradas, no seu conjunto, como «sólidas», o que deve ser determinado atendendo, em particular, às disposições e aos critérios relativos à prevenção de défices públicos excessivos (artigo 126.°, n.os 1 e 2, TFUE, em conjugação com o Protocolo n.° 12 do TUE e do TFUE).

71.      Por isso, a mera circunstância de que as regras de prescrição em vigor na Itália em matéria de direito penal fiscal possam apresentar as falhas sistémicas descritas pelo órgão jurisdicional de reenvio não pode constituir fundamento para se considerar existir uma violação do princípio das finanças públicas sólidas, tal como está consagrado no artigo 119.°, n.° 3, TFUE.

4.      Conclusão intercalar

72.      Em síntese, pode‑se concluir que nenhuma das disposições de direito da União concretamente mencionadas pelo órgão jurisdicional de reenvio se opõe a um regime da prescrição do procedimento como o que foi introduzido no direito penal italiano pelo artigo 160.°, último parágrafo, do Codice penale, na versão da Lei n.° 251/2005.

73.      Esta conclusão não é, no entanto, por si só, suficiente para dar ao órgão jurisdicional de reenvio uma resposta útil que lhe facilite a decisão do processo principal. Antes pelo contrário, são necessárias algumas considerações complementares sobre o dever dos Estados‑Membros de aplicarem sanções efetivas (v. quanto a isto, a seguir, a Secção B); além disso, devem analisar‑se, de forma breve, os efeitos da eventual violação do direito da União pelas regras nacionais sobre prescrição no litígio no processo principal (v. infra, Secção C).

B –    O dever dos Estados‑Membros de aplicarem sanções efetivas

74.      O dever dos Estados‑Membros de aplicarem sanções efetivas aos crimes fiscais em matéria de imposto sobre o valor acrescentado não é expressamente tratado pelo órgão jurisdicional de reenvio no seu pedido de decisão prejudicial.

75.      É certo que, em princípio, compete exclusivamente ao órgão jurisdicional de reenvio definir o objeto das questões que pretende submeter ao Tribunal de Justiça (37), e este, por seu lado, não é chamado a pronunciar‑se sobre questões jurídicas que o órgão jurisdicional nacional excluiu, expressa ou implicitamente, do seu pedido de decisão prejudicial (38).

76.      No entanto, apesar disto, o Tribunal de Justiça, chamado a conhecer de um pedido de decisão prejudicial, é competente para, tendo presentes os elementos constantes dos autos, aduzir precisões com vista a guiar o órgão jurisdicional na solução do litígio no processo principal e, por isso, para analisar também disposições que o órgão jurisdicional de reenvio não considerou (39).

77.      No presente caso, aparece como fio condutor através de toda a decisão de reenvio a preocupação do órgão jurisdicional nacional de que o regime de prescrição constante do artigo 160.°, último parágrafo, do Codice penale, na versão da Lei n.° 251/2005, possa ser a expressão de uma falha sistémica que conduza, num grande número de crimes fiscais na Itália, à impunidade dos autores.

78.      Desse modo, o pedido de decisão prejudicial coloca — pelo menos implicitamente — a questão adicional de saber se um regime de prescrição como o italiano é compatível com o dever que incumbe aos Estados‑Membros, por força do direito da União, de aplicarem sanções às infrações em matéria de imposto sobre o valor acrescentado. Sem debater esta questão adicional, não é concebível qualquer resposta útil ao pedido de decisão prejudicial.

79.      A seguir, analisarei, em primeiro lugar, se um regime como o italiano satisfaz o dever geral dos Estados‑Membros de aplicação de sanções efetivas contra violações do direito da União (v., a este respeito, Secção 1), antes de examinar o dever especial dos Estados‑Membros de punirem com sanções penais as fraudes que prejudicam os interesses financeiros da União (v., a este propósito, infra, Secção 2).

1.      O dever geral de prever sanções efetivas

80.      Corresponde a um princípio geral do direito da União que, em última análise, resulta do dever de cooperação leal (artigo 4.°, n.° 3, TUE), que os Estados‑Membros devem prever, para as violações do direito da União pelos particulares, sanções que sejam efetivas, proporcionadas e dissuasoras (40), e que, além disso, as violações do direito da União sejam — pelo menos — punidas de acordo com normas, substantivas e de processo, análogas às aplicáveis às violações do direito nacional de natureza e importância semelhantes (41). Finalmente, trata‑se neste caso de uma expressão particular dos princípios da efetividade e da equivalência.

81.      No que diz respeito, em primeiro lugar, ao princípio da equivalência, a Comissão alegou na audiência que, no direito italiano, existem, de facto, crimes aos quais não se aplica qualquer prazo absoluto de prescrição. Se se tratar, nesses casos, de um tipo de infração em matéria de criminalidade económica que seja equiparável à fraude ao imposto sobre o valor acrescentado, também neste último caso não se deveria aplicar o prazo absoluto de prescrição.

82.      A exigência de sanções efetivas, proporcionadas e dissuasoras, resultante do princípio da efetividade, foi recentemente invocada de maneira expressa pelo Tribunal de Justiça também em matéria de IVA. Baseou‑se, quanto a isto, nas diversas disposições da Diretiva 2006/112, e de novo no dever de cooperação leal dos Estados‑Membros, nos termos do artigo 4.°, n.° 3, TUE (42).

83.      Em matéria de IVA é de especial importância um sistema de sanções que funcione de forma eficaz contra as violações do direito da União, pois deve não só garantir o tratamento igual de todas as empresas ativas no mercado interno mas também servir para proteger os interesses financeiros da União, a cujos recursos próprios pertence uma parte do imposto sobre o valor acrescentado cobrado pelos Estados‑Membros (43). Por força do artigo 325.° TFUE os Estados‑Membros estão obrigados a combater as atividades ilícitas lesivas dos interesses financeiros da União através de «medidas dissuasoras e efetivas» (44). O mesmo resulta do Regulamento n.° 2988/95 que, de igual modo, se destina à proteção dos interesses financeiros da União.

84.      É certo que não resulta nem dos preceitos do direito primário (artigo 4.°, n.° 3, TUE e artigo 325.° TFUE) nem do direito derivado pertinente (Regulamento n.° 2988/95 e Diretiva 2006/112) um qualquer dever específico de os Estados‑Membros sancionarem penalmente as irregularidades em matéria de imposto sobre o valor acrescentado. Antes pelo contrário, os Estados‑Membros — com reserva do que resulta da Convenção PIF (45) — dispõem de uma liberdade de escolha das sanções aplicáveis, de modo que no sistema nacional também se pode utilizar, em princípio, uma combinação de sanções penais e administrativas (46). Contudo, é inerente ao conceito de «sanção» que não basta cobrar a posteriori o imposto sobre o valor acrescentado devido, eventualmente com juros de mora.

85.      Em qualquer caso, as sanções realmente aplicáveis em cada Estado‑Membro devem — independentemente de terem natureza administrativa ou penal — ser efetivas, proporcionadas e dissuasoras (47). Existe uma contradição com as exigências do direito da União, quando um Estado‑Membro assenta o seu sistema de sanções internas, com uma combinação de sanções administrativas e penais, em dois pilares que nem individualmente nem em conjunto satisfazem os critérios da efetividade, da proporcionalidade e da dissuasão.

86.      Compete ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se as sanções previstas no sistema nacional são efetivas, proporcionadas e dissuasoras. Nesse contexto, a norma sancionatória deve ser analisada tendo em conta o seu papel no conjunto do regime jurídico, incluindo a tramitação do processo e as suas particularidades nas várias instâncias nacionais em cada caso em que esta questão se coloca (48).

87.      Tal como já referi nas minhas conclusões no processo Berlusconi e o. (49), não se pode, em princípio, objetar a que os Estados‑Membros submetam à prescrição sanções que são obrigados a introduzir em virtude do direito da União, pois os prazos de prescrição servem para garantir a segurança jurídica e a proteção dos arguidos e, em princípio, não excluem uma efetiva aplicação de sanções. Aliás, o Regulamento n.° 2988/95 também prevê, no seu artigo 3.°, a prescrição relativamente às sanções administrativas aí estabelecidas.

88.      Deve, no entanto, assegurar‑se que as regras de prescrição aplicáveis não tenham como efeito geral comprometer o caráter efetivo e o efeito dissuasor das sanções previstas. As infrações em matéria de imposto sobre o valor acrescentado não podem, portanto, ser apenas punidas com sanções de uma forma teórica. O sistema de sanções deve, ao invés, ser configurado de modo a que todos os que apresentarem declarações falsas em relação ao imposto sobre o valor acrescentado ou que participem em tais práticas tenham de recear, também na prática, a aplicação de sanções (50).

89.      Além disso, como a Comissão justamente referiu, importa ter em conta eventuais interações entre sanções penais e administrativas. Assim, as insuficiências do sistema de sanções penais podem ter efeitos negativos sobre o sistema de sanções administrativas. É o que sucede, por exemplo, quando no direito nacional está previsto que o procedimento administrativo fique suspenso durante a pendência de um processo penal (51) e que, mais tarde, depois da ocorrência da prescrição no processo penal, o processo administrativo já não possa prosseguir porque a infração cometida, de acordo com os critérios do direito administrativo, também já prescreveu.

90.      A este propósito, deve ser evocada a jurisprudência que já anteriormente se pronunciou sobre algumas disposições processuais italianas em matéria de direito fiscal. Segundo a mesma, os Estados‑Membros podem, em determinadas circunstâncias, terminar processos fiscais de longa duração (52), mas não podem renunciar de forma geral e indiscriminada à verificação das operações tributáveis efetuadas em vários períodos de tributação com vista ao eventual dever de pagar o imposto sobre o valor acrescentado (53).

91.      Se o regime nacional de prescrição conduzir, tendo em conta todos estes pontos de vista, a que uma aplicação eficaz de sanções efetivas, proporcionadas e dissuasoras seja, na realidade, apenas raramente de esperar devido às características do sistema, isto contraria o dever geral dos Estados‑Membros de aplicarem sanções efetivas às violações do direito da União (54).

2.      O dever especial de prever sanções penais efetivas

92.      Além do dever geral de aplicação de sanções efetivas, anteriormente analisado, existe também um dever especial dos Estados‑Membros de punirem penalmente as fraudes lesivas dos interesses financeiros da União.

93.      Este dever de prever sanções penais resulta da Convenção PIF, nomeadamente do seu artigo 2.°, n.° 1, o qual estabelece que as fraudes lesivas dos interesses financeiro da União devem ser passíveis de sanções penais efetivas, proporcionadas e dissuasoras; em casos de fraude grave devem mesmo ser previstas penas privativas de liberdade.

94.      É certo que o Conselho da União Europeia interpreta o âmbito de aplicação da Convenção PIF de forma restrita e pretende excluir dele o imposto sobre o valor acrescentado. No seu relatório explicativo (55) defendeu o ponto de vista de que por receitas na aceção da Convenção PIF apenas se deviam entender as duas primeiras categorias de recursos próprios, isto é, por um lado, os direitos aduaneiros e, por outro, determinadas imposições e taxas no domínio da agricultura. Em contrapartida, as receitas da União na aceção da Convenção PIF não abrangem, no entendimento do Conselho, as que resultam da aplicação de uma taxa unitária de imposto sobre o valor acrescentado por todos os Estados‑Membros, porque este recurso próprio não é cobrado diretamente pela União.

95.      Em consequência, segundo a opinião defendida pelo Conselho no seu relatório explicativo, à qual a Alemanha na audiência perante o Tribunal de Justiça também aderiu, o dever resultante do direito da União de aplicar sanções penais em caso de irregularidades não teria qualquer aplicação no âmbito do imposto sobre o valor acrescentado (56).

96.      No entanto, trata‑se aqui, no que respeita ao relatório explicativo do Conselho, meramente da expressão de uma opinião não vinculativa de uma instituição da União, a qual, além do mais, não é ela própria parte da Convenção PIF, tendo apenas participado nos trabalhos preparatórios, redigindo o texto da Convenção e recomendando aos Estados‑Membros a sua aprovação, de acordo com as suas disposições constitucionais [n.° 2, alínea c), do artigo K3 do Tratado da União Europeia].

97.      O relatório explicativo do Conselho não pode, portanto, ser considerado uma interpretação autêntica da Convenção PIF, tanto mais que nem a própria Convenção nem o seu Protocolo adicional fazem qualquer referência a esse relatório. Uma interpretação vinculativa da Convenção PIF no quadro da União compete apenas ao Tribunal de Justiça; isto mesmo já se podia concluir originariamente do Protocolo adicional à Convenção PIF, que atribuía competência ao Tribunal de Justiça para interpretar essa Convenção e resulta hoje do artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo e n.° 3, alínea b), TUE, bem como do artigo 267.° TFUE.

98.      Em minha opinião, o Tribunal de Justiça não deveria considerar o relatório explicativo do Conselho sobre a Convenção PIF de forma diferente dos comunicados de imprensa das instituições da União sobre atos legislativos ou das declarações protocolares por ocasião da adoção de tais atos jurídicos: segundo jurisprudência constante, semelhantes declarações não podem ser tidas em conta para a interpretação de uma disposição de direito derivado quando não encontrem expressão no texto dessa disposição (57).

99.      Assim acontece aqui. Para justificar a exclusão do IVA do âmbito de aplicação da Convenção PIF, o Conselho refere‑se no seu relatório explicativo unicamente e apenas à circunstância de que o IVA «não é um recurso próprio cobrado diretamente por conta da [União]» (58). Mas precisamente esta consideração não encontra qualquer reflexo na letra da Convenção PIF e não pode justificar uma interpretação restritiva do seu âmbito de aplicação.

100. O âmbito de aplicação da Convenção PIF é, antes pelo contrário, definido de forma muito ampla. O seu artigo 1.°, n.° 1, alínea b) abrange expressamente de forma global, e sem qualquer limitação, as «receitas» da União relativas aos «recursos» do seu «orçamento geral». A estes recursos pertencem, também, os que constituem recursos próprios da União, derivados do imposto sobre o valor acrescentado (59). Existe, com efeito, uma relação direta entre a cobrança do IVA pelos Estados‑Membros e a colocação à disposição do orçamento da União dos recursos IVA correspondentes (60).

101. Este âmbito de aplicação entendido de forma ampla com inclusão do imposto sobre o valor acrescentado corresponde, aliás, ao objetivo da Convenção PIF que visa, de uma forma geral, lutar contra a fraude lesiva dos interesses financeiros da União e com a qual se pretende combater esta fraude com todo o vigor (61).

102. Em contrapartida, uma limitação do âmbito de aplicação da Convenção PIF apenas aos casos de fraude relacionados com direitos aduaneiros e imposições ou taxas agrícolas reduziria seriamente a contribuição deste instrumento jurídico para a proteção dos interesses financeiros da União. Uma interpretação tão restrita do âmbito de aplicação da Convenção PIF, como a que o Conselho parece subscrever, contradiz a regra segundo a qual a interpretação proposta por uma instituição da União de uma determinada disposição do direito da União não deve afetar o efeito útil dessa disposição (62).

103. Assim, a Convenção PIF impõe aos Estados‑Membros um dever de aplicarem sanções penais em casos de fraude lesiva dos interesses da União em matéria de imposto sobre o valor acrescentado — pelo menos nos casos de fraude de uma certa gravidade. Este dever é, aqui, de especial importância porque as meras sanções administrativas — em particular coimas e juros de mora — tendo em conta as circunstâncias em que frequentemente se verificam os casos de fraude em matéria de imposto sobre o valor acrescentado, com muita dificuldade poderão ter, por si só, um efeito suficientemente dissuasor. Na verdade, muitas pessoas e empresas que estão envolvidas em fraudes desta natureza encontram‑se em situação financeira extremamente precária.

104. Compete ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se as sanções penais previstas no sistema nacional são «efetivas, proporcionadas e dissuasoras» na aceção do artigo 2.°, n.° 1, da Convenção PIF. A este propósito, aplica‑se o que já acima se referiu (63): a correspondente disposição sancionadora deve ser analisada, em cada caso em que esta questão se coloca, tendo em conta o seu papel no conjunto do regime jurídico, incluindo a tramitação do processo e as suas particularidades nas várias instâncias nacionais.

105. Se um regime nacional de prescrição conduzir a que uma aplicação de sanções efetivas, proporcionadas e dissuasoras seja, na realidade, apenas raramente de esperar devido às características do sistema, isso contraria o dever decorrente para os Estados‑Membros do artigo 2.° da Convenção PIF, de preverem sanções penais adequadas para a fraude lesiva dos interesses financeiros da União.

C –    Os efeitos no litígio no processo principal da eventual incompatibilidade do regime nacional de prescrição com o direito da União

106. Para o caso de o órgão jurisdicional de reenvio, tendo em conta os critérios acima expostos, chegar à conclusão de que as disposições nacionais sobre a prescrição e, em especial, as disposições, citadas no pedido de decisão prejudicial, do artigo 160.°, último parágrafo, do Codice penale, na versão da Lei n.° 251/2005, contrariam o direito da União, deve finalmente analisar‑se que efeitos daí derivam para o processo principal.

107. Segundo jurisprudência constante, os órgãos jurisdicionais nacionais devem garantir a plena eficácia do direito da União (64).

108. Para este fim, incumbe‑lhes, em primeiro lugar, o dever de interpretarem e aplicarem o conjunto do direito nacional de acordo com o direito da União. Os órgãos jurisdicionais nacionais têm, por isso, de interpretar o direito nacional, tanto quanto possível, à luz do texto e da finalidade das disposições pertinentes do direito da União, para alcançar o resultado visado por estas (65). Tendo em consideração o direito nacional no seu conjunto e através da aplicação dos seus métodos de interpretação, os órgãos jurisdicionais devem fazer tudo o que esteja dentro da sua competência para garantir a plena eficácia dos preceitos do direito da União e chegar a um resultado que esteja de acordo com os objetivos pretendidos pelo direito da União (66).

109. Em especial, o órgão jurisdicional de reenvio deve verificar se, através de uma interpretação conforme com o direito da União, pode ser atingido um resultado que conduza a uma suspensão da prescrição enquanto o processo principal esteja a correr os seus trâmites nos tribunais penais italianos — ou pelo menos em determinadas instâncias judiciais.

110. A obrigação de interpretação conforme ao direito da União está limitada, no entanto, pelos princípios gerais do direito e não pode servir de fundamento a uma interpretação contra legem do direito nacional (67).

111. Caso o órgão jurisdicional de reenvio não possa chegar, através da interpretação do direito nacional, a um resultado conforme com o direito da União, então estará obrigado a garantir a plena eficácia do direito da União não aplicando, se necessário e no exercício da sua própria autoridade, qualquer disposição contrária da legislação nacional, mesmo posterior, sem que tenha de pedir ou aguardar a sua revogação prévia por via legislativa ou por qualquer outro procedimento constitucional (68).

112. Se necessário, o órgão jurisdicional de reenvio não deverá aplicar no processo principal uma disposição como a do artigo 160.°, último parágrafo, do Codice penale na versão da Lei n.° 251/2005, quando esta disposição seja a expressão de uma falha sistémica, que impede que seja atingido um resultado conforme ao direito da União devido aos prazos de prescrição excessivamente curtos.

113. Uma análise mais detalhada necessita ainda, no entanto, a questão de saber se tal modo de proceder é contrário aos princípios gerais do direito da União, nomeadamente ao princípio da legalidade das penas (nullum crimen, nulla poena sine lege). Este princípio é um dos princípios gerais de direito na base das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros (69), e tem entretanto, por força do artigo 49.° da Carta dos Direitos Fundamentais, o estatuto de direito fundamental da União. Segundo a exigência de homogeneidade (artigo 52.°, n.° 3, primeiro período, da Carta) importa, ao interpretar o artigo 49.° da Carta, ter em consideração o artigo 7.° da CEDH e a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) proferida a seu propósito.

114. Por força do princípio da legalidade das penas, ninguém pode ser condenado por uma ação ou por uma omissão que, no momento da sua prática, não constituía infração nos termos do direito nacional ou do direito internacional e, além disso, não pode ser imposta uma pena mais grave do que a aplicável no momento em que a infração foi cometida (artigo 49.°, n.° 1, primeiro e segundo períodos, da Carta). Daí deriva o princípio de que as diretivas não podem ser invocadas diretamente para criar ou agravar a responsabilidade penal (70).

115. Mas, ao contrário do que defendem G. Anakiev e o Governo italiano, não há que temer, num caso como o presente, qualquer conflito com o princípio da legalidade das penas. Este princípio exige somente, do ponto de vista do direito substantivo, que a lei defina claramente as infrações e as penas que as punem (71). Ora, as disposições sobre a prescrição não se referem à punibilidade de um comportamento nem à medida da pena mas apenas à possibilidade de procedimento penal por um crime e não estão por isso, de modo nenhum, abrangidas pelo âmbito de aplicação do princípio nullum crimen, nulla poena sine lege (72). Pela mesma razão, também não é aplicável às questões da prescrição o princípio da aplicação retroativa da lei que prevê uma pena mais leve (artigo 49.°, n.° 1, terceiro período, da Carta dos Direitos Fundamentais (73)).

116. Neste aspeto, o presente caso diferencia‑se de resto, fundamentalmente, do processo Berlusconi e o., em que — ao contrário do que aqui acontece — se tratava de uma modificação das disposições de direito substantivo do direito nacional e, em especial, da medida da pena aplicável a determinados factos criminosos, o que, entre outras coisas, conduzia a penas mais reduzidas e que, por isso, tinha indiretamente efeito sobre a prescrição do procedimento penal (74).

117. Perante este contexto, as exigências da legalidade das penas estão plenamente satisfeitas num caso como o presente, pois a punibilidade dos comportamentos imputados aos arguidos e a medida das penas eventualmente aplicáveis continuam a decorrer da lei penal italiana, mais exatamente dos artigos 2.° e 8.° do DLgs 74/2000. A punibilidade ou a medida da pena não resultam, de modo algum, diretamente de disposições do direito da União como os artigos 4.°, n.° 3, TUE e 325.° TFUE, a Diretiva 2006/112, o Regulamento n.° 2988/95 ou a Convenção PIF.

118. Ao contrário do que acontecia no caso Berlusconi e o., a aplicação dos preceitos do direito da União não criaria aqui, per se, quaisquer obrigações para um particular e, em especial, não fundamentaria a punibilidade ou o agravamento da punibilidade dos particulares. A mesma iria apenas libertar — do ponto de vista processual — as autoridades nacionais de limitações contrárias ao direito da União.

119. Do princípio da legalidade das penas não se pode deduzir que as regras aplicáveis sobre a duração, o curso e a interrupção da prescrição se devam orientar obrigatoriamente segundo aquelas disposições legais que estavam em vigor no momento da prática do ato. Não existe neste caso uma confiança legítima, digna de proteção.

120. Antes pelo contrário, o período de tempo dentro do qual um ato criminoso pode ser perseguido pode ser modificado, também depois da sua prática, desde que não tenha ocorrido a prescrição (75). Afinal, não se verifica aqui senão um caso de aplicação de novas disposições processuais a situações de facto que tiveram o seu início no passado mas que ainda não estão concluídas (76).

121. No quadro da autonomia processual dos Estados‑Membros, isto confere, em todos os casos em que ainda não se verificou a prescrição (77), uma margem de apreciação para ter em conta as valorações do direito da União, que os órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros devem utilizar plenamente na aplicação dos respetivos direitos nacionais, tendo em consideração os princípios da equivalência e da efetividade.

122. Não se trata aqui de deduzir novos prazos de prescrição diretamente do direito da União. Além disso, os artigos 4.°, n.° 3, TUE e 325.° TFUE, bem como o Regulamento n.° 2988/95 e a Convenção PIF, não contêm quaisquer regras suficientemente concretas quanto a isso, que permitam uma aplicação direta aos particulares. O mesmo se verifica — desde logo em razão da sua natureza jurídica — no que respeita à Diretiva 2006/112 (78).

123. Antes pelo contrário, uma aplicação concreta, conforme ao direito da União, da duração e do curso dos prazos de prescrição deve resultar do direito nacional. Em todo o caso, o direito da União tem um efeito indireto sobre o litígio no processo principal, na medida em que ajuda o órgão jurisdicional nacional a colocar corretamente os parâmetros de uma aplicação do direito nacional conforme ao direito da União.

124. Não se trata, neste caso, de uma completa supressão da prescrição mas sim da aplicação de um regime de prescrição adequado (79), que torne realista a aplicação de sanções efetivas, proporcionadas e dissuasoras num processo conduzido de forma equitativa e com uma duração razoável (artigo 47.°, segundo parágrafo, da Carta dos Direitos Fundamentais, artigo 6.°, n.° 1, primeiro período, da CEDH).

125. Uma das medidas a que o órgão jurisdicional de reenvio pode recorrer neste contexto seria, em particular, uma aplicação das disposições sobre prescrição sem o prazo absoluto de prescrição previsto no último parágrafo do artigo 160.° do Codice penale, na versão da Lei n.° 251/2005. Como já referi (80), parece que no direito italiano, segundo informações da Comissão na audiência, existem com efeito tipos de crime — alguns também na área da criminalidade financeira — aos quais não se aplica o prazo absoluto de prescrição.

126. Em alternativa seria possível pensar no recurso ao prolongamento de um terço dos prazos de prescrição para crimes fiscais, entretanto sujeitos a um novo regime (81), que resultam agora na Itália da Lei n.° 148/2011 (82). Finalmente, poderiam considerar‑se como ainda aplicáveis no presente caso as anteriores regras de prescrição, tal como constavam do Codice penale na sua versão anterior à Lei n.° 251/2005.

127. Qual dos diferentes caminhos deve ser percorrido é, em última análise, uma questão do direito nacional e da sua interpretação, cuja apreciação compete exclusivamente ao juiz nacional. Do ponto de vista do direito da União é, quanto a isto, somente de ter em conta que a solução a aplicar seja encontrada num processo equitativo (artigo 47.°, segundo parágrafo, da Carta dos Direitos Fundamentais, artigo 6.°, n.° 1, primeiro período, da CEDH), de forma não discriminatória e com base em critérios claros, compreensíveis e aplicáveis de forma geral.

VII – Conclusão

128. Face ao exposto, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais apresentadas pelo Tribunale di Cuneo do seguinte modo:

«1)      Os artigos 4.°, n.° 3, TUE e 325.° TFUE, o Regulamento (CE, EURATOM) n.° 2988/95 e a Diretiva 2006/112/CE devem ser interpretados no sentido de que obrigam os Estados‑Membros a prever, para as infrações em matéria de imposto sobre o valor acrescentado, sanções efetivas, proporcionadas e dissuasoras.

2)      O artigo 2.°, n.° 1, da Convenção relativa à proteção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias, assinada no Luxemburgo em 26 de julho de 1995, obriga os Estados‑Membros a punir fraudes em matéria de imposto sobre o valor acrescentado através de sanções penais efetivas, proporcionadas e dissuasoras, que devem incluir, pelo menos nos casos de fraude grave, penas privativas de liberdade.

3)      Um regime nacional de prescrição do procedimento que, por razões sistémicas, conduz, em numerosos casos, à impunidade dos responsáveis pelas fraudes em matéria de imposto sobre o valor acrescentado, é incompatível com os referidos preceitos do direito da União. Esse regime não deve ser aplicado pelos órgãos jurisdicionais nacionais nos processos criminais pendentes.»


1 —      Língua original: alemão.


2 —      V. artigo 2.°, n.° 1, alínea b), da Decisão 2007/436/CE, Euratom do Conselho, de 7 de junho de 2007, relativa ao sistema de recursos próprios das Comunidades Europeias (JO L 163, p. 17), a seguir «Decisão sobre recursos próprios».


3 —      Acórdão Berlusconi e o. (C‑387/02, C‑391/02 e C‑403/02, EU:C:2005:270).


4 —      Regulamento (CE, EURATOM) n.° 2988/95 do Conselho, de 18 de dezembro de 1995, relativo à proteção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias (JO L 312, p. 1).


5 —      Convenção relativa à proteção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias, assinada no Luxemburgo em 26 de julho de 1995 (JO C 316, p. 49). A abreviatura «PIF» corresponde à expressão francesa «protection des intérêts financiers» («proteção dos interesses financeiros»).


6 —      Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO L 347, p. 1).


7 —      Tratado da União Europeia na versão do Tratado de Maastricht.


8 —      JO 1995, C 316, p. 48.


9 —      Código Penal.


10 —      GURI n.° 285 de 7 de dezembro de 2005.


11 —      Decreto‑Lei ou Decreto legislativo.


12 —      O DLgs 74/2000 tem o título «Nuova disciplina dei reati in materia di imposte sui redditi e sul valore aggiunto» (Novo regime dos crimes em matéria de impostos sobre o rendimento e sobre o valor acrescentado) e está publicado no GURI [Jornal Oficial da República Italiana] n.° 76 de 31 de março de 2000.


13 —      Em alemão: «verschwundene Händler» [operadores fictícios]; o que significa sociedades dedicadas exclusivamente a emitir documentação fiscal com o objetivo de defraudar o fisco.


14 —      Na língua do processo: udienza preliminare.


15 —      O Tribunale di Mondovi foi entretanto agregado ao Tribunale di Cuneo.


16 —      Giudice dell’Udienza Preliminare.


17 —      Excluídas desta competência para decisão a título prejudicial estão apenas determinadas partes do direito da União que dizem respeito às disposições relativas à política externa e de segurança comum (artigo 24.°, n.° 1, segundo parágrafo, sexto período, TUE e artigo 275.°, n.° 1, TFUE).


18 —      Acórdãos Cowan (186/87, EU:C:1989:47, n.° 19), Placanica (C‑338/04, C‑359/04 e C‑360/04, EU:C:2007:133, n.° 68) e Achughbabian (C‑329/11, EU:C:2011:807, n.° 33).


19 —      Acórdão Åkerberg Fransson (C‑617/10, EU:C:2013:105, n.os 27 e 28).


20 —      Tratado da União Europeia na versão do Tratado de Maastricht.


21 —      Protocolo n.° 36 ao Tratado da União Europeia e ao Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (JO 2008, C 115, p. 322).


22 —      V. neste sentido, acórdão Weryński (C‑283/09, EU:C:2011:85, n.os 30 e 31).


23 —      Protocolo relativo à interpretação a título prejudicial pelo Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias da Convenção relativa à proteção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias assinado em Bruxelas, em 29 de novembro de 1996 (JO 1997, C 151, p. 1). Tal como a própria Convenção PIF, este Protocolo Adicional foi celebrado com base no n.° 2, alínea c), do artigo K3 do Tratado da União Europeia e entrou em vigor em 17 de outubro de 2002.


24 —      Tratado da União Europeia na versão do Tratado de Amsterdão.


25 —      V., por um lado, a declaração da República Italiana nos termos do artigo 35.°, n.os 2 e 3, alínea b), do Tratado da União Europeia (notificação no JO 1999, L 114, p. 56) e, por outro, a declaração da República Italiana de 19 de julho de 2002 nos termos do Protocolo Adicional à Convenção PIF, cujo texto está acessível no seguinte endereço Internet do Conselho da União Europeia (consultado pela última vez em 20 de fevereiro de 2015): http://www.consilium.europa.eu/fr/documents‑publications/agreements‑conventions/ratification/?v=decl&aid=1996090&pid=I.


26 —      Acórdãos Beck e Bergdorf (C‑355/97, EU:C:1999:391, n.° 22), Régie Networks (C‑333/07, EU:C:2008:764, n.° 46) e Križan e o. (C‑416/10, EU:C:2013:8, n.° 54).


27 —      Acórdãos Bosman (C‑415/93, EU:C:1995:463, n.° 61), Beck e Bergdorf (C‑355/97, EU:C:1999:391, n.° 22), Régie Networks (C‑333/07, EU:C:2008:764, n.° 46) e Križan e o. (C‑416/10, EU:C:2013:8, n.os 53 e 54).


28 —      V. nomeadamente, acórdãos Berlusconi e o. (C‑387/02, C‑391/02 e C‑403/02, EU:C:2005:270) e Åkerberg Fransson (C‑617/10, EU:C:2013:105).


29 —      V., neste sentido, acórdão Berlusconi e o. (C‑387/02, C‑391/02 e C‑403/02, EU:C:2005:270) e o despacho Mulliez e o. (C‑23/03, C‑52/03, C‑133/03, C‑337/03 e C‑473/03, EU:C:2006:285), nos quais o Tribunal de Justiça não gastou uma palavra sobre as questões de admissibilidade suscitadas pelos diferentes intervenientes do processo tendo, pelo contrário, respondido imediatamente quanto ao conteúdo das questões prejudiciais.


30 —      V., a este respeito, n.os 57 a 72 das presentes conclusões, infra.


31 —      No mesmo sentido respondeu o Tribunal de Justiça no acórdão E e F (C‑550/09, EU:C:2010:382) ao pedido de decisão prejudicial de um órgão jurisdicional alemão que, do mesmo modo, com base na acusação do Ministério Público, se encontrava na fase inicial de um processo penal. V., além disso, em geral, os acórdãos AGM‑COS.MET (C‑470/03, EU:C:2007:213, n.° 45) e Coleman (C‑303/06, EU:C:2008:415, n.os 28 a 32).


32 —      Acórdãos Asjes e o. (209/84 a 213/84, EU:C:1986:188, n.os 71 e 72), Vlaamse Reisbureaus (311/85, EU:C:1987:418, n.° 10), Cipolla e o. (C‑94/04 e C‑202/04, EU:C:2006:758, n.os 46 e 47) bem como API e o. (C‑184/13 a C‑187/13, C‑194/13, C‑195/13 e C‑208/13, EU:C:2014:2147, n.os 28 e 29).


33 —      V. neste sentido, acórdãos Alemanha/Comissão (C‑156/98, EU:C:2000:467, n.° 22), Comissão/Government of Gibraltar e Reino Unido (C‑106/09 P e C‑107/09 P, EU:C:2011:732, n.os 72 e 73), 3M Itália (C‑417/10, EU:C:2012:184, n.os 41 a 44) e P (C‑6/12, EU:C:2013:525, n.° 18).


34 —      A este propósito, infra, n.os 74 a 121 destas conclusões.


35 —      A última circunstância foi salientada no acórdão Caja de Ahorros y Monte de Piedad de Madrid (C‑484/08, EU:C:2010:309, n.° 46), em relação ao princípio assente, também no artigo 119.° TFUE, de uma economia de mercado aberto e de livre concorrência.


36 —      V., no mesmo sentido, acórdão Échirolles Distribution (C‑9/99, EU:C:2000:532, n.° 25), também com vista ao princípio, ancorado no artigo 119.° TFUE, de uma economia de mercado aberto e de livre concorrência.


37 —      Acórdãos Franzén (C‑189/95, EU:C:1997:504, n.° 79) e Belgian Electronic Sorting Technology (C‑657/11, EU:C:2013:516, n.° 28) bem como despacho Szabó (C‑204/14, EU:C:2014:2220, n.° 16).


38 —      Acórdãos Alsatel (247/86, EU:C:1988:469, n.os 7 e 8) e Hennen Olie (C‑302/88, EU:C:1990:455, n.° 20); v., além disso, mais recentemente, as conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi no processo Wagner‑Raith (C‑560/13, EU:C:2014:2476, n.os 16 a 48).


39 —      Acórdãos SARPP (C‑241/89, EU:C:1990:459, n.° 8), Ritter‑Coulais (C‑152/03, EU:C:2006:123, n.° 29), Promusicae (C‑275/06, EU:C:2008:54, n.° 42), Aventis Pasteur (C‑358/08, EU:C:2009:744, n.° 50) e Centre public d’action sociale d’Ottignies‑Louvain‑La‑Neuve (C‑562/13, EU:C:2014:2453, n.° 37).


40 —      Acórdãos Comissão/República Helénica (68/88, EU:C:1989:339, n.° 24), Berlusconi e o. (C‑387/02, C‑391/02 e C‑403/02, EU:C:2005:270, n.° 65), Adeneler e o. (C‑212/04, EU:C:2006:443, n.° 94) e Fiamingo e o. (C‑362/13, C‑363/13 e C‑407/13, EU:C:2014:2044, n.os 62 e 64).


41 —      Acórdãos Comissão/República Helénica (68/88, EU:C:1989:339, n.os 23 e 24) e Berlusconi e o. (C‑387/02, C‑391/02 e C‑403/02, EU:C:2005:270, n.os 64 e 65); v. no mesmo sentido, acórdão SGS Belgium e o. (C‑367/09, EU:C:2010:648, n.° 41).


42 —      Acórdão Åkerberg Fransson (C‑617/10, EU:C:2013:105, n.os 25 e 36).


43 —      Artigo 2.°, n.° 1, alínea b), da Decisão relativa ao sistema de recursos próprios; v., complementarmente, acórdãos Comissão/Itália (C‑132/06, EU:C:2008:412, n.° 39) e Belvedere Costruzioni (C‑500/10, EU:C:2012:186, n.° 22), bem como acórdão Comissão/Alemanha (C‑539/09, EU:C:2011:733, n.os 71 e 72).


44 —      Acórdão Åkerberg Fransson (C‑617/10, EU:C:2013:105, n.os 26 e 36).


45 —      V., a este respeito, n.os 92 a 105 destas conclusões.


46 —      Acórdão Åkerberg Fransson (C‑617/10, EU:C:2013:105, n.° 34). Resulta do artigo 6.° do Regulamento n.° 2988/95 que os Estados‑Membros têm a faculdade de aplicar sanções penais.


47 —      Neste sentido — ainda que noutro contexto — acórdãos Colson e Kamann (14/83, EU:C:1984:153, n.° 28), Adeneler e o. (C‑212/04, EU:C:2006:443, n.os 102 a 104) e Fiamingo e o. (C‑362/13, C‑363/13 e C‑407/13, EU:C:2014:2044, n.° 61 in fine).


48 —      V., desde logo, as minhas conclusões Berlusconi e o. (C‑387/02, C‑391/02 e C‑403/02, EU:C:2004:624, n.° 91).


49 —      V., a este respeito, de novo, as minhas conclusões Berlusconi e o. (C‑387/02, C‑391/02 e C‑403/02, EU:C:2004:624, n.° 107).


50 —      V. as minhas conclusões Berlusconi e o. (C‑387/02, C‑391/02 e C‑403/02, EU:C:2004:624, n.° 108).


51 —      O artigo 6.° do Regulamento n.° 2988/95 concede aos Estados‑Membros esta possibilidade.


52 —      Acórdão Belvedere Costruzioni (C‑500/10, EU:C:2012:186, n.° 28).


53 —      Acórdão Comissão/Itália (C‑132/06, EU:C:2008:412, n.os 43 a 47 e 52).


54 —      No mesmo sentido, as minhas conclusões no caso Berlusconi e o. (C‑387/02, C‑391/02 e C‑403/02, EU:C:2004:624, n.° 110).


55 —      Relatório explicativo da convenção relativa à proteção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias, aprovado pelo Conselho em 26 de maio de 1997 (JO 1997, C 191, p. 1); v., em especial, os comentários ao artigo 1.°, n.° 1, da Convenção (JO 1997, C 191, p. 4, último parágrafo).


56 —      No entendimento do Governo alemão apenas um projeto legislativo da Comissão ainda pendente conduziria à inclusão do imposto sobre o valor acrescentado no círculo das matérias para as quais o direito da União impõe aos Estados‑Membros a obrigação de introduzirem sanções penais: Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à proteção penal dos interesses financeiros da Comunidade, COM(2001), 272 final. (JO C 240 E, p. 125).


57 —      Acórdãos Antonissen (C‑292/89, EU:C:1991:80, n.° 18), Skov e Bilka (C‑402/03, EU:C:2006:6, n.° 42) e Quelle (C‑404/06, EU:C:2008:231, n.° 32).


58 —      V. quanto a isto, a passagem do relatório explicativo no JO 1997, C 191, p. 4, último parágrafo.


59 —      Artigo 2.°, n.° 1, alínea b), da decisão sobre recursos próprios.


60 —      Acórdãos Comissão/Alemanha (C‑539/09, EU:C:2011:733, n.° 72) e Åkerberg Fransson (C‑617/10, EU:C:2013:105, n.° 26).


61 —      Primeiro e segundo considerandos do Ato do Conselho que estabelece a Convenção PIF (JO 1995, C 316, p. 48).


62 —      Acórdão Comissão/Bélgica (C‑437/04, EU:C:2007:178, n.° 56 in fine).


63 —      V. supra, n.os 86 a 90 destas conclusões.


64 —      Parecer 1/09 (EU:C:2011:123, n.° 68); em especial para as diretivas, v. além disso, designadamente, o acórdão Kücükdeveci (C‑555/07, EU:C:2010:21, n.° 48).


65 —      Sobre a interpretação conforme do direito primário v. acórdãos Murphy e o. (157/86, EU:C:1988:62, n.° 11) e ITC (C‑208/05, EU:C:2007:16, n.° 68); quanto à interpretação do direito derivado v. acórdãos Marleasing (C‑106/89, EU:C:1990:395, n.° 8), Pfeiffer e o. (C‑397/01 a C‑403/01, EU:C:2004:584, n.° 113), Dominguez (C‑282/10, EU:C:2012:33, n.° 24) e Asociaţia Accept (C‑81/12, EU:C:2013:275, n.° 71).


66 —      Acórdãos Pfeiffer e o. (C‑397/01 a C‑403/01, EU:C:2004:584, n.os 115 a 119), Adeneler e o. (C‑212/04, EU:C:2006:443, n.° 111), Dominguez (C‑282/10, EU:C:2012:33, n.° 27), Association de médiation sociale (C‑176/12, EU:C:2014:2, n.° 38) e Schoenimport «Italmoda» Mariano Previti (C‑131/13, C‑163/13 e C‑164/13, EU:C:2014:2455, n.° 52); no mesmo sentido, acórdão de 10 de abril de 1984, von Colson e Kamann (14/83, EU:C:1984:153, n.° 28: «dentro da margem de apreciação que lhe é concedida pelo direito nacional»).


67 —      Acórdão Association de médiation sociale (C‑176/12, EU:C:2014:2, n.° 39); v., além disso, acórdãos Kolpinghuis Nijmegen (80/86, EU:C:1987:431, n.° 13) e Adeneler e o. (C‑212/04, EU:C:2006:443, n.° 110).


68 —      Acórdãos Simmenthal (106/77, EU:C:1978:49, n.os 21 e 24), Melki e Abdeli (C‑188/10 e C‑189/10, EU:C:2010:363, n.° 43) e Åkerberg Fransson (C‑617/10, EU:C:2013:105, n.° 45).


69 —      Acórdãos Advocaten voor de Wereld (C‑303/05, EU:C:2007:261, n.° 49) e Intertanko e o. (C‑308/06, EU:C:2008:312, n.° 70).


70 —      Acórdãos X (14/86, EU:C:1987:275, n.° 20), Kolpinghuis Nijmegen (80/86, EU:C:1987:431, n.° 13), X (C‑74/95 e C‑129/95, EU:C:1996:491, n.° 24), Berlusconi e o. (C‑387/02, C‑391/02 e C‑403/02, EU:C:2005:270, n.° 74), bem como Grøngaard e Bang (C‑384/02, EU:C:2005:708, n.° 30).


71 —      Acórdãos Advocaten voor de Wereld (C‑303/05, EU:C:2007:261, n.° 50), Intertanko e o. (C‑308/06, EU:C:2008:312, n.° 71) e Lafarge/Comissão (C‑413/08 P, EU:C:2010:346, n.° 94).


72 —      Veja‑se quanto a isto, o acórdão do TEDH de 22 de junho de 2000, Coëme e o./Bélgica (recurso n.° 32492/96 e o., Recueil des arrêts et décisions 2000‑VII, n.° 149), e de 17 de setembro de 2009, Scoppola/Itália (n.° 2) (recurso n.° 10249/03, n.° 110); na sequência do acórdão do TEDH Coëme e o./Bélgica: Tribunal Constitucional italiano (Corte costituzionale), acórdão n.° 236 de 19 de julho de 2011, n.° 15; no mesmo sentido, já anteriormente, o Tribunal Constitucional alemão (BVerfGE 25, 269, 286 e segs.).


73 —      Quanto à consagração deste princípio nas tradições constitucionais comuns dos Estados‑Membros bem como nos princípios gerais fundamentais do direito da União veja‑se, além disso, o acórdão Berlusconi e o. (C‑387/02, C‑391/02 e C‑403/02, EU:C:2005:270, n.os 68 e 69), bem como as minhas conclusões nesse processo (EU:C:2004:624, n.os 155 a 157). Recentemente, também o TEDH reconheceu este princípio no quadro do artigo 7.° CEDH (acórdão de 17 de setembro de 2009, Scoppola/Itália [n.° 2], recurso n.° 10249/03, n.os 105 a 109).


74 —      V. acórdão Berlusconi e o. (C‑387/02, C‑391/02 e C‑403/02, EU:C:2005:270, n.os 18 a 22) bem como as minhas conclusões nesse processo (EU:C:2004:624, n.° 31).


75 —      Acórdão do TEDH de 22 de junho de 2000, Coëme e o./Bélgica (recurso n.° 32492/96 e o., Recueil des arrêts et décisions 2000‑VII, n.° 149).


76 —      V. sobre isto, acórdãos Meridionale Industria Salumi e o. (212/80 a 217/80, EU:C:1981:270, n.° 9), Pokrzeptowicz‑Meyer (C‑162/00, EU:C:2002:57, n.° 49), Molenbergnatie (C‑201/04, EU:C:2006:136, n.° 31) e Comissão/Espanha (C‑610/10, EU:C:2012:781, n.° 45), bem como as minhas conclusões no processo Comissão/Moravia Gas Storage (C‑596/13 P, EU:C:2014:2438, n.os 28 a 31).


77 —      No caso do arguido G. Anakiev, os factos que são objeto da acusação já estarão prescritos, de acordo com a informação do órgão jurisdicional de reenvio.


78 —      Acórdãos Arcaro (C‑168/95, EU:C:1996:363, n.° 36), X (C‑74/95 e C‑129/95, EU:C:1996:491, n.° 23) e Berlusconi e o. (C‑387/02, C‑391/02 e C‑403/02, EU:C:2005:270, n.° 73).


79 —      V., a este respeito, n.os 87 e 88 das presentes conclusões, supra.


80 —      V., a este respeito, n.° 81 destas conclusões.


81 —      O arguido G. Anakiev referiu este novo regime no processo perante o Tribunal de Justiça.


82 —      V., em especial, artigo 2.°, n.° 36‑vicies semel, alínea l (GURI n.° 216, de 16 de setembro de 2011).