Language of document : ECLI:EU:C:2019:767

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

19 de setembro de 2019 (*)

«Reenvio prejudicial — Segurança social dos trabalhadores migrantes — Regulamento (CEE) n.o 1408/71 — Artigo 13.o — Legislação aplicável — Residente de um Estado‑Membro abrangido pelo âmbito de aplicação do Regulamento (CEE) n.o 1408/71 — Prestação relativa ao regime de seguro de velhice ou às prestações familiares — Estado‑Membro de residência e Estado‑Membro de emprego — Recusa»

Nos processos apensos C-95/18 e C-96/18,

que têm por objeto dois pedidos de decisão prejudicial apresentados, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Hoge Raad der Nederlanden (Supremo Tribunal dos Países Baixos), por Decisões de 2 de fevereiro de 2018, que deram entrada no Tribunal de Justiça em 9 de fevereiro de 2018, nos processos

Sociale Verzekeringsbank

contra

F. van den Berg (C‑95/18),

H. D. Giesen (C‑95/18),

C. E. Franzen (C‑96/18),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: M. Vilaras, presidente de secção, K. Jürimäe (relatora), D. Šváby, S. Rodin e N. Piçarra, juízes,

advogado‑geral: E. Sharpston,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 23 de janeiro de 2019,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Sociale Verzekeringsbank, por H. van der Most e N. Abdoelbasier,

–        em representação de F. van den Berg, por E. C. Spiering,

–        em representação do Governo neerlandês, por M. K. Bulterman, H. S. Gijzen e L. Noort, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo checo, por M. Smolek, J. Pavliš e J. Vláčil, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo sueco, por A. Falk, C. Meyer‑Seitz, H. Shev, L. Zettergren e A. Alriksson, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por M. van Beek e D. Martin, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 26 de março de 2019,

profere o presente

Acórdão

1        Os pedidos de decisão prejudicial têm por objeto a interpretação dos artigos 45.o e 48.o TFUE, bem como dos artigos 13.o e 17.o do Regulamento (CEE) n.o 1408/71 do Conselho, de 14 de junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, na sua versão alterada e atualizada pelo Regulamento (CE) n.o 118/97 do Conselho, de 2 de dezembro de 1996 (JO 1997, L 28, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 1992/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de dezembro de 2006 (JO 2006, L 392, p. 1) (a seguir «Regulamento n.o 1408/71»).

2        Estes pedidos foram apresentados no âmbito dos litígios que opõem a Sociale Verzekeringsbank (Instituto da Segurança Social, Países Baixos) (a seguir «SVB») a F. van den Berg, H. D. Giesen e C. E. Franzen a respeito de decisões pelas quais o SVB reduziu, respetivamente, a pensão de velhice e o complemento para o cônjuge concedidos a F. van den Berg e H. D. Giesen e recusou conceder a C. E. Franzen prestações familiares.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        Nos termos do primeiro, quarto a sexto e oitavo a décimo primeiro considerandos do Regulamento n.o 1408/71:

«Considerando que as normas de coordenação das legislações nacionais sobre segurança social se inscrevem no âmbito da livre circulação das pessoas e que devem, por isso, contribuir para a melhoria do nível de vida e das condições de emprego;

[…]

Considerando que convém respeitar as características específicas das legislações nacionais de segurança social e elaborar unicamente um sistema de coordenação;

Considerando que é conveniente, no âmbito desta coordenação, garantir no interior da [União] aos trabalhadores dos Estados‑Membros, às pessoas que deles dependam e aos seus sobreviventes, a igualdade de tratamento perante as diferentes legislações nacionais.

Considerando que as normas de coordenação devem garantir aos trabalhadores que se deslocam no interior da [União], às pessoas que deles dependam e aos seus sobreviventes, a manutenção dos direitos e das regalias adquiridas e em vias de aquisição;

[…]

Considerando que convém subordinar os trabalhadores assalariados e não assalariados que se deslocam no interior [da União] ao regime de segurança social de um único Estado‑Membro, por forma a evitar a cumulação de legislações nacionais aplicáveis e os problemas que daí podem decorrer;

Considerando que importa limitar na medida do possível o número e o âmbito dos casos em que, por derrogação à regra geral, uma pessoa está sujeita simultaneamente à legislação de dois Estados‑Membros;

Considerando que, para melhor garantir a igualdade de tratamento de todos os trabalhadores ocupados no território de um Estado‑Membro, é conveniente determinar como legislação aplicável, em regra geral, a legislação do Estado‑Membro em cujo território o interessado exerce a sua atividade assalariada ou não assalariada;

Considerando que convém derrogar esta regra geral em situações específicas que justifiquem outro critério de conexão».

4        O artigo 1.o deste regulamento dispõe:

«Para efeitos de aplicação do presente regulamento:

a)      As expressões “trabalhador assalariado” e “trabalhador não assalariado” designam respetivamente qualquer pessoa:

i)      que esteja abrangida por um seguro obrigatório ou facultativo continuado contra uma ou mais eventualidades correspondentes aos ramos de um regime de segurança social aplicável aos trabalhadores assalariados ou não assalariados ou de um regime especial dos funcionários públicos.

ii)      que esteja abrangida por um seguro obrigatório contra uma ou mais eventualidades correspondentes aos ramos a que se aplica o presente regulamento, no âmbito de um regime de segurança social aplicável a todos os residentes ou ao conjunto da população ativa:

–        quando os modos de gestão ou financiamento desse regime permitem identificá‑la como trabalhador assalariado ou não assalariado,

ou

–        na falta de tais critérios, quando estiver abrangida por um seguro obrigatório ou facultativo continuado contra uma outra eventualidade mencionada no anexo I, no âmbito de um regime organizado em benefício dos trabalhadores assalariados ou não assalariados, ou por um dos regimes referidos na subalínea iii) ou, na ausência de um tal regime no Estado‑Membro em causa, quando a pessoa corresponder à definição apresentada no anexo I;

[…]»

5        O artigo 2.o, n.o 1, do referido regulamento, com a epígrafe «Pessoas abrangidas», prevê:

«O presente regulamento aplica‑se aos trabalhadores assalariados ou não assalariados e aos estudantes que estejam ou tenham estado sujeitos à legislação de um ou vários Estados‑Membros e sejam nacionais de um dos Estados‑Membros, ou sejam apátridas ou refugiados residentes no território de um dos Estados‑Membros, bem como aos membros e membros sobrevivos da sua família.»

6        Nos termos do artigo 4.o, n.o 1, do mesmo regulamento:

«O presente regulamento aplica‑se a todas as legislações relativas aos ramos da segurança social que digam respeito a:

a)      Prestações de doença e de maternidade;

b)      prestações de invalidez, incluindo as que são destinadas a manter ou a melhorar a capacidade de ganho;

c)      Prestações de velhice;

d)      Prestações de sobrevivência;

e)      Prestações por acidente de trabalho e por doença profissional;

f)      Subsídios por morte;

g)      Prestações de desemprego;

h)      Prestações familiares.»

7        O título II do Regulamento n.o 1408/71, com a epígrafe «Determinação da legislação aplicável», inclui o artigo 13.o que enuncia:

«1.      Sem prejuízo do disposto nos artigos 14.o‑C e 14.o‑F, as pessoas às quais se aplica o presente regulamento apenas estão sujeitas à legislação de um Estado‑Membro. Esta legislação é determinada em conformidade com as disposições do presente título.

2.      Sem prejuízo dos artigos 14.o a 17.o:

a)      a pessoa que exerça uma atividade assalariada no território de um Estado‑Membro está sujeita à legislação desse Estado, mesmo se residir no território de outro Estado‑Membro ou se a empresa ou entidade patronal que a emprega tiver a sua sede ou domicílio no território de outro Estado‑Membro;

[…]

f)      A pessoa à qual a legislação de um Estado‑Membro deixa de ser aplicável, sem que lhe seja aplicável a legislação de um outro Estado‑Membro em conformidade com uma das regras enunciadas nas alíneas precedentes ou com uma das exceções ou regras especiais constantes dos artigos 14.o a 17.o, está sujeita à legislação do Estado‑Membro no território do qual reside, de acordo com as disposições desta legislação.»

8        Nos termos do artigo 17.o desse regulamento:

«Dois ou mais Estados‑Membros, as autoridades competentes desses Estados ou os organismos designados por essas autoridades podem estabelecer, de comum acordo, exceções ao disposto nos artigos 13.o a 16.o, no interesse de certas categorias de pessoas ou de certas pessoas.»

 Direito neerlandês

 AOW

9        Nos termos do artigo 2.o da Algemene Ouderdomswet (Lei que Estabelece o Regime Geral do Seguro de Velhice), de 31 de maio de 1956 (Stb. 1956, n.o 281; a seguir «AOW»), considera‑se «residente», na aceção desta lei, a pessoa que reside nos Países Baixos.

10      O artigo 3.o, n.o 1, da AOW dispõe que o local de residência de uma pessoa é determinado consoante as circunstâncias de cada caso.

11      O artigo 6.o, n.o 1, alínea a), da AOW prevê que é segurada, em conformidade com as disposições desta lei, qualquer pessoa que ainda não tenha atingido a idade da reforma e seja residente. O n.o 3 deste artigo 6.o precisa que, em derrogação aos n.os 1 e 2 do mesmo artigo, o número de pessoas abrangidas pode ser alargado ou limitado por decreto regulamentar.

12      A Lei de 29 de abril de 1998 (Stb. 1998, n.o 267) acrescentou um artigo 6.o‑A à AOW, aplicável com efeitos retroativos em 1 de janeiro de 1989, nos termos do qual:

«Se necessário, em derrogação do artigo 6.o da AOW e das disposições nele baseadas,

a)      é considerada abrangida a pessoa cuja inscrição ao abrigo desta lei resulta da aplicação das disposições de um tratado ou de uma decisão de uma organização internacional;

b)      não é considerada abrangida a pessoa sujeita à legislação de outro Estado ao abrigo de um tratado ou de uma decisão de uma organização internacional.»

13      O artigo 13.o, n.o 1, alínea a), da AOW prevê que é aplicada uma redução de 2 % sobre o montante da pensão por cada ano civil em que o pensionista, após atingir a idade de 15 anos mas antes de atingir a idade de 65 anos, não esteve abrangido por um regime de segurança social.

14      O n.o 2, alínea a), do referido artigo 13.o prevê que é aplicada uma redução de 2 % à prestação ilíquida por cada ano civil em que o cônjuge do pensionista, após atingir a idade de 15 anos mas antes de atingir a idade de 65 anos, não esteve abrangido por um regime de segurança social.

15      Nos termos do artigo 45.o, n.o 1, primeira frase, da AOW, na sua redação de 1 de abril de 1985, os segurados e os antigos segurados podem, nos casos, nas condições e segundo as taxas a determinar por decreto regulamentar, pagar contribuições relativamente aos períodos em que não estiveram abrangidos por um regime de segurança social após atingirem a idade de 15 anos mas antes de atingirem a idade de 65 anos.

16      Nos termos desta mesma disposição, como dispunha em 1 de janeiro de 1990, os segurados e os antigos segurados podiam, nos casos, nas condições e em conformidade com as taxas a determinar por decreto regulamentar, inscrever‑se voluntariamente relativamente a períodos em que não estiveram abrangidos por um regime de segurança social após atingirem a idade de 15 anos mas antes de atingirem a idade de 65 anos.

 AKW

17      Os artigos 2.o e 3.o, n.o 1, da Algemene Kinderbijslagwet (Lei Geral Relativa às Prestações Familiares), de 26 de abril de 1962 (Stb. 1962, n.o 160; a seguir «AKW») correspondem, quanto ao respetivo conteúdo, aos artigos 2.o e 3.o, n.o 1, da AOW.

18      Nos termos do artigo 6.o, n.o 1, alínea a), da AKW, na sua versão aplicável ao litígio no processo principal, em conformidade com as disposições desta lei, é segurada do regime de segurança social qualquer pessoa que tenha a qualidade de residente.

19      O artigo 6.o‑A, alínea b), da AKW, na sua versão aplicável ao litígio no processo principal, prevê que, se necessário, em derrogação do artigo 6.o da AKW e das disposições nele baseadas, não é considerada segurada a pessoa sujeita à legislação de outro Estado ao abrigo de um tratado ou de uma decisão de uma organização internacional.

 Decretos relativos à extensão e à limitação do número de segurados abrangidos pelos regimes de segurança social

20      Durante o período em causa nos processos principais, foram adotadas diversas versões sucessivas do Besluit uitbreiding en beperking kring verzekerden volksverzekeringen (Decreto relativo à extensão e à limitação do número de segurados do regime geral obrigatório da segurança social) ao abrigo do artigo 6.o, n.o 3, da AOW e do artigo 6.o, n.o 3, da AKW. Assim, são sucessivamente aplicáveis às circunstâncias em causa no processo principal o Decreto de 19 de outubro de 1976 (Stb. 557; a seguir «BUB 1976»), o Decreto de 3 de maio de 1989 (Stb. 164; a seguir «BUB 1989») e o Decreto de 24 de dezembro de 1998 (Stb. 746; a seguir «BUB 1999»).

21      Nos termos do artigo 2.o, n.o 1, alínea a), do BUB 1976, não é considerado «segurado», na aceção, nomeadamente, da AOW, o residente que exerça uma atividade assalariada fora dos Países Baixos e que, a esse título, esteja abrangido por um regime de segurança social estrangeiro em matéria de prestações de velhice e de morte e em matéria de prestações familiares em vigor no país onde trabalha.

22      O BUB 1976 foi substituído pelo BUB 1989 cujo artigo 10.o, n.o 1, na sua versão aplicável de 1 de julho de 1989 a 1 de janeiro de 1992, previa que «não é segurado da segurança social o residente que trabalhe exclusivamente fora dos Países Baixos». Para o período entre 1 de janeiro de 1992 e 1 de janeiro de 1997, esta mesma disposição do BUB 1989 enunciava que «não é segurado da segurança social o residente que, durante um período ininterrupto mínimo de três meses, trabalhe exclusivamente fora dos Países Baixos». Nos termos da sua redação aplicável de 1 de janeiro de 1997 a 1 de janeiro de 1999, o artigo 10.o, n.o 1, do BUB 1989 dispunha que «não é segurado da segurança social o residente que, durante um período ininterrupto mínimo de três meses, trabalhe exclusivamente fora dos Países Baixos, salvo se trabalhar ao abrigo de uma relação laboral com um empregador residente ou estabelecido nos Países Baixos».

23      Em 1 de janeiro de 1999, o BUB 1989 foi substituído pelo BUB 1999. O artigo 12.o deste último prevê que «não é segurada pelo regime de segurança social a pessoa que resida nos Países Baixos e que, durante um período ininterrupto mínimo de três meses, trabalhe exclusivamente fora dos Países Baixos, salvo se trabalhar exclusivamente ao abrigo de uma relação laboral com um empregador residente ou estabelecido nos Países Baixos».

24      Tanto o BUB 1989 como o BUB 1999 continham uma cláusula de equidade, nos seus artigos 25.o e 24.o, respetivamente, que habilitava o SVB, no âmbito do BUB 1989, a derrogar, em determinadas situações, outras disposições desse decreto, a fim de corrigir injustiças muito graves que pudessem resultar da obrigação de inscrição ou da sua exclusão por força do referido decreto, ou, no âmbito do BUB 1999, a excluir a aplicação das disposições que constam do referido decreto ou ainda a derrogá‑las desde que essa aplicação, tendo em conta a importância da extensão ou da limitação do número de segurados abrangidos, conduzisse a uma injustiça muito grave e decorresse exclusivamente da obrigação de inscrição ou da sua exclusão, por força desse segundo decreto.

 Litígios no processo principal e questões prejudiciais

25      Os recorridos nos processos principais são todos de nacionalidade neerlandesa e residem nos Países Baixos.

 Processo C95/18

26      A esposa de H. D. Giesen trabalhou na Alemanha durante 1970 e, novamente, no período compreendido entre 19 de maio de 1988 e 12 de maio de 1993 como «geringfügig Beschäftigte», isto é, como pessoa que exerce uma atividade precária. Trabalhou, designadamente, como vendedora numa loja de vestuário e exerceu a sua atividade ao abrigo de um contrato de trabalho ocasional durante um número de horas mensais, que não ultrapassava o equivalente a dois ou três dias por mês.

27      Em 22 de setembro de 2006, H. D. Giesen apresentou um pedido de pensão de velhice e de complemento para o cônjuge ao abrigo da AOW, que o SVB deferiu por Decisão de 3 de outubro de 2007. No entanto, o complemento para o cônjuge foi reduzido em 16 %, uma vez que, durante o período em que trabalhou na Alemanha, a esposa de H. D. Giesen não esteve inscrita no regime de segurança social dos Países Baixos. H. D. Giesen apresentou uma reclamação dessa decisão na parte relativa à redução do referido complemento. Por Decisão de 20 de maio de 2008, essa reclamação foi indeferida por falta de fundamento.

28      Por Sentença de 13 de outubro de 2008, o Rechtbank Roermond (Tribunal de Primeira Instância de Roermond, Países Baixos) negou provimento ao recurso que H. D Giesen interpôs dessa decisão.

29      F. van den Berg exerceu uma atividade na Alemanha durante curtos períodos, compreendidos entre 25 de junho e 24 de julho de 1972 e entre 1 de janeiro de 1990 e 31 de dezembro de 1994. Uma vez que os seus rendimentos eram demasiado baixos, não pôde ser considerado devedor de contribuições na Alemanha. Em 17 de janeiro de 2008, F. van den Berg apresentou um pedido de pensão de velhice ao abrigo da AOW. Por Decisão de 1 de agosto de 2008, o SVB concedeu‑lhe essa pensão, mas reduziu‑a em 14 % pelo facto de, durante mais de sete anos, F. van den Berg não ter estado abrangido pelo regime de segurança social nos Países Baixos. Por Decisão de 25 de novembro de 2008, a reclamação que apresentou da referida decisão foi parcialmente deferida e a redução fixada em 10 %.

30      Por Sentença de 19 de outubro de 2009, o Rechtbank Maastricht (Tribunal de Primeira Instância de Maastricht, Países Baixos) negou provimento ao recurso interposto da Decisão de 25 de novembro de 2008.

 Processo C96/18

31      C. E. Franzen recebeu prestações familiares nos Países Baixos ao abrigo da AKW para a sua filha nascida em 1995, que criava sozinha. Em novembro de 2002, comunicou ao SVB que, desde 1 de janeiro de 2001, trabalhava na Alemanha como cabeleireira durante 20 horas por semana. Uma vez que os rendimentos que C. E. Franzen auferia do exercício dessa atividade eram diminutos, esta só esteve inscrita obrigatoriamente no Unfallversicherung (regime legal alemão de seguro de acidentes de trabalho), sem ter acesso a nenhum outro regime de segurança social alemão. Por Decisão de 25 de fevereiro de 2003, o SVB retirou‑lhe o benefício das prestações familiares com efeitos a partir de 1 de outubro de 2002.

32      Por carta de 21 de setembro de 2003, C. E. Franzen pediu a revogação da sua exclusão da cobertura do regime geral da segurança social, nos termos do artigo 24.o do BUB 1999. Por Decisão de 15 de março de 2004, o SVB indeferiu aquele pedido pelo facto de C. E. Franzen não estar abrangida pelo regime de segurança social, nem ao abrigo do direito da União nem ao abrigo das disposições do direito neerlandês. Contudo, o SVB indicou ter proposto a C. E. Franzen, aquando da notificação dessa decisão, que requeresse à instituição competente alemã a sua sujeição exclusiva à legislação neerlandesa nos termos do artigo 17.o do Regulamento n.o 1408/71. C. E. Franzen não deu seguimento a esta proposta.

33      Em 30 de janeiro de 2006, C. E. Franzen apresentou um novo pedido de prestações familiares, que o SVB deferiu por Decisão de 27 de março de 2006, com efeitos a partir do primeiro trimestre de 2006.

34      Por carta de 5 de junho de 2007, C. E. Franzen pediu que lhe fossem concedidas prestações familiares a partir do quarto trimestre de 2002. Por Decisão de 5 de julho de 2007, o SVB constatou que, a partir do primeiro trimestre de 2006, C. E. Franzen deixava de ter direito às prestações familiares, mas decidiu não recuperar as quantias indevidamente pagas. Por Decisão de 16 de novembro de 2007, a reclamação de C. E. Franzen contra a Decisão de 5 de julho de 2007 foi indeferida por falta de fundamento, tendo também sido indeferido o seu pedido de revisão de 5 de junho de 2007.

35      Em 6 de fevereiro de 2008, apesar de o recurso de C. E. Franzen contra essa decisão de indeferimento estar ainda pendente no Rechtbank Maastricht (Tribunal de Primeira Instância de Maastricht, Países Baixos), o SVB adotou uma nova decisão que alterou a fundamentação da sua Decisão de 16 de novembro de 2007, indicando que os pedidos de prestações familiares tinham sido indeferidos pelo facto de, ao abrigo do artigo 13.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1408/71, apenas a legislação alemã ser aplicável a C. E. Franzen, excluindo, assim, a aplicação do regime de segurança social neerlandês.

36      Por sentença de 5 de agosto de 2008, o Rechtbank Maastricht (Tribunal de Primeira Instância de Maastricht) negou provimento aos recursos interpostos por C. E. Franzen das Decisões do SVB de 16 de novembro de 2007 e de 6 de fevereiro de 2008.

 Considerações comuns aos três processos

37      F. van der Berg, H. D. Giesen e C. E. Franzen recorreram, respetivamente, das sentenças proferidas pelo Rechtbank Maastricht (Tribunal de Primeira Instância de Maastricht) e pelo Rechtbank Roermond  (Tribunal de Primeira Instância de Roermond) para o Centrale Raad van Beroep (Tribunal de Recurso da Segurança Social e da Função Pública, Países Baixos). Este último órgão jurisdicional decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça questões prejudiciais relativas à interpretação do artigo 13.o do Regulamento n.o 1408/71 e dos artigos 45.o e 48.o TFUE para verificar se o direito da União se opunha à exclusão de F. van der Berg, H. D. Giesen e C. E. Franzen do regime de segurança social neerlandês nos períodos em causa neste processo.

38      Por Acórdão de 23 de abril de 2015, Franzen e o. (C‑382/13, EU:C:2015:261), o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 13.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 1408/71, lido em conjugação com o n.o 1 deste artigo, devia ser interpretado no sentido de que, em circunstâncias como as que estão em causa nos processos principais, não se opõe a que um trabalhador migrante, sujeito à legislação do Estado‑Membro de emprego, receba, nos termos da legislação nacional do Estado‑Membro de residência, as prestações relativas ao regime de pensão de velhice e às prestações familiares desse último Estado.

39      Em 6 de junho de 2016, o Centrale Raad van Beroep (Tribunal de Recurso da Segurança Social e da Função Pública) proferiu dois acórdãos, um relativo a F. van der Berg e H. D. Giesen e outro relativo a C. E. Franzen, nos quais deduziu do Acórdão de 23 de abril de 2015, Franzen e o. (C‑382/13, EU:C:2015:261), que, em casos como os de F. van der Berg, H. D. Giesen e C. E. Franzen, pode ser admitida uma exceção ao princípio da unicidade da legislação aplicável em matéria de segurança social, decorrente do artigo 13.o do Regulamento n.o 1408/71. Por conseguinte, o referido órgão jurisdicional recorreu às cláusulas de equidade previstas no artigo 25.o do BUB 1989 e no artigo 24.o do BUB 1999, para excluir a aplicação do artigo 6.o‑A, alínea b), da AOW e do artigo 6.o‑A, alínea b), da AKW, e julgou procedentes, nos dois processos, os pedidos dos recorrentes.

40      O SVB interpôs recurso de cassação dos acórdãos do Centrale Raad van Beroep (Tribunal de Recurso da Segurança Social e da Função Pública) para o Hoge Raad der Nederlanden (Supremo Tribunal dos Países Baixos), órgão jurisdicional de reenvio nos processos principais.

41      O órgão jurisdicional de reenvio considera que é impossível, com base no Acórdão de 23 de abril de 2015, Franzen e o. (C‑382/13, EU:C:2015:261), responder, sem ter uma dúvida razoável, à questão de saber se o direito da União não só permite mas sobretudo impõe, em circunstâncias como as que estão em causa nos processos principais, não aplicar o direito nacional que prevê que um residente dos Países Baixos está excluído do regime de segurança social deste Estado‑Membro se estiver a trabalhar noutro Estado‑Membro e está sujeito, com base no artigo 13.o do Regulamento n.o 1408/71, à legislação de segurança social deste último Estado.

42      Nestas circunstâncias, o Hoge Raad der Nederlanden (Supremo Tribunal dos Países Baixos) decidiu suspender a instância nos processos C‑95/18 e C‑96/18 e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

–        No processo C‑95/18:

«1)      a)      Devem os artigos 45.o e 48.o TFUE ser interpretados no sentido de que, em casos como os aqui em apreço, se opõem a uma norma nacional como o artigo 6.o‑A, alínea b), da AOW? Esta norma implica que um residente nos Países Baixos não seja abrangido pelo regime geral obrigatório da segurança social do Estado de residência se estiver a trabalhar noutro Estado‑Membro e se, nos termos do artigo 13.o do Regulamento n.o 1408/71, estiver sujeito à legislação da segurança social do Estado em que trabalha. Os casos aqui em apreço caracterizam‑se pelo facto de os interessados, nos termos da legislação do Estado em que trabalharam, não terem direito à atribuição de uma pensão de velhice devido ao âmbito limitado do seu trabalho nesse Estado.

b)      Para a resposta a dar à questão 1) a) é relevante que, no caso de um residente num [Estado] não competente nos termos do artigo 13.o do Regulamento n.o 1408/71, não exista a obrigação de pagar contribuições para o regime geral obrigatório da segurança social do [Estado]? Com efeito, durante os períodos em que o residente trabalha noutro Estado‑Membro fica, nos termos do artigo 13.o do Regulamento n.o 1408/71, abrangido exclusivamente pelo regime de segurança social do Estado em que trabalha, sendo que o direito nacional dos Países Baixos também não prevê a obrigação de pagamento de contribuições nessa situação.

2)      É relevante para a resposta a dar à questão 1) o facto de as pessoas em questão terem tido a possibilidade de se inscrever a título voluntário no regime da AOW ou de requerer um acordo ao SVB, nos termos do artigo 17.o do Regulamento n.o 1408/71?

3)      O artigo 13.o do Regulamento n.o 1408/71 obsta a que uma pessoa, como a esposa de H. D. Giesen, que, antes de 1 de janeiro de 1989, e exclusivamente à luz do direito nacional, era considerada beneficiária do regime de segurança social da AOW no Estado em que residia, os Países Baixos, baseie nesse regime de segurança social um direito a prestações de velhice, relativamente a períodos em que, nos termos daquele artigo do [mesmo] regulamento, por trabalhar noutro Estado‑Membro, estava sujeita à legislação do Estado‑Membro em que trabalhava? Ou deve o direito a uma prestação nos termos da AOW ser considerado como um direito a prestações que, ao abrigo da legislação nacional, não está sujeito a condições de emprego ou de seguro, no sentido do [Acórdão de 20 de maio de 2008, Bosmann (C‑352/06, EU:C:2008:290)], pelo que a argumentação desenvolvida nesse acórdão pode ser aplicada ao seu caso?»

–        No processo C‑96/18:

«1)      Devem os artigos 45.o e 48.o TFUE ser interpretados no sentido de que, em casos como o aqui em apreço, se opõem a uma norma nacional, como o artigo 6.o‑A, alínea b), da AKW? Esta norma implica que um residente nos Países Baixos não seja abrangido pelo regime geral obrigatório da segurança social do Estado de residência se estiver a trabalhar noutro Estado‑Membro e se, nos termos do artigo 13.o do Regulamento n.o 1408/71, estiver sujeito à legislação da segurança social do Estado em que trabalha. O caso aqui em apreço caracteriza‑se pelo facto de a interessada, nos termos da legislação do Estado em que trabalhou, não ter o direito de aí beneficiar de prestações familiares devido ao âmbito limitado do seu trabalho nesse Estado.

2)      É relevante para a resposta a dar à questão anterior o facto de a interessada ter tido a possibilidade de requerer um acordo ao SVB, nos termos do artigo 17.o do Regulamento n.o 1408/71?»

43      Os processos C‑95/18 e C‑96/18 foram apensados para efeitos das fases escrita e oral e do acórdão, bem como do acórdão por decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 12 de março de 2018.

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial no processo C95/18

44      Nas suas observações escritas, F. van der Berg alega que o pedido de decisão prejudicial no processo C‑95/18 não é admissível pelo facto de um recurso de cassação no Hoge Raad der Nederlanden (Supremo Tribunal dos Países Baixos) só poder ser interposto relativamente a um número limitado indicado de disposições, do qual não faz parte o artigo 6.o‑A da AOW. Por conseguinte, o órgão jurisdicional de reenvio não deveria ter analisado o processo quanto ao mérito e não tem, assim, competência para submeter pedidos de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça.

45      A este respeito, há que recordar que o juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão judicial a tomar, tem competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, desde que as questões submetidas sejam relativas à interpretação de uma regra de direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se (Acórdão de 10 de dezembro de 2018, Wightman e o. C‑621/18, EU:C:2018:999, n.o 26 e jurisprudência referida).

46      Daqui se conclui que as questões relativas ao direito da União gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional se for manifesto que a interpretação de uma regra da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (Acórdão de 10 de dezembro de 2018, Wightman e o., C‑621/18, EU:C:2018:999, n.o 27 e jurisprudência referida).

47      A este respeito, resulta de forma constante da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, no âmbito do processo previsto no artigo 267.o TFUE, não cabe ao Tribunal de Justiça verificar se a decisão de reenvio foi adotada em conformidade com as regras de organização e de processo judiciais de direito nacional (Acórdão de 16 de junho de 2015, Gauweiler e o., C‑62/14, EU:C:2015:400, n.o 26 e jurisprudência referida).

48      Os argumentos de F. van den Berg não são, por conseguinte, suficientes para reverter a presunção de pertinência evocada no número 46 do presente acórdão. Daqui resulta que o pedido de decisão prejudicial no processo C‑95/18 é admissível.

 Quanto à primeira e segunda questões nos processos C95/18 e C96/18

49      Com as suas primeira e segunda questões nos processos C‑95/18 e C‑96/18, que devem ser analisadas em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 45.o e 48.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação de um Estado‑Membro nos termos da qual um trabalhador migrante que reside nesse Estado‑Membro e está sujeito à legislação de segurança social do Estado‑Membro de emprego, com base no artigo 13.o do Regulamento n.o 1408/71, não está abrangido pelos regimes de segurança social desse Estado‑Membro de residência, mesmo quando a legislação do Estado‑Membro de emprego não confere a esse trabalhador nenhum direito a uma pensão de velhice ou a prestações familiares.

50      Para responder a essas questões, há que recordar que, com vista a garantir a livre circulação dos trabalhadores na União tomando como princípio a igualdade de tratamento dos mesmos à luz das diferentes legislações nacionais, o Regulamento n.o 1408/71 estabeleceu, no seu título II, um sistema de coordenação relativo, designadamente, à determinação da legislação ou das legislações aplicáveis aos trabalhadores assalariados e não assalariados que exerçam o seu direito de livre circulação. O caráter completo deste sistema de normas de conflitos tem como efeito retirar, em princípio, ao legislador de cada Estado‑Membro o poder de determinar como bem entender o âmbito e as condições de aplicação da sua legislação nacional quanto às pessoas que a ela estão sujeitas e quanto ao território no qual as disposições nacionais produzem os seus efeitos (Acórdão de 26 de fevereiro de 2015, de Ruyter, C‑623/13, EU:C:2015:123, n.os 34 e 35 e jurisprudência referida).

51      A este respeito, o artigo 13.o do Regulamento n.o 1408/71, que fixa as regras gerais relativas à determinação da legislação aplicável, dispõe, no seu n.o 1, que as pessoas às quais se aplica este regulamento apenas estão sujeitas à legislação de um único Estado‑Membro, o que exclui, por conseguinte, sem prejuízo do disposto nos artigos 14.o‑C e 14.o‑F, qualquer possibilidade de cumulação de várias legislações nacionais para um mesmo período (Acórdão de 26 de fevereiro de 2015, de Ruyter, C‑623/13, EU:C:2015:123, n.o 36 e jurisprudência referida).

52      Na medida em que concretiza o princípio da unicidade da legislação aplicável em matéria de segurança social, conforme definido no artigo 13.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1408/71, o n.o 2, alínea a), deste artigo precisa que a pessoa que exerça uma atividade assalariada no território de um Estado‑Membro está sujeita à legislação desse Estado, mesmo que resida no território de outro Estado‑Membro.

53      No entanto, esse princípio da unicidade da legislação aplicável não pode privar um Estado‑Membro, que não é competente ao abrigo das disposições do título II do Regulamento n.o 1408/71, da faculdade de conceder, sob certas condições, prestações familiares a um trabalhador migrante ao abrigo do seu direito nacional. Com efeito, o Regulamento n.o 1408/71 não impede o Estado‑Membro de residência de uma pessoa de conceder, nos termos da sua legislação, prestações familiares e de velhice a essa pessoa ainda que, nos termos do artigo 13.o, n.o 2, alínea a), desse regulamento, esta esteja sujeita à legislação do Estado‑Membro em que exerce uma atividade assalariada (v., neste sentido, Acórdão de 23 de abril de 2015, Franzen e o., C‑382/13, EU:C:2015:261, n.os 58 a 61 e jurisprudência referida).

54      O órgão jurisdicional de reenvio indica que, nos processos principais, a legislação neerlandesa aplicável exclui do regime uma pessoa que resida no território nacional do sistema de segurança social quando esta trabalhe noutro Estado‑Membro. Esta legislação também não prevê a possibilidade de afastar essa exclusão, dado que as cláusulas de equidade previstas pelos BUB 1989 e BUB 1999 não podem ser invocadas nas circunstâncias dos processos principais. Assim, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, uma pessoa que se encontre numa situação como as que estão em causa nos referidos processos não pode beneficiar da possibilidade de derrogar o princípio da unicidade da legislação aplicável estabelecido pela jurisprudência do Tribunal de Justiça.

55      Esse contexto caracteriza‑se igualmente pela circunstância de os trabalhadores migrantes não terem, no caso em apreço, direito às prestações sociais nos termos da legislação do Estado‑Membro do emprego, competente ao abrigo do artigo 13.o do Regulamento n.o 1408/71.

56      É verdade que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, todas as disposições do Tratado FUE relativas à livre circulação de pessoas têm por objetivo facilitar aos nacionais da União o exercício de atividades profissionais de qualquer natureza no território da União e opõem‑se às medidas que os possam desfavorecer quando pretendam exercer uma atividade económica no território de um Estado‑Membro diferente do seu Estado‑Membro de origem. No entanto, o direito primário da União não pode garantir a um trabalhador que uma deslocação para outro Estado‑Membro diferente do seu Estado‑Membro de origem seja neutra em matéria social, podendo tal deslocação, consoante os casos e tendo em conta as divergências existentes entre os regimes e as legislações dos Estados‑Membros, ser mais ou menos vantajosa para a pessoa em causa nesse plano (v., neste sentido, Acórdão de 18 de julho de 2017, Erzberger, C‑566/15, EU:C:2017:562, n.os 33 e 34 e jurisprudência referida).

57      No que diz respeito, por um lado, ao artigo 45.o TFUE, embora este se oponha a qualquer medida nacional que seja suscetível de afetar ou de tornar menos atrativo o exercício, pelos nacionais da União, da liberdade fundamental de circulação garantida por este artigo, o referido artigo não concede a um trabalhador que se desloque para um Estado‑Membro diferente do seu Estado‑Membro de origem o direito de usufruir, no Estado‑Membro de acolhimento, da mesma cobertura social de que beneficiava no seu Estado‑Membro de origem em conformidade com a legislação deste último Estado (v., por analogia, Acórdão de 18 de julho de 2017, Erzberger, C‑566/15, EU:C:2017:562, n.os 33 e 35).

58      O artigo 45.o TFUE também não pode ser interpretado no sentido de que concede a um trabalhador migrante o direito de usufruir, no seu Estado‑Membro de residência, da mesma cobertura social de que poderia beneficiar se trabalhasse neste Estado‑Membro quando trabalha noutro Estado‑Membro e não beneficia dessa cobertura nos termos das disposições do Estado‑Membro competente, ao abrigo do artigo 13.o do Regulamento n.o 1408/71.

59      No que se refere, por um lado, ao artigo 48.o TFUE, que prevê um sistema de coordenação das legislações dos Estados‑Membros, e não da sua harmonização, as diferenças substanciais e processuais entre os regimes de segurança social de cada Estado‑Membro e, por conseguinte, nos direitos das pessoas neles inscritas não são afetadas por essa disposição, continuando cada Estado‑Membro a ser competente para determinar, na sua legislação, no respeito do direito da União, os requisitos de concessão das prestações de um regime de segurança social (Acórdão de 12 de junho de 2012, Hudzinski e Wawrzyniak, C‑611/10 e C‑612/10, EU:C:2012:339, n.o 42).

60      Ora, interpretar o artigo 48.o TFUE no sentido de que obriga um Estado‑Membro não competente a oferecer cobertura social a um trabalhador migrante com um emprego assalariado noutro Estado‑Membro põe em causa, em circunstâncias como as que estão em causa nos processos principais, o sistema de coordenação das legislações dos Estados‑Membros aplicáveis em matéria de segurança social, concretizado pelo princípio da unicidade da legislação aplicável previsto no artigo 13.o do Regulamento n.o 1408/71.

61      Com efeito, essa interpretação poderia afetar o equilíbrio estabelecido pelo Tratado FUE, uma vez que essa obrigação, em situações como as que estão em causa nos processos principais, poderia levar a que apenas a lei do Estado‑Membro que propõe a cobertura social mais favorável seja aplicada. Ora, a utilização desse critério de conexão seria especialmente difícil tendo em conta numerosas prestações possíveis decorrentes dos diferentes ramos da segurança social, indicados no artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1408/71.

62      Além disso, essa solução é suscetível de afetar o equilíbrio financeiro do sistema de segurança social do Estado‑Membro que propõe a cobertura social mais favorável.

63      Resulta dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional de reenvio nos seus pedidos de decisão prejudicial que a falta de cobertura social dos trabalhadores migrantes que são partes nos litígios nos processos principais para os períodos em que trabalharam fora do seu Estado‑Membro de residência resulta apenas da aplicação da legislação do Estado‑Membro competente ao abrigo do artigo 13.o do Regulamento n.o 1408/71. Ora, o conteúdo das legislações nacionais em matéria de segurança social não é objeto de uma harmonização, nem com base nas disposições do Tratado FUE nem com base no Regulamento n.o 1408/71.

64      Por conseguinte, os artigos 45.o e 48.o TFUE não podem ser interpretados no sentido de que obrigam, em circunstâncias como as que estão em causa nos litígios em causa nos processos principais, o Estado‑Membro de residência a conceder prestações sociais a um trabalhador migrante quando este não tem direito a essas prestações nos termos da legislação do Estado‑Membro de emprego, competente nos termos do artigo 13.o do Regulamento n.o 1408/71.

65      Não obstante, há que recordar que, no âmbito do artigo 17.o do Regulamento n.o 1408/71, dois Estados‑Membros têm a possibilidade de prever em acordo comum, no interesse de determinadas categorias de pessoas ou de certas pessoas, exceções ao princípio da unicidade da legislação aplicável. Esta possibilidade é especialmente indicada quando, como no caso das partes no processo principal, o direito aplicável do Estado‑Membro de emprego não confere ao trabalhador migrante nenhum direito a uma pensão de velhice ou a prestações familiares quando este teria beneficiado de tais direitos se continuasse desempregado no seu Estado‑Membro de residência.

66      Resulta do conjunto das considerações precedentes que os artigos 45.o e 48.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma legislação de um Estado‑Membro nos termos da qual um trabalhador migrante que reside no território deste Estado‑Membro e que está sujeito à legislação de segurança social do Estado‑Membro de emprego, com base no artigo 13.o do Regulamento n.o 1408/71, não está abrangido pelo regime de segurança social deste Estado‑Membro de residência, mesmo quando a legislação do Estado‑Membro de emprego não confere a esse trabalhador nenhum direito a uma pensão de velhice ou a prestações familiares.

 Quanto à terceira questão no processo C95/18

67      Com a sua terceira questão no processo C‑95/18, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 13.o do Regulamento n.o 1408/71 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um Estado‑Membro em cujo território reside um trabalhador migrante e que não é competente por força desse artigo condicione a concessão de um direito a uma pensão de velhice a esse trabalhador migrante a uma obrigação de inscrição, que implica o pagamento de contribuições obrigatórias.

68      A este respeito, há que recordar que, ao abrigo do artigo 13.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 1408/71, a pessoa que exerça uma atividade assalariada no território de um Estado‑Membro está sujeita à legislação desse Estado, mesmo residindo no território de outro Estado‑Membro, não é menos verdade que esse regulamento não impede o Estado da residência de conceder, nos termos da sua legislação nacional, uma prestação social tal como uma pensão de velhice a essa pessoa (v., neste sentido, Acórdão de 20 de maio de 2008, Bosmann, C‑352/06, EU:C:2008:290, n.o 31).

69      No Acórdão de 20 de maio de 2008, Bosmann (C‑352/06, EU:C:2008:290, n.o 32), o Tribunal de Justiça, fazendo referência aos Acórdãos de 12 de junho de 1986, Ten Holder (302/84, EU:C:1986:242), e de 10 de julho de 1986, Luijten (60/85, EU:C:1986:307), precisou que, lidos nos seus contextos específicos, diferentes dos que estão em causa no processo principal, estes acórdãos não podem servir de fundamento para excluir a possibilidade de um Estado‑Membro, que não é o Estado competente e que não sujeita o direito a uma prestação familiar a condições de emprego e de inscrição, conceder tal prestação a uma pessoa que resida no seu território, uma vez que a possibilidade dessa concessão decorre efetivamente da sua legislação.

70      Ora, considerando que o Estado‑Membro não competente à luz do artigo 13.o do Regulamento n.o 1408/71 não pode sujeitar o direito a uma prestação familiar a uma condição de inscrição, o Tribunal de Justiça limitou‑se a explicitar o princípio da unicidade da legislação aplicável tal como se aplica aos trabalhadores assalariados migrantes. Com efeito, o artigo 13.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 1408/71 prevê que a pessoa que exerça uma atividade assalariada no território de um Estado‑Membro está sujeita à legislação desse Estado, mesmo se essa pessoa residir no território de outro Estado‑Membro. Daqui decorre que, ao abrigo do princípio da unicidade da legislação aplicável, o Estado‑Membro em que reside o trabalhador migrante não pode impor a esse trabalhador uma obrigação de inscrição sem pôr em causa o sistema de coordenação previsto no artigo 48.o TFUE.

71      Essa obrigação de inscrição, que implica o pagamento de contribuições, imposta por um Estado‑Membro não competente, à luz do artigo 13.o do Regulamento n.o 1408/71, poderia impor a um trabalhador migrante que contribuísse para os sistemas de segurança social de dois Estados‑Membros diferentes, o que é contrário ao princípio da unicidade que o legislador da União quis estabelecer.

72      No entanto, o facto de o Estado‑Membro não competente ao abrigo do artigo 13.o do Regulamento n.o 1408/71 não poder sujeitar o direito a uma prestação familiar a uma condição de inscrição não pode ser interpretado no sentido de que nesse Estado seja proibida qualquer inscrição de um trabalhador migrante. Com efeito, o Estado‑Membro de residência pode, com base num critério de conexão diferente das condições de emprego ou de inscrição, conceder prestações sociais, e nomeadamente prestações de velhice, a uma pessoa que resida no seu território, uma vez que a possibilidade dessa concessão decorre efetivamente da sua legislação.

73      Resulta do pedido de decisão prejudicial no processo C‑95/18 que, em conformidade com o direito nacional aplicável durante o período em causa no processo principal, a esposa de H. D. Giesen estava abrangida pelo regime de segurança social ao abrigo da AOW como residente nos Países Baixos durante o referido período. Por conseguinte, o critério de conexão estabelecido por esta legislação era o local de residência do trabalhador migrante.

74      Na audiência de alegações, o Governo neerlandês indicou, contudo, que para a concessão de prestações de velhice teria sido necessário o pagamento de contribuições e que, à data dos factos em causa no processo principal C‑95/18, para beneficiar dessas prestações não bastava a condição de residência. Por conseguinte, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se, à data dos factos em causa no processo principal C‑95/18, a esposa de H. D. Giesen tinha direito a prestações de velhice independentemente de uma obrigação de contribuição.

75      Há ainda que precisar que resulta igualmente da jurisprudência do Tribunal de Justiça que os artigos 45.o e 48.o TFUE, do mesmo modo que o Regulamento n.o 1408/71, adotado para lhes dar execução, têm designadamente por objeto evitar que um trabalhador que fez uso do seu direito de livre circulação seja, sem justificação objetiva, tratado de forma mais desfavorável do que aquele que efetuou toda a sua carreira num único Estado‑Membro (Acórdão de 12 de junho de 2012, Hudzinski e Wawrzyniak, C‑611/10 e C‑612/10, EU:C:2012:339, n.o 80 e jurisprudência referida).

76      Ora, tal sucederia se a regulamentação nacional em causa no processo principal prejudicasse o trabalhador migrante em relação aos que exercem todas as suas atividades no Estado‑Membro em que esta regulamentação é aplicável e obrigasse esse trabalhador a pagar contribuições sociais a fundo perdido, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

77      Resulta do conjunto das considerações precedentes que o artigo 13.o do Regulamento n.o 1408/71 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um Estado‑Membro, em cujo território reside um trabalhador migrante e que não é competente por força desse artigo, sujeite a concessão de um direito a uma pensão de velhice a esse trabalhador migrante a uma obrigação de inscrição que implique o pagamento de contribuições obrigatórias.

 Quanto às despesas

78      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

1)      Os artigos 45.o e 48.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma legislação de um EstadoMembro nos termos da qual um trabalhador migrante que reside no território deste EstadoMembro e que está sujeito à legislação de segurança social do EstadoMembro de emprego, com base no artigo 13.o do Regulamento (CEE) n.o 1408/71 do Conselho, de 14 de junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, na sua versão alterada e atualizada pelo Regulamento (CE) n.o 118/97 do Conselho, de 2 de dezembro de 1996, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 1992/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de dezembro de 2006, não está abrangido pelo regime de segurança social deste EstadoMembro de residência, mesmo quando a legislação do EstadoMembro de emprego não confere a esse trabalhador nenhum direito a uma pensão de velhice ou a prestações familiares.

2)      O artigo 13.o do Regulamento n.o 1408/71, na sua versão alterada e atualizada pelo Regulamento n.o 118/97, conforme alterado pelo Regulamento n.o 1992/2006, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um EstadoMembro, em cujo território reside um trabalhador migrante e que não é competente por força desse artigo, sujeite a concessão de um direito a uma pensão de velhice a esse trabalhador migrante a uma obrigação de inscrição que implique o pagamento de contribuições obrigatórias.

Assinaturas


*      Língua do processo: neerlandês.