Language of document : ECLI:EU:C:2015:760

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

17 de novembro de 2015 (*)

«Reenvio prejudicial — Artigo 56.° TFUE — Livre prestação de serviços — Restrições — Diretiva 96/71/CE — Artigo 3.°, n.° 1 — Diretiva 2004/18/CE — Artigo 26.° — Contratos públicos — Serviços postais — Regulamentação de uma entidade regional de um Estado‑Membro que impõe aos proponentes e seus subcontratantes que se obriguem a pagar um salário mínimo ao pessoal que executa as prestações objeto do contrato público»

No processo C‑115/14,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Oberlandesgericht Koblenz (Alemanha), por decisão de 19 de fevereiro de 2014, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 11 de março de 2014, no processo

RegioPost GmbH & Co. KG

contra

Stadt Landau in der Pfalz,

sendo intervenientes:

PostCon Deutschland GmbH,

Deutsche Post AG,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: L. Bay Larsen, presidente da Terceira Secção, exercendo funções de presidente da Quarta Secção, J. Malenovský, M. Safjan, A. Prechal (relatora) e K. Jürimäe, juízes,

advogado‑geral: P. Mengozzi,

secretário: K. Malacek, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 29 de abril de 2015,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da RegioPost GmbH & Co. KG, por A. Günther, Rechtsanwalt,

–        em representação da Stadt Landau in der Pfalz, por R. Goodarzi, Rechtsanwalt,

–        em representação da PostCon Deutschland GmbH, por T. Brach, Rechtsanwalt,

–        em representação da Deutsche Post AG, por W. Krohn e T. Schneider, Rechtsanwälte,

–        em representação do Governo alemão, por T. Henze e A. Lippstreu, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo dinamarquês, por C. Thorning e M. Wolff, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por M. Salvatorelli, avvocato dello Stato,

–        em representação do Governo austríaco, por M. Fruhmann, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo norueguês, por K. Nordland Hansen e P. Wennerås, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por A. Tokár, J. Enegren e S. Grünheid, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 9 de setembro de 2015,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 56.° TFUE, lido em conjugação com o artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 96/71/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 1996, relativa ao destacamento de trabalhadores no âmbito de uma prestação de serviços (JO 1997, L 18, p. 1), e do artigo 26.° da Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços (JO L 134, p. 114; retificação no JO 2004, L 351, p. 44), conforme alterada pelo Regulamento (UE) n.° 1251/2011 da Comissão, de 30 de novembro de 2011 (JO L 319, p. 43, a seguir «Diretiva 2004/18»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a RegioPost GmbH & Co. KG (a seguir «RegioPost») à Stadt Landau in der Pfalz (cidade de Landau no Palatinado, Alemanha, a seguir «cidade de Landau») a propósito da obrigação de os proponentes e seus subcontratantes, no âmbito da adjudicação de um contrato público de serviços postais dessa cidade, se obrigarem a pagar um salário mínimo ao pessoal que executa as prestações objeto desse contrato público.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Diretiva 96/71

3        A Diretiva 96/71 prevê, no seu artigo 1.°, intitulado «Âmbito de aplicação»:

«1.      A presente diretiva é aplicável às empresas estabelecidas num Estado‑Membro que, no âmbito de uma prestação transnacional de serviços e nos termos do n.° 3, destaquem trabalhadores para o território de um Estado‑Membro.

[...]

3.      A presente diretiva é aplicável sempre que as empresas mencionadas no n.° 1 tomem uma das seguintes medidas transnacionais:

a)      Destacar um trabalhador para o território de um Estado‑Membro, por sua conta e sob a sua direção, no âmbito de um contrato celebrado entre a empresa destacadora e o destinatário da prestação de serviços que trabalha nesse Estado‑Membro, desde que durante o período de destacamento exista uma relação de trabalho entre a empresa destacadora e o trabalhador;

ou

b)      Destacar um trabalhador para um estabelecimento ou uma empresa do grupo situados num Estado‑Membro, desde que durante o período de destacamento exista uma relação de trabalho entre a empresa destacadora e o trabalhador;

ou

c)      Destacar, na qualidade de empresa de trabalho temporário ou de empresa que põe um trabalhador à disposição, um trabalhador para uma empresa utilizadora estabelecida no território de um Estado‑Membro ou que nele exerça a sua atividade, desde que durante o período de destacamento exista uma relação de trabalho entre o trabalhador e a empresa de trabalho temporário ou a empresa que põe o trabalhador à disposição.

[...]»

4        O artigo 3.° da referida diretiva, intitulado «Condições de trabalho e emprego», dispõe, nos n.os 1 e 8:

«1.      Os Estados‑Membros providenciarão no sentido de que, independentemente da lei aplicável à relação de trabalho, as empresas referidas no n.° 1 do artigo 1.° garantam aos trabalhadores destacados no seu território as condições de trabalho e de emprego relativas às matérias adiante referidas que, no território do Estado‑Membro onde o trabalho for executado, sejam fixadas:

–        por disposições legislativas, regulamentares ou administrativas

e/ou

–        por convenções coletivas ou decisões arbitrais declaradas de aplicação geral na aceção do n.° 8, na medida em que digam respeito às atividades referidas no anexo:

[...]

c)      Remunerações salariais mínimas, incluindo as bonificações relativas a horas extraordinárias; a presente alínea não se aplica aos regimes complementares voluntários de reforma;

[...]

Para efeitos da presente diretiva, a noção de ‘remunerações salariais mínimas’ referida na alínea c) do n.° 1 é definida pela legislação e/ou pela prática nacional do Estado‑Membro em cujo território o trabalhador se encontra destacado.

[...]

8.      Entende‑se por ‘convenções coletivas ou decisões arbitrais declaradas de aplicação geral’, aquelas que devem ser cumpridas por todas as empresas pertencentes ao setor ou à profissão em causa e abrangidas pelo seu âmbito de aplicação territorial.

[...]»

 Diretiva 2004/18

5        Os considerandos 2, 33 e 34 da Diretiva 2004/18 enunciam:

«(2)      […] A adjudicação de contratos celebrados nos Estados‑Membros por conta do Estado, das autarquias locais e regionais e de outros organismos de direito público deve respeitar os princípios do Tratado, nomeadamente os princípios da livre circulação de mercadorias, da liberdade de estabelecimento e da livre prestação de serviços, assim como os princípios deles resultantes, tais como os princípios da igualdade de tratamento, da não discriminação, do reconhecimento mútuo, da proporcionalidade e da transparência. Todavia, no que se refere aos contratos públicos que ultrapassem um determinado valor, é aconselhável estabelecer disposições que instituam uma coordenação comunitária dos procedimentos nacionais para a adjudicação dos contratos públicos que se baseiem nesses princípios por forma a garantir os seus efeitos e a abertura à concorrência dos contratos públicos. Por conseguinte, tais disposições de coordenação devem ser interpretadas em conformidade com as regras e princípios atrás referidos, bem como com as restantes regras do Tratado.

[...]

(33)      As condições de execução dos contratos serão compatíveis com a presente diretiva desde que tais condições não sejam direta ou indiretamente discriminatórias e venham indicadas no anúncio de concurso ou no caderno de encargos. Podem, nomeadamente, ter por objetivo fomentar a formação profissional prática, o emprego de pessoas com dificuldades especiais de inserção, a luta contra o desemprego ou a proteção do ambiente. [...]

(34)      As leis, regulamentações e convenções coletivas, tanto nacionais como comunitárias, em vigor em matéria de condições de trabalho e de segurança do trabalho aplicam‑se durante a execução de um contrato público, desde que tais regras e a respetiva aplicação sejam conformes com o direito comunitário. Em situações transfronteiras, em que os trabalhadores de um Estado‑Membro prestam serviços noutro Estado‑Membro para a realização de um contrato público, a Diretiva [96/71] enuncia as condições mínimas que devem ser respeitadas no país de acolhimento relativamente aos trabalhadores destacados. Se a legislação nacional contiver disposições nesse sentido, o incumprimento dessas obrigações poderá ser considerado como falta grave ou como uma infração que afeta a moralidade profissional do operador económico em questão, passível de acarretar a exclusão desse operador do processo de adjudicação de um contrato público.»

6        A Diretiva 2004/18 aplica‑se, em conformidade com o seu artigo 7.°, alínea b), primeiro travessão, nomeadamente, aos contratos públicos de serviços cujo valor estimado, sem imposto sobre o valor acrescentado, seja igual ou superior a 200 000 euros, celebrados por entidades adjudicantes distintas das autoridades governamentais centrais referidas no anexo IV dessa diretiva.

7        O artigo 26.° da referida diretiva, intitulado «Condições de execução do contrato», dispõe:

«As entidades adjudicantes podem fixar condições especiais de execução do contrato desde que as mesmas sejam compatíveis com o direito comunitário e sejam indicadas no anúncio de concurso ou no caderno de encargos. [As condições] de execução de um contrato podem, designadamente, visar considerações de índole social e ambiental.»

8        O artigo 27.° da mesma diretiva, intitulado «Obrigações relativas à fiscalidade, à proteção do ambiente e às disposições em matéria de proteção e condições de trabalho», prevê:

«1.      A entidade adjudicante pode indicar, ou ser obrigada por um Estado‑Membro a indicar, no caderno de encargos, o organismo ou os organismos junto dos quais os candidatos ou proponentes podem obter as informações pertinentes sobre as obrigações relativas […] às […] condições de trabalho em vigor no Estado‑Membro, região ou localidade em que as prestações irão ser realizadas e que serão aplicáveis aos trabalhos realizados no estaleiro ou aos serviços prestados durante a execução do contrato.

2.      A entidade adjudicante que fornecer as informações referidas no n.° 1 deve solicitar aos proponentes ou candidatos no processo de adjudicação que indiquem ter tomado em consideração, ao elaborarem as respetivas propostas, as obrigações relativas às disposições em matéria de proteção e condições de trabalho em vigor no local em que a prestação será realizada.

[...]»

 Direito alemão

 Direito federal

9        O § 97, n.° 4, da Lei contra as restrições da concorrência (Gesetz gegen Wettbewerbsbeschränkungen), na sua versão de 26 de junho de 2013 (BGBl. 2013 I, p. 1750), conforme alterada, pela última vez, pelo artigo 5.° da Lei de 21 de julho de 2014 (BGBl. 2014 I, p. 1066), dispõe:

«Os contratos são adjudicados a empresas especializadas, eficientes, fiáveis e cumpridoras da lei. A execução do contrato pode estar sujeita a exigências suplementares para o adjudicatário, que digam respeito, nomeadamente, a aspetos sociais, ambientais ou de inovação, se tiverem uma relação objetiva com o objeto do contrato e forem mencionadas na descrição da prestação a fornecer. O adjudicatário só pode estar sujeito a outras exigências ou a exigências que vão além das supramencionadas se estas estiverem previstas na legislação do Estado federal ou dos Länder.»

10      Em aplicação da Lei sobre as condições de trabalho imperativas aplicáveis às prestações de serviços transfronteiriços — Lei que regula o destacamento de trabalhadores (Gesetz über zwingende Arbeitsbedingungen bei grenzüberschreitenden Dienstleistungen — Arbeitnehmer‑Entsendegesetz), de 26 de fevereiro de 1996 (BGBl. 1996 I, p. 227, a seguir «AEntG»), foi celebrada, em 29 de novembro de 2007, uma convenção coletiva que fixa um salário mínimo obrigatório para o setor dos serviços postais, tendo sido declarada de aplicação geral a todas as empresas desse setor, através de um regulamento de 28 de dezembro de 2007. Todavia, através de um acórdão do Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal), de 28 de janeiro de 2010, esse regulamento foi anulado, de modo que, à data dos factos do processo principal, não existia salário mínimo obrigatório para o setor dos serviços postais.

11      A Lei da regulamentação de um salário mínimo geral (Gesetz zur Regelung eines allgemeinen Mindestlohns), de 11 de agosto de 2014 (BGBl. 2014 I, p. 1348), prevê, em princípio, para todos os trabalhadores, a partir de 1 de janeiro de 2015, o direito a um salário mínimo de um montante bruto de 8,50 euros por hora.

 Direito do Land da Renânia‑Palatinado

12      O § 1 da Lei do Land da Renânia‑Palatinado sobre a garantia da observância das convenções coletivas e do salário mínimo nas adjudicações de contratos públicos (Landesgesetz zur Gewährleistung von Tariftreue und Mindestentgelt bei öffentlichen Auftragsvergaben), de 1 de dezembro de 2010 (a seguir «LTTG»), dispõe, no seu n.° 1:

«A presente lei combate as distorções da concorrência que surjam na adjudicação de contratos públicos, devido à contratação de mão de obra barata e atenua os encargos daí resultantes para os sistemas de proteção social. Para esse efeito, dispõe que as entidades adjudicantes [...] só têm o direito de designar como adjudicatários de contratos públicos, em conformidade com a presente lei, empresas que paguem aos seus trabalhadores o salário mínimo fixado na presente lei e que respeitem as convenções coletivas.»

13      O § 3 da LTTG, intitulado «Salário mínimo», prevê, no seu n.° 1:

«Nos casos em que não possa ser exigida a observância das convenções coletivas nos termos do § 4, os contratos públicos só podem ser adjudicados a empresas que, no ato da entrega das propostas, se obriguem por escrito a pagar aos trabalhadores afetos à execução do contrato um salário mínimo de 8,50 euros (bruto) por hora (salário mínimo) e a aplicar, a favor dos trabalhadores, as alterações ao salário mínimo […] durante o período de execução do contrato. […] Se a declaração de salário mínimo não for junta no ato da entrega da proposta nem após um pedido nesse sentido, a proposta deve ser excluída da avaliação. Poderão ser utilizados modelos […] de declaração de salário mínimo, se o serviço [competente] os tiver publicado.»

14      Na sequência da aprovação do Regulamento do Governo do Land da Renânia‑Palatinado de 11 de dezembro de 2012, o salário mínimo por hora referido no § 3, n.° 1, da LTTG passou para um montante bruto de 8,70 euros por hora.

15      Nos termos do § 4 da LTTG, intitulado «Dever de observância das convenções coletivas»:

«(1)      Os contratos públicos abrangidos pelo âmbito de aplicação da lei relativa às condições de trabalho obrigatoriamente aplicáveis aos trabalhadores em destacamento transfronteiriço ou regularmente empregados no território nacional [(Gesetz über zwingende Arbeitsbedingungen für grenzüberschreitend entsandte und für regelmäßig im Inland beschäftigte Arbeitnehmer und Arbeitnehmerinnen), de 20 de abril de 2009 (BGBl. 2009 I, p. 799)], na versão em vigor, apenas podem ser adjudicados a empresas que, no ato da entrega das propostas, se obriguem por escrito a pagar aos trabalhadores afetos à execução do contrato uma remuneração cujo montante e modalidades corresponda, no mínimo, às normas da convenção coletiva que vincula a empresa por força da [referida lei].

[...]

(6)      Se a declaração relativa à observância das convenções coletivas não for junta no ato da entrega da proposta nem após um pedido nesse sentido, a proposta deve ser excluída da avaliação. Poderão ser utilizados modelos […] de declaração de salário mínimo, se o serviço [competente] os tiver publicado.»

16      O § 5 do LTTG, intitulado «Subcontratantes», prevê, no seu n.° 2, que:

«Em caso de execução de prestações contratuais através de subcontratantes, a empresa deve assegurar que estes observem as obrigações referidas nos §§ 3 e 4 e entregar à entidade adjudicante declarações dos subcontratantes em matéria de salário mínimo e de observância das convenções coletivas. [...]»

17      O § 6 da LTTG, intitulado «Provas e controlo», impõe certas obrigações ao adjudicatário e aos subcontratantes, nomeadamente sobre a conservação e a disponibilização de documentos e de dados, que permitem à entidade adjudicante controlar a observância das obrigações impostas pela LTTG.

18      O § 7 do LTTG, intitulado «Sanções», dispõe:

«(1)      Para assegurar a observância das obrigações definidas nos §§ 3 a 6, as entidades adjudicantes ajustam com o adjudicatário, por cada incumprimento culposo, uma cláusula penal de 1% do valor do contrato; no caso de múltiplos incumprimentos, a soma das sanções não pode exceder 10% do valor do contrato. O adjudicatário está também obrigado ao pagamento da cláusula penal mencionada no primeiro período, quando o incumprimento seja imputável a um dos seus subcontratantes e o adjudicatário conhecesse ou devesse ter conhecimento do incumprimento. Se o montante da cláusula penal for desproporcionado, a entidade adjudicante pode, a pedido do adjudicatário, reduzi‑lo para um montante adequado. [...]

(2)      As entidades adjudicantes ajustam com o adjudicatário que o incumprimento que constitua, no mínimo, uma negligência grosseira e grave do adjudicatário ao disposto nos §§ 3 a 6 permite à entidade adjudicante resolver o contrato sem pré‑aviso, por motivo grave.

(3)      Se o adjudicatário ou um subcontratante incumprir, pelo menos por negligência grosseira ou reiteradamente, as obrigações que lhe incumbem por força da presente lei, as entidades adjudicantes podem excluí‑lo da adjudicação de contratos públicos, por um período máximo de três anos.

[...]»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

19      Resulta da decisão de reenvio que, em 23 de abril de 2013, a cidade de Landau lançou, a nível da União Europeia, um concurso público, num procedimento aberto, dividido em dois lotes, que tinha por objeto um contrato público relativo aos serviços postais dessa cidade, que visava, em particular, a celebração de um contrato‑quadro para a recolha, o transporte e a entrega de cartas e de encomendas. A duração prevista do contrato era de dois anos, podendo a entidade adjudicante prorrogá‑lo duas vezes, no máximo, pelo período de um ano de cada vez.

20      Em conformidade com o ponto III 2.2., ponto 4, do anúncio de concurso, que figura sob o título «Capacidade económica e financeira», «o adjudicatário respeita as disposições [da LTTG]».

21      À data dos factos no processo principal, não havia nenhuma convenção coletiva que fixasse um salário mínimo e que vinculasse as empresas do setor dos serviços postais nos termos da AEntG. Nessa mesma data, as empresas também não estavam sujeitas à obrigação de pagamento de um salário mínimo geral instituído pela Lei de 11 de agosto de 2014 sobre a regulamentação de um salário mínimo geral.

22      O anexo E6 do caderno de encargos do contrato em causa no processo principal intitulava‑se «Modelo da declaração nos termos do § 3, n.° 1, da LTTG». Este anexo destinava‑se a permitir aos proponentes apresentarem, no ato da entrega da sua proposta, a sua própria declaração de salário mínimo e a dos seus subcontratantes.

23      O modelo de declaração tinha o seguinte teor:

«Pela presente, comprometo‑me/comprometemo‑nos

1.      A pagar aos trabalhadores afetos à execução do contrato, pelo menos, a remuneração (bruta) por hora, estabelecida no regulamento do Land em vigor que fixa o salário mínimo, nos termos do § 3, n.° 2, terceiro período, [da LTTG]. Esta disposição não se aplica aos contratos de aprendizagem;

2.      A escolher criteriosamente os subcontratantes e, designadamente, verificar se as suas propostas podem ter sido elaboradas com base no salário mínimo a pagar;

3.      A assegurar, no caso da execução do contrato por subcontratantes ou por trabalhadores de uma agência de trabalho temporário ou por trabalhadores de uma agência de trabalho temporário do subcontratante, o cumprimento das obrigações previstas no § 4, n.° 1, da LTTG ou no § 3, n.° 1, da LTTG e a apresentar à entidade adjudicante declarações dos subcontratantes e da agência de trabalho temporário em que estes se obrigam a respeitar o salário mínimo e as convenções coletivas;

4.      A manter disponível documentação completa e em boa forma sobre os trabalhadores contratados, a apresentá‑la à entidade adjudicante, a seu pedido, e a alertar os trabalhadores para a possibilidade de fiscalizações pela entidade adjudicante.»

24      Por carta de 16 de maio de 2013, a RegioPost alegou que as declarações de salário mínimo previstas no § 3 da LTTG eram incompatíveis com o direito dos contratos públicos. Juntou à sua proposta, que entregou nos prazos exigidos, declarações dos seus subcontratantes, por si elaboradas. Porém, em relação a si própria, não apresentou nenhuma declaração de observância de salário mínimo.

25      Por correio eletrónico de 25 de junho de 2013, a cidade de Landau deu à RegioPost a possibilidade de apresentar as declarações de salário mínimo exigidas pelo § 3 da LTTG, no prazo de catorze dias, informando ainda que iria excluir a proposta da RegioPost se não cumprisse o pedido.

26      Por carta de 27 de junho de 2013, a RegioPost limitou‑se a reiterar as suas alegações e a anunciar que, no caso de a sua proposta ser excluída, iria interpor recurso.

27      Por carta de 11 de julho de 2013, a cidade de Landau informou a RegioPost de que a sua proposta não podia ser avaliada devido à falta das declarações de salário mínimo previstas no artigo § 3 da LTTG. Nessa mesma carta, referiu que o primeiro lote do contrato seria adjudicado à PostCon Deutschland GmbH e o segundo lote à Deutsche Post AG.

28      Por decisão de 23 de outubro de 2013, a Vergabekammer Rheinland‑Pfalz (Secção dos Contratos Públicos do Land da Renânia Palatinado) negou provimento ao recurso interposto em 15 de julho de 2013 pela RegioPost, considerando, nomeadamente, que a proposta desta tinha sido recusada com razão, devido à falta das declarações de salário mínimo que haviam sido legitimamente exigidas pela entidade adjudicante.

29      O órgão jurisdicional de reenvio, no qual foi interposto recurso desta decisão, considera que o desfecho deste depende da questão de saber se está obrigado a não aplicar o § 3 da LTTG devido à incompatibilidade desta disposição com o direito da União.

30      O referido órgão jurisdicional considera que o § 3, n.° 1, da LTTG contém uma condição particular relativa à execução do contrato, que, nos termos do artigo 26.° da Diretiva 2004/18, só é lícita se for compatível com o direito da União.

31      Ora, o mesmo órgão jurisdicional entende que não está em condições de verificar esta compatibilidade, mesmo tendo em conta a jurisprudência do Tribunal de Justiça, em especial o acórdão Rüffert (C‑346/06, EU:C:2008:189).

32      O órgão jurisdicional de reenvio considera que não obsta a um pedido de decisão prejudicial o facto de a RegioPost ser uma empresa com sede na Alemanha e de os outros proponentes terem a sua sede no território desse mesmo Estado‑Membro, uma vez que a questão de saber se uma disposição do direito nacional não deve ser aplicada por ser eventualmente incompatível com o direito da União é uma questão de direito que se coloca independentemente da nacionalidade das partes no processo de adjudicação de contrato ou de recurso.

33      Quanto à compatibilidade da medida nacional em causa no processo principal com o artigo 56.°, primeiro parágrafo, TFUE, o órgão jurisdicional de reenvio observa que a obrigação de as empresas estabelecidas em Estados‑Membros diferentes da República Federal da Alemanha fixarem os salários pagos aos seus trabalhadores num nível de remuneração mais elevado, aplicável no lugar de execução do contrato situado neste último Estado, faz com que estas empresas percam a vantagem concorrencial para elas decorrente dos seus custos salariais mais baixos, sendo que esta vantagem é muitas vezes necessária para compensar as vantagens estruturais de que beneficiam as empresas nacionais e para aceder ao mercado em causa. A obrigação de respeitar o salário mínimo previsto no § 3, n.° 1, da LTTG constitui, portanto, um obstáculo para as empresas estabelecidas nesses outros Estados‑Membros, que, em princípio, é proibida pelo artigo 56.°, primeiro parágrafo, TFUE.

34      Todavia, o órgão jurisdicional de reenvio entende que o direito da União não se opõe à aplicação do § 3, n.° 1, da LTTG às referidas empresas, se as condições de aplicação do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 96/71 estiverem reunidas. Ora, segundo este órgão jurisdicional, podem surgir dúvidas quanto a este ponto.

35      Por um lado, este órgão jurisdicional observa que, embora o § 3, n.° 1, da LTTG constitua efetivamente uma disposição legislativa que fixa a remuneração salarial mínima, esta disposição não garante aos trabalhadores o pagamento do salário mínimo pelo seu empregador. Com efeito, a referida disposição nacional limita‑se a proibir às entidades adjudicantes de adjudicarem um contrato público a proponentes que não se tenham obrigado a pagar o salário mínimo nela previsto aos trabalhadores afetos à execução do contrato público em causa.

36      Por outro lado, o mesmo órgão jurisdicional refere que a obrigação relativa ao salário mínimo prevista no § 3, n.° 1, da LTTG apenas diz respeito aos trabalhadores do adjudicatário afetos à execução do contrato público em causa. Ora, um trabalhador afeto à execução de um contrato privado não é menos digno de proteção social do que um trabalhador afeto à execução de um contrato público.

37      Quanto aos ensinamentos que devem ser retirados do acórdão Rüffert (C‑346/06, EU:C:2008:189), o órgão jurisdicional de reenvio salienta que, na doutrina alemã, foi nomeadamente defendido que esse acórdão deve ser entendido no sentido de que o artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 96/71 não se opõe a uma disposição como o § 3, n.° 1, da LTTG que fixa, numa disposição legislativa, uma remuneração salarial mínima, mesmo que esta só tenha de ser respeitada no quadro da execução dos contratos públicos, uma vez que a exigência de uma aplicação geral não diz respeito às disposições legislativas, mas unicamente às convenções coletivas.

38      No entanto, o órgão jurisdicional de reenvio afirma ter sérias dúvidas sobre a exatidão desta tese. Quanto à restrição a uma liberdade fundamental como a livre prestação de serviços, entende que seria ilógico interpretar o artigo 3.°, n.° 1, da referida diretiva no sentido de que exige que as convenções coletivas que fixam um salário mínimo sejam de aplicação geral, incluindo todos os trabalhadores do setor em causa, quer sejam afetos à execução de contratos públicos quer a contratos privados, embora o âmbito de aplicação de disposições legislativas que fixam um salário mínimo possa ser limitado unicamente aos trabalhadores afetos à execução de contratos públicos.

39      O referido órgão jurisdicional entende que se se concluísse que uma disposição nacional como o § 3, n.° 1, da LTTG, que impõe aos proponentes e seus subcontratantes que se obriguem a pagar um salário mínimo ao pessoal que executa as prestações objeto de um contrato público, é compatível com o artigo 56.° TFUE, pôr‑se‑ia a questão da compatibilidade, com o artigo 26.° da Diretiva 2004/18, da sanção prevista pela referida disposição nacional em caso de violação dessa obrigação, isto é, a exclusão do proponente da participação no processo de adjudicação do contrato.

40      O órgão jurisdicional de reenvio considera que essa compatibilidade se afigura duvidosa, uma vez que, embora o § 3, n.° 1, da LTTG constitua uma condição particular relativa à execução do contrato na aceção do artigo 26.° daquela diretiva, esta não prevê nenhum motivo de exclusão da participação num contrato pela violação dessa condição particular. De resto, esse motivo de exclusão seria difícil de compreender, uma vez que a questão da observância pelo proponente das condições particulares às quais se obrigou apenas se põe após a adjudicação do contrato a esse operador. Por conseguinte, não se trata de um critério de seleção qualitativo que possa justificar a exclusão de um proponente.

41      Este órgão jurisdicional entende que a sanção da exclusão da proposta em caso de desrespeito do § 3, n.° 1, da LTTG não se baseia num motivo válido, uma vez que as obrigações previstas por esta disposição apenas revestem natureza declaratória.

42      Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio considera que esta sanção é inútil, uma vez que, no quadro de um processo de adjudicação de um contrato público como o do processo principal, a obrigação relativa ao pagamento do salário mínimo prevista no § 3, n.° 1, da LTTG faz parte das obrigações que figuram tanto no anúncio de concurso como no caderno de encargos às quais o adjudicatário está contratualmente sujeito na sequência da adjudicação do contrato e cuja observância a cláusula penal prevista no § 7, n.° 1, da LTTG visa garantir.

43      Nestas condições, o Oberlandesgericht Koblenz decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve o artigo 56.°, primeiro parágrafo, TFUE, em conjugação com o artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva [96/71], ser interpretado no sentido de que se opõe a um regime nacional que obriga as entidades adjudicantes de direito público a apenas adjudicarem contratos às empresas, e suas subcontratadas, que, no momento da apresentação das propostas, se obriguem por escrito a pagar aos trabalhadores que utilizem na execução do contrato um salário mínimo estabelecido pelo Estado apenas para os contratos de direito público e não para os contratos de direito privado, dado não existir um salário mínimo legal geral nem uma convenção coletiva obrigatória aplicável aos potenciais adjudicatários e às eventuais empresas subcontratadas?

2)      Em caso de resposta negativa à primeira questão:

Deve o direito da União em matéria de adjudicação de contratos públicos, nomeadamente o artigo 26.° da Diretiva [2004/18], ser interpretado no sentido de que se opõe a um regime nacional como o do § 3, n.° 1, terceiro período, da LTTG […], que prevê a exclusão obrigatória da proposta se o operador económico, no momento em que apresenta a proposta, não se vincular, por declaração separada, a proceder de uma determinada forma a que, de qualquer modo, em caso de adjudicação do contrato, ficaria contratualmente obrigado mesmo sem a apresentação dessa declaração?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à admissibilidade

44      A cidade de Landau e os Governos alemão e italiano alegam a título de exceção a inadmissibilidade da primeira questão, invocando a falta, confirmada pelo órgão jurisdicional de reenvio, de qualquer elemento transfronteiriço que caracterize o litígio no processo principal, na medida em que todas as empresas que participaram no processo de adjudicação do contrato em causa no processo principal estão estabelecidas no território do Estado‑Membro da entidade adjudicante, isto é, a República Federal da Alemanha. Na falta de um elemento transfronteiriço, o Tribunal de Justiça não é competente para se pronunciar sobre a compatibilidade da medida em causa no processo principal com a Diretiva 96/71 e/ou o artigo 56.° TFUE. Por razões semelhantes, o Governo italiano também contesta a admissibilidade da segunda questão.

45      Estas objeções devem ser rejeitadas.

46      A título preliminar, importa lembrar que o facto de um órgão jurisdicional nacional ter, no plano formal, formulado uma questão prejudicial fazendo referência a certas disposições do direito da União não obsta a que o Tribunal de Justiça forneça a esse órgão jurisdicional todos os elementos de interpretação que possam ser úteis para a decisão do processo que lhe foi submetido, quer o mesmo tenha ou não feito referência a tais elementos no enunciado das suas questões. A este respeito, compete ao Tribunal de Justiça extrair do conjunto dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional nacional, designadamente da fundamentação da decisão de reenvio, os elementos do direito da União que exigem interpretação, tendo em conta o objeto do litígio (v., nomeadamente, acórdão Vicoplus e o., C‑307/09 a C‑309/09, EU:C:2011:64, n.° 22).

47      A este respeito, para dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio, a primeira questão deve, antes de mais, ser analisada à luz da disposição do direito da União que a rege especificamente, isto é, o artigo 26.° da Diretiva 2004/18, disposição à qual, de resto, se refere expressamente o órgão jurisdicional de reenvio no âmbito da sua segunda questão (v., por analogia, acórdão Rüffert, C‑346/06, EU:C:2008:189, n.° 18).

48      Ora, resulta claramente dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe, em particular da decisão da Vergabekammer Rheinland‑Pfalz, à qual é feita referência no n.° 28 deste acórdão, que a referida diretiva é aplicável no processo principal, uma vez que o valor do contrato público em causa ultrapassa largamente o limiar pertinente de aplicação da mesma diretiva, que, à data dos factos do processo principal, estava fixado em 200 000 euros.

49      Uma vez que, no caso em apreço, é aplicável a Diretiva 2004/18, o que, de resto, não foi contestado por nenhum dos interessados que apresentaram observações escritas ou presentes na audiência no Tribunal de Justiça, uma questão de interpretação relativa a uma das suas disposições, no caso em apreço, o seu artigo 26.°, é admissível, mesmo que esta se coloque, como no presente processo, no âmbito de um litígio em que todos os elementos se circunscrevem ao interior de um único Estado‑Membro.

50      Por outro lado, mesmo que, no presente processo, todos os elementos desse litígio se circunscrevam ao interior de um único Estado‑Membro, o Tribunal de Justiça é competente para se pronunciar sobre o artigo 56.° TFUE, desde que o grau de harmonização previsto pela referida diretiva o permita.

51      Com efeito, uma vez que o valor do contrato em causa no processo principal ultrapassa claramente o limiar de aplicação pertinente da mesma diretiva, há que considerar que esse contrato apresenta um interesse transfronteiriço certo. Por conseguinte, de modo nenhum se pode excluir a possibilidade de ter havido empresas estabelecidas em Estados‑Membros diferentes da República Federal da Alemanha interessadas em participar no referido contrato, na sequência da publicação do anúncio de concurso, embora acabassem por decidir não participar no mesmo por razões próprias mas que, para algumas dessas empresas estabelecidas em Estados‑Membros onde o custo de vida e a remuneração salarial mínima em vigor são significativamente inferiores aos do Land da Renânia Palatinado, poderiam incluir a obrigação expressamente prevista de respeitar o salário mínimo imposto nesse Land.

52      Daqui decorre que a primeira questão, reformulada no sentido de que tem por objeto, antes de mais, a interpretação do artigo 26.° da Diretiva 2004/18, e a segunda questão são admissíveis.

 Quanto ao mérito

 Quanto à primeira questão

53      Tendo em conta as considerações expostas relativas à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial, há que considerar que, através da sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 26.° da Diretiva 2004/18 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de uma entidade regional de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, que impõe aos proponentes e seus subcontratantes que se obriguem, por meio de uma declaração escrita que deve ser junta à sua proposta, a pagar ao pessoal contratado para executar as prestações objeto do contrato público em causa um salário mínimo fixado por essa legislação.

54      A este respeito, uma disposição nacional como o § 3 da LTTG, na medida em que prevê a obrigação de qualquer proponente e subcontratante se obrigarem perante a entidade adjudicante a pagar ao pessoal contratado para executar o contrato público em causa um salário mínimo determinado pela lei, deve ser qualificada de «condiç[ão] especia[l] de execução do contrato» que visa «considerações de índole social», na aceção do artigo 26.° desta diretiva.

55      No caso em apreço, esta condição particular foi indicada tanto no anúncio de concurso como no caderno de encargos, de modo que a condição processual de transparência, imposta pelo artigo referido em último, está preenchida.

56      Por outro lado, resulta do considerando 33 da mesma diretiva que uma condição particular de execução do contrato apenas é compatível com o direito da União na medida em que não seja direta ou indiretamente discriminatória. Ora, está assente que uma disposição nacional como a que está em causa no processo principal preenche essa condição.

57      Além disso, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, quando uma medida nacional se insere num domínio objeto de harmonização exaustiva a nível da União, essa medida deve ser apreciada à luz das disposições dessa medida de harmonização, e não à luz do direito primário da União (v., neste sentido, nomeadamente, acórdãos DaimlerChrysler, C‑324/99, EU:C:2001:682, n.° 32; Brzeziński, C‑313/05, EU:C:2007:33, n.° 44; e Comissão/Hungria, C‑115/13, EU:C:2014:253, n.° 38).

58      Ora, nos termos do artigo 26.° da Diretiva 2004/18, podem ser fixadas condições especiais de execução do contrato, «desde que as mesmas sejam compatíveis com o direito comunitário».

59      Resulta daí que a referida diretiva não regula de forma exaustiva o domínio das condições particulares de execução dos contratos, pelo que a regulamentação em causa no processo principal pode ser apreciada à luz do direito primário da União.

60      Assim sendo, nos termos do considerando 34 da Diretiva 2004/18, no âmbito da análise da compatibilidade da medida nacional em causa no processo principal com o direito da União, há que verificar se, em situações transfronteiriças em que os trabalhadores de um Estado‑Membro prestam serviços noutro Estado‑Membro para a realização de um contrato público, as condições mínimas enunciadas pela Diretiva 96/71 são respeitadas no país de acolhimento relativamente aos trabalhadores destacados.

61      No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto aos efeitos da medida nacional em causa no processo principal sobre as empresas estabelecidas fora do território alemão que possam ter estado interessadas em participar no processo de adjudicação do contrato público em causa e encarado o destacamento dos seus trabalhadores para esse território, pelo motivo de essas empresas poderem ter renunciado a essa participação devido à sua obrigação de se comprometerem a respeitar o salário mínimo estabelecido na LTTG. Por conseguinte, há que analisar esta medida nacional à luz do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 96/71.

62      A este respeito, há que constatar que uma disposição como o § 3 da LTTG deve ser qualificada de «disposição legislativa», na aceção do artigo 3.°, n.° 1, primeiro parágrafo, primeiro travessão, da referida diretiva, que prevê «remunerações salariais mínimas», na aceção do artigo 3.°, n.° 1, primeiro parágrafo, alínea c), da mesma diretiva. Com efeito, por um lado, contrariamente à Lei relativa à adjudicação de contratos públicos do Land da Baixa Saxónia, que estava em causa no processo em que foi proferido o acórdão Rüffert (C‑346/06, EU:C:2008:189), uma disposição como o § 3 da LTTG fixa ela própria a referida remuneração salarial mínima. Por outro lado, na altura dos factos no processo principal, nem a AEntG nem outra regulamentação nacional impunham, para o setor dos serviços postais, um salário de nível inferior.

63      Esta qualificação não pode ser posta em causa pelo facto de a medida nacional em causa se aplicar aos contratos públicos e não aos contratos privados, uma vez que a condição de aplicação geral definida no artigo 3.°, n.° 8, primeiro parágrafo, da Diretiva 96/71 apenas se aplica às convenções coletivas ou às decisões arbitrais visadas no artigo 3.°, n.° 1, primeiro parágrafo, segundo travessão, desta diretiva.

64      Além disso, uma vez que a medida nacional em causa no processo principal se insere no âmbito do artigo 26.° da Diretiva 2004/18, que permite, em certas condições, a imposição de um salário mínimo nos contratos públicos, não se pode exigir que essa medida se estenda para além desse domínio específico, impondo‑se de maneira geral a todos os contratos, incluindo os contratos privados.

65      Com efeito, a limitação do âmbito de aplicação da medida nacional aos contratos públicos é a simples consequência do facto de haver regras de direito da União que são específicas nesse domínio, no caso em apreço, as previstas pela Diretiva 2004/18.

66      Resulta daí que o artigo 26.° da Diretiva 2004/18, lido em conjugação com a Diretiva 96/71, permite ao Estado‑Membro de acolhimento prever, no âmbito da adjudicação de um contrato público, uma regra imperativa de proteção mínima fixada no artigo 3.°, n.° 1, primeiro parágrafo, alínea c), desta diretiva, como a que está em causa no processo principal, que impõe a observância, pelas empresas estabelecidas noutros Estados‑Membros, de uma remuneração salarial mínima a favor dos seus trabalhadores destacados no território do Estado‑Membro de acolhimento, para a execução desse contrato público. Com efeito, semelhante regra faz parte do nível de proteção que deve ser garantido aos referidos trabalhadores (v., neste sentido, acórdão Laval un Partneri, C‑341/05, EU:C:2007:809, n.os 74, 80 e 81).

67      Além disso, esta interpretação do artigo 26.° da Diretiva 2004/18 é confirmada pela sua leitura à luz do artigo 56.° TFUE, dado que esta diretiva tem por objetivo, designadamente, realizar a livre prestação de serviços, que é uma das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado (v., por analogia, acórdão Rüffert, C‑346/06, EU:C:2008:189, n.° 36).

68      De resto, resulta do considerando 2 da referida diretiva que as disposições de coordenação que a referida diretiva prevê para os contratos públicos que ultrapassem um determinado valor devem ser interpretadas em conformidade com as regras e os princípios do Tratado, entre os quais os relativos à livre prestação de serviços.

69      A este respeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a imposição, por força de uma regulamentação nacional, de uma remuneração mínima aos proponentes e aos seus eventuais subcontratantes estabelecidos num Estado‑Membro diferente do da entidade adjudicante e onde as remunerações salariais mínimas são inferiores constitui um encargo económico suplementar que é suscetível de proibir, perturbar ou tornar menos atrativa a execução das suas prestações no Estado‑Membro de acolhimento. Por conseguinte, uma medida como a que está em causa no processo principal é suscetível de constituir uma restrição, na aceção do artigo 56.° TFUE (v., neste sentido, nomeadamente, acórdão Bundesdruckerei, C‑549/13, EU:C:2014:2235, n.° 30).

70      Tal medida nacional pode, em princípio, justificar‑se pelo objetivo da proteção dos trabalhadores (v., neste sentido, acórdão Bundesdruckerei, C‑549/13, EU:C:2014:2235, n.° 31).

71      Todavia, conforme o órgão jurisdicional de reenvio referiu, põe‑se a questão de saber se dos n.os 38 a 40 do acórdão Rüffert (C‑346/06, EU:C:2008:189) decorre que tal justificação não pode ser aceite pelo motivo de o salário mínimo imposto pelo § 3, n.° 1, da LTTG se aplicar unicamente aos contratos públicos, com exclusão dos contratos privados.

72      Esta questão exige uma resposta negativa.

73      Com efeito, resulta dos referidos n.os 38 a 40 do acórdão Rüffert (C‑346/06, EU:C:2008:189) que, embora, no âmbito da análise, à luz do artigo 56.° TFUE, da medida nacional em causa no processo em que foi proferido esse acórdão, o Tribunal de Justiça tenha concluído que essa medida não podia ser justificada pelo objetivo da proteção dos trabalhadores, baseou‑se em certas características próprias da referida medida, que a distinguem claramente da medida nacional em causa no processo principal.

74      Deste modo, no acórdão Rüffert (C‑346/06, EU:C:2008:189), o Tribunal de Justiça baseou‑se na constatação de que o que estava em causa no processo que deu origem a esse acórdão era uma convenção coletiva que apenas se aplicava ao setor da construção, que não cobria os contratos privados e que não tinha sido declarada de aplicação geral. Por outro lado, o Tribunal de Justiça referiu que a remuneração salarial fixada por essa convenção coletiva excedia a remuneração salarial mínima aplicável a esse setor por força da AEntG.

75      Ora, a remuneração salarial mínima imposta pela medida em causa no processo principal é fixada por uma disposição legislativa que, enquanto regra imperativa de proteção mínima, se aplica, em princípio, de maneira geral, à adjudicação de qualquer contrato público no Land da Renânia Palatinado, independentemente do setor em causa.

76      Além disso, esta disposição legislativa confere uma proteção social mínima, uma vez que, na altura dos factos no processo principal, nem a AEntG nem outra regulamentação nacional impunham, para o setor dos serviços postais, um salário mínimo de nível inferior.

77      Em face do exposto, há que responder à primeira questão que o artigo 26.° da Diretiva 2004/18 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma legislação de uma entidade regional de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, que impõe aos proponentes e seus subcontratantes que se obriguem, por meio de uma declaração escrita que deve ser junta à sua proposta, a pagar ao pessoal contratado para executar as prestações objeto do contrato público em causa um salário mínimo fixado por essa legislação.

 Quanto à segunda questão

78      Através da segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 26.° da Diretiva 2004/18 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de uma entidade regional de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, que prevê excluir da participação num processo de adjudicação de um contrato público os proponentes e seus subcontratantes que recusem obrigar‑se, por meio de uma declaração escrita que deve ser junta à sua proposta, a pagar ao pessoal contratado para executar as prestações objeto do contrato público em causa um salário mínimo fixado por essa legislação.

79      Resulta da resposta à primeira questão que o referido artigo 26.° deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma legislação de uma entidade regional de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, que obriga os proponentes e seus subcontratantes a vincularem‑se, por meio de uma declaração escrita que deve ser junta à sua proposta, a pagar ao pessoal contratado para executar as prestações objeto do contrato público em causa um salário mínimo fixado por essa legislação.

80      O § 3, n.° 1, da LTTG prevê também que, se essa declaração não for junta no ato da entrega da proposta nem após um pedido nesse pedido, essa proposta é excluída da avaliação.

81      Por outro lado, o § 7 da LTTG prevê um regime de sanções que se aplica nas diferentes hipóteses em que esse compromisso escrito tiver sido junto à proposta, mas não tenha sido respeitado durante a execução do contrato público. Esse regime não é pertinente no âmbito do processo principal, que diz respeito à exclusão de um proponente que recusa juntar esse compromisso à sua proposta.

82      No caso em apreço, a RegioPost foi excluída da participação no processo de adjudicação do contrato público em causa no processo principal, após se ter recusado a proceder à regularização da sua proposta anexando à mesma o seu compromisso escrito de respeitar a obrigação de pagar o salário mínimo previsto no § 3, n.° 1, da LTTG.

83      Ora, a exclusão da participação nesse concurso não pode ser qualificada de sanção. É apenas a consequência do incumprimento, caracterizado pela falta de junção à proposta dos compromissos escritos exigidos pelo § 3, n.° 1, da LTTG, de um requisito formulado de modo singularmente transparente no anúncio de concurso em causa e que visa, antes de mais, realçar a importância do respeito de uma regra imperativa de proteção mínima expressamente autorizada no artigo 26.° da Diretiva 2004/18.

84      Assim, mesmo que este último artigo não se oponha a que seja exigido um compromisso escrito para o respeito da referida regra, permite essa exclusão.

85      A importância do respeito dessa regra imperativa de proteção mínima resulta, aliás, expressamente do considerando 34 da Diretiva 2004/18, na medida em que este enuncia que, no caso de incumprimento das obrigações impostas pelo direito nacional em matéria, nomeadamente, de condições de trabalho, os Estados‑Membros podem qualificar esse incumprimento como falta grave ou como uma infração que afeta a moralidade profissional do operador económico, passível de levar à exclusão desse operador do processo de adjudicação de um contrato público.

86      Por outro lado, o incómodo que representa, para os proponentes e, sendo caso disso, para os seus subcontratantes, a obrigação de incluir um compromisso de respeitar um salário mínimo, como o previsto no § 3, n.° 1, da LTTG, é negligenciável, uma vez que se podem limitar a preencher formulários pré‑impressos.

87      O caráter apropriado e proporcionado da exclusão de um operador da participação num processo de adjudicação de um contrato público, como a exclusão prevista no § 3, n.° 1, da LTTG, resulta também do facto de essa disposição prever expressamente que a referida exclusão apenas poderá ser aplicada se, após ter sido convidado a completar a sua proposta juntando‑lhe o referido compromisso, o operador em causa recusar fazê‑lo, como no processo principal.

88      Resulta do exposto que importa responder à segunda questão que o artigo 26.° da Diretiva 2004/18 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma legislação de uma entidade regional de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, que prevê excluir da participação num processo de adjudicação de um contrato público os proponentes e seus subcontratantes que recusem obrigar‑se, por meio de uma declaração escrita que deve ser junta à sua proposta, a pagar ao pessoal contratado para executar as prestações objeto do contrato público em causa um salário mínimo fixado por essa legislação.

 Quanto às despesas

89      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

1)      O artigo 26.° da Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços, conforme alterada pelo Regulamento (UE) n.° 1251/2011 da Comissão, de 30 de novembro de 2011, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma legislação de uma entidade regional de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, que impõe aos proponentes e seus subcontratantes que se obriguem, por meio de uma declaração escrita que deve ser junta à sua proposta, a pagar ao pessoal contratado para executar as prestações objeto do contrato público em causa um salário mínimo fixado por essa legislação.

2)      O artigo 26.° da Diretiva 2004/18, conforme alterada pelo Regulamento n.° 1251/2011, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma legislação de uma entidade regional de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, que prevê excluir da participação num processo de adjudicação de um contrato público os proponentes e seus subcontratantes que recusem obrigar‑se, por meio de uma declaração escrita que deve ser junta à sua proposta, a pagar ao pessoal contratado para executar as prestações objeto do contrato público em causa um salário mínimo fixado por essa legislação.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.