Language of document : ECLI:EU:C:2011:86

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

VERICA TRSTENJAK

apresentadas em 17 de Fevereiro de 2011 (1)

Processo C‑325/09

Secretary of State for the Home Department

contra

Maria Dias

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela Court of Appeal (England and Wales) (Civil Division) (Reino Unido)]

«Liberdade de circulação – Directiva 2004/38/CE – Artigo 16.° – Direito de residência permanente – Consideração dos períodos de residência completados antes do termo do prazo de transposição da directiva, em 30 de Abril de 2006 – Legalidade da residência – Efeitos de uma residência que não é legal na acepção do artigo 16.°, n.° 1, da Directiva 2004/38 e se segue a uma residência legal, na acepção dessa disposição, de cinco anos»





1.        No presente pedido de decisão prejudicial, a Court of Appeal (a seguir «órgão jurisdicional de reenvio») submete novamente à apreciação do Tribunal de Justiça questões relativas à interpretação do artigo 16.° da Directiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.° 1612/68 e que revoga as Directivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE (2). O primeiro período do n.° 1 desta disposição prevê que os cidadãos da União que tenham residido legalmente por um período de cinco anos consecutivos no território do Estado‑Membro de acolhimento, têm direito de residência permanente no mesmo.

2.        O presente litígio apresenta uma ligação estreita com o processo Lassal, no qual o Tribunal de Justiça proferiu o seu acórdão em 7 de Outubro de 2010 (3). Também no presente litígio está em causa a questão de saber em que medida devem ser tidos em consideração, no âmbito do artigo 16.° da Directiva 2004/38, os períodos de residência completados antes do termo do prazo de transposição daquela, em 30 de Abril de 2006. Porém, no presente processo suscita‑se a questão adicional de saber se também se pode constituir um direito de residência permanente a favor de uma cidadã da União, quando esta tenha, primeiro, residido legal e ininterruptamente por mais de cinco anos no Estado‑Membro de acolhimento, a que se seguiu um período de pouco mais de um ano em que essa cidadã da União, embora não pudesse extrair um direito de residência da legislação da União aplicável na época, dispunha de uma autorização de residência concedida, e não retirada, pelas autoridades nacionais. O presente processo permite ao Tribunal de Justiça aprofundar a sua jurisprudência relativa ao artigo 16.° da directiva.

I –    Quadro jurídico

A –    Direito da União (4)

1.      Direito primário

3.        O artigo 12.°, n.° 1, CE estabelece:

«No âmbito de aplicação do presente Tratado, e sem prejuízo das suas disposições especiais, é proibida toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade.»

4.        O artigo 18.° CE dispõe:

«1.      Qualquer cidadão da União goza do direito de circular e permanecer livremente no território dos Estados‑Membros, sob reserva das limitações e condições previstas no presente Tratado e nas disposições adoptadas em sua aplicação.

2.      Se, para atingir esse objectivo, se revelar necessária uma acção da Comunidade sem que o presente Tratado tenha previsto poderes de acção para o efeito, o Conselho pode adoptar disposições destinadas a facilitar o exercício dos direitos a que se refere o n.° 1. O Conselho delibera nos termos do artigo 251.°

3.      O n.° 2 não se aplica às disposições relativas aos passaportes, aos bilhetes de identidade, às autorizações de residência ou a qualquer outro documento equiparado, nem às disposições respeitantes à segurança social ou à protecção social.»

2.      Direito derivado

a)      Directiva 2004/38

5.        O primeiro a terceiro considerandos da Directiva 2004/38 têm a seguinte redacção:

«1.      A cidadania da União confere a cada cidadão da União um direito fundamental e individual de circular e residir livremente no território dos Estados‑Membros, sujeito às limitações e condições estabelecidas no Tratado e às medidas adoptadas em sua execução.

2.      A livre circulação das pessoas constitui uma das liberdades fundamentais do mercado interno que compreende um espaço sem fronteiras internas, no qual a liberdade é assegurada de acordo com as disposições do Tratado.

3.      A cidadania da União deverá ser o estatuto fundamental dos nacionais dos Estados‑Membros quando estes exercerem o seu direito de livre circulação e residência. É, pois, necessário codificar e rever os instrumentos comunitários em vigor que tratam separadamente a situação dos trabalhadores assalariados, dos trabalhadores não assalariados, assim como dos estudantes e de outras pessoas não activas, a fim de simplificar e reforçar o direito de livre circulação e residência de todos os cidadãos da União.»

6.        O décimo sétimo e décimo oitavo considerandos da Directiva 2004/38 são formulados do seguinte modo:

«17.      A possibilidade de residência permanente para os cidadãos da União que tiverem optado por se instalar de forma duradoura no Estado‑Membro de acolhimento reforçaria o sentimento de cidadania da União e constitui um elemento‑chave para promover a coesão social, que é um dos objectivos fundamentais da União. Por conseguinte, há que instituir o direito de residência permanente para todos os cidadãos da União e membros das suas famílias que tenham residido no Estado‑Membro de acolhimento de acordo com as condições estabelecidas na presente directiva durante um período de cinco anos consecutivos sem se tornarem passíveis de medida de afastamento.

18.      Para que possa constituir um verdadeiro instrumento de integração na sociedade do Estado‑Membro de acolhimento em que reside o cidadão da União, o direito de residência permanente, uma vez adquirido, não deve estar sujeito a condições.»

7.        O artigo 7.° da Directiva 2004/38 dispõe:

«Direito de residência por mais de três meses

1.      Qualquer cidadão da União tem o direito de residir no território de outro Estado‑Membro por período superior a três meses, desde que:

a)      Exerça uma actividade assalariada ou não assalariada no Estado‑Membro de acolhimento; ou

b)      Disponha de recursos suficientes para si próprio e para os membros da sua família, a fim de não se tornar uma sobrecarga para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento durante o período de residência, e de uma cobertura extensa de seguro de doença no Estado‑Membro de acolhimento; ou

[…]

3.      Para os efeitos da alínea a) do n.° 1, o cidadão da União que tiver deixado de exercer uma actividade assalariada ou não assalariada mantém o estatuto de trabalhador assalariado ou não assalariado nos seguintes casos:

a)      Quando tiver uma incapacidade temporária de trabalho, resultante de doença ou acidente;

b)      Quando estiver em situação de desemprego involuntário devidamente registado depois de ter tido emprego durante mais de um ano e estiver inscrito no serviço de emprego como candidato a um emprego;

c)      Quando estiver em situação de desemprego involuntário devidamente registado no termo de um contrato de trabalho de duração determinada inferior a um ano ou ficar em situação de desemprego involuntário durante os primeiros 12 meses, e estiver inscrito no serviço de emprego como candidato a um emprego. Neste caso, mantém o estatuto de trabalhador assalariado durante um período não inferior a seis meses;

d)      Quando seguir uma formação profissional. A menos que o interessado esteja em situação de desemprego involuntário, a manutenção do estatuto de trabalhador assalariado pressupõe uma relação entre a actividade profissional anterior e a formação em causa.

[...]»

8.        O artigo 14.°, n.° 3, da directiva determina:

«O recurso ao regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento por parte de um cidadão da União ou dos membros da sua família não deve ter como consequência automática uma medida de afastamento.»

9.        O artigo 16.° da directiva contém a regra geral para o direito de residência permanente. Este artigo dispõe o seguinte:

«Regra geral para os cidadãos da União e membros das suas famílias

1.      Os cidadãos da União que tenham residido legalmente por um período de cinco anos consecutivos no território do Estado‑Membro de acolhimento, têm direito de residência permanente no mesmo. Este direito não está sujeito às condições previstas no Capítulo III.

[...]

3.      A continuidade da residência não é afectada por ausências temporárias que não excedam seis meses por ano, nem por ausências mais prolongadas para cumprimento de obrigações militares, nem por uma ausência de 12 meses consecutivos no máximo, por motivos importantes, como gravidez ou parto, doença grave, estudos ou formação profissional, ou destacamento por motivos profissionais para outro Estado‑Membro ou país terceiro.

4.      Uma vez adquirido, o direito de residência permanente só se perde devido a ausência do Estado‑Membro de acolhimento por um período que exceda dois anos consecutivos.»

10.      O artigo 24.° da directiva estabelece:

«Igualdade de tratamento

1.      Sob reserva das disposições específicas previstas expressamente no Tratado e no direito secundário, todos os cidadãos da União que, nos termos da presente directiva, residam no território do Estado‑Membro de acolhimento beneficiam de igualdade de tratamento em relação aos nacionais desse Estado‑Membro, no âmbito de aplicação do Tratado. O benefício desse direito é extensível aos membros da família que não tenham a nacionalidade de um Estado‑Membro e tenham direito de residência ou direito de residência permanente.

2.      Em derrogação do n.° 1, o Estado‑Membro de acolhimento pode não conceder o direito a prestações de assistência social durante os primeiros três meses de residência ou, quando pertinente, o período mais prolongado previsto na alínea b) do n.° 4 do artigo 14.°, assim como, antes de adquirido o direito de residência permanente, pode não conceder ajuda de subsistência, incluindo a formação profissional, constituída por bolsas de estudo ou empréstimos estudantis, a pessoas que não sejam trabalhadores assalariados ou trabalhadores não assalariados, que não conservem este estatuto ou que não sejam membros das famílias dos mesmos.»

11.      O artigo 37.° da directiva estabelece:

«Disposições nacionais mais favoráveis

As disposições da presente directiva não afectam disposições legislativas, regulamentares e administrativas de um Estado‑Membro que sejam mais favoráveis às pessoas abrangidas pela presente directiva.»

12.      O artigo 38.° da directiva determina:

«Revogações

1.      São revogados, com efeitos a partir de 30 de Abril de 2006, os artigos 10.° e 11.° do Regulamento (CEE) n.° 1612/68.

2.      São revogadas, com efeitos a partir de 30 de Abril de 2006, as Directivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE.

3.      As remissões feitas para as disposições revogadas entendem‑se feitas para a presente directiva.»

13.      Nos termos do artigo 40.° da directiva, os Estados‑Membros devem pôr em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à presente Directiva até 30 de Abril de 2006.

b)      Directiva 68/360

14.      O artigo 4.°, n.os 1 e 2, da Directiva 68/360/CEE do Conselho, de 15 de Outubro de 1968, relativa à supressão das restrições à deslocação e permanência dos trabalhadores dos Estados‑Membros e suas famílias na Comunidade (5) estipula:

«1.      Os Estados‑Membros reconhecerão o direito de permanência no seu território às pessoas abrangidas pelo artigo 1.° que possam apresentar os documentos referidos no n.° 3.

2.      O direito de permanência é confirmado pela emissão de um documento denominado ‘Cartão de Residência de Nacional de um Estado‑Membro da CEE’. Este documento deve conter a menção de que foi emitido nos termos do Regulamento (CEE) n.° 1612/68 e das disposições adoptadas pelos Estados‑Membros em aplicação da presente directiva. O texto desta menção consta do anexo da presente directiva.»

15.      O artigo 6.°, n.° 1, da Directiva 68/360 determina:

«O cartão de residência:

a)      Deve ser válido para a totalidade do território d[o] Estado‑Membro que o emitiu;

b)      Deve ter um período de validade de, pelo menos, cinco anos a contar da data de emissão e ser automaticamente renovável.»

16.      O artigo 7.°, n.° 1, da Directiva 68/360 estabelece:

«O cartão de residência válido não pode ser retirado ao trabalhador pelo simples facto de ele já não ocupar um emprego, quer por o interessado ter ficado temporariamente incapacitado para o trabalho por motivo de doença ou de acidente, quer por se encontrar em situação de desemprego involuntário devidamente comprovada pelo serviço de emprego competente.»

B –    Direito nacional

17.      De acordo com o direito nacional em vigor, o apoio ao rendimento é uma prestação concedida a pessoas necessitadas, com idades compreendidas entre os 16 e os 59 anos e que não estejam obrigadas a pedir o subsídio de desemprego, por exemplo, por se encontrarem em fase avançada da gravidez, por estarem incapacitadas para o trabalho ou constituírem uma família monoparental.

18.      O direito ao apoio ao rendimento está regulado no Social Security Contributions and Benefits Act 1992 (Lei de 1992 relativa às contribuições e prestações de segurança social, a seguir «lei de 1992»). De acordo com a Section 124, n.º 1, alínea b) da lei de 1992, o direito ao apoio ao rendimento está sujeito à condição de os rendimentos do interessado não excederem o «montante aplicável». Segundo a Section 135 (1) da lei de 1992, este refere‑se ao montante ou à soma dos montantes fixados relativamente a essa prestação. Nos termos da Section 135, n.º 2, da lei de 1992, o poder de fixar os montantes aplicáveis inclui o poder de determinar que o montante aplicável é zero.

19.      Nos termos das regras 21 e 21AA e do anexo 7 das Income Support (General) Regulations de 1987 (Regulamento geral relativo ao apoio ao rendimento), o montante aplicável fixado para uma pessoa de origem estrangeira é zero, daí resultando que essa pessoa não tem direito ao apoio ao rendimento.

20.      A regra 21AA, n.º 1, define o conceito de pessoa de origem estrangeira como um requerente que não reside habitualmente no Reino Unido, nas Ilhas anglo‑normandas, na Ilha de Man ou na República da Irlanda.

Segundo a regra 21AA, n.º 2, apenas é possível considerar que um requerente de apoio ao rendimento reside habitualmente no Reino Unido, nas Ilhas anglo‑normandas, na Ilha de Man ou na República da Irlanda quando aquele tem um direito de residência nestes territórios que não esteja abrangido pela regra 21AA, n.º 3.

21.      Nos termos da regra 21AA, n.º 3, excluem‑se, em particular, os direitos de residência seguintes:

–        os direitos de residência baseados no direito de um cidadão da UE a residir num Estado diferente do seu Estado de origem por um período inicial de três meses,

–        os direitos de residência baseados no direito de um cidadão da UE a residir após o termo desse período, desde que os respectivos titulares estejam à procura de emprego ou sejam membros da família desse cidadão.

22.      A regra 21AA, n.º 4, prevê que certas pessoas não devem ser consideradas «pessoas provenientes do estrangeiro», devendo, por conseguinte, ser abrangidas pelo direito ao apoio ao rendimento. Estas incluem, nomeadamente, os cidadãos da União que são trabalhadores por conta de outrem ou são, de outra forma, auto‑suficientes.

II – Matéria de facto e tramitação processual no órgão jurisdicional de reenvio

23.      M. Dias tem nacionalidade portuguesa e é solteira. Em Janeiro de 1998, M. Dias veio com os seus dois filhos para o Reino Unido, onde encontrou um emprego imediatamente. Os seus filhos, com os quais entrou inicialmente no país, são agora adultos e já não vivem com ela.

24.      A estadia de M. Dias no Reino Unido pode ser dividida nos períodos seguintes:

–        De Janeiro de 1998 até ao Verão de 2002 (a seguir «período 1») M. Dias esteve empregada;

–        Do Verão de 2002 a 17 de Abril de 2003 (a seguir «período 2») M. Dias beneficiou de uma licença por maternidade. O seu filho mais novo nasceu em 7 de Outubro de 2002;

–        Após o termo da sua licença por maternidade, M. Dias optou, de forma voluntária, por não regressar temporariamente ao seu posto de trabalho, ocupando‑se antes, de 18 de Abril de 2003 a 25 de Abril de 2004 [a seguir «período 3»], do seu filho mais novo. Durante este período, M. Dias recebeu apoio ao rendimento nos termos das disposições então vigentes (6);

–        Entre 26 de Abril de 2004 e 23 de Março de 2007 (a seguir «período 4») M. Dias regressou ao seu posto de trabalho, estando, portanto, novamente empregada;

–        A partir de 24 de Março de 2007 (a seguir «período 5»), M. Dias volta a estar desempregada;

25.      Em 13 de Maio de 2000 (portanto, durante o período 1), o Home Office (ministério dos assuntos internos do Reino Unido) emitiu um cartão de residência em nome de M. Dias. Este cartão dizia o seguinte:

«Cartão de Residência de Nacional de um Estado‑Membro da CEE

O presente cartão é emitido ao abrigo do Regulamento (CEE) n.° 1612/68 do Conselho, de 15 de Outubro de 1968, e das medidas tomadas para transposição da Directiva de 15 de Outubro de 1968 do Conselho [Directiva 68/360].

Nos termos do disposto no referido regulamento, o titular do presente cartão tem o direito de prestar trabalho por conta de outrem no Reino Unido nas mesmas condições que os trabalhadores britânicos.

Aconselha‑se ao titular a apresentação deste cartão ao Immigration Officer sempre que entre ou saia do Reino Unido.»

26.      Este documento era válido desde a sua emissão, em 13 de Maio de 2000, até 13 de Maio de 2005. As indicações nele impressas informavam o titular de que:

«A validade deste cartão corresponde ao período‑limite da sua estadia no Reino Unido. Salvo disposição em contrário, este período‑limite aplicar‑se‑á a qualquer autorização posterior que deva obter para entrar no Reino Unido após um período de ausência deste país dentro do prazo de validade deste título.»

27.      Em 26 de Março de 2007, isto é, durante o período 5 e após o termo do prazo de transposição da Directiva 2004/38, em, 30 de Abril de 2006, M. Dias apresentou um requerimento de apoio ao rendimento. De acordo com a legislação nacional então aplicável, o deferimento do seu requerimento para apoio ao rendimento depende da questão de saber se M. Dias, naquela altura, já tinha adquirido o direito de residência permanente concedido pelo artigo 16.°, n.° 1, da Directiva 2004/38.

28.      Depois de o seu requerimento ter sido indeferido, M. Dias impugnou este indeferimento junto do Social Security Commissioner. Este concluiu que o requerimento apresentado por M. Dias para o apoio ao rendimento tinha fundamento, visto que a requerente dispunha de um direito de residência permanente nos termos do artigo 16.° da Directiva 2004/38. De facto, a residência de M. Dias nos períodos 1 e 2, portanto, desde o início de Janeiro de 1998 até 17 de Abril de 2003, não pode ser tida em consideração. No âmbito do artigo 16.°, n.° 1, da Directiva 2004/38, apenas podem ser considerados os períodos de residência completados após 30 de Abril de 2006, isto é, após o termo do prazo de transposição desta directiva. Em contrapartida, a residência de M. Dias nos períodos 3 e 4 pode ser tida em conta. Embora, no período 3, M. Dias não tenha prestado qualquer trabalho por conta de outrem, nem fosse auto‑suficiente, a autorização de residência emitida pelas autoridades nacionais conferiu‑lhe um direito de residência. Além, disso, neste período, M. Dias dispunha também de um direito de residência decorrente directamente do artigo 18.° CE.

29.      Contra esta decisão do Social Security Commissioner, o Secretary of State e M. Dias interpuseram, respectivamente, recurso e recurso subordinado no órgão jurisdicional de reenvio. No seu pedido de decisão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio estabeleceu a seguinte conclusão intermédia:

30.      Em primeiro lugar, o referido órgão jurisdicional concluiu, a título provisório, que tanto o n.° 1 como o n.° 4 do artigo 16.° da Directiva 2004/38 devem ser aplicados aos períodos de residência completados antes de 30 de Abril de 2006, desde que estes se tenham desenrolado em conformidade com a legislação comunitária então em vigor. Uma vez que, desde o início de Janeiro de 1998 até 17 de Abril de 2003, M. Dias residiu legal e ininterruptamente por um período superior a cinco anos no Reino Unido, na acepção do artigo 16.°, n.° 1, da directiva, constituiu‑se a favor desta, em 30 de Abril de 2006, um direito de residência permanente. No entanto, o órgão jurisdicional de reenvio suspendeu a sua decisão final sobre este ponto até à prolação do acórdão do Tribunal de Justiça no processo Lassal.

31.      Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio abordou a questão de saber se também o período 3 constitui um período de residência legal na acepção do artigo 16.°, n.° 1, da directiva. Nesse contexto, concluiu que, no referido período, M. Dias não prestara trabalho por conta de outrem. O simples facto de o cartão de residência emitido pelas autoridades nacionais em nome de M. Dias ser válido para este período não é suficiente para considerar este período legal na acepção do artigo 16.°, n.° 1, da Directiva 2004/38. No entanto, uma vez que continuava a ter dúvidas, o órgão jurisdicional de reenvio suspendeu a sua decisão final e submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões para que este se pronuncie a título prejudicial:

«Se um cidadão da União Europeia, presente num Estado‑Membro do qual não é nacional, tiver sido, antes da transposição da Directiva 2004/38/CE, titular de um [cartão] de residência validamente emitido ao abrigo do artigo 4.°, n.° 2, da Directiva 68/360/CEE, mas [tiver], por um período de tempo durante a vigência do [cartão], [estado] voluntariamente desempregado, numa situação de não auto‑suficiência [e] perdido o estatuto necessário para a emissão desse [cartão], pode considerar‑se que essa pessoa, em virtude apenas da posse do [cartão], continuou, durante esse período, a «residir legalmente» no Estado‑Membro de acolhimento para efeitos de adquirir posteriormente um direito de residência permanente nos termos do artigo 16.°, n.° 1, da Directiva 2004/38/CE?

32.      Na hipótese de não resultar qualquer direito de residência permanente do n.° 1 do artigo 16.° da Directiva 2004/38, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a questão de saber se também do artigo 18.° CE decorre directamente um direito de residência a favor de M. Dias, tendo, por conseguinte, submetido ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Caso a residência por um período de cinco anos consecutivos na qualidade de trabalhador antes de 30 de Abril de 2006 não seja elegível para conceder o direito de residência permanente criado pelo artigo 16.°, n.° 1, da Directiva 2004/38/CE, essa residência contínua na qualidade de trabalhador confere o direito de residência permanente ao abrigo directamente do artigo 18.°, n.° 1, CE com base no facto de existir uma lacuna na directiva?»

III – Tramitação processual no Tribunal de Justiça

33.      Apresentaram observações escritas, no prazo previsto no artigo 23.° do Estatuto do Tribunal de Justiça, M. Dias, o Reino Unido, a República Portuguesa, o Reino da Dinamarca e a Comissão.

34.      Em 16 de Dezembro de 2010, realizou‑se uma audiência, na qual participaram os representantes de M. Dias, do Reino Unido e da Comissão Europeia.

IV – Principais argumentos das partes

A –    Quanto à consideração dos períodos de residência completados antes de 30 de Abril de 2006

35.      Segundo M. Dias, o Governo português e a Comissão, os períodos de residência completados antes de 30 de Abril de 2006 devem ser tidos igualmente em consideração no âmbito do artigo 16.°, n.° 1, da directiva. Por conseguinte, M. Dias preenchia as condições previstas no n.° 1 do referido artigo, visto que residira, desde o início de Janeiro de 1998 até 17 de Abril de 2003, legal e ininterruptamente por um período superior a cinco anos no Reino Unido, tendo, deste modo, atingido o grau de integração necessário para a aquisição de um direito de residência permanente. M. Dias remete para as observações formuladas pelo Child Poverty Action Group no processo Lassal e a Comissão para as suas próprias observações feitas nesse processo. O Governo português realça que a Directiva 2004/38 codificou as regras existentes antes da sua entrada em vigor. De acordo com o seu terceiro considerando, o objectivo da directiva consiste em simplificar e reforçar os direitos de livre circulação. Por conseguinte, a directiva não pode ser interpretada no sentido de que fica aquém dos direitos já existentes.

36.      Na audiência, o Governo do Reino Unido esclareceu que, em reacção ao acórdão Lassal, parte agora igualmente do princípio de que é possível considerar os períodos 1 e 2 de residência por parte de M. Dias, e que, por conseguinte, M. Dias adquiriu um direito de residência permanente.

37.      Segundo o Governo dinamarquês, de acordo com o n.° 1 do artigo 16.° da Directiva 2004/38, os períodos de residência completados antes de 30 de Abril de 2006 não podem ser tidos em conta. A não consideração das residências anteriores a 30 de Abril de 2006 pela directiva não constitui uma lacuna involuntária desta, mas sim uma decisão deliberada do legislador da União. O direito de residência permanente na acepção do artigo 16.° da Directiva 2004/38 é, na verdade, um direito recente, instituído apenas através da directiva.

B –    Quanto à primeira questão prejudicial

38.      M. Dias e o Governo português consideram que a residência da primeira durante o período 3 era legal na acepção do artigo 16.°, n.° 1, da Directiva 2004/38.

39.      M. Dias alega, em primeiro lugar, que a redacção desta disposição permite ter em consideração igualmente uma residência que é legal, não segundo o direito da União Europeia, mas sim segundo as disposições nacionais. As autoridades nacionais emitiram, nos termos do artigo 6.° da Directiva 68/360, um cartão de residência em seu nome, válido para o período 3. Por conseguinte, durante o período 3, M. Dias residiu legalmente no Reino Unido. Segundo afirma, aponta nesse sentido uma comparação das disposições da Directiva 68/360 com os artigos 1.° e 3.° da Directiva 90/364/CEE do Conselho, de 28 de Junho de 1990, relativa ao direito de residência (7). Não se pode objectar contra esta conclusão que um cartão de residência emitido nos termos do artigo 6.° da Directiva 68/360 tem, de acordo com a jurisprudência, natureza meramente declarativa. Na verdade, desta jurisprudência resulta apenas que um direito de residência baseado no direito da União não depende da observância do processo nacional, e não, a contrario, que um cartão de residência nacional é desprovido de qualquer valor. Além disso, no caso vertente, não devem ser tidas em conta as disposições relativas ao registo previstas no artigo 8.° da Directiva 2004/38, mas sim e unicamente as disposições relativas ao título de residência na acepção da Directiva 68/360. Por outro lado, não resulta do artigo 16.° da Directiva 2004/38 nem do seu décimo sétimo considerando que, para que se verifique uma residência legal na acepção do n.° 1 do seu artigo 16.°, devem estar preenchidas as condições do seu artigo 7.° A Directiva 2004/38 tão‑pouco deve, à luz do seu objecto e finalidade, ser alvo de interpretação estrita. Em particular, a directiva não deve ser interpretada de modo a restringir o efeito do artigo 18.° CE ou o objectivo, que prossegue, de promoção da coesão social. Por último, não se verifica qualquer nexo entre os artigos 16.° e 7.° da Directiva 2004/38, pelo que, no âmbito da primeira disposição, não há forçosamente que ter em consideração uma residência ocorrida nos termos da segunda.

40.      Segundo o Governo português, durante o período 3, M. Dias não perdeu o seu estatuto de trabalhadora. De facto, M. Dias estava voluntariamente desempregada. Porém, uma vez que agiu deste modo para poder cuidar do seu filho de seis meses, M. Dias continuou integrada no mercado de trabalho no Reino Unido. O cartão de residência nacional confirmou simplesmente o direito resultante da sua qualidade de trabalhadora.

41.      O Governo do Reino Unido, o Governo dinamarquês e a Comissão consideram que a residência de M. Dias durante o período 3 não era uma residência legal na acepção do artigo 16.°, n.º 1, da Directiva 2004/38. O facto de a residência de M. Dias ter decorrido ao abrigo de uma autorização de residência emitida pelas autoridades nacionais não basta para a considerar legal.

42.      Em primeiro lugar, o Governo dinamarquês e a Comissão alegam que esta circunstância resulta do décimo sétimo considerando da directiva, de acordo com o qual a residência na acepção do artigo 16.°, n.° 1, da directiva deve verificar‑se nas condições estabelecidas na mesma. Além disso, nos termos do artigo 14.°, n.° 2, da directiva, os cidadãos da União apenas beneficiam de um direito de residência se preencherem as condições enunciadas no artigo 7.° da directiva. Por outro lado, o Governo dinamarquês refere que a directiva consolida os direitos de residência anteriormente existentes, fundados no direito da União. Por último, a Comissão sublinha que o direito de residência permanente previsto no artigo 16.°, n.° 1, da directiva é o estatuto mais favorável que pode ser concedido a um cidadão da União nacional de outro Estado‑Membro, pressupondo, por conseguinte, um elevado grau de integração.

43.      Em segundo lugar, o Governo do Reino Unido, o Governo dinamarquês e a Comissão salientam que o cartão de residência emitido pelas autoridades nacionais não é relevante. Na verdade, este cartão apenas declara que M. Dias dispõe de um direito de residência com base nas disposições de direito da União correspondentes. Na hipótese de desemprego voluntário, um Estado‑Membro pode, com efeito, retirar o cartão de residência. Porém, a residência de M. Dias durante o período 3 não pode ser considerada legal na acepção do artigo 16.°, n.° 1, da Directiva 2004/38, simplesmente porque as autoridades nacionais não retiraram a M. Dias o cartão de residência. Caso contrário, os Estados‑Membros teriam de avaliar permanentemente se as condições para a emissão do cartão de residência continuam preenchidas. Isto representaria um encargo desproporcionado para as autoridades nacionais e ameaça conduzir a uma discriminação dos cidadãos da União que são nacionais de outros Estados‑Membros.

44.      Em terceiro lugar, segundo o Governo dinamarquês, milita contra a consideração de uma residência que decorreu ao abrigo de um cartão de residência emitido pelas autoridades nacionais o facto de o artigo 8.° da Directiva 2004/38 prever a possibilidade de o Estado de acolhimento exigir o registo por parte dos cidadãos da União para um período de residência superior a três meses. Se esse registo fosse tido em conta na apreciação da legalidade da residência, o conceito de legalidade seria objecto de uma interpretação que variaria consoante um Estado‑Membro fizesse uso ou não da possibilidade prevista no referido artigo 8.° Neste contexto, o Governo do Reino Unido acrescenta que o objectivo do artigo 8.° da Directiva 2004/38 consiste em obter uma visão de conjunto dos movimentos de imigração e de emigração.

45.      Em quarto lugar, a Comissão alega subsidiariamente, na hipótese de o Tribunal de Justiça não partilhar da opinião da Comissão, que neste caso há ainda que distinguir entre duas situações. No caso de as autoridades nacionais ignorarem que já não se verificam os pressupostos para a atribuição do direito de residência fundado no direito da União, o facto de se continuar a tolerar a permanência de um cidadão da União não pode fundamentar qualquer residência legal na acepção do artigo 16.°, n.° 1, da Directiva 2004/38. Pelo contrário, poder‑se‑á admitir a existência de uma residência legal na acepção desta disposição quando as autoridades nacionais autorizem deliberadamente, para além do disposto no direito da União, a residência de um cidadão da União.

46.      Em quinto lugar, a Comissão acrescenta que uma residência como a do período iii), embora não tenha ocorrido de forma legal na acepção do artigo 16.°, n.° 1, da Directiva 2004/38, não interrompe, porém, a residência na acepção desta disposição. A directiva não contém qualquer norma aplicável a um caso como o vertente, em que um cidadão da União reside ininterruptamente no Estado‑Membro de acolhimento, mas durante um determinado período não preenche as condições para a existência de uma residência legal na acepção do artigo 16.°, n.° 1, da directiva. Em contrapartida, o n.° 3 do referido artigo contém uma disposição especial, segundo a qual uma ausência de uma determinada duração não interrompe a residência, mas apenas «pára o relógio». É legítimo aplicar igualmente este raciocínio a residências como a do período 3. Com efeito, essas residências, ao contrário dos períodos de tempo em que um cidadão da União se distancia do Estado de acolhimento, não diminuem o nível de integração atingido. Isto é igualmente compatível com a vontade do legislador da União. É que este ou considerou evidente que os períodos de desemprego voluntário não interrompem a residência e por isso não previu qualquer regulamentação, ou simplesmente esqueceu‑se deste aspecto. Assim, tendo em conta o artigo 18.° CE, deve proceder‑se a uma interpretação da directiva conforme ao direito primário. Na verdade, uma interpretação de acordo com a qual os períodos de desemprego interrompem a residência é desproporcionada.

C –    Quanto à segunda questão prejudicial

47.      Na hipótese de o Tribunal de Justiça considerar que M. Dias não adquiriu um direito de residência permanente nos termos do artigo 16.°, n.° 1, da directiva, M. Dias, o Governo português e a Comissão defendem que do artigo 18.° CE decorre directamente um direito de residência permanente a favor da primeira. A Directiva 2004/38 não regula exaustivamente o direito de livre circulação dos cidadãos da União. Por conseguinte, o artigo 18.° CE é directamente aplicável nos casos em que a Directiva 2004/38 não estabelece qualquer direito de residência, mas é desproporcionado não prever nenhum direito desses. No caso de M. Dias, que trabalhou durante mais de cinco anos no Reino Unido, é desproporcionado não lhe ser concedido qualquer direito de residência desse tipo.

48.      Segundo o Governo do Reino Unido e o Governo dinamarquês, do artigo 18.° CE não decorre directamente qualquer direito de residência permanente a favor de M. Dias. O referido direito de residência permanente previsto no artigo 16.° da Directiva 2004/38 é recente e está expressamente sujeito às limitações e condições enunciadas nesta disposição. Se um cidadão da União não preencher as condições referidas no artigo 16.° da Directiva 2004/38, não se verifica a existência de qualquer lacuna que deva ser colmatada através da aplicação directa do artigo 18.° CE. De acordo com o referido artigo 18.° CE, o direito de residência só será reconhecido, designadamente, sob reserva das limitações e condições previstas no Tratado. Por conseguinte, o legislador da União tem competência exclusiva para determinar as regras e condições aplicáveis ao direito de residência. Embora o legislador deva ter em conta, nesta matéria, o princípio da proporcionalidade, não é, porém, desproporcionado sujeitar o direito de residência permanente às condições estabelecidas na Directiva 2004/38.

49.      O Governo dinamarquês acrescenta que o âmbito de aplicação do artigo 18.°, n.° 1, CE deve limitar‑se a uma residência prevista no direito da União. Ainda que o Tribunal de Justiça tenha alargado o âmbito de aplicação do artigo 18.° CE também a um cartão de residência concedido nos termos do direito nacional, do pedido de decisão prejudicial não resulta, no entanto, a existência de um cartão deste tipo.

V –    Quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial

50.      Na audiência, o Governo do Reino Unido reconheceu que M. Dias dispõe de um direito de residência permanente. No entanto, esclareceu, primeiro, que o processo continua pendente no órgão jurisdicional de reenvio e, segundo, que o Secretary of State não fez, no processo principal, qualquer declaração a este respeito. O facto de o órgão jurisdicional de reenvio, no processo principal, não ter analisado o acórdão proferido no processo Lassal deve‑se, provavelmente, à suspensão deste processo até à prolação do acórdão pelo Tribunal de Justiça no caso vertente. Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio não considerou hipotética a primeira questão prejudicial.

51.      O facto de o Governo do Reino Unido ter alterado o seu entendimento jurídico, em reacção ao acórdão Lassal, e considerar agora que M. Dias tem um direito de residência permanente não implica que o Tribunal de Justiça deixe de ter competência para responder às questões prejudiciais.

52.      Em primeiro lugar, importa recordar que, nos termos do artigo 267.° TFUE, o processo de decisão prejudicial é um processo de cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais, alheio a qualquer iniciativa das partes (8). Portanto, a posição do Governo do Reino Unido na audiência perante o Tribunal de Justiça é, por si só, irrelevante. Só quando o Tribunal de Justiça é informado pelo órgão jurisdicional de reenvio da resolução do processo principal é que deixa de ter competência.

53.      Em segundo lugar, também não se pode considerar que as questões colocadas no pedido prejudicial são manifestamente irrelevantes para a decisão do órgão jurisdicional nacional. Com efeito, no caso vertente coloca‑se a questão de saber quais os efeitos da residência de M. Dias durante o período 3, em que estava voluntariamente desempregada, mas possuía um título de residência válido. A resposta a esta questão depende, em especial, da resposta questão do tribunal de saber se a residência de M. Dias no período 3 era legal na acepção do artigo 16.°, n.° 1, da Directiva 2004/38. Além disso, no pedido o órgão jurisdicional de reenvio não só submeteu as duas questões expressamente formuladas, como também pretendeu saber se a residência de M. Dias nos períodos 1 e 2 deve considerada para efeitos do artigo 16.°, n.° 1, da directiva. Tendo em conta o processo no caso Lassal, o órgão jurisdicional de reenvio absteve‑se de colocar novamente essa questão prejudicial. Uma vez que o presente processo apresenta, no entanto, certas particularidades em relação ao processo Lassal, para efeitos do caso vertente há que responder a essa questão, levando em conta as referidas particularidades.

54.      O pedido de decisão prejudicial é, por conseguinte, admissível.

VI – Apreciação jurídica

A –    Observações preliminares

1.      Quanto ao direito de residência permanente

55.      Com a Directiva 2004/38, o legislador comunitário regulou, através do direito derivado, o direito de residência de um cidadão da União num outro Estado‑Membro, direito que resulta das liberdades fundamentais e das regras sobre a cidadania da União consagradas pelo direito primário (9). A directiva prevê três níveis de direitos de residência, a saber, em primeiro lugar, o direito de residência até três meses no seu artigo 6.°; em segundo lugar, o direito de residência por um período superior a três meses, no seu artigo 7.°, aplicável, em particular, a quem seja trabalhador por conta de outrem, de outro modo economicamente independente ou deva ser tratado como tal; e, em terceiro lugar, o direito de residência permanente.

56.      O direito de residência permanente, que representa o nível mais elevado de integração de um cidadão da União num Estado‑Membro de acolhimento, é regulado nos artigos 16.° a 21.° da directiva. Este direito assenta na ideia de que um cidadão da União, plenamente integrado no Estado‑Membro de acolhimento após cinco anos de residência legal e ininterrupta, deve ter a possibilidade de continuar a residir nesse país, independentemente de, após a aquisição deste direito, ainda prestar trabalho por conta de outrem, ser de outro modo economicamente independente ou ser, nos termos do artigo 7.° da directiva, equiparado a pessoas nestas condições.

57.      Os direitos de residência previstos na Directiva 2004/38 são acompanhados pelo princípio da igualdade de tratamento nos termos do seu artigo 24.°

2.      Quanto às questões jurídicas relevantes para o caso vertente

58.      No processo principal, o órgão jurisdicional de reenvio é chamado a pronunciar‑se sobre se M. Dias, de nacionalidade portuguesa, que reside desde Janeiro de 1998 no Reino Unido, tem direito ao apoio ao rendimento por parte das autoridades nacionais. Este será o caso, se lhe for reconhecido um direito de residência permanente nos termos do artigo 16.° da Directiva 2004/38. Por conseguinte, está em causa saber se M. Dias residiu legalmente no Reino Unido por um período de cinco anos consecutivos, na acepção desta disposição.

59.      Como resulta do despacho de reenvio, M. Dias residiu ininterruptamente desde Janeiro de 1998 no Reino Unido. A sua residência nos períodos 1 e 2, portanto, de Janeiro de 1998 a 17 de Abril de 2003, tinha já uma duração superior a cinco anos. Por conseguinte, atendendo apenas a estes períodos, em 30 de Abril de 2006, isto é, à data do termo do prazo de transposição da Directiva 2004/38, M. Dias residia já ininterruptamente por um período superior a cinco anos no Reino Unido.

60.      Em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se, nos termos do artigo 16.° da directiva, a residência de M. Dias no Reino Unido durante os períodos 1 e 2 deve ser tida igualmente em consideração. A sua residência nestes períodos ocorreu, designadamente, antes de 30 de Abril de 2006, isto é, antes do termo do prazo de transposição da directiva. Dado que já submetera uma questão prejudicial equivalente no processo Lassal, o órgão jurisdicional de reenvio absteve‑se de colocá‑la novamente no caso vertente. No entanto recordou, no seu despacho de reenvio, que a resposta à questão prejudicial colocada no âmbito do processo Lassal tem igualmente uma importância determinante para a resolução do litígio que agora lhe foi submetido.

61.      No seu acórdão Lassal, o Tribunal de Justiça esclareceu que se verifica uma residência legal, na acepção do artigo 16.°, n.° 1, da Directiva 2004/38, não só quando a residência ocorre de acordo com o disposto da própria Directiva 2004/38, mas também quando, segundo as disposições de direito da União aplicáveis ratione temporis à data da residência, se verifique um direito de residência (10). Por conseguinte, a residência de M. Dias nos períodos 1 e 2 era igualmente legal na acepção do artigo 16.°, n.° 1, da directiva. Com efeito, nos períodos 1 e 2, M. Dias dispunha, na qualidade de trabalhadora, nos termos do artigo 39.°, n.° 3, alínea c), CE, de um direito de residência fundado no direito da União.

62.      No entanto, o presente litígio apresenta uma particularidade em relação ao processo Lassal. Com efeito, coloca‑se a questão de saber se a continuação da residência de M. Dias no período 3, que se segue aos períodos 1 e 2, se opõe à existência de um direito de residência permanente. Após o termo da sua licença de maternidade no período 2, M. Dias optou, designadamente, por não regressar ao seu anterior posto de trabalho, ficando, por isso, desempregada voluntariamente durante o período 3, portanto, de 18 de Abril de 2003 a 25 de Abril de 2004. Em seguida, no período 4, isto é, de 26 de Abril de 2004 a 23 de Março de 2007, M. Dias voltou a trabalhar, pelo que nesse período residiu legalmente – na acepção do artigo 16.°, n.° 1, da directiva – no Reino Unido.

63.      Nestas condições, pode considerar‑se que, com o termo do prazo de transposição da Directiva 2004/38 em 30 de Abril de 2006, se constituiu um direito de residência permanente a favor de M. Dias, nas seguintes hipóteses:

–        Em primeiro lugar, este será o caso se a residência de M. Dias durante o período 3 for considerada uma residência legal na acepção do artigo 16.°, n.° 1, da directiva. Com efeito, neste caso, M. Dias terá residido legalmente no Reino Unido não somente durante os períodos 1 e 2, mas sim durante os períodos 1 a 4, isto é, de Janeiro de 1998 até ao termo do prazo de transposição da directiva, em 30 de Abril de 2006, logo, durante mais de cinco anos ininterruptos.

–        Em segundo lugar, este será o caso, se para a constituição do direito a residência permanente for considerada a residência de M. Dias durante os períodos 1 e 2 e a sua residência durante o período 3 não impedir igualmente a constituição de um direito de residência permanente, caso essa residência não seja legal na acepção do artigo 16.°, n.° 1, da Directiva 2004/38.

64.      Passarei agora a examinar se a residência de M. Dias no período 3 era legal na acepção do artigo 16.°, n.° 1, da Directiva 2004/38 (B). Em seguida, examinarei a questão de saber se, num caso como o vertente, uma residência de M. Dias no período 3, que não seja legal na acepção do artigo 16.°, n.° 1, da directiva, impede a aquisição de um direito de residência permanente nos termos desta disposição (C).

B –    Quanto à legalidade da residência no período 3

65.      Em primeiro lugar, coloca‑se a questão de saber se a residência de M. Dias no período 3 era uma residência legal na acepção do artigo 16.°, n.° 1, da Directiva 2004/38. Esta directiva utiliza, no seu artigo 16.º, n.º 1, o conceito de residência legal, mas não o define.

66.      Do décimo sétimo considerando da directiva resulta que o legislador da União entende por residência legal uma residência «de acordo com as condições estabelecidas na presente directiva». Como o Tribunal de Justiça esclareceu no acórdão Lassal, à luz do objecto e finalidade da directiva esta formulação deve ser interpretada no sentido de que visa não apenas as residências ocorridas segundo as condições previstas na própria Directiva 2004/38, mas também as residências ocorridas segundo condições estabelecidas em normas anteriores à directiva e em vigor à data da residência (11).

67.      No caso vertente, M. Dias não pode invocar, relativamente ao período 3, que dispunha de um direito de residência na qualidade de trabalhadora (1). Possivelmente, poderá considerar‑se um direito de residência derivado para este período (2). Coloca‑se ainda a questão de saber se a residência de M. Dias no período 3 deve ser considerada legal, na acepção do artigo 16.°, n.° 1, da Directiva 2004/38, pelo simples facto de, durante este período, M. Dias dispor de um cartão de residência válido e beneficiar de apoio ao rendimento (3).

1.      Quanto ao direito de residência de um trabalhador

68.      A residência de M. Dias no período 3 seria legal na acepção do artigo 16.°, n.° 1, da Directiva 2004/38, se esta também tivesse trabalhado durante este período. O órgão jurisdicional de reenvio concluiu não ter sido esse o caso e não submeteu qualquer questão prejudicial a esse respeito.

69.      A conclusão do órgão jurisdicional de reenvio, de que M. Dias esteve desempregada no período 3, parece‑me ser conforme com a jurisprudência do Tribunal de Justiça. Segundo esta, a qualidade de trabalhador termina, em princípio, com a cessação da relação laboral (12). Do despacho de reenvio resulta que a relação laboral de M. Dias terminou com o início do período 3, quando optou por continuar a cuidar do seu filho após o termo da sua licença de maternidade e não regressar ao seu posto de trabalho. Deste modo, neste período 3, M. Dias perdeu, em bom rigor, voluntariamente a sua qualidade de trabalhadora.

70.      A esta conclusão tão‑pouco obsta o facto de o empregador de M. Dias lhe ter prometido que voltaria a contratá‑la num momento posterior. Embora o Tribunal de Justiça tenha admitido, em alguns casos, que a qualidade de trabalhador não desaparece, apesar de uma alteração de estatuto, quando exista uma ligação entre a actividade exercida como trabalhador e a actividade subsequente (13), o simples facto de o empregador de M. Dias lhe ter prometido que poderia voltar a empregá‑la, não representa, em minha opinião, uma ligação suficiente susceptível de justificar, por si só, a subsistência da qualidade de trabalhadora de M. Dias no período 3.

71.      M. Dias tão‑pouco pode fundamentar a sua qualidade de trabalhadora em disposições de direito derivado. De facto, o artigo 7.°, n.º 1, da Directiva 68/360 (14) estabelece que as pessoas que não são trabalhadores stricto sensu devem ser equiparadas a estes em determinadas circunstâncias. No entanto, esse artigo prevê esta possibilidade em relação a pessoas que estejam em situação de desemprego involuntário e não, pelo contrário, para quem esteja voluntariamente desempregado.

2.      Quanto a um possível direito de residência derivado

72.      Também é concebível que M. Dias possa deduzir um direito de residência a partir da cidadania da União do seu filho. Do ponto de vista – contestado – de alguns, este direito de residência derivado deve poder existir se o filho mais novo de M. Dias for nacional do Reino Unido e estiver entregue aos cuidados da sua mãe (15). No entanto, o órgão jurisdicional de reenvio não submeteu uma questão prejudicial sobre este aspecto nem forneceu qualquer indicação de que o filho mais novo de M. Dias seja nacional do Reino Unido. Face a este contexto e atendendo a que esta questão não é determinante para o presente processo, não vou aprofundá‑la mais.

3.      Quanto à importância do cartão de residência

73.      O órgão jurisdicional de reenvio submete ao Tribunal de Justiça a questão de saber se a residência de M. Dias no período 3 deve ser considerada legal na acepção do artigo 16.°, n.° 1, da Directiva 2004/38, pelo facto de M. Dias dispor durante esse tempo de um cartão de residência válido. Como já referi nas minhas conclusões no processo Lassal (16), em minha opinião a resposta a esta questão deve ser negativa. De facto, a letra do artigo 16.° da directiva é aberta o suficiente para abranger igualmente residências legais segundo as disposições nacionais (a). Porém, o décimo sétimo considerando (b) e o sistema de níveis da directiva (c) afastam uma interpretação neste sentido. Além disso, nem a competência dos Estados‑Membros para a adopção de disposições mais favoráveis, nos termos do artigo 37.º da Directiva, (d), nem o disposto no direito primário (e) apontam forçosamente para uma interpretação no sentido de que também devem ser abrangidas residências que são legais nos termos das normas nacionais.

a)      Quanto à redacção

74.      Em primeiro lugar, importa sublinhar que a letra do artigo 16.°, n.° 1, da Directiva 2004/38 é aberta. Não se opõe a uma interpretação de acordo com a qual apenas são consideradas residências assentes no direito da União, nem se opõe a uma interpretação segundo a qual são, além disso, igualmente abrangidas residências ocorridas ao abrigo de disposições nacionais.

b)      Quanto ao décimo sétimo considerando

75.      Afiguram‑se, assim, decisivos o objectivo e finalidade prosseguidos pelo legislador da União com a adopção do artigo 16.° da Directiva 2004/38. De acordo com o seu décimo sétimo considerando, a directiva tem por objectivo promover a coesão social. Nos termos do seu décimo oitavo considerando, a directiva deve constituir um verdadeiro instrumento de integração de um cidadão da União na sociedade do Estado‑Membro de acolhimento. Por conseguinte, pode dizer‑se que, atendendo a estes objectivos, a distinção entre direitos de residência fundados no direito da União e no direito nacional é irrelevante, pelo que, deste modo, também uma residência assente unicamente em disposições nacionais deve ser considerada legal na acepção do artigo 16.°, n.° 1, da directiva (17).

76.      No entanto, o legislador da União não se limitou a referir unicamente estes objectivos nos considerandos. Pelo contrário, no décimo sétimo considerando, precisou que o direito de residência permanente depende de uma residência ocorrida «de acordo com as condições estabelecidas na presente directiva». Esta formulação, introduzida deliberadamente durante o processo legislativo no décimo sétimo considerando da Directiva 2004/38 (18), deve ser tida em conta na determinação da vontade do legislador. Em minha opinião, só dificilmente se pode entender esta formulação em sentido diferente do de que o legislador da União pretendia criar um direito de residência permanente apenas com base nos direitos de residência previstos na directiva.

c)      Quanto ao sistema de níveis da directiva

77.      Neste sentido aponta igualmente o sistema de níveis estabelecido pela Directiva 2004/38, que prevê três níveis sucessivos de integração de um cidadão da União no Estado‑Membro de acolhimento, a saber, como primeiro nível, o direito de residência até três meses; como segundo nível, o direito de residência por mais de três meses aplicável, em particular, a qualquer cidadão da União que preste trabalho por conta de outrem, seja de outro modo economicamente independente ou deva ser tratado de forma análoga; e, como terceiro e mais elevado nível, o direito de residência permanente (19).

78.      Também de acordo com esta abordagem escalonada se determina o alcance dos direitos que um cidadão da União pode invocar, ao abrigo do princípio da igualdade de tratamento consagrado no artigo 24.° da directiva, perante as autoridades do Estado‑Membro de acolhimento. No primeiro nível, o Estado‑Membro não tem de prever qualquer direito de participação em situação de igualdade nas prestações sociais. No segundo nível, o cidadão da União dispõe de um direito limitado às prestações sociais. Se um cidadão da União tiver atingido este segundo nível, o recurso ao apoio ao rendimento não deve ter, por força do artigo 14.°, n.° 3, da directiva, como consequência automática uma medida de afastamento. Ao contrário, um recurso desproporcionado ao apoio ao rendimento pode conduzir, em casos determinados, à extinção do direito de residência. Só quando é atingido o terceiro nível, portanto, com a aquisição do direito de residência permanente, é que o cidadão da União adquire um direito ilimitado de participação nas prestações sociais. Se o cidadão da União tiver atingido esse nível, o seu direito de residência permanente é incondicional, logo, o recurso às prestações sociais não o pode pôr em causa (20).

79.      Neste sistema hierarquizado, o legislador da União encontrou um equilíbrio entre, por um lado, o direito dos cidadãos da União de circularem livremente na União e o objectivo da coesão social e, por outro, os interesses financeiros dos Estados‑Membros. Quanto mais elevado for o grau de integração atingido por um cidadão da União no Estado‑Membro de acolhimento, menor será a importância atribuída aos interesses financeiros dos Estados‑Membros. A partir do momento em que o terceiro nível é atingido, estes cedem completamente perante a ideia de integração (21).

80.      Por conseguinte, com o direito de residência permanente nos termos do artigo 16.º da directiva, o cidadão da União em causa adquire um amplo direito de participação nas prestações sociais do Estado‑Membro de acolhimento, que não é, além disso, limitado no tempo. O esclarecimento, feito no décimo sétimo considerando da directiva, do conceito de residência legal na acepção do artigo 16.º, n.º 1, da directiva, deve ser entendido neste contexto. Em meu entender, o legislador da União pretendeu com o mesmo exprimir que o recuo total dos interesses financeiros dos Estados‑Membros face à ideia de integração apenas é exigido nos casos em que o cidadão da União residiu, num primeiro momento, pelo menos cinco anos no Estado‑Membro de acolhimento, em conformidade com o disposto na Directiva 2004/38.

d)      Quanto à competência para a adopção de medidas mais favoráveis

81.      Em sentido contrário é alegado que, segundo o seu artigo 37.°, a directiva permite a existência de disposições legislativas, regulamentares e administrativas de um Estado‑Membro mais favoráveis e, por conseguinte, prevê mesmo casos em que o direito de residência resulta das normas nacionais do Estado‑Membro de acolhimento em matéria de entrada, permanência e saída de estrangeiros. Por esta razão, as residências ocorridas ao abrigo do direito nacional relativo a estrangeiros devem ser entendidas como residências legais na acepção do artigo 16.° da directiva (22).

82.      Não me é possível inferir do artigo 37.° da Directiva 2004/38 qualquer apreciação nesse sentido. De acordo com a letra desta disposição, a directiva não afecta as disposições legislativas, regulamentares e administrativas mais favoráveis de um Estado‑Membro. O legislador da União utiliza normalmente estes termos quando pretende exprimir que uma directiva não se opõe a uma estruturação mais favorável do direito nacional e que, nesta perspectiva, os Estados‑Membros dispõem, portanto, de um poder discricionário na estruturação dos respectivos ordenamentos. Na medida em que a adopção de disposições mais favoráveis se insira no poder discricionário dos Estados‑Membros, estes também devem poder ter – desde que não haja nenhuma norma de direito primário – este poder relativamente à questão das consequências jurídicas que pretendem associar a um direito de residência concedido unicamente nos termos do direito nacional e que ultrapassa o disposto na Directiva 2004/38. Em particular, dever‑lhes‑ia ser, portanto, atribuído um poder discricionário quanto a saber se pretendem ter igualmente em consideração uma residência deste tipo para efeitos da constituição de um direito de residência permanente.

83.      De qualquer modo, num caso como o vertente a remissão para o artigo 37.° da directiva não me parece ser directamente relevante. Com efeito, no caso vertente, M. Dias não alega ser titular de um direito adquirido segundo disposições nacionais mais favoráveis; pelo contrário, invoca uma autorização de residência que as autoridades nacionais eram obrigadas a emitir por força do artigo 6.° da Directiva 68/360 e alega que as segundas não lhe tinham retirado a primeira, apesar de as condições para a sua emissão terem deixado de existir.

e)      Quanto às disposições de direito primário

84.      Para além disso, como argumento a favor da tomada em consideração de residências nos termos do direito nacional, são referidos os acórdãos do Tribunal de Justiça nos processos Trojani (23) e Martínez Sala (24). Nestes acórdãos, o Tribunal de Justiça extraiu conclusões, ao nível do direito da União, quanto a uma residência ocorrida ao abrigo de disposições nacionais (25).

85.      Em minha opinião, não resulta destes acórdãos que uma residência que não ocorreu ao abrigo do direito de residência previsto a nível da União, mas sim e apenas ao abrigo de um cartão de residência que não foi retirado, deva ser considerada um residência legal na acepção do artigo 16.°, n.° 1, da directiva.

86.      Em primeiro lugar, importa, com efeito, referir que, nestes acórdãos, o Tribunal de Justiça não declarou que o direito de residência, neste tipo de casos, resulta do artigo 18.° CE. Pelo contrário, o Tribunal de Justiça respondeu negativamente a esta hipótese (26).

87.      Em segundo lugar, nestes acórdãos, o Tribunal de Justiça extraiu, de facto, consequências jurídicas, a nível do direito da União, quanto a uma residência ocorrida ao abrigo de um título de residência nacional ou graças à tolerância das autoridades nacionais. Contudo, o Tribunal de Justiça limitou‑se aí a declarar que, nestas circunstâncias, um cidadão da União pode basear o seu direito ao apoio ao rendimento na proibição de discriminação consagrada no artigo 12.° CE (e que esse recurso ao apoio ao rendimento não pode ter como consequência automática o seu afastamento). Na medida em que o Tribunal, nesse contexto, abordou o artigo 18.º CE, isso envolve a questão de saber se está em causa o domínio da não discriminação (27).

88.      Em terceiro lugar, o Tribunal de Justiça esclareceu que, neste tipo de situações, um Estado‑Membro é igualmente livre de afastar um nacional que deixou de preencher as condições exigidas para o seu direito de residência e beneficiou de apoio ao rendimento, desde que respeite os limites estabelecidos pelo direito da União (28).

89.      Decorre do supra exposto que, segundo a jurisprudência, não existe nenhuma disposição de direito primário por força da qual as residências ocorridas ao abrigo de um cartão de residência nacional devam ser consideradas residências legais na acepção do artigo 16.°, n.° 1, da directiva. Com efeito, isto teria a consequência de uma residência ocorrida apenas ao abrigo de uma autorização de residência nacional conduzir à aquisição de um direito de residência permanente. O Estado‑Membro de acolhimento não pode pôr termo unilateralmente a esse direito de residência permanente, nem tão‑pouco quando o cidadão da União recorre às prestações sociais do Estado‑Membro de acolhimento de uma forma que já não é proporcionada. No entanto, o Tribunal de Justiça precisou expressamente que, em semelhante caso, em princípio um Estado‑Membro continua, por força do disposto no direito primário, a ter competência para proceder a um afastamento, desde que observe os limites impostos pelo direito da União.

90.      Por conseguinte, tão‑pouco uma interpretação conforme ao direito primário aponta para que uma residência ocorrida apenas ao abrigo de um cartão de residência nacional ou graças à tolerância das autoridades nacionais deva ser considerada um residência legal na acepção do artigo 16.°, n.° 1, da directiva.

f)      Outras considerações

91.      Por último, importa ter em conta que uma interpretação no sentido de que, por força do artigo 16.°, n.° 1, da directiva, uma residência ocorrida nos termos do disposto no direito nacional deve, de igual modo, ser necessariamente considerada, pode resultar em prejuízos para a livre circulação do cidadão da União. Em primeiro lugar, há o risco de as autoridades dos Estados‑Membros de acolhimento verificarem mais rigorosamente se um cidadão da União preenche as condições para os direitos de residência fundados no direito da União. Em segundo lugar, há o perigo de os Estados‑Membros fazerem um uso apenas muito limitado do poder, que lhes é conferido pelo artigo 37.° da directiva, de adoptarem disposições mais favoráveis.

g)      Conclusão intermédia

92.      Tendo em conta as considerações precedentes, concluo que o conceito de residência legal na acepção do artigo 16.°, n.° 1, da Directiva 2004/38 não engloba qualquer residência que tenha tido lugar, como no caso vertente, apenas ao abrigo de um cartão de residência concedido, e não retirado, pelas autoridades nacionais.

4.      Conclusão

93.      Por conseguinte, em minha opinião a residência de M. Dias no período 3 não era legal, na acepção do artigo 16.°, n.° 1, da Directiva 2004/38, pelo mero facto de aquela possuir, durante esse período, um cartão de residência emitido pelas autoridades nacionais.

C –    Quanto às consequências da residência no período 3, quando anteriormente existia já uma residência legal e ininterrupta superior a cinco anos

94.      Como já exposto anteriormente (29), no caso vertente, M. Dias poderia ter adquirido um direito de residência permanente, desde logo, pelo facto de, nos períodos 1 e 2, ter residido legalmente no Reino Unido. Neste contexto, coloca‑se a questão de saber se se pode igualmente constituir um direito de residência permanente nos termos do artigo 16.°, n.° 1, da directiva, quando a uma residência legal de mais de cinco anos, como nos períodos 1 e 2, se segue uma residência no período 3 de pouco mais de um ano, que não é legal na acepção do artigo 16.°, n.° 1, da Directiva 2004/38, antes de se lhe seguir, no período 4, uma outra residência que é legal na acepção desta disposição.

95.      Trata‑se, a este respeito, de uma questão distinta da abordada anteriormente, de saber se a residência no período 3 era legal na acepção do artigo 16.°, n.° 1, da Directiva 2004/38. Está, agora, em causa saber se a residência no período 3, que não era legal na acepção do artigo 16.°, n.° 1, da directiva, é susceptível de enfraquecer o grau de integração atingido por M. Dias mediante a sua residência nos períodos 1 e 2.

96.      A título de esclarecimento, importa salientar que esta questão não se coloca relativamente a residências completadas após 30 de Abril de 2006. Neste caso, após uma residência ininterrupta e legal de, pelo menos, cinco anos constitui‑se, com efeito, directamente um direito de residência permanente nos termos do artigo 16.° da directiva. Assim, uma outra residência durante a qual o cidadão da União em causa estivesse desempregado voluntariamente estaria, por conseguinte, abrangida pelo seu direito de residência permanente, pelo que – sem prejuízo da perda deste direito – deixaria de estar em causa uma residência não legal na acepção do artigo 16.°, n.° 1, da directiva.

97.      Ao contrário do defendido pela Comissão e o Governo do Reino Unido na audiência, esta questão coloca‑se, todavia, relativamente a residências completadas antes de 30 de Abril de 2006. O facto de, segundo o artigo 16.° da Directiva 2004/38, deverem igualmente ser tidos em consideração períodos ocorridos antes de 30 de Abril de 2006 em nada altera a circunstância de um direito de residência permanente apenas se poder constituir com a transposição da directiva ou com o termo do prazo para a sua transposição. Neste medida, em casos como o vertente, é inteiramente possível que a uma residência legal e ininterrupta superior a cinco anos no Estado‑Membro de acolhimento se siga uma residência que não é abrangida pelo direito previsto no artigo 16.°, n.° 1, da directiva.

1.      Quanto ao disposto no artigo 16.°, n.os 1 e 4 da Directiva 2004/38

98.      Como condições para a constituição de um direito de residência permanente, o artigo 16.°, n.° 1, da Directiva 2004/38 prevê simplesmente a existência de uma residência legal e ininterrupta por um período superior a cinco anos no Estado‑Membro de acolhimento. No caso vertente, estas condições encontram‑se preenchidas.

99.      Nos termos do artigo 16.°, n.° 4, da directiva, o direito de residência permanente extingue‑se apenas quando o cidadão da União em causa se tiver ausentado do Estado‑Membro de acolhimento por um período que exceda dois anos. Por conseguinte, esta disposição só é directamente aplicável quando o cidadão da União se tiver ausentado do Estado‑Membro de acolhimento. Tal não era a situação do caso em apreço.

2.      Quanto à possibilidade da aplicação analógica do artigo 16.°, n.° 4, da directiva

100. No entanto, coloca‑se a questão de saber se o artigo 16.°, n.° 4, da directiva pode ser objecto de aplicação analógica, quando um cidadão da União permanece no Estado‑Membro de acolhimento sem aí residir legalmente na acepção do artigo 16.°, n.º 1, da Directiva 2004/38. Em meu entender, a disposição prevista no artigo 16.° da directiva contém uma lacuna regulamentar involuntária, que, em determinados casos, deve ser colmatada mediante a aplicação analógica do artigo 16.°, n.° 4, da directiva (a). Contudo, tal aplicação exclui‑se no caso vertente (b).

a)      Quanto aos casos em que é adequada a aplicação analógica do artigo 16.°, n.° 4, da directiva

101. O artigo 16.° da directiva contém uma lacuna regulamentar involuntária em relação aos casos em que um cidadão da União, após uma residência legal e contínua por um período superior a cinco anos na acepção do seu n.° 1, permaneceu no Estado‑Membro de acolhimento, ilegalmente e contra a vontade deste.

102. Em primeiro lugar, da inexistência de uma disposição correspondente na Directiva 2004/38 não é possível concluir que o legislador da União pretendia que essa residência não fosse tida em conta. Com efeito, importa referir que as disposições da directiva são, em primeira linha, formuladas para situações futuras, isto é, para residências após 30 de Abril de 2006. Porém, como se expôs supra (30), após esta data, deixa de se colocar semelhante problema. Portanto, tudo aponta para que exista uma lacuna regulamentar involuntária relativamente a essas residências ocorridas ilegalmente e contra a vontade do Estado‑Membro de acolhimento antes de 30 de Abril de 2006.

103. Em segundo lugar, as valorações do legislador, expressas no artigo 16.° da directiva, apontam no sentido da aplicação analógica do seu n.° 4 em determinadas situações.

104. Da génese da directiva resulta que, com o seu artigo 16.°, o legislador da União tinha por objectivo conceder, aos cidadãos da União que atingiram um determinado grau de integração no Estado‑Membro de acolhimento, um direito de residência permanente (31). Este direito deve existir enquanto esse grau de integração não voltar a enfraquecer (32). Do artigo 16.°, n.° 1, da directiva pode inferir‑se uma valoração do legislador no sentido de que um cidadão da União, após uma residência ininterrupta e legal de, pelo menos, cinco anos no Estado‑Membro de acolhimento, atingiu o grau de integração necessário para justificar um direito de residência permanente (33). O artigo 16.°, n.° 4, da directiva exprime a ideia de que essa relação estreita com o Estado da residência só é gravemente enfraquecida, a ponto de se deixar de justificar a concessão de um direito de residência permanente, por uma ausência desse Estado‑Membro de acolhimento por período superior a dois anos (34). Caso se tenham em consideração estas valorações do legislador da União, então, a aplicação analógica do artigo 16.°, n.° 4, da directiva afigura‑se justificada quando se esteja perante uma situação em que o grau de integração atingido por um cidadão da União após uma residência legal e ininterrupta por um período superior a cinco anos no Estado‑Membro de acolhimento tenha enfraquecido com uma gravidade comparável à de uma ausência superior a dois anos.

105. Neste contexto, coloca‑se agora a questão de saber se isto é de todo possível num caso em que o cidadão da União permaneceu no Estado‑Membro de acolhimento. Em sentido negativo, poder‑se‑ia argumentar que a permanência continuada no Estado‑Membro de acolhimento nunca pode enfraquecer, tão gravemente como uma ausência desse Estado, o grau de integração alcançado. Contudo, parece‑me que este entendimento vai demasiado longe.

106. Primeiro, a ideia de integração subjacente ao artigo 16.° da directiva assenta, designadamente, não apenas em aspectos de ordem territorial e temporal, mas também em elementos qualitativos. Por conseguinte, uma conduta desleal do ponto de vista jurídico por parte de um cidadão da União parece‑me inteiramente passível de enfraquecer a sua integração no Estado‑Membro de acolhimento no plano qualitativo. Quando, após uma residência legal no Estado‑Membro de acolhimento, um cidadão da União tenha permanecido neste sem um direito de residência fundado no direito da União ou no direito nacional, e se não verifique nenhum caso de tolerância por parte das autoridades nacionais, esta circunstância pode, em minha opinião, ser tida plenamente em consideração no plano da integração.

107. Neste sentido aponta ainda o princípio da igualdade. Com efeito, por força do artigo 16.°, n.° 4, da Directiva 2004/38, um cidadão da União leal do ponto de vista jurídico, que não tenha permanecido no Estado‑Membro de acolhimento ilegalmente e contra a vontade deste, não poderia, após uma ausência por um período superior a dois anos, reivindicar, em 30 de Abril de 2006, qualquer direito de residência permanente. Não creio que se justifique recompensar um cidadão da União por falta de lealdade do ponto de vista jurídico.

108. Depois, sem semelhante aplicação do artigo 16.°, n.° 4, da directiva a estes casos, o direito de residência permanente seria concedido igualmente em situações que o legislador dificilmente tinha em mente aquando da adopção da directiva. Se não pudesse de todo ter em consideração uma residência ocorrida ilegalmente e contra a vontade de um Estado‑Membro, que se siga a uma residência ininterrupta por um período de cinco anos na acepção do artigo 16.°, n.° 1, da directiva, constituir‑se‑ia, com efeito, em 30 de Abril de 2006, um direito de residência permanente a favor de um cidadão da União que, num período bastante longínquo, por exemplo nos anos 70, residiu de forma ininterrupta e legal no Estado‑Membro de acolhimento durante um período superior a cinco anos, tendo depois aí permanecido ilegalmente e contra a vontade do Estado‑Membro de acolhimento. O legislador da União não pretendia certamente, com a adopção da Directiva 2004/38, alcançar este tipo de resultado.

109. Assim, há que constatar, como conclusão intermédia, que a aplicação analógica do artigo 16.°, n.° 4, da directiva é possível quando um cidadão da União, após uma residência legal e ininterrupta superior a cinco anos, tenha permanecido no Estado‑Membro de acolhimento ilegalmente e contra a vontade deste.

b)      Quanto ao caso vertente

110. No entanto, no caso vertente, não é possível uma aplicação analógica do artigo 16.°, n.° 4, da directiva. Com efeito, tendo em conta as valorações do legislador da União expressas no artigo 16.° da directiva, uma aplicação desta disposição à residência de M. Dias no período 3 não se afigura justificada. Assim, a sua residência neste período não pode ser comparada em termos qualitativos, nem quantitativos à hipótese regulada no artigo 16.°, n.° 4.

i)      Não comparabilidade em termos qualitativos

111. Em primeiro lugar, a residência de M. Dias no período 3 não pode ser comparada em termos qualitativos à hipótese regulada no artigo 16.°, n.° 4, da directiva. A residência de M. Dias no período 3 não era, nomeadamente, susceptível de enfraquecer, de modo comparável a uma ausência do Estado‑Membro de acolhimento, o grau de integração atingido por esta em virtude do exercício da sua actividade como trabalhadora por conta de outrem durante mais de cinco anos no Reino Unido.

112. Durante o período 3, M. Dias dispunha, designadamente, de um cartão de residência válido. Por conseguinte, não pode ser acusada de ter permanecido ilegalmente durante este período no Reino Unido.

113. Em primeiro lugar, não se pode objectar contra esta conclusão que, no período 3, M. Dias não preenchia as condições para a emissão de um cartão de residência nos termos do artigo 6.° da Directiva 68/360. Como M. Dias referiu acertadamente, tal não afectava a validade do seu cartão de residência. Embora esse cartão de residência tivesse sido emitido pelas autoridades nacionais nos termos do artigo 6.° da Directiva 68/360 para lhe possibilitar o exercício efectivo do seu direito à livre circulação de trabalhadores, isso não significa que a validade do cartão de residência dependesse da verificação permanente das condições para a sua emissão. Com efeito, nos termos do artigo 6.°, n.° 1, alínea b), da Directiva 68/360, o cartão de residência deve ter um período de validade de, pelo menos, cinco anos. Do artigo 7.°, n.° 1, da mesma directiva decorre ainda que esse cartão só pode ser retirado antes do termo da sua validade quando se verifiquem certos pressupostos. De uma leitura global destas duas disposições resulta que o cartão de residência é válido e, portanto, produz efeitos, até ao termo da sua validade ou até ser retirado pelas autoridades nacionais.

114. A jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa aos efeitos de um cartão de residência emitido nos termos do artigo 6.° da Directiva 68/360 também não se opõe a um entendimento neste sentido. De facto, o Tribunal de Justiça determinou, em várias ocasiões, que um cartão de residência deste tipo apenas tem um valor declarativo (35). No entanto, em meu entender, o Tribunal de Justiça não pretendia, deste modo, defender que um cartão de residência deste tipo não pode produzir qualquer efeito autónomo. Com efeito, esta declaração do Tribunal de Justiça deve ser apreciada no contexto dos processos em causa. Estes processos diziam respeito a uma situação em que, apesar de se verificarem as condições exigidas para a existência de um direito de residência fundado no direito da União, as autoridades nacionais não emitiram qualquer cartão de residência em nome do cidadão da União interessado. Ao precisar que o cartão de residência tem apenas um valor declarativo, o Tribunal de Justiça referia‑se, portanto, apenas à situação em que se verificavam as condições exigidas para a existência de um direito de residência, mas as autoridades não tinham emitido qualquer título de residência. Nestes casos, o Tribunal de Justiça limitou‑se a esclarecer que os direitos de residência concedidos ao abrigo do direito da União não dependem da observância dos procedimentos administrativos nacionais, resultando antes, para os cidadãos da União, directamente das disposições de direito da União. O Tribunal de Justiça não se pronunciou, nestes acórdãos, quanto à questão de saber se um cartão de residência pode produzir efeitos quando as condições exigidas para a existência de um direito de residência garantido pelo direito da União não estão preenchidas.

115. Em segundo lugar, conclui‑se que uma residência como a ocorrida no período 3 não era, de facto, uma residência legal na acepção do artigo 16.º, n.º 1, da directiva, pelo que não podia fundamentar o grau de integração exigido por essa disposição (36). Contudo, isso não significa que a residência no período 3, durante a qual M. Dias obteve prestações sociais nos termos das disposições de direito nacional então em vigor, era adequada a enfraquecer o grau de integração alcançado após cinco anos de residência legal e ininterrupta, na acepção do artigo 16.º, n.º 1, da directiva.

116. Por conseguinte, chega‑se à conclusão intermédia de que a residência de M. Dias durante o período 3 não pode ser equiparada, qualitativamente, à situação de ausência do Estado‑Membro de acolhimento, regulada no artigo 16.°, n.° 4, da directiva. Assim, uma aplicação analógica deste artigo ao período 3 fica logo excluída, por esta razão.

ii)    Duração não comparável

117. Além disso, uma aplicação analógica do artigo 16.°, n.° 4, da directiva à residência de M. Dias no período 3 é igualmente impossível pelo facto de a duração desta residência não ser comparável à regulada naquela disposição. Com efeito, no artigo 16.°, n.° 4, da Directiva 2004/38 o legislador da União só considerou suficiente, para enfraquecer o grau de integração atingido após uma residência legal e ininterrupta de cinco anos no Estado de acolhimento, uma ausência por um período superior a dois anos (37). Em minha opinião, esta disposição temporal não pode ser reduzida num caso como o vertente, em que o cidadão da União residiu no Estado‑Membro de residência ao abrigo de um cartão de residência válido. Também por este motivo, não é possível aplicar por analogia o artigo 16.°, n.° 4, da directiva ao caso vertente.

c)      Conclusão intermédia

118. Por conseguinte, o artigo 16.°, n.° 4, da Directiva 2004/38 não pode ser aplicado por analogia à residência de M. Dias no período 3.

3.      Conclusão

119. Em conclusão, há que entender que, no caso vertente, M. Dias adquiriu, logo com base na sua residência nos períodos 1 e 2, um direito de residência permanente em 30 de Abril de 2006. A sua residência no período 3 não se opõe a esta aquisição.

D –    Quanto à segunda questão prejudicial

120. Com a sua segunda questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se uma residência ininterrupta por um período de cinco anos, na qualidade de trabalhador, antes de 30 de Abril de 2006, quando não basta para justificar um direito de residência permanente nos termos do artigo 16.°, n.° 1, da Directiva 2004/38, pode conferir um direito desse tipo directamente ao abrigo do artigo 18.°, n.° 1, CE. Esta questão prejudicial é submetida subsidiariamente, para o caso de do artigo 16.°, n.° 1, da Directiva 2004/38 não decorrer um direito de residência permanente. Uma vez que M. Dias dispõe de um direito de residência permanente nos termos do artigo 16.°, n.° 1, da Directiva 2004/38, não é necessário abordar esta questão.

VII – Resumo

121. Em suma, há que concluir que a residência de um cidadão da União num Estado‑Membro de acolhimento, que ocorra não ao abrigo da Directiva 2004/38 ou das disposições anteriores a esta directiva, mas sim e apenas ao abrigo de um cartão de residência emitido pelas autoridades nacionais, não constitui uma residência legal na acepção do artigo 16.°, n.° 1, desta directiva, pelo que não pode ser tida em consideração para a aquisição de um direito de residência permanente. Contudo, os Estados‑Membros podem estabelecer normas, nos termos das quais esses períodos também são considerados.

122. No entanto, se, antes de 30 de Abril de 2006, um cidadão da União tiver residido, de acordo com as condições estabelecidas nas disposições anteriores à Directiva 2004/38, de forma legal e ininterrupta por um período superior a cinco anos no Estado‑Membro de acolhimento, constitui‑se igualmente um direito de residência permanente nos termos do artigo 16.° da Directiva 2004/38, quando a esta residência se tenha seguido uma residência, que, embora não fosse legal na acepção do artigo 16.°, n.° 1, da Directiva 2004/38, ocorreu, porém, ao abrigo de um cartão de residência válido emitido pelas autoridades nacionais.

VIII – Conclusão

123. Com base nas considerações que precedem, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões prejudiciais do seguinte modo:

O artigo 16.° da Directiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.° 1612/68 e que revoga as Directivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE, deve ser interpretado no sentido de que uma cidadã da União, que residiu num Estado‑Membro de acolhimento:

–        num primeiro momento, de Janeiro de 1998 a 17 de Abril de 2003, logo, por mais de cinco anos ininterruptos num Estado‑Membro de acolhimento, em conformidade com o disposto no direito derivado aplicável à data;

–        em seguida, de 18 de Abril de 2003 a 25 de Abril de 2004, durante cerca de mais de um ano, ao abrigo de um cartão de residência emitido, e não retirado, pelas autoridades nacionais, e,

–        finalmente, por um novo período até 30 de Abril de 2006, em conformidade com o disposto no direito derivado aplicável à data,

adquiriu, com o termo do prazo de transposição da Directiva 2004/38 em 30 de Abril de 2006, um direito de residência permanente.


1 – Língua original: alemão; língua do processo: inglês.


2 – JO L 158, p. 77, com rectificações: JO 2004, L 229, p. 35 e JO 2007, L 204, p. 28.


3 – Acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Outubro de 2010, Lassal (C‑162/09, Colect., p. I‑0000).


4 – Recorrendo às designações usadas no Tratado da União Europeia (TUE) e no Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), será utilizada a expressão «direito da União» como designação global do direito comunitário e do direito da União. Sempre que, na exposição que se segue, estiverem em causa unicamente normas de direito primário, serão citadas as normas aplicáveis ratione temporis.


5 – JO L 257, p. 13; EE 05 F1 p. 88.


6 – Estas disposições nacionais sofreram entretanto alterações: v. n.os 17 a 22 destas conclusões.


7 – JO L 180, p. 26.


8 – V., neste sentido, acórdãos de 1 de Março de 1973, Bollmann (62/72, Colect., p. 145, n.° 4), de 10 de Julho de 1997, Palmisani (C‑261/95, Colect., p. I‑4025, n.° 31), e de 12 de Fevereiro de 2008, Kempter (C‑2/06, Colect., p. I‑411, n.os 41 e segs.).


9 – V. primeiro e segundo considerandos da directiva.


10 – N.° 40 do acórdão Lassal (já referido na nota 3).


11 – N.° 40 do acórdão Lassal (já referido na nota 3).


12 – Acórdão do Tribunal de Justiça de 31 de Maio de 2001, Leclere e Deaconescu (C‑43/99, Colect., p. I‑4265, n.° 55).


13 – Acórdãos do Tribunal de Justiça de 21 de Junho de 1988, Lair (39/86, Colect., p. 3161, n.° 37); de 26 de Fevereiro de 1992, Raulin (C‑357/89, Colect., p. I‑1027, n.° 21), e de 26 de Fevereiro de 1992, Bernini (C‑3/90, Colect., p. I‑1071, n.° 19).


14 – Actual artigo 6.°, n.° 3, alínea b), da Directiva 2004/38.


15 – Neste sentido, v. as conclusões da advogada‑geral E. Sharpston apresentadas em 30 de Setembro de 2010 no ainda pendente processo Ruiz Zambrano (C‑34/09, n.os 67 a 122). Em sentido contrário, a advogada‑geral J. Kokott defendeu, nas suas conclusões apresentadas em 25 de Novembro de 2010 no ainda pendente processo McCarthy (C‑434/09, n.os 20 a 46), que as regras sobre a cidadania da União não são aplicáveis a um caso deste tipo.


16 – V. as minhas conclusões de 11 de Maio de 2010 no processo Lassal (já referidas na nota 3, n.° 88).


17 – Neste mesmo sentido, advogada‑geral J. Kokott nas suas conclusões no processo McCarthy (já referido na nota 15, n.° 52).


18 – Na verdade, a formulação não se encontrava na proposta inicial da Comissão [v. décimo quarto considerando da proposta inicial da Comissão, COM (2001) 257 final, JO C270 E, p. 150], mas foi posteriormente incluída na posição comum do Conselho (CE) n.º 6/2004, de 5 de Dezembro de 2003 (JO 2004, C 54 E, pp. 12, 13) e aprovada pelo Parlamento. A Comissão, na sua Comunicação ao Parlamento Europeu de 30 de Dezembro de 2003, respeitante à posição comum do Conselho, referiu que essa aditamento se destinava a clarificar o conceito de residência legal [SEC (2003) 1293 final, p. 10].


19 – V. n.os 55 e segs. destas conclusões.


20 – Artigo 16.°, n.° 4, da Directiva 2004/38 e seu décimo oitavo considerando.


21 – Neste sentido, Iliopoulou, A., «Le nouveau droit de séjour des citoyens de l’Union et des membres de leur famille: la directive 2004/38/CE», Revue du Droit de l’Union Européenne, 2004, pp. 523 e segs., p. 540.


22 – V. as conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo McCarthy (já referidas na nota 15, n.° 53).


23 – Acórdão de 7 de Setembro de 2004, Trojani (C‑456/02, Colect., p. I‑7573, n.os 37 a 46).


24 – Acórdão de 12 de Maio de 1998, Martínez Sala (C‑85/96, Colect., p. I‑2691, n.os 61 a 63).


25 – V. as conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo McCarthy (já referidas na nota 15, n.° 53).


26 – Acórdão Trojani (já referido na nota 23, em especial, n.° 36).


27 – Acórdão Trojani (já referido na nota 23, em especial, n.os 36 a 44); em sentido análogo, acórdão Martínez Sala (já referido na nota 24, em especial, n.os 14 e 15 e 61 a 63).


28 – Acórdão Trojani (já referido na nota 23, em especial, n.° 45).


29 – V. n.° 63 destas conclusões.


30 – V. n.° 97 destas conclusões.


31 – V. fundamentos da Comissão para o artigo 14.º da proposta inicial, COM (2001) final.


32 – Loc. cit.


33 – Acórdão Lassal (já referido na nota 3, n.° 37).


34 – V., acórdão Lassal (já referido na nota 3, n.° 55) que remete para os fundamentos da Posição Comum n.° 6/2004 do Conselho sobre a adopção da Directiva 2004/38 (já referida na nota 18, p. 31) para o artigo 16.° dessa directiva.


35 – Acórdãos do Tribunal de Justiça de 8 de Abril de 1976, Royer (48/75, Colect., p. 221, n.os 31 a 51); de 25 de Julho de 2002, MRAX (C‑459/99, Colect., p. I‑6591, n.° 74), e de 23 de Março de 2006, Comissão/Bélgica (C‑408/03, Colect., p. I‑2647, n.º 63).


36 – V. n.os 73 a 903 destas conclusões.


37 – Acórdão Lassal (já referido na nota 3, n.° 37).