Language of document : ECLI:EU:C:2019:4

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MACIEJ SZPUNAR

apresentadas em 9 de janeiro de 2019 (1)

Processo C668/17 P

Viridis Pharmaceutical Ltd

contra

Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO)

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Marca da União Europeia — Processo de extinção — Marca nominativa Boswelan — Declaração de extinção — Utilização de uma marca no âmbito de um ensaio clínico»






I.      Introdução

1.        Com o seu recurso, a Viridis Pharmaceutical Ltd (a seguir «recorrente») pede a anulação do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 15 de setembro de 2017, Viridis Pharmaceutical/EUIPO — Hecht‑Pharma (Boswelan) (2), que negou provimento ao seu recurso de anulação da Decisão da Quinta Câmara de Recurso do Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO), de 29 de fevereiro de 2016 (processo R 2837/2014‑5), relativa a um processo de extinção entre a Hecht‑Pharma GmbH e a recorrente (a seguir «decisão controvertida»). Esse processo é referente à extinção de uma marca registada, designadamente, para medicamentos destinados ao tratamento da esclerose múltipla.

2.        No âmbito desse processo, a recorrente alegou que a utilização séria da marca contestada, registada para medicamentos cuja comercialização e publicidade eram proibidas até à autorização de introdução no mercado (a seguir «AIM»), teve lugar no âmbito de um ensaio clínico, efetuado para completar o pedido de AIM. A título subsidiário, invocou que, a partir da entrada do pedido para proceder a um ensaio clínico dos referidos medicamentos, a realização desse ensaio clínico constituía pelo menos um motivo justo para a não utilização da marca.

3.        O Tribunal Geral negou provimento ao recurso, considerando que a recorrente não podia alegar que utilizou de forma séria a marca contestada ou que tinha um motivo justo para a sua não utilização.

4.        Através do seu recurso, a recorrente contesta, em substância, as considerações do Tribunal Geral relativas à utilização séria de uma marca.

5.        As questões jurídicas que se levantam no presente processo incidem, assim, sobre a interpretação dos conceitos de «utilização séria» e de «motivo justo para a não utilização» na aceção dos Regulamentos (CE) n.o 207/2009 (3) e (UE) 2017/1001 (4) no âmbito de um processo de extinção de uma marca registada para medicamentos.

II.    Quadro jurídico

6.        O considerando 10 do Regulamento n.o 207/2009 tem a seguinte redação:

«Apenas se justificará proteger as marcas [da União Europeia] e, contra elas, as marcas registadas anteriores, na medida em que essas marcas sejam efetivamente utilizadas.»

7.        O artigo 15.o do Regulamento n.o 207/2009, intitulado «Utilização da marca [da União Europeia]», dispõe, no seu n.o 1, primeiro parágrafo:

«Se, num prazo de cinco anos a contar do registo, o titular não tiver utilizado seriamente a marca [da União Europeia] na [União], para os produtos ou serviços para que foi registada, ou se essa utilização tiver sido suspensa por um período ininterrupto de cinco anos, a marca [da União Europeia] será sujeita às sanções previstas no presente regulamento, exceto se houver motivos que justifiquem a sua não utilização.»

8.        As sanções a que se refere o artigo 15.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 207/2009 estão especificadas no artigo 51.o, intitulado «Causas de extinção», deste regulamento. Este artigo dispõe, no seu n.o 1, alínea a):

«1. Será declarada a perda dos direitos do titular da marca [da União Europeia], na sequência de pedido apresentado ao [EUIPO] ou de pedido reconvencional em ação de contrafação:

a)      Quando, durante um período ininterrupto de cinco anos, a marca não seja objeto de utilização séria na [União] em relação aos produtos ou serviços para que foi registada e se não existirem motivos justos para a sua não utilização; todavia, ninguém poderá alegar a extinção dos direitos do titular se, entre o termo desse período e a apresentação do pedido ou do pedido reconvencional, a marca tiver sido objeto de um início ou reinício de utilização séria; no entanto, o início ou reinício da utilização durante o período de três meses anterior à apresentação do pedido ou do pedido reconvencional, desde que esse período não tenha sido iniciado antes do termo do período ininterrupto de cinco anos de não utilização, não será tido em consideração se os preparativos para o início ou reinício da utilização apenas começarem depois de o titular ter tido conhecimento da possibilidade de vir a ser apresentado o pedido ou o pedido reconvencional;

[…]»

9.        O Regulamento n.o 207/2009 foi revogado e substituído pelo Regulamento 2017/1001. De acordo com a tabela de correspondência constante do Anexo III deste último regulamento, os artigos 15.o e 51.o do Regulamento n.o 207/2009 correspondem, respetivamente, aos artigos 18.o e 58.o do Regulamento 2017/1001 (5).

III. Tramitação no EUIPO

10.      A recorrente sucedeu nos direitos de uma sociedade que apresentou no EUIPO, em 30 de setembro de 2003, um pedido de registo do sinal nominativo Boswelan como marca da União Europeia, para produtos farmacêuticos e produtos de cuidados de saúde da classe 5 do Acordo de Nice Relativo à Classificação Internacional dos Produtos e dos Serviços para o Registo de Marcas, de 15 de junho de 1957, conforme revisto e alterado (a seguir «Acordo de Nice»). O registo da marca foi efetuado em 24 de abril de 2007.

11.      Em 24 de outubro de 2010, a recorrente apresentou um pedido de autorização de ensaio clínico relativo a um medicamento destinado ao tratamento da esclerose múltipla, que pertence à categoria mais ampla dos produtos farmacêuticos e dos produtos de cuidados de saúde. A data precisa do termo do referido ensaio não foi determinada.

12.      Em 18 de novembro de 2013, a Hecht‑Pharma apresentou um pedido de extinção da marca contestada, relativamente a todos os produtos para os quais tinha sido registada, por não ter sido objeto de uma utilização séria durante um período ininterrupto de cinco anos antes da apresentação do referido pedido.

13.      Por decisão de 26 de setembro de 2014, a Divisão de Anulação do EUIPO retirou à recorrente os seus direitos relativamente a todos os produtos registados.

14.      Em 6 de novembro de 2014, a recorrente interpôs recurso da decisão da Divisão de Anulação para a Câmara de Recurso do EUIPO.

15.      Pela decisão controvertida, a Quinta Câmara de Recurso do EUIPO negou provimento ao recurso.

16.      A Câmara de Recurso considerou, em primeiro lugar, que os elementos apresentados pela recorrente não eram suscetíveis de demonstrar uma utilização séria da marca contestada na União Europeia e, em segundo lugar, que, no caso em apreço, a realização de um ensaio clínico não era, por si só, um motivo independente da vontade da recorrente que justifique a não utilização da marca contestada.

IV.    Recurso no Tribunal Geral e acórdão recorrido

17.      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 30 de maio de 2016, a recorrente interpôs recurso de anulação da decisão controvertida pelo facto de esta última ter concluído pela extinção da marca contestada relativamente aos medicamentos para o tratamento da esclerose múltipla, incluídos na categoria mais ampla dos «produtos farmacêuticos e produtos de cuidados de saúde». No âmbito desse recurso, a recorrente invocou três fundamentos relativos, o primeiro, à violação do artigo 51.o, n.o 1, alínea), do Regulamento n.o 207/2009, na medida em que a Câmara de Recurso considerou, de forma errada, que os factos e provas apresentados não eram suficientes para demonstrar a utilização séria da marca contestada para os medicamentos destinados ao tratamento da esclerose múltipla, o segundo, à violação do artigo 51.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 207/2009, na medida em que a Câmara de Recurso considerou, de forma errada, que os factos e provas apresentados não eram suficientes para demonstrar um motivo justo para a não utilização da referida marca relativamente aos mesmos medicamentos e, o terceiro, à violação do artigo 83.o do Regulamento n.o 207/2009 e, mais especificamente, do princípio da proteção da confiança legítima, na medida em que a Câmara de Recurso se afastou das diretivas relativas à apreciação pelo EUIPO.

18.      No seguimento dos fundamentos do acórdão recorrido, o Tribunal Geral negou provimento ao recurso na sua totalidade.

V.      Pedidos das partes

19.      No seu recurso, a recorrente pede ao Tribunal de Justiça que anule o acórdão recorrido, remeta o processo ao Tribunal Geral e condene o EUIPO nas despesas ou, a título subsidiário, reserve para final a decisão quanto às despesas.

20.      O EUIPO e a Hecht‑Pharma pedem ao Tribunal de Justiça que negue provimento ao recurso e condene a recorrente nas despesas.

VI.    Análise

A.      Observação preliminar quanto à aplicação no tempo dos regulamentos sobre a marca da União Europeia

21.      Saliento que, no seu recurso, a recorrente refere que os seus fundamentos são relativos à violação das disposições do Regulamento 2017/1001. Considera que, nos termos do artigo 211.o deste regulamento, na data em que o acórdão recorrido foi proferido, ou seja, em 15 de setembro de 2017, o Regulamento n.o 207/2009 tinha sido revogado e substituído pelo Regulamento 2017/1001. Além disso, na sua contestação, a Hecht‑Pharma refere‑se também às disposições deste último regulamento. Em contrapartida, o EUIPO invoca as disposições do Regulamento n.o 207/2009.

22.      A este respeito, importa referir que a recorrente não invoca nenhum fundamento através do qual acuse o Tribunal Geral de ter proferido o acórdão recorrido com base num fundamento jurídico errado ou de ter aplicado de forma incorreta as disposições transitórias do Regulamento 2017/1001. De qualquer modo, o acórdão recorrido foi proferido em 15 de setembro de 2017, ou seja, após a data de entrada em vigor do Regulamento 2017/1001 (6 de julho de 2017), mas antes da data da sua aplicabilidade (1 de outubro de 2017) (6). Assim, era o artigo 51.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 207/2009 que se aplicava aquando da prolação do acórdão recorrido (7).

23.      Por outro lado, o artigo 58.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento 2017/1001, mencionado no âmbito do presente recurso, corresponde ao artigo 51.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 207/2009. Do mesmo modo, o artigo 18.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento 2017/1001 retoma a redação do artigo 15.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 207/2009 (8). Estas duas disposições introduzem a obrigação de utilização da marca e, na falta de um motivo justo, remetem para as disposições destes regulamentos quanto às consequências da não utilização. É vinho velho em garrafas novas (9).

24.      Assim, a análise que incide sobre as disposições do Regulamento n.o 207/2009 é, a meu ver, transponível para as disposições do Regulamento 2017/1001. Por esta razão, referir‑me‑ei nas presentes conclusões às disposições pertinentes do Regulamento n.o 207/2009 e às suas equivalentes do Regulamento 2017/1001. Do mesmo modo, considerarei as referências às disposições do Regulamento 2017/1001, feitas pela recorrente e a Hecht‑Pharma, como sendo feitas igualmente às disposições correspondentes do Regulamento n.o 207/2009.

B.      Quanto ao recurso

25.      A recorrente invoca dois fundamentos de recurso.

26.      O primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 51.o, n.o 1, alínea), do Regulamento n.o 207/2009 [artigo 58.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento 2017/1001] é dividido em duas partes. Na primeira parte, a recorrente põe em causa a conclusão do Tribunal Geral de que uma utilização própria à manutenção dos direitos para um medicamento só pode existir quando uma AIM de um medicamento para o qual a marca foi registada tenha sido obtida pelo titular dessa marca. Na segunda parte, a recorrente critica o acórdão recorrido na medida em que o Tribunal Geral considerou que a utilização de uma marca no âmbito de um ensaio clínico não constitui uma utilização séria.

27.      Importa referir que estas duas partes visam situações diferentes. A segunda parte refere‑se apenas à utilização de uma marca no âmbito de um ensaio clínico, enquanto a primeira parte visa, de um modo mais geral, a utilização anterior à AIM. Dito isto, segundo as apreciações do Tribunal Geral, resumidas no n.o 40 do acórdão recorrido, a recorrente não pôde invocar outros atos além dos referentes ao processo do ensaio clínico.

28.      Com o segundo fundamento, a recorrente acusa o Tribunal Geral de ter violado o artigo 51.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 207/2009 [artigo 58.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento 2017/1001], ao excluir a existência de um motivo justo para a não utilização da marca contestada na situação em que o produto para o qual a marca foi registada seja objeto de um ensaio clínico.

C.      Quanto à admissibilidade dos fundamentos

29.      Na sua contestação, a Hecht‑Pharma refere que os fundamentos invocados pela recorrente no recurso visam obter uma nova apreciação dos factos e das circunstâncias do caso vertente. Estes fundamentos seriam, por conseguinte, manifestamente inadmissíveis.

30.      É verdade que, num recurso que deu origem ao Despacho Martín Osete/EUIPO (10), uma recorrente acusava o Tribunal Geral de ter adotado uma definição excessivamente restritiva do conceito de «motivos justos para a não utilização» na aceção do artigo 51.o, n.o 1, do Regulamento n.o 207/2009. Mais especificamente, referia que determinadas regulamentações tornavam excessivamente difícil a comercialização dos perfumes para os quais a marca tinha sido registada.

31.      O Tribunal de Justiça considerou nesse despacho que, a pretexto de um erro de interpretação do conceito de «motivos justos para a não utilização», a recorrente pretendia, na realidade, pôr em causa as apreciações de natureza factual efetuadas pelo Tribunal Geral. Por conseguinte, o Tribunal de Justiça julgou improcedente o fundamento em causa por ser manifestamente inadmissível. Com efeito, no seu recurso, a recorrente tinha‑se sobretudo focado, a meu ver, nos elementos de prova no intuito de mostrar que a existência de motivos justos era, segundo ela, claramente demonstrada (11).

32.      Contudo, no presente processo, a recorrente visa a interpretação — enquanto tal — dos conceitos de «utilização séria» e de «motivos justos para a não utilização» na aceção do Regulamento n.o 207/2009 [Regulamento 2017/1001] no âmbito de um processo de extinção da marca registada para um medicamento para uso humano, cuja comercialização e publicidade eram proibidas até à AIM. Por conseguinte, a análise dos fundamentos do recurso exige que as disposições do Regulamento n.o 207/2009 [2017/1001] sejam interpretadas à luz da regulamentação dos medicamentos para uso humano na União.

33.      Considero, assim, que os fundamentos do presente recurso não se destinam a obter uma nova apreciação dos factos e das circunstâncias do caso em apreço, mas suscitam questões de direito. São, portanto, admissíveis.

D.      Quanto ao mérito

1.      Quanto ao primeiro fundamento

a)      Quanto à primeira parte do primeiro fundamento

1)      Posições das partes

34.      Na primeira parte do primeiro fundamento, a recorrente acusa o Tribunal Geral, em primeiro lugar, de ter estabelecido, no n.o 36 do acórdão recorrido, um princípio segundo o qual apenas pode existir uma utilização própria à manutenção dos direitos conferidos por uma marca registada para um medicamento quando tenha sido obtida a AIM. Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a questão de saber se uma utilização é suficiente depende de uma apreciação caso a caso (12).

35.      Criticando o princípio alegadamente estabelecido pelo Tribunal Geral, a recorrente alega, em segundo lugar, que os atos praticados no âmbito dos ensaios clínicos, que constituem uma parte do processo da AIM, eram legais (13).

36.      Por último, em terceiro lugar, a recorrente sustenta que, atendendo às especificidades do setor farmacêutico, um período de cinco anos deve ser qualificado de demasiado curto.

37.      Em contrapartida, o EUIPO e, supondo que o primeiro fundamento seja admissível, a Hecht‑Pharma entendem que a primeira parte deste fundamento é improcedente.

38.      O EUIPO alega, nomeadamente, que, contrariamente ao afirmado pela recorrente, o Tribunal Geral não considerou que a obtenção da AIM ao abrigo da legislação relativa aos produtos farmacêuticos seja um requisito indispensável para efeitos de existência de uma utilização séria.

39.      A Hecht‑Pharma, por seu lado, considera, designadamente, que a marca contestada deve ser objeto de utilização para os produtos relativamente aos quais foi registada. No caso em apreço, importa assim apreciar se esta marca era utilizada para um medicamento destinado ao tratamento da esclerose múltipla. Uma utilização séria para esse medicamento apenas pode ser demonstrada se o produto em causa é efetivamente um medicamento. Ora, é apenas no termo do ensaio clínico realizado pela recorrente que é possível determinar se o produto testado constitui um medicamento na aceção dessa definição. A utilização desse produto no âmbito do ensaio clínico não pode assim constituir uma utilização séria da marca contestada para um medicamento.

2)      Apreciação

40.      No que diz respeito, em primeiro lugar, ao argumento da recorrente através do qual acusa o Tribunal Geral de ter estabelecido um princípio segundo o qual só pode existir uma utilização própria à manutenção dos direitos quando tenha sido obtida a AIM, considero, à semelhança do EUIPO, que este argumento se baseia numa leitura errada do acórdão recorrido.

41.      É certo que, no n.o 36 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral refere que apenas a obtenção da AIM é suscetível de permitir uma utilização pública e voltada para o exterior da marca contestada.

42.      Contudo, nos n.os 37 a 39 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral procede a uma análise da situação da recorrente, não obstante o facto de esta não ter obtido a AIM. Assim, o Tribunal Geral não considera de modo algum que, na falta desta AIM, uma marca registada para um medicamento não possa ser objeto de uma «utilização séria», na aceção do artigo 51.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 207/2009 [artigo 58.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento 2017/1001]. Aliás, a segunda parte do primeiro fundamento critica as considerações do Tribunal Geral, consagradas principalmente ao n.o 39 do acórdão recorrido. Por conseguinte, a análise desta parte proporcionará a oportunidade de apreciar a validade do princípio alegadamente estabelecido pelo Tribunal Geral, pelo menos na medida em que esse princípio seria relativo à utilização de uma marca no âmbito de ensaios clínicos.

43.      Em segundo lugar, relativamente à legalidade dos atos praticados durante os ensaios clínicos, basta referir que a legalidade dos atos no âmbito dos quais intervém uma marca não os torna de forma automática atos de utilização séria dessa marca (14).

44.      Em terceiro lugar, considero que o argumento da recorrente relativo à insuficiência do prazo de cinco anos também não pode vingar.

45.      O prazo de cinco anos, tal como previsto no artigo 51.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 207/2009 [artigo 58.o, n.o 1, alínea a) do Regulamento 2017/1001], aplica‑se independentemente do setor económico de que fazem parte os produtos ou serviços para os quais uma marca foi registada. No entanto, as especificidades de um setor económico são tidas em conta sempre que se trate da apreciação das circunstâncias constitutivas (ou não) de uma utilização séria em função do mercado dos produtos ou serviços em causa. De qualquer modo, abordarei esta problemática no âmbito da análise consagrada à segunda parte do primeiro fundamento. Por outro lado, as circunstâncias em que o prazo de cinco anos se tornaria insuficiente para iniciar a utilização séria de uma marca podem ser tidas em conta no âmbito da apreciação dos fundamentos que justificam a não utilização, aos quais me referirei no âmbito da análise do segundo fundamento do recurso.

46.      Por conseguinte, considero que a primeira parte do primeiro fundamento de recurso é improcedente.

b)      Quanto à segunda parte do primeiro fundamento

1)      Posições das partes

47.      Na segunda parte do primeiro fundamento, a recorrente acusa o Tribunal Geral de ter considerado, no n.o 39 do acórdão recorrido, que a utilização de uma marca no âmbito de um ensaio clínico constitui um uso puramente interno e que tais atos de utilização não podem, de qualquer modo, ser considerados sérios na aceção do artigo 51.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 207/2009 [artigo 58.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento 2017/1001].

48.      A recorrente acrescenta que a obrigação de utilização de uma marca registada não é um fim em si mesmo e que o requisito de utilização tem por objetivo não sobrecarregar o registo de marcas não utilizadas. A interpretação do conceito de «utilização» deve assim ser objeto de uma certa flexibilidade, como demonstram o artigo 15.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 207/2009 [artigo 18.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento 2017/1001] e o considerando 25 do Regulamento 2017/1001 (15), que preveem que a utilização de uma marca sob uma forma que difere daquela sob a qual foi registada deverá ser suficiente para manter os direitos conferidos.

49.      O EUIPO e a Hecht‑Pharma contestam o mérito da segunda parte do primeiro fundamento.

50.      O EUIPO alega que a utilização séria deve ser excluída uma vez que, como o Tribunal Geral decidiu e com razão, as disposições da legislação relativa aos produtos farmacêuticos proíbem a publicidade de um medicamento que não tenha sido ainda autorizado e tornam assim impossível, juridicamente, uma utilização que permita obter uma quota de mercado. Segundo o EUIPO, os outros elementos indicados pelo Tribunal Geral, ou seja, o número restrito de participantes e a natureza interna da utilização, não foram determinantes. Assim, os argumentos aduzidos pela recorrente a esse respeito não podem vingar.

51.      A Hecht‑Pharma acrescenta, designadamente, que um ensaio clínico é um ensaio preparatório ao pedido de AIM de um produto enquanto medicamento. Esse ensaio preparatório não tem por objeto nem finalidade defender ou ganhar quotas de mercado, mas visa unicamente estabelecer a eficácia do produto. Quando o ensaio é realizado de forma aleatória, duplamente cego e controlado por placebo, os próprios participantes não sabem de que produto nem de que marca se trata.

52.      Por outro lado, a Hecht‑Pharma refere que o conceito de «utilização séria» não pode ser objeto de uma certa flexibilidade. Com efeito, o considerando 25 do Regulamento 2017/1001 diz respeito a uma questão diferente.

2)      Apreciação

i)      Observações preliminares

53.      Contrariamente ao que sustenta a recorrente, o n.o 39 do acórdão recorrido não se baseia na premissa segundo a qual a utilização de uma marca no âmbito de um ensaio clínico é de natureza interna e, por essa razão, não pode ser considerada séria pelo único motivo de abranger um número limitado de destinatários. Com efeito, segundo o Tribunal Geral, a utilização da marca contestada no âmbito de um ensaio clínico em relação a terceiros não pode ser equiparada a uma introdução no mercado nem sequer, também, a um ato preparatório direto, uma vez que ocorreu fora de qualquer concorrência, sem procurar obter ou conservar quotas de mercado.

54.      Por conseguinte, considero que, com a segunda parte do primeiro fundamento, a recorrente pretende demonstrar, em substância, que deve ser dada uma resposta afirmativa à questão de saber se a utilização de uma marca registada para um medicamento no âmbito de um ensaio clínico que incide sobre esse medicamento pode, contrariamente ao decidido pelo Tribunal Geral no n.o 39 do acórdão recorrido, ser qualificada de utilização séria na aceção do artigo 51.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 207/2009 [artigo 58.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento 2017/1001].

55.      Esta questão já foi colocada na doutrina que lhe deu uma resposta. Mais especificamente, foi defendido, nomeadamente, que a realização de ensaios clínicos prévios à AIM não constitui uma utilização séria, não tendo esses ensaios um caráter externo (16). Por outro lado, parece‑me que foi também essa a interpretação das disposições que transpõem as diretivas relativas ao sistema das marcas nacionais adotada pelos órgãos jurisdicionais nacionais (17). Contudo, tanto quanto sei, o Tribunal de Justiça não teve ainda a oportunidade de se pronunciar sobre uma tal problemática.

ii)    Natureza da utilização séria à luz da jurisprudência

56.      Resulta da jurisprudência que uma marca é objeto de uma utilização séria quando é utilizada, antes de mais, a fim de criar ou de conservar um mercado para os produtos ou serviços para os quais foi registada, com exclusão de utilizações de caráter simbólico que tenham por único objetivo a manutenção dos direitos conferidos pela marca e, seguidamente, em conformidade com a sua função essencial (18).

57.      Os requisitos relativos, em primeiro lugar, à razão de ser comercial da marca e, em segundo lugar, à sua função essencial, são cumulativos.

58.      Por um lado, a proteção da marca não poderia perdurar se a marca perdesse a sua razão de ser comercial, que consiste em criar ou conservar um mercado para os produtos ou serviços que ostentam o sinal que a constitui, em relação aos produtos ou serviços provenientes de outras empresas (19). Por outro lado, o facto de uma marca ser utilizada para criar ou conservar um mercado para os produtos ou serviços para os quais foi registada, e não apenas para manter os direitos conferidos pela marca, não é suficiente para concluir que há uma «utilização séria». É igualmente essencial que a utilização da marca seja feita em conformidade com a sua função essencial, que consiste em garantir ao consumidor ou ao utilizador final a identidade de origem do produto ou do serviço, permitindo‑lhe distinguir sem confusão possível esse produto ou esse serviço de outros que tenham proveniência diversa (20).

59.      Uma utilização que consiste em criar ou conservar um mercado para os produtos ou serviços deve, pela sua natureza, ser direcionada para o exterior. Também assim é quando se trata do exercício pela marca da sua função essencial. O exercício desta função pressupõe a presença da marca no mercado e, consequentemente, a exposição do público a essa marca.

60.      Importa salientar que não se pode deduzir destas considerações que a comercialização dos produtos ou serviços para os quais a marca foi registada é indispensável para concluir pela existência de uma utilização séria.

61.      Com efeito, conforme resulta do Acórdão Ansul (21), a utilização séria de uma marca registada pode ocorrer em duas situações, a saber, aquela em que os produtos já são comercializados e aquela em que a sua comercialização está iminente. Uma tal utilização, anterior à comercialização propriamente dita, deve consistir em preparativos realizados com vista à conquista de uma clientela.

62.      Estas duas situações têm pontos em comum. Nomeadamente, o Tribunal de Justiça considerou, no n.o 37 do Acórdão Ansul (22), que o «uso sério» da marca pressupõe a utilização desta no mercado dos produtos ou serviços protegidos pela marca e não apenas no seio da empresa interessada. O Tribunal de Justiça especificou a seguir as suas considerações no Acórdão Verein Radetzky‑Orden (23), distinguindo duas hipóteses: uma utilização das marcas para identificar e promover os seus produtos ou os seus serviços junto do grande público, por um lado, e uma utilização limitada a um uso interno das marcas, por outro.

63.      Afigura‑se‑me sintomático que, no Acórdão Ansul (24), o Tribunal de Justiça tenha dado como exemplo o uso de uma marca no âmbito de campanhas publicitárias para ilustrar uma utilização anterior à comercialização dos produtos ou serviços para os quais tinha sido registada. Com efeito, este exemplo ilustra bem uma utilização anterior, mas ilustra também uma utilização séria. Por conseguinte, o lançamento de campanhas publicitárias, no âmbito das quais intervém uma marca, não implica de forma automática a existência de uma utilização séria. No entanto, este exemplo evidencia que, mesmo numa fase anterior à comercialização de produtos ou serviços, os atos de utilização devem ter um caráter externo e, ao mesmo tempo, produzir efeitos para o potencial público desses produtos ou serviços (25).

64.      Por conseguinte, cada utilização séria é, em substância, direcionada para o exterior. Em contrapartida, não resulta das considerações precedentes que cada utilização externa de uma marca constitua uma utilização séria. O simples facto de uma marca ser usada em relação a terceiros não implica a existência de uma utilização séria. Para efeitos de determinação da existência de uma tal utilização, é necessário, como indiquei nos n.os 56 a 59 das presentes conclusões, analisar se um ato de utilização externa consiste na criação ou na conservação de um mercado para os produtos ou serviços para os quais a marca foi registada. No âmbito desta análise, há que efetuar uma apreciação que tem em conta, nomeadamente, o mercado dos produtos e serviços em causa.

iii) Tomada em consideração das especificidades de um setor económico

65.      Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, na apreciação do caráter sério do uso da marca, deve tomar‑se em consideração todos os factos e circunstâncias adequados para provar a existência da sua exploração comercial, em especial, os usos considerados justificados, no setor económico em questão para manter ou criar partes de mercado em benefício dos produtos ou dos serviços protegidos pela marca (26). A apreciação das circunstâncias do caso concreto pode, assim, justificar que se tome em conta, nomeadamente, a natureza do produto ou do serviço em causa, as características do mercado em questão, a extensão e a frequência do uso da marca. (27).

66.      Por conseguinte, a tomada em consideração das especificidades de um setor económico no qual uma marca intervém foi reconhecida pelo Tribunal de Justiça na sua jurisprudência. A este respeito, parece‑me oportuno apresentar algumas observações sobre a regulamentação do setor dos medicamentos para uso humano na União. Sem dúvida, os conceitos desta regulamentação não têm necessariamente o mesmo sentido que os conceitos do direito das marcas. No entanto, a referida regulamentação cria o quadro dentro do qual os agentes desse setor podem praticar atos relativos a medicamentos para os quais as marcas foram registadas e é ponto assente que, para verificar a utilização séria de uma marca, esta deve ter sido utilizada no mercado dos produtos ou dos serviços em causa (28).

iv)    Regulamentação dos medicamentos para uso humano

67.      O núcleo duro do sistema da regulamentação da União relativa ao setor dos medicamentos para uso humano é constituído pela Diretiva 2001/83/CE (29) e pelo Regulamento (CE) n.o 726/2004 (30). Estes atos legislativos da União estabelecem um princípio segundo o qual os medicamentos não podem ser introduzidos no mercado sem que tenha sido emitida uma AIM pela autoridade competente (31). Por outro lado, os medicamentos não podem ser objeto de «qualquer ação de informação, de prospeção ou de incentivo destinada a promover a prescrição, o fornecimento, a venda ou o consumo de medicamentos», designadamente, junto do público em geral e junto das pessoas habilitadas a receitá‑los ou a fornecê‑los (32).

68.      Neste sistema, um ensaio clínico constitui essencialmente uma investigação, conduzida nomeadamente para descobrir ou verificar os efeitos clínicos, inclusive os efeitos indesejáveis, de um medicamento e para estabelecer a eficácia e a segurança do seu uso (33). Os resultados desse ensaio devem, segundo o artigo 8.o, n.o 3, alínea i), da Diretiva 2001/83, acompanhar o pedido de AIM. Assim, a realização de ensaios clínicos é, em princípio, prévia à comercialização e à publicidade dos medicamentos referidos no artigo 6.o da Diretiva 2001/83.

69.      Além disso, um ensaio clínico é, em princípio, submetido a uma análise científica e ética e deve ser previamente autorizado (34). Do mesmo modo, as alterações substanciais durante um ensaio clínico são controladas pelos Estados‑Membros (35). Por outro lado, o promotor de um ensaio clínico é responsável pela iniciação, pela gestão e pela criação de mecanismos de financiamento do ensaio clínico (36).

70.      Resumindo esta parte da minha análise, considero que o legislador da União adotou uma abordagem que restringe o acesso dos consumidores e utilizadores finais a medicamentos não autorizados a fim de limitar os riscos relativos ao uso de tais medicamentos.

71.      Além disso, a utilização de uma marca registada para um medicamento durante os ensaios clínicos não pode, assim, ser considerada como uma utilização anterior à comercialização desse medicamento na aceção do Acórdão Ansul (37). Do mesmo modo, verifica‑se, como resulta do n.o 38 do acórdão recorrido, que a situação da recorrente corresponde à de uma utilização prévia à comercialização. Os produtos para os quais a marca foi registada, ou seja, os medicamentos para o tratamento da esclerose múltipla, não foram comercializados, tendo a sua comercialização sido proibida durante o período pertinente (38).

v)      Marcas registadas para medicamentos para uso humano

72.      A classe 5 do Acordo de Nice, a que pertencem os produtos farmacêuticos e os produtos de cuidados de saúde, inclui, como observou a doutrina, um número especialmente elevado de registos (39). Por outro lado, de acordo com os comentários da doutrina, os agentes do setor farmacêutico tendem a apresentar pedidos de registo das marcas para medicamentos durante a fase inicial do seu desenvolvimento (40). Essa pressa explica‑se pela vontade de sensibilizar os círculos influentes, uma vez que existe, durante a fase de desenvolvimento de um medicamento, um risco de os médicos e especialistas reterem mais o seu nome genérico do que a marca (41).

73.      Neste contexto, importa referir que o legislador da União teve em consideração esse comportamento dos agentes do setor dos medicamentos para uso humano. Com efeito, a Diretiva 2001/83 reconhece, pelo menos em certa medida, o papel desempenhado pelas marcas neste setor. Resulta do artigo 1.o, ponto 20, desta diretiva que uma denominação do medicamento pode ser uma designação comum ou científica acompanhada de uma marca. Por outro lado, nos termos do artigo 89.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2001/83, a publicidade, que apenas é permitida para os medicamentos autorizados, deve incluir, nomeadamente, as suas denominações.

74.      Resulta das disposições acima referidas que, em determinados casos, uma marca registada para um medicamento pode confundir‑se com a denominação desse medicamento. Por conseguinte, essa marca só pode ser utilizada na estratégia de comunicação do titular quando a AIM do referido medicamento for obtida.

vi)    Conclusão parcial sobre a utilização de uma marca durante os ensaios clínicos

75.      À luz das considerações precedentes, saliento, como resulta do n.o 70 das presentes conclusões, que o legislador da União visa limitar o acesso dos consumidores e utilizadores finais a medicamentos não autorizados. No sistema da regulamentação dos medicamentos para uso humano, os ensaios clínicos podem ser equiparados a uma medida de filtragem, que impede o acesso ao mercado dos medicamentos não autorizados.

76.      Do mesmo modo, devido ao papel desempenhado nesse sistema pelas marcas registadas para tais medicamentos, o objetivo prosseguido pelo legislador da União consiste em limitar igualmente as intervenções dessas marcas no mercado em causa. Por conseguinte, a exposição do público a uma marca registada para um medicamento (ainda) não autorizado é igualmente limitada a nível qualitativo e quantitativo, pelo menos na medida em que essa marca poderia intervir no mercado concorrencial dos medicamentos.

77.      Há que referir que, durante os ensaios clínicos, são disponibilizados medicamentos não autorizados aos participantes e a outras pessoas envolvidas nesses ensaios. Não excluo que as pessoas que pertencem a estas duas categorias possam associar o medicamento e a sua denominação e, consequentemente, a marca registada para esse medicamento ao seu titular. Por outro lado, podem escolher e decidir serem ou não envolvidas num ensaio.

78.      Ora, como decorre do n.o 64 das presentes conclusões, cada utilização externa de uma marca não constitui de forma automática uma utilização séria. A exposição a esta marca, suscetível de criar um mercado para produtos para os quais foi registada no mercado em causa, deve necessariamente ocorrer nesse mercado.

79.      Não creio que seja o caso de uma marca utilizada no contexto de um ensaio clínico.

80.      Em primeiro lugar, no âmbito dos ensaios clínicos, os medicamentos não autorizados não são, em princípio, objeto de uma distribuição ou publicidade destinada a penetrar no mercado dos produtos comercializados pertencentes à mesma classe. Do mesmo modo, um ensaio clínico, que constitui uma investigação dos riscos relacionados com a utilização de um medicamento, nas condições sujeitas à autorização prévia, não é, nem deve ser, uma forma de exploração comercial de uma marca registada para esse medicamento que consiste na criação ou na conservação de um mercado para esse medicamento. Assim, um ensaio clínico nem sequer pode ser equiparado a um ato preparatório de comercialização na aceção do Acórdão Ansul (42).

81.      Nesta ordem de ideias, não julgo que os ensaios clínicos de um medicamento em grande escala possam constituir uma utilização séria de uma marca registada para um medicamento testado. Como resulta do considerando 10 da Diretiva 2001/83, a intenção do legislador é evitar ensaios desnecessários (43). Com efeito, a escala de um ensaio clínico não é determinada por considerações comerciais, mas pela necessidade científica. Além disso, essa escala é sujeita à autorização de um Estado‑Membro (44). Considero, assim, que a falta de utilização séria resulta mais das características qualitativas da utilização de uma marca no âmbito dos ensaios clínicos que das suas características quantitativas.

82.      Em segundo lugar, a exposição à marca, bem como a escolha feita pelos participantes e pelas outras pessoas envolvidas num ensaio clínico, prendem‑se principalmente não com as características do produto, a sua proveniência ou mesmo a estratégia comercial do titular, mas com a vontade de participar numa investigação relativa a esse medicamento. Parece‑me sintomático neste contexto que, como afirmou o Tribunal Geral no n.o 59 do acórdão recorrido, no caso vertente, o investimento financeiro desempenhe um papel decisivo no recrutamento dos participantes e de outras pessoas envolvidas no ensaio clínico. De resto, em circunstâncias como as do processo principal, a marca controvertida foi registada para produtos da classe 5 do Acordo de Nice, ou seja, produtos farmacêuticos e produtos de cuidados de saúde. Assim, esta marca devia criar um mercado não para investigações científicas mas para produtos que pertencem a esta classe.

83.      Por último, estas considerações não podem ser postas em causa pelo argumento da recorrente segundo o qual a interpretação do conceito de «utilização séria» deve ser objeto de uma certa flexibilidade porque, segundo o artigo 15.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 207/2009 [artigo 18.o, n.o 1, alínea), do Regulamento 2017/1001], o legislador da União admite a utilização de uma marca sob uma forma que difere daquela sob a qual foi registada. O objetivo destas disposições é permitir ao titular de uma marca registada acrescentar ao sinal, quando da sua exploração comercial, variações que, sem alterarem o caráter distintivo, permitem uma melhor adaptação às exigências de comercialização e de promoção dos produtos ou dos serviços em causa (45). Se alguma flexibilidade é admitida quanto à forma de uma marca, não pode, porém, abranger as características relativas ao caráter sério da utilização. Esta utilização deve, de qualquer modo, preencher os requisitos referidos nos pontos 56 a 59 das presentes conclusões.

84.      Resumindo, considero que a utilização de uma marca registada para um medicamento testado no âmbito de ensaios clínicos não constitui uma utilização séria desta marca. Posto isto, não considero que, na falta de AIM, uma marca registada para um medicamento objeto de um ensaio clínico não possa, de modo algum, ser utilizada de forma séria.

vii) Exceções que confirmem a regra

85.      A título de exemplo, saliento que, segundo o artigo 83.o, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 726/2004, em derrogação do artigo 6.o da Diretiva 2001/83, tendo em vista um uso compassivo, os Estados‑Membros podem disponibilizar um medicamento não autorizado a um grupo de doentes que sofram de uma doença crónica ou gravemente debilitante ou de uma doença considerada potencialmente letal e que não possam ser satisfatoriamente tratados com um medicamento autorizado. Esta possibilidade existe, designadamente, em relação a um medicamento testado no âmbito de um ensaio clínico. Outros aspetos do uso compassivo são, de um modo geral, regulamentados a nível nacional.

86.      Assim, devido a uma certa liberdade dos Estados‑Membros quanto à regulamentação do uso compassivo, não posso excluir desde logo que esse uso de um medicamento para o qual uma marca foi registada implique uma utilização séria desta marca.

87.      Em primeiro lugar, pouco importa que, segundo as disposições nacionais constantes, sendo caso disso, a disponibilização desse medicamento para uso compassivo não prossiga um fim lucrativo. Como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, o facto de o titular da marca não prosseguir fins lucrativos não exclui que ele possa ter por objetivo criar e, posteriormente, conservar um mercado para os seus produtos ou serviços (46).

88.      Em segundo lugar, não é necessário que a utilização seja quantitativamente importante para ser qualificada de «séria». A utilização, mesmo mínima, pode ser suficiente para ser assim qualificada, desde que seja considerada justificada, no setor económico em causa (47). Nesta ordem de ideias, um medicamento não autorizado, suscetível de ser objeto de um uso compassivo, pode ser concebido para a sua comercialização futura junto de pessoas que sofram de uma doença crónica ou gravemente debilitante ou de uma doença considerada potencialmente mortal. Assim, esse mercado é restrito e, consequentemente, os atos que constituem uma utilização séria também podem ser limitados quantitativamente.

89.      Em terceiro lugar, considero que o uso compassivo de um medicamento para o qual uma marca foi registada não pode colocar o seu titular numa situação desfavorável em relação aos outros agentes no mercado dos medicamentos comercializados. Com efeito, a intervenção no mercado de uma marca registada para um medicamento objeto de um uso compassivo pode ocorrer em circunstâncias comparáveis às da comercialização de um medicamento autorizado.

90.      Por último, em quarto lugar, uma interpretação que não exclui sistematicamente a existência de uma utilização séria no âmbito de um uso compassivo parece‑me ser corroborada pela leitura sistémica das disposições do Regulamento n.o 726/2004 e da Diretiva 2001/83. Por um lado, o artigo 6.o da Diretiva 2001/83, que enuncia o princípio segundo o qual os medicamentos não autorizados não podem ser introduzidos no mercado, inicia o título III, intitulado «Introdução no mercado», desta diretiva. Por outro, o artigo 83.o, n.o 1, do Regulamento n.o 726/2004 prevê explicitamente uma derrogação ao artigo 6.o da Diretiva 2001/83. Caso a disponibilização de um medicamento de acordo com os requisitos previstos no artigo 83.o, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 726/2004 não constituísse uma introdução no mercado, esta derrogação seria desprovida de sentido.

91.      Para concluir, não excluo que uma marca registada para produtos farmacêuticos e produtos de cuidados de saúde da classe 5 do Acordo de Nice e, mais especificamente, para um medicamento abrangido pela Diretiva 2001/83, possa, em determinados casos, ser objeto de uma utilização séria antes da obtenção da AIM desse medicamento. A questão de saber se uma utilização é suficiente depende de uma apreciação caso a caso. Dito isto, considero que a utilização de uma tal marca no âmbito de ensaios clínicos não pode constituir uma utilização séria na aceção do artigo 51.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 207/2009 [artigo 58.o, n.o 1, alínea), do Regulamento 2017/1001]. Com efeito, no âmbito de um ensaio clínico, uma marca não é utilizada para criar ou conservar um mercado para os produtos ou serviços para os quais foi registada.

92.      À luz das observações precedentes, considero que a segunda parte do primeiro fundamento de recurso é improcedente.

2.      Quanto ao segundo fundamento

a)      Posições das partes

93.      Com o segundo fundamento de recurso, que se refere principalmente aos n.os 60 e 61 do acórdão recorrido, a recorrente acusa o Tribunal Geral de ter violado o artigo 51.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 207/2009 [artigo 58.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento 2017/1001], ao excluir a existência de um motivo justo para a não utilização da marca contestada. Mais especificamente, a recorrente afirma que o Tribunal Geral excluiu de forma errada a existência de um motivo justo para a não utilização nos casos em que, em primeiro lugar, o pedido relativo ao referido ensaio é apresentado muito tempo após o registo da marca e, em segundo lugar, os meios financeiros afetos não eram os necessários para poder concluir o estudo clínico com a maior celeridade possível.

94.      Para sustentar esse fundamento, a recorrente refere, em primeiro lugar, que, ao censurá‑la por ter pedido a autorização de ensaio clínico muito tempo depois do registo da marca, o Tribunal Geral terá esvaziado de sentido o prazo de tolerância de cinco anos. Com efeito, uma marca de medicamento cujo prazo de tolerância termina torna‑se, de facto, inutilizável, já que só a introdução de um pedido de AIM é suscetível de justificar a sua não utilização.

95.      Em segundo lugar, à luz da tomada em consideração pelo Tribunal Geral dos investimentos financeiros na apreciação da existência de um motivo justo para a não utilização, as empresas financeiramente sólidas têm mais facilidade em proteger de forma adequada os seus investimentos pelo direito das marcas do que as empresas financeiramente mais fracas. Em todo o caso, o Tribunal Geral não pode basear‑se no postulado abstrato segundo o qual um maior investimento teria permitido realizar mais rapidamente o ensaio clínico em causa.

96.      O EUIPO e, pressupondo que o segundo fundamento é admissível, a Hecht‑Pharma consideram que este fundamento é improcedente.

97.      Segundo o EUIPO, a conclusão segundo a qual os atos realizados pela recorrente se situam no seu âmbito de influência e o ensaio clínico não pode constituir, no caso vertente, um motivo justo para a não utilização, é baseada numa apreciação global que tem em conta, além do tempo decorrido e dos investimentos realizados, designadamente, o facto de não ter sido apresentado nenhum elemento indicativo de um resultado deste ensaio, que o ensaio clínico em causa está sujeito às regras nacionais e constitui apenas uma etapa para a comercialização de um medicamento para o tratamento da esclerose múltipla e, por último, não existe nenhuma obrigação legal de designar um medicamento no decurso de um ensaio clínico.

98.      A Hecht‑Pharma admite que um processo de autorização de um medicamento anormalmente longo pode constituir um motivo justo para a não utilização. No entanto, no que diz respeito ao presente processo, a Hecht‑Pharma refere, designadamente, que a recorrente deixou passar três anos entre o registo da marca contestada e o pedido de autorização para a realização de um ensaio clínico e que, até à presente data, não apresentou um pedido de AIM.

b)      Apreciação

99.      No Acórdão Häupl (48), o Tribunal de Justiça declarou que devem ser preenchidos três requisitos cumulativos para justificar o não uso de uma marca. O obstáculo deve, em primeiro lugar, ser independente da vontade do titular dessa marca, em segundo lugar, ter uma relação suficientemente direta com a marca e, em terceiro lugar, ser de natureza a tornar impossível ou pouco razoável o uso da referida marca.

100. Dito isto, as considerações do Tribunal Geral através das quais este negou a existência de um motivo justo de não utilização visavam apenas o primeiro requisito, relativo ao facto de o obstáculo ser independente da vontade do titular. Recordo que, no n.o 61 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou que se a realização de um ensaio clínico pode efetivamente constituir um motivo para a não utilização de uma marca, os atos e os eventos mencionados pela recorrente no caso vertente situavamse na sua esfera de influência e eram da sua responsabilidade, pelo que não são obstáculos independentes da sua vontade.

101. Para chegar a estas conclusões, o Tribunal Geral teve em conta vários critérios, ou seja, por um lado, o tempo decorrido entre o registo da marca — que resulta não de uma obrigação legal, mas da própria escolha da recorrente — e o início do ensaio clínico (a data específica do seu termo não era determinável (49)) e, por outro, a adequação dos investimentos realizados pela recorrente (50).

102. Assim, sem querer pronunciar‑me sobre questões relativas à existência de uma relação suficientemente direta entre o obstáculo e a marca contestada e ao impacto deste obstáculo sobre a possibilidade ou a racionalidade da utilização desta marca, que não foram decididas pelo Tribunal Geral no acórdão recorrido, há que analisar a questão de saber se, numa situação em que um obstáculo subsiste por razões referentes ao lançamento e ao financiamento de um ensaio clínico de um medicamento para o qual a referida marca foi registada, este obstáculo é (ou não) independente da vontade de um titular (51).

103. No Acórdão Häupl (52), o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 19.o, n.o 1, do Acordo sobre os Aspetos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados com o Comércio (53) pode constituir um elemento de interpretação do conceito de motivos justos tal como é utilizado no direito da União. Com efeito, esta disposição cita como exemplos as restrições à importação ou outras medidas impostas pelos poderes públicos em relação aos produtos ou serviços designados por uma marca. Assim, um obstáculo de natureza jurídica pode também constituir um motivo justo para a não utilização.

104. É certo que, segundo a minha análise do primeiro fundamento do recurso, no sistema instituído, designadamente, pela Diretiva 2001/83 e pelo Regulamento n.o 726/2004, a utilização séria de uma marca registada para um medicamento não autorizado só é possível em casos excecionais e a sua utilização séria é impossível no âmbito dos ensaios clínicos (54).

105. Contudo, em primeiro lugar, não se pode sustentar que cada restrição jurídica que esteja diretamente ligada à marca e torne a sua utilização impossível constitui um obstáculo que deve ser automaticamente qualificado de motivo justo para a não utilização. Cada atividade comercial deve ser exercida em conformidade com determinadas disposições legislativas. Neste contexto, recordo que o Tribunal de Justiça já decidiu que não se pode conferir um alcance demasiado amplo ao conceito de «motivo justo» (55). Por conseguinte, considero que o simples facto de existir um obstáculo à utilização de uma marca, tal como a necessidade de se conformar com a legislação da União para comercializar os produtos visados por essa marca, não basta para justificar a não utilização dessa marca (56).

106. Em segundo lugar, no contexto das marcas da União Europeia e independentemente das considerações sobre o papel dos ensaios clínicos na regulamentação dos medicamentos para uso humano, a realização de um ensaio clínico de um medicamento para o qual uma marca foi registada constitui, para o seu titular, um ato pelo qual este procura eliminar um obstáculo à utilização séria dessa marca.

107. Com efeito, no caso em que o titular pode exercer atos suscetíveis de eliminar um obstáculo à utilização da marca ou, pelo menos, reduzir a sua duração, não se pode considerar que esse obstáculo é plenamente independente da sua vontade. No entanto, não excluo que, sempre que esses atos exijam que o titular se submeta a um procedimento específico, este poderá colidir com outros obstáculos causados pelas autoridades encarregadas de conduzir esse procedimento. Creio que tais obstáculos podem constituir motivos justos de não utilização. No que se refere, por exemplo, à situação do titular de uma marca registada para um medicamento, pode suceder que as autoridades responsáveis pela autorização prévia de um ensaio clínico não tenham examinado, no prazo que lhes é dado, o pedido de autorização apresentado por esse titular.

108. Estas considerações são corroboradas pela jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual o conceito de «motivos justificados» refere‑se, em substância, a circunstâncias externas ao titular da marca (57).

109. É verdade que um ensaio clínico, e as alterações substanciais nele introduzidas, devem ser previamente autorizados por um Estado‑Membro (58). Porém, essas autorizações são concedidas de acordo com critérios estabelecidos na legislação pertinente, os quais são, deste modo, previsíveis para um titular que atua como promotor de um ensaio clínico. Com efeito, o promotor é responsável pela iniciação, gestão e criação de mecanismos de financiamento de um ensaio clínico (59).

110. Relativamente ao presente recurso, há que referir que os critérios adotados pelo Tribunal Geral no acórdão recorrido e criticados pelo segundo fundamento do recurso são da responsabilidade da recorrente assim definida (60). Por outro lado, nada indica que a recorrente tenha invocado outros elementos de facto suscetíveis de demonstrar que obstáculos que não sejam da sua responsabilidade tenham afetado o início ou a realização do ensaio clínico. Em todo o caso, a apreciação de tais elementos de facto não é da competência do Tribunal de Justiça, que conhece um recurso interposto do acórdão do Tribunal Geral.

111. De resto, considero que, na situação em que a recorrente invoque esses elementos factuais, há que apreciar caso a caso se, no prazo previsto no artigo 51.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 207/2009 [artigo 58.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento 2017/1001], uma mudança da estratégia empresarial com vista a contornar o obstáculo podia, com uma probabilidade não negligenciável, ter tornado possível a utilização da marca contestada antes do termo desse prazo. Em caso de resposta negativa, deve‑se considerar que existia um motivo para a não utilização. Em caso de resposta afirmativa, um titular não pode alegar que existia um motivo justo para a não utilização.

112. À luz das observações precedentes, considero que o segundo fundamento do recurso é improcedente.

VII. Conclusão

113. Tendo em conta o acima exposto, proponho ao Tribunal de Justiça que negue provimento ao recurso e condene a recorrente nas despesas.


1      Língua original: francês.


2      T‑276/16, a seguir «acórdão recorrido», EU:T:2017:611.


3      Regulamento do Conselho de 26 de fevereiro de 2009, sobre a marca da UE (JO 2009, L 78, p. 1).


4      Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho de 14 de junho de 2017, sobre a marca da União Europeia (JO 2017, L 154, p. 1).


5      Sobre a equivalência destas disposições, v. n.o 23 das presentes conclusões.


6      De resto, é verdade que o pedido de extinção que deu origem ao processo no âmbito do qual as decisões do EUIPO e o acórdão recorrido foram proferidos, tinha sido apresentado em 18 de novembro de 2013, isto é, na vigência do Regulamento n.o 207/2009. Porém, numa situação análoga, relativamente à articulação entre o Regulamento (CE) n.o 40/94 do Conselho, de 20 de dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (JO 1994, L 11, p. 1), e o Regulamento n.o 207/2009, o Tribunal de Justiça referiu‑se às disposições do Regulamento n.o 207/2009, que era aplicável aquando da adoção das decisões do EUIPO e, portanto, aquando da prolação do acórdão recorrido, quando o processo de extinção em causa tinha sido iniciado na vigência do Regulamento n.o 40/94. V. Acórdão de 26 de setembro de 2013, Centrotherm Systemtechnik/centrotherm Clean Solutions (C‑609/11 P, EU:C:2013:592). A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou, no n.o 31 deste acórdão: «Todavia, tendo [o Regulamento n.o 207/2009] codificado o Regulamento n.o 40/94 sem que as disposições pertinentes do mesmo tenham sofrido qualquer alteração nessa codificação, far‑se‑á, no remanescente do presente acórdão, exclusivamente referência às disposições do Regulamento n.o 207/2009». V., igualmente, Conclusões da advogada‑geral E. Sharpston nos processos Centrotherm Systemtechnik/centrotherm Clean Solutions (C‑609/11 P e C‑610/11 P, EU:C:2013:308, n.o 4).


7      V., por analogia, Acórdão de 21 de fevereiro de 2018, Repower/EUIPO — repowermap.org (REPOWER) (T‑727/16, EU:T:2018:88, n.o 27).


8      Por outro lado, o mesmo acontece relativamente ao artigo 18.o, n.o 1, segundo parágrafo, do Regulamento 2017/1001, que é quase idêntico ao artigo 15.o, n.o 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 207/2009. A única diferença é o aditamento, no final dessa disposição do Regulamento 2017/1001, dos seguintes termos: «independentemente de a marca na forma utilizada estar também registada em nome do titular». Por outro lado, o considerando 25 do Regulamento 2017/1001 não tem equivalente no Regulamento n.o 207/2009. A sua redação é a seguinte: «Por razões de equidade e segurança jurídica, a utilização de uma marca da UE, sob uma forma que difira em elementos que não alterem o caráter distintivo da marca na forma sob a qual foi registada deverá ser suficiente para preservar os direitos conferidos, independentemente de a marca na forma utilizada estar também registada.» Ora, a situação da recorrente não corresponde à que é exposta neste considerando. Nada indica que a recorrente tenha utilizado a marca contestada sob uma forma que difira daquela sob a qual foi registada.


9      Assim, os presentes autos não darão ao Tribunal de Justiça a oportunidade de se pronunciar sobre a aplicabilidade, no âmbito de um processo iniciado na vigência do Regulamento n.o 207/2009, das disposições do Regulamento 2017/1001 que não têm equivalente no regulamento que o precedeu. Relativamente a uma problemática semelhante, v. processo Textilis (C‑21/18, a correr termos no Tribunal de Justiça).


10      Despacho de 22 de fevereiro de 2018, Martín Osete/EUIPO (C‑529/17 P, não publicado, EU:C:2018:105).


11      V., nomeadamente, n.o 27 do recurso que deu origem ao Despacho de 22 de fevereiro de 2018, Martín Osete/EUIPO (C‑529/17 P, não publicado, EU:C:2018:105), no qual a recorrente criticou a conclusão do Tribunal Geral segundo a qual «as provas apresentadas pela titular das marcas da União Europeia referentes às exigências regulamentares com que se deparou não demonstraram (de modo suficiente) a existência de motivos justos para a não utilização durante o período especificado». Do mesmo modo, no n.o 29 desse recurso, a recorrente referiu que «deve ser lembrado e sublinhado que a existência de motivos justos está, no entanto, claramente demonstrada pelas numerosas provas reunidas».


12      Acórdão de 13 de setembro de 2007, Il Ponte Finanziaria/IHMI (C‑234/06 P, EU:C:2007:514, n.o 73). A título de exemplo desta orientação jurisprudencial, a recorrente invoca também o Despacho de 27 de janeiro de 2004, La Mer Technology (C‑259/02, EU:C:2004:50, n.os 21 e 24), e o Acórdão de 21 de novembro de 2013, Recaro/IHMI — Certino Mode (RECARO) (T‑524/12, não publicado, EU:T:2013:604, n.os 25 e 26).


13      Neste contexto, a recorrente visa um ensaio clínico, enquanto tal, bem como os atos praticados no âmbito desse ensaio, ou seja, a entrega de mais de 400 000 cápsulas com a marca «Boswelan» a uma clínica universitária, a faturação dos produtos por uma empresa terceira que atua como intermediária e a utilização da marca durante a seleção dos participantes nos ensaios e no âmbito dos dados relativos aos referidos ensaios acessíveis ao público.


14      V., neste sentido, Conclusões do advogado‑geral D. Ruiz‑Jarabo Colomer no processo Ansul (C‑40/01, EU:C:2002:412, n.o 49).


15      V. nota 8 das presentes conclusões.


16      V., nomeadamente, Sitko, J. J., «Special Criteria of Trade Mark Protection with Regard to Pharmaceutical Products in the European Union Legal System», International Review of Intellectual Property and Competition Law, 2014, n.o 6, pp. 667 e 668; Trzebiatowski, M., Obowiązek używania znaku towarowego. Studium z prawa polskiego na tle prawnoporównawczym, C. H. Beck, Varsóvia, 2007, pp. 147 e 148.


17      No Acórdão de 24 de novembro de 1999, I ZB 17/97 (Neue Juristische Wochenschrift 2000, 1487), o Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal, Alemanha) decidiu uma problemática semelhante no contexto da interpretação de uma disposição alemã que transpõe para o direito interno o artigo 10.o da Diretiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas (JO 1989, L 40, p. 1). Nos n.os 18 e 19 desse acórdão, esse órgão jurisdicional referiu que a utilização de uma marca no âmbito de um processo de emissão de licenças de medicamentos não pode ser considerada uma utilização séria. Contudo, também referiu que a execução de um processo de autorização previsto pode, em princípio, ser considerada um motivo legítimo para a não utilização. Do mesmo modo, foi reconhecido por órgãos jurisdicionais franceses que um pedido de AIM, que é o seguimento lógico dos ensaios clínicos, constitui um motivo justo para a não utilização de uma marca registada para um medicamento sujeito ao processo de autorização (v. Acórdão de 1 de junho de 1999, Tribunal de grande instance de Paris, 3e chambre (Tribunal de Primeira Instância de Paris, 3.a Secção, França), Almonda Sociedade Gestora de participações sociais/Opfermann Arzneimittel GmbH, PIBD 1999 682 III‑354). Assim, deduz‑se destes acórdãos que a utilização, no âmbito de ensaios clínicos, de uma marca registada para um medicamento testado não constitui uma utilização séria.


18      V., neste sentido, Acórdão de 8 de junho de 2017, W. F. Gözze Frottierweberei e Gözze (C‑689/15, EU:C:2017:434, n.o 37).


19      Acórdão de 15 de janeiro de 2009, Silberquelle (C‑495/07, EU:C:2009:10, n.o 18). V., igualmente, Acórdão de 17 de julho de 2014, Reber Holding/IHMI (C‑141/13 P, não publicado, EU:C:2014:2089, n.o 32), no qual o Tribunal de Justiça declarou que nem toda a exploração comprovadamente comercial pode ser qualificada de forma automática de «utilização séria» da marca contestada.


20      Acórdão de 8 de junho de 2017, W. F. Gözze Frottierweberei e Gözze (C‑689/15, EU:C:2017:434, n.os 39 a 41). V., igualmente, Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Pandalis/EUIPO (C‑194/17 P, EU:C:2018:725, n.o 65).


21      Acórdão de 11 de março de 2003 (C‑40/01, EU:C:2003:145).


22      Acórdão de 11 de março de 2003 (C‑40/01, EU:C:2003:145).


23      Acórdão de 9 de dezembro de 2008 (C‑442/07, EU:C:2008:696, n.o 23).


24      Acórdão de 11 de março de 2003 (C‑40/01, EU:C:2003:145).


25      V., neste sentido, Trzebiatowski, M., «Pojęcie rzeczywistego używania znaku towarowego (orzecznictwo krajowe na tle orzecznictwa wspólnotowego)», Europejski Przegląd Sądowy, 2010, p. 22.


26      Acórdão de 11 de março de 2003, Ansul (C‑40/01, EU:C:2003:145, n.o 38).


27      Acórdão de 11 de março de 2003, Ansul (C‑40/01, EU:C:2003:145, n.o 39). V., igualmente, Despacho de 27 de janeiro de 2004, La Mer Technology (C‑259/02, EU:C:2004:50, n.o 23).


28      V., neste sentido, Acórdão de 15 de janeiro de 2009, Silberquelle (C‑495/07, EU:C:2009:10, n.o 19).


29      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho de 6 de novembro de 2001, que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano (JO 2001, L 311, p. 67).


30      Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho de 31 de março de 2004, que estabelece procedimentos comunitários de autorização e de fiscalização de medicamentos para uso humano e veterinário e que institui uma Agência Europeia de Medicamentos (JO 2004, L 136, p. 1).


31      Nos termos do artigo 6.o da Diretiva 2001/83, nenhum medicamento pode ser introduzido no mercado num EstadoMembro sem que para tal tenha sido emitida pela autoridade competente desse Estado‑Membro uma AIM, nos termos desta diretiva, ou sem que tenha sido concedida uma autorização nos termos do Regulamento n.o 726/2004. Mais, resulta do artigo 76.o da Diretiva 2001/83 que os Estados‑Membros tomarão todas as medidas necessárias para que, no seu território, apenas sejam distribuídos medicamentos para os quais tenha sido emitida uma AIM conforme ao direito da União. O Regulamento n.o 726/2004, por seu turno, dispõe no seu artigo 3.o, n.o 1, que nenhum medicamento constante do seu Anexo pode ser introduzido no mercado na União sem que a União tenha concedido uma AIM, em conformidade com o disposto neste regulamento. Além disso, nos termos do artigo 3.o, n.o 2, deste mesmo regulamento, qualquer medicamento não constante do Anexo pode ser sujeito a uma AIM concedida pela União, em conformidade com o disposto neste regulamento, se: a) esse medicamento contiver uma substância ativa nova que, até à data de entrada em vigor do referido regulamento, não era autorizada na União; ou b) o requerente demonstrar que esse medicamento constitui uma inovação significativa no plano terapêutico, científico ou técnico, ou que a concessão de uma autorização em conformidade com o Regulamento n.o 726/2004 apresenta interesse para os doentes ou a saúde animal, a nível da União.


32      V. artigo 86.o, n.o 1, e artigo 87.o da Diretiva 2001/83.


33      V. artigo 2.o, alínea a), da Diretiva 2001/20/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de abril de 2001, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros respeitantes à aplicação de boas práticas clínicas na condução dos ensaios clínicos de medicamentos para uso humano (JO 2001, L 121, p. 34), e o anexo I desta diretiva na medida em que especifica o conceito de «ensaio clínico». V., igualmente, artigo 2.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento (UE) n.o 536/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, relativo aos ensaios clínicos de medicamentos para uso humano e que revoga a Diretiva 2001/20/CE (JO 2014, L 158, p. 1).


34      V. artigo 9.o da Diretiva 2001/20 e artigo 4.o do Regulamento n.o 536/2014.


35      V., nomeadamente, artigo 10.o da Diretiva 2001/20 e artigo 15.o do Regulamento n.o 536/2014.


36      V., nomeadamente, artigo 2.o, alínea e), da Diretiva 2001/20 e artigo 2.o, n.o 2, ponto 14, do Regulamento n.o 536/2014 que, no intuito de definir claramente as responsabilidades, definem um promotor como uma pessoa, empresa, instituto ou organismo responsável pela iniciação, pela gestão e pela criação de mecanismos de financiamento do ensaio clínico.


37      Acórdão de 11 de março de 2003, Ansul (C‑40/01, EU:C:2003:145, n.o 37). V., igualmente, n.o 61 das presentes conclusões.


38      Do mesmo modo, é também a abordagem adotada pela recorrente no seu recurso. Designadamente, no n.o 17 da petição de recurso, a recorrente refere que «é evidente que não é correta a negação de uma utilização séria, no essencial, apenas com base no argumento de que o produto em causa não pode ser comercializado nem promovido junto do público». Por outro lado, a recorrente invoca, no que diz respeito à segunda parte do primeiro fundamento, que, segundo esse acórdão, a utilização séria pode existir desde que a comercialização esteja em preparação e iminente. Em seguida, considera no âmbito da segunda parte do primeiro fundamento que «[i]ndependentemente da questão de saber se estes requisitos estão preenchidos no caso em apreço, o acórdão acima referido do Tribunal de Justiça mostra que uma utilização séria pode também existir, mesmo na ausência de um ato dirigido a um número ilimitado ou, pelo menos, muito grande de destinatários». Assim, é verdade que conceitos utilizados no âmbito da Diretiva 2001/83 não devem necessariamente corresponder a conceitos utilizados no âmbito do direito das marcas. Todavia, a própria recorrente parece considerar que o conceito de «introdução no mercado», na aceção do artigo 6.o da Diretiva 2001/83, corresponde ao conceito de «comercialização» utilizado pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 11 de março de 2003, Ansul (C‑40/01, EU:C:2003:145).


39      Sitko, J. J., op. cit., p. 658.


40      Mosback H., «Protection of Pharmaceutical Trade Marks in Europe», Journal of Intellectual Property Law Practice, 2013, vol. 8, n.o 1, p. 71, e Sitko, J. J., op. cit., p. 658.


41      Mosback H., op. cit., p. 71.


42      Acórdão de 11 de março de 2003 (C‑40/01, EU:C:2003:145, n.o 37).


43      V., igualmente, neste sentido, Conclusões do advogado‑geral N. Wahl no processo Olainfarm (C‑104/13, EU:C:2014:342, n.o 25).


44      V. n.o 69 das presentes conclusões.


45      V. as minhas Conclusões no processo IHMI/Grau Ferrer (C‑597/14 P, EU:C:2016:2, n.o 102 e jurisprudência aí referida).


46      Acórdão de 9 de dezembro de 2008, Verein Radetzky‑Orden (C‑442/07, EU:C:2008:696, n.os 16 e 17).


47      V. Despacho de 27 de janeiro de 2004, La Mer Technology (C‑259/02, EU:C:2004:50, n.o 24). V., igualmente, no que se refere à utilização das marcas no setor farmacêutico, Acórdão de 5 de julho de 2017 da Cour de cassation, Chambre commerciale (Tribunal de Cassação, Secção Comercial, França), n.o 13‑11513.


48      Acórdão de 14 de junho de 2007 (C‑246/05, EU:C:2007:340, n.os 54 e 55).


49      V. n.os 55 a 58 e 60 do acórdão recorrido.


50      V. n.o 59 do acórdão recorrido.


51      Aliás, como acabei de explicar na parte das presentes conclusões relativa à admissibilidade dos fundamentos, considero que o segundo fundamento é admissível porque visa a natureza das circunstâncias que podem ser tidas em conta para determinar se um obstáculo é independente da vontade do titular. Parece‑me que um fundamento semelhante foi considerado admissível pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 13 de setembro de 2007, Il Ponte Finanziaria/IHMI (C‑234/06 P, EU:C:2007:514, n.o 99).


52      Acórdão de 14 de junho de 2007 (C‑246/05, EU:C:2007:340, n.o 48).


53      Acordo sobre os Aspetos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados com o Comércio que figura no anexo 1C do Acordo de Marraquexe, que institui a Organização Mundial do Comércio, e que foi aprovado em nome da Comunidade Europeia pela Decisão 94/800/CE do Conselho, de 22 de dezembro de 1994, relativa à celebração, em nome da Comunidade Europeia e em relação às matérias da sua competência, dos acordos resultantes das negociações multilaterais do Uruguay Round (1986/1994) (JO 1994, L 336, p. 1).


54      V. n.o 91 das presentes conclusões.


55      Acórdão de 14 de junho de 2007, Häupl (C‑246/05, EU:C:2007:340, n.o 51).


56      V., neste sentido, Acórdão de 8 de junho de 2017, Kaane American International Tobacco/EUIPO — Global Tobacco (GOLD MOUNT) (T‑294/16, não publicado, EU:T:2017:382, n.o 42).


57      Acórdão de 13 de setembro de 2007, Il Ponte Finanziaria/IHMI (C‑234/06 P, EU:C:2007:514, n.o 102).


58      V. n.o 69 das presentes conclusões.


59      V. n.o 69 das presentes conclusões.


60      V. n.o 109 das presentes conclusões.