Language of document : ECLI:EU:F:2014:224

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA FUNÇÃO PÚBLICA DA UNIÃO EUROPEIA

(Terceira Secção)

25 de setembro de 2014

Processo F‑100/13

Bruno Julien‑Malvy e o.

contra

Serviço Europeu de Ação Externa (SEAE)

«Função pública ― Remuneração ― Pessoal do SEAE destacado em países terceiros ― Decisão da AIPN que altera a lista de países terceiros em que as condições de vida são equivalentes às habituais na União ― Ato de alcance geral ― Admissibilidade do recurso ― Avaliação anual do subsídio de condições de vida ― Supressão»

Objeto:      Recurso interposto nos termos do artigo 270.° TFUE, aplicável ao Tratado CEEA por força do seu artigo 106.°‑A, através do qual B. Julien‑Malvy e os outros recorrentes cujos nomes figuram no anexo pedem ao Tribunal que anule a decisão de 19 de dezembro de 2012 do Serviço Europeu de Ação Externa (SEAE), na medida em que suprime, a partir de 1 de janeiro de 2014, o pagamento do subsídio de condições de vida (a seguir «SCV») ao pessoal destacado na Argentina, em Hong Kong, no Chile, no Japão, na Malásia, em Singapura e em Taiwan e, consequentemente, ordene o pagamento dos montantes que consideram ser‑lhes devidos a título de SCV.

Decisão:      É negado provimento ao recurso. B. Julien‑Malvy e os outros recorrentes cujos nomes figuram em anexo suportam as suas próprias despesas. O Serviço Europeu para a Ação Externa suporta as suas próprias despesas.

Sumário

1.      Funcionários ― Recursos ― Ato lesivo ― Conceito ― Recurso de uma decisão da autoridade investida do poder de nomeação que suprime o subsídio de condições de vida concedido aos funcionários destacados em certos países terceiros ― Inclusão

(Estatuto dos Funcionários, artigo 90.° e 91.°, e anexo X, artigo 10.°, conforme alterado pelo Regulamento n.° 1023/2013)

2.      Funcionários ― Remuneração ― Regime pecuniário aplicável aos funcionários afetados a um país terceiro ― Subsídio de condições de vida ― Requisitos de concessão ― Obrigação para as instituições de adotar disposições gerais de execução ― Violação ― Invocação por um funcionário que contesta a legalidade de uma decisão relativa à concessão do subsídio ― Requisitos

(Estatuto dos Funcionários, artigo 110.°, e anexo X, artigo 1.°, n.° 3 conforme alterado pelo Regulamento n.° 1023/2013)

3.      Funcionários ― Remuneração ― Regime pecuniário aplicável aos funcionários afetados a um país terceiro ― Subsídio de condições de vida ― Requisitos de concessão ― Fixação por um organismo da União em período de adaptação sem adoção de disposições gerais de execução ― Admissibilidade

(Estatuto dos Funcionários, anexo X, artigo 10.°, n.° 1 conforme alterado pelo Regulamento n.° 1023/2013)

4.      Funcionários ― Princípios ― Proteção da confiança legítima ― Requisitos ― Garantias precisas fornecidas pela Administração

(Estatuto dos Funcionários, anexo X, artigo 10.°, conforme alterado pelo Regulamento n.° 1023/2013)

1.      Os funcionários e os agentes têm o direito de interpor recurso de uma medida de caráter geral da autoridade investida do poder de nomeação que os prejudica uma vez que, por um lado, esta medida não requer, para produzir efeitos jurídicos, medida de aplicação ou não deixa qualquer margem de apreciação às autoridades encarregues de tomar as medidas necessárias à sua aplicação e, por outro, afeta imediatamente os interesses dos funcionários, alterando de forma significativa a sua situação jurídica.

O mesmo vale para uma decisão, adotada pela referida autoridade nos termos do artigo 10.° do anexo X do Estatuto, que implica para os funcionários destacados em certas delegações e gabinetes da União em países terceiros a supressão do subsídio de condições de vida. Tal decisão é suficientemente precisa e incondicional para não exigir qualquer medida específica de aplicação para produzir efeitos jurídicos a respeito dos funcionários destacados nos países terceiros em causa.

A este respeito, embora a aplicação da decisão requeira a adoção de medidas administrativas, de alcance individual, para pôr fim ao referido subsídio, a adoção dessas medidas, que ocorre na falta de margem de apreciação por parte das autoridades de gestão, não é suscetível de dificultar o caráter imediato da afetação da situação jurídica dos funcionários em causa, que devem necessariamente conformar‑se com a perda do benefício do subsídio de condições de vida a partir da data efetiva da decisão.

(cf. n.os 14 a 16)

Ver:

Tribunal de Justiça: 29 de setembro de 1976, de Dapper e o./Parlamento, 54/75; 27 de outubro de 1987, Diezler e o./CES, 146/85 e 431/85, n.os 6 e 7; 8 de março de 1988, Brown/Tribunal de Justiça, 125/87, n.° 16

2.       As disposições gerais de execução, na aceção do artigo 110.° do Estatuto referem‑se, em primeiro lugar, às medidas de aplicação expressamente previstas por determinadas disposições especiais do Estatuto sendo que, na falta de disposição expressa, a obrigação de adotar medidas executivas sujeitas às condições formais do referido artigo só pode ser admitida a título excecional, ou seja, quando às disposições do Estatuto falta clareza e precisão a um tal ponto que não é possível uma aplicação desprovida de arbitrariedade.

A este respeito, as disposições do artigo 1.°, terceiro parágrafo, do anexo X do Estatuto têm um alcance geral e as disposições gerais de execução cuja adoção o Estatuto prevê, dizem respeito à totalidade do anexo X do Estatuto, incluindo as disposições que regem a concessão do subsídio de condições de vida. Consequentemente, um órgão da União que aplica estas disposições tem a obrigação de adotar as disposições gerais de execução do artigo 10.° do anexo X do Estatuto, em conformidade com o artigo 1.°, terceira alínea, do referido anexo.

Todavia, a falta de disposições gerais de execução só pode ser utilmente invocada por um funcionário que contesta uma decisão que revê o montante de subsídio pago aos funcionários destacados em países terceiros na hipótese de a irregularidade invocada ser suscetível de o afetar pessoalmente. A este respeito, importa sublinhar que as disposições gerais de execução têm como principal objetivo fixar critérios adequados a guiar a administração no exercício do seu poder discricionário ou a esclarecer o alcance das disposições estatutárias menos claras e precisas a um tal ponto que não é possível uma aplicação desprovida de arbitrariedade. Uma vez que a imprecisão de uma disposição não é suficiente para, por si própria, conduzir a uma aplicação arbitrária desta, a pessoa em causa só tem interesse em invocar esse fundamento se a omissão do Serviço Europeu para a Ação Externa em adotar as disposições gerais de execução a tivesse prejudicado pessoalmente levando a autoridade investida do poder de nomeação a aplicar à sua situação as disposições do artigo 10.° do anexo X do Estatuto de forma parcial e arbitrária.

(cf. n.os 21, 23, 29 e 33)

Ver:

Tribunal de Justiça: acórdão Deboeck/Comissão, 90/74, EU:C:1975:109

Tribunal de Primeira Instância: acórdão Ianniello/Comissão, T‑308/04, T 308/04, EU:T:2007:347, n.° 38

Tribunal da Função Pública: acórdão Behmer/Parlamento, F‑47/07, EU:F:2009:103, n.° 47

3.      No que diz respeito ao subsídio de condições de vida referido no anexo X do Estatuto, ao não fixar nenhum critério para a determinação da equivalência das condições de vida entre os países da União e os países terceiros, o legislador da União entendeu deixar à autoridade investida do poder de nomeação, no âmbito das disposições gerais de execução do Estatuto que esta devia adotar no futuro, uma larga margem de apreciação. Nestas condições, no caso de um organismo da União que encontre, na data de adoção de uma decisão que revê o montante de subsídio pago aos funcionários destacados em países terceiros, em período de adaptação, esta circunstância pode explicar validamente a falta, ainda nessa data, das referidas disposições gerais de execução, suscetíveis de guiar o seu poder de apreciação na aplicação do artigo 10.° do anexo X do Estatuto. Igualmente, o referido órgão, podia, sem incorrer em erro de direito e nos limites do seu poder de apreciação, ter em conta outros critérios que os parâmetros expressamente enumerados no artigo 10.°, n.° 1, quarto parágrafo, do anexo X do Estatuto para proceder à apreciação desta equivalência.

A este respeito, a utilização de dados relativos ao nível de desenvolvimento económico atingido nos países terceiros em causa e o método utilizado, que privilegia uma abordagem económica global baseada na comparação dos níveis de desenvolvimento económico e tem em conta análises feitas por outros organismos internacionais ou certos estados do seu desenvolvimento diplomático, para determinar a equivalência das condições de vida entre os países da União e os países terceiros não são contrários ao artigo 10.°, n.° 1 do anexo X do Estatuto. Esta conclusão não pode ser posta em causa pela circunstância de o referido método ser diferente do usado no passado, uma vez que o método utilizado se insere nos limites do poder de apreciação da autoridade investida do poder de nomeação e que nenhuma disposição regulamentar impõe a obrigação de manter o seu método inalterado.

(cf. n.os 53, 54, 56 e 57)

4.      O direito de invocar a proteção da confiança legítima aplica‑se a todos os particulares que se encontrem numa situação da qual resulte que a Administração, tendo‑lhes fornecido garantias precisas, criou na sua esfera jurídica expectativas fundadas, sob a forma de informações precisas, incondicionais e concordantes, que emanam de fontes autorizadas e fiáveis.

A este respeito, a mera circunstância de um subsídio de condições de vida pago ao pessoal destacado em certos países terceiros ter permanecido inalterado durante muitos anos não é suficiente para que o referido pessoal invoque o princípio da proteção da confiança legítima, uma vez que as disposições que enquadram a concessão do referido subsídio preveem expressamente que esta seja objeto de uma avaliação anual, sendo portanto suscetível de ser alterada de um ano para o outro ou até suprimida

(cf. n.os 84 e 85)

Ver:

Tribunal de Primeira Instância: acórdão Centeno Mediavilla e o./Comissão, T‑58/05, EU:T:2007:218, n.° 96