Language of document : ECLI:EU:T:1997:154

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Primeira Secção)

15 de Outubro de 1997 (1)

«Apoio ao financiamento de um projecto de turismo ecológico - Redução - Recurso de anulação - Admissibilidade - Acto confirmativo - Segurança jurídica - Confiança legítima - Fundamentação»

No processo T-331/94,

IPK-München GmbH, sociedade de direito alemão, com sede em Munique (Alemanha), representada por Hans-Joachim Priess, advogado no foro de Bruxelas, 13, place des Barricades, Bruxelas,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por Jürgen Grunwald, consultor jurídico, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Carlos Gómez de la Cruz, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

recorrida,

que tem por objecto a anulação da decisão da Comissão de 3 de Agosto de 1994, que considerou não dever ser pago o saldo de um apoio financeiro concedido à recorrente no âmbito de um projecto para criação de um banco de dados relativos ao turismo ecológico na Europa,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Primeira Secção),

composto por: A. Saggio, presidente, V. Tiili e R. M. Moura Ramos, juízes,

secretário: A. Mair, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 25 de Junho de 1997,

profere o presente

Acórdão

Matéria de facto

1.
    Na aprovação definitiva do orçamento geral das Comunidades Europeias para o exercício de 1992, o Parlamento decidiu que «Um montante de, no mínimo 530 000 ecus, será utilizado como apoio da rede de informação sobre os projectos de turismo 'ecológico' na Europa» (JO L 26, p. 1, 659).

2.
    Em 26 de Fevereiro de 1992, a Comissão publicou no Jornal Oficial um convite para apresentação de propostas, tendo em vista apoiar projectos no domínio do turismo e ambiente (JO C 51, p. 15). A Comissão referiu que pretendia destinar, no total, a este programa 2 milhões de ecus, e seleccionar cerca de 25 projectos. O convite anunciava ainda que «Os projectos seleccionados deverão ser concluídos no prazo de um ano a contar da data da assinatura do contrato». O termo «contrato» remetia para a declaração que o beneficiário do apoio teria de assinar para a concessão do apoio se tornar efectiva.

3.
    Em 22 de Abril de 1992, a recorrente, uma empresa sediada na Alemanha e que exerce as suas actividades no domínio do turismo, apresentou um projecto para criação de um banco de dados sobre o turismo ecológico na Europa. Este banco de dados seria designado «Ecodata». A coordenação do projecto seria assumida pela recorrente. Contudo, para a realização dos trabalhos, a recorrente tinha de colaborar com três parceiros, ou seja, a empresa francesa Innovence, a empresa italiana Tourconsult e a empresa grega 01-Pliroforiki. A proposta não continha qualquer esclarecimento quanto à repartição das tarefas entre estas empresas, limitando-se a referir que todas eram «consultants specialised in tourism, as well as in information-and tourism-related projects» [«consultoras especializadas em turismo, bem como em projectos relativos à informação e ao turismo»].

4.
    Ainda nos termos da proposta, a execução do projecto deveria durar quinze meses. Era reservado um primeiro período de quatro meses para a adopção de medidas de planificação («requirements analysis and data determination», «data base planning», «network technical specifications»). Seguidamente, um período de oito meses seria consagrado ao desenvolvimento do suporte lógico e à execução de uma fase-piloto («development of application software», «pilot phase»). A fase-piloto seria acompanhada de uma primeira avaliação do sistema («system evaluation»). Por último, seriam consagrados três meses à avaliação final do sistema e à sua expansão («system expansion»). Quanto à fase-piloto, esclarecia-se que a mesma consistia na aplicação e avaliação do sistema nos quatro Estados-Membros de onde eram originárias as quatro empresas envolvidas no projecto, ou seja, a Alemanha, a França, a Itália e a Grécia. No termo desta fase, o banco de dados deveria estar acessível aos utilizadores. Quanto à expansão do sistema, esclarecia-se que a mesma consistiria no alargamento do banco de dados aos restantes Estados-Membros, tanto no que respeita ao conteúdo como à sua utilização.

5.
    Por carta de 4 de Agosto de 1992, a Comissão concedeu um apoio de 530 000 ecus ao projecto Ecodata, e convidou a recorrente a assinar e a remeter a «declaração do beneficiário do apoio» (a seguir «declaração»), anexa à carta, e da qual constavam as condições para recepção do apoio.

6.
    A declaração determinava, designadamente, que 60% do montante do apoio seria pago após recepção pela Comissão da declaração devidamente assinada pela recorrente, sendo o resto do montante pago após a recepção e aceitação pela Comissão dos relatórios sobre a execução do projecto, ou seja, um relatório intercalar a apresentar no prazo de três meses a contar do início da execução do projecto, e um relatório final, acompanhado de documentação contabilística, a apresentar no prazo de três meses a contar da finalização do projecto e o mais tardar até 31 de Outubro de 1993. No que respeita a esta última data, a declaração precisava que se tratava de um prazo imperativo compreendido no âmbito da regulamentação orçamental comunitária. Por último, a declaração referia que o desrespeito dos prazos fixados para apresentação dos relatórios e da documentação exigida equivalia a uma renúncia ao pagamento do saldo do apoio.

7.
    A declaração foi assinada pela recorrente em 23 de Setembro de 1992 e recebida pela Comissão em 29 de Setembro de 1992. A primeira parte do apoio não foi, porém, paga à recorrente após a recepção, pela Comissão, da referida declaração assinada. Depois de uma conversa telefónica a este respeito entre a recorrente e os serviços da Comissão, H. von Moltke, Director-Geral da Direcção-Geral Política Empresarial, Comércio, Turismo e Economia Social DG XXIII, enviou à recorrente, em 18 de Novembro de 1992, uma nova declaração de conteúdo idêntico à anexa à carta de 4 de Agosto de 1992. Com base nessa nova declaração, a primeira parte do apoio foi paga em Janeiro de 1993.

8.
    Por carta de 23 de Outubro de 1992, a Comissão comunicou à recorrente que pressupunha que a execução do projecto tinha sido iniciada, o mais tardar, em 15 de Outubro de 1992, e que, assim, aguardava o relatório intercalar até 15 de Janeiro de 1993. Na mesma carta, a Comissão solicitou igualmente à recorrente que apresentasse ainda dois outros relatórios intercalares, ou seja, um até 15 de Abril de 1993 e outro até 15 de Julho de 1993. Por último, reiterou que o relatório final deveria ser apresentado o mais tardar até 31 de Outubro de 1993.

9.
    Em Novembro de 1992, G. Tzoanos, chefe de divisão na DG XXIII, convocou a recorrente e a 01-Pliroforiki para uma reunião, que teve lugar na ausência dos dois outros parceiros no projecto. Segundo as afirmações da recorrente, que enquanto tais não foram contestadas pela recorrida, G. Tzoanos teria proposto na referida reunião que o essencial dos trabalhos fosse confiado à 01-Pliroforiki, a quem seria concedido o essencial dos fundos.

10.
    A recorrente foi também convidada a aceitar a participação no projecto de uma empresa alemã, a Studienkreis für Tourismus, não referida na proposta do projecto, e que estava já envolvida num projecto de turismo ecológico denominado «Ecotrans». Esta participação foi discutida, designadamente, numa reunião que teve lugar na Comissão em 19 de Fevereiro de 1993, e durante a qual os serviços da Comissão insistiram na participação da Studienkreis für Tourismus.

11.
    Alguns dias após a reunião de 19 de Fevereiro de 1993, o processo do projecto Ecodata foi retirado a G. Tzoanos. Em seguida, foi-lhe instaurado um processo disciplinar, bem como abertos inquéritos internos sobre os processos que G. Tzoanos tinha gerido. O processo disciplinar conduziu à demissão de G. Tzoanos. Em contrapartida, o inquérito interno sobre o procedimento administrativo que levou à concessão do apoio ao projecto Ecodata não revelou qualquer irregularidade.

12.
    Em Março de 1993, a recorrente, a Innovence, a Tourconsult e a 01-Pliroforiki reuniram-se a fim de negociar um acordo sobre a organização do projecto e, designadamente, sobre a repartição de tarefas. Esse acordo foi formalmente celebrado em 29 de Março de 1993.

13.
    A recorrente apresentou um primeiro relatório em Abril de 1993, um segundo em Julho de 1993 e um relatório final em Outubro de 1993 (anexo 12 à petição inicial, volume 1). Convidou também a Comissão para a apresentação dos trabalhos realizados. Essa apresentação teve lugar em 15 de Novembro de 1993.

14.
    Por carta de 30 de Novembro de 1993, a Comissão comunicou à recorrente o seguinte:

«... the Commission considers that the report submitted on the [Ecodata] project shows that the work completed by 31 October 1993 does not satisfactorily correspond with what was envisaged in your proposal dated 22 April 1992. The Commission therefore considers that it should not pay the outstanding 40% of its proposed contribution of 530,000 ECU for this project.

The Commission's reasons for taking this position include the following:

1.    The project is nowhere near complete. Indeed the original proposal provided for a pilot phase as the fifth stage of the project. Stages six and seven respectively were to be System Evaluation and System Expansion (to the twelve Member States) and it is clear from the timetable set out on page 17 of the proposal that these were to be completed as part of the project to be co-financed by the Commission.

2.    The pilot questionnaire was manifestly over-detailed for the project in question having regard in particular to the resources available and the nature of the project. It should have been based on a more realistic appraisal of the principle information needed by those dealing with questions of tourism and the environment...

3.    The linking together of a number of databases to establish a distributive database system has not been achieved at 31 October 1993.

4.    The type and quality of data from the test regions is most disappointing, particularly as there were only 4 Member States with 3 regions in each. A great deal of such data as there is in the system is either of marginal interest or irrelevant for questions relating to the environmental aspects of tourism particularly at the regional level.

5.    These reasons and others which are also apparent, sufficiently demonstrate that the project has been poorly managed and coordinated by IPK and has not been implemented in a manner which corresponds with its obligations.

...»

[«... a Comissão considera que o relatório apresentado sobre o projecto [Ecodata] revela que o trabalho realizado até 31 de Outubro de 1993 não corresponde de modo satisfatório ao previsto na proposta de 22 de Abril de 1992. Por essa razão, a Comissão considera não dever pagar os 40% ainda não pagos da contribuição de 530 000 ecus que tinha programado para o mesmo projecto.

Os motivos que levaram a Comissão a adoptar esta decisão são, designadamente, os seguintes:

1.    O projecto está longe de estar acabado. De facto, a proposta inicial previa que a quinta etapa do projecto seria uma fase-piloto. As etapas seis e sete teriam, respectivamente, por objecto a avaliação do sistema e a sua expansão (aos doze Estados-Membros), e o calendário que consta da p. 17 da proposta mostra claramente que estas etapas deveriam ser cumpridas enquanto parte do projecto co-financiado pela Comissão.

2.    O questionário-piloto era manifestamente muito detalhado para o projecto em causa, tendo em conta, em especial, os recursos disponíveis e a natureza do projecto. Devia ter sido baseado numa avaliação mais realista das informações essenciais necessárias às pessoas que se ocupam dos problemas do turismo e do ambiente...

3.    A interconexão de determinado número de dados com vista a criar um sistema de base de dados repartidas não foi realizada até 31 de Outubro de 1993.

4.    A natureza e a qualidade dos dados obtidos das regiões-teste desiludem, em especial pelo facto de o inquérito abranger apenas quatro Estados-Membros e três regiões em cada um destes Estados. Numerosos dados contidos no sistema são de interesse secundário ou não têm importância para as questões ligadas aos aspectos ambientais do turismo, designadamente a nível regional.

5.    Estas razões, e outras que são igualmente manifestas, demonstram de modo bastante que a IPK conduziu e coordenou o projecto de forma medíocre, e que o não executou em conformidade com as suas obrigações.

    ...»]

15.
    A recorrente manifestou o seu desacordo com o conteúdo da carta referida, designadamente por carta enviada à Comissão em 28 de Dezembro de 1993. Entretanto, continuou a desenvolver o projecto, dele fazendo algumas apresentações públicas. Em 29 de Abril de 1994, teve lugar uma reunião entre a recorrente e os representantes da Comissão para discutir o conflito entre ambas. Por carta de 3 de Agosto de 1994, a Comissão comunicou à recorrente o seguinte:

«I am sorry that it was not possible to reply to you directly at an earlier stage following our exchange of letters and (la réunion du 29 avril 1994).

... [T]here is nothing in your reply of 28th December which would lead us to change our opinion. However you raise a number of additional matters on which I would like to comment...

I now have to inform you that having fully considered the matter... I see little point in our having a further meeting. I am therefore now confirming that we will not, for the reasons set out in my letter of 30 November and above make any further payment in respect of this project...»

[«Não me foi possível responder-lhe directamente mais cedo após a nossa troca de correspondência e da (reunião de 29 de Abril de 1994).

... Não há nada na sua resposta de 28 de Dezembro que nos possa fazer mudar de opinião. Contudo, foi suscitado um determinado número de questões adicionais a respeito das quais gostaríamos de apresentar observações...

Devo agora informá-lo de que, após ter analisado exaustivamente a questão... penso que não servirá de grande coisa uma nova reunião. Por esse motivo confirmamos que, pelas razões expostas na carta de 30 de Novembro e acima referidas, não efectuaremos qualquer outro pagamento relativo a este projecto...»]

Tramitação processual e pedidos das partes

16.
    Foi nestas circunstâncias que, por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 13 de Outubro de 1994, a recorrente interpôs o presente recurso.

17.
    Com base no relatório do juiz relator, o Tribunal decidiu iniciar a fase oral do processo sem instrução prévia. No âmbito das medidas de organização do processo, as partes foram, porém, convidadas a responder por escrito a determinadas questões antes da audiência.

18.
    As partes foram ouvidas em alegações e nas suas respostas às questões orais do Tribunal na audiência de 25 de Junho de 1997.

19.
    A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    anular a decisão da Comissão de 3 de Agosto de 1994, que recusa o pagamento da segunda parcela do apoio concedido à recorrente através da comunicação de 4 de Agosto de 1992;

-    condenar a recorrida nas despesas.

20.
    A recorrida conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    julgar o recurso inadmissível ou, a título subsidiário, improcedente;

-    condenar a recorrente nas despesas.

Quanto à admissibilidade

Argumentos das partes

21.
    A recorrida alega que o recurso é inadmissível por não ter sido respeitado o prazo de dois meses previsto no artigo 173.°, quinto parágrafo, do Tratado. Em seu entender, a decisão de não pagar o saldo do apoio foi comunicada à recorrente pela carta de 30 de Novembro de 1993. Essa decisão foi definitiva, e de modo algum foi objecto de qualquer reexame posterior, na medida em que, nos contactos que se seguiram, a recorrente não apresentou novos elementos. A carta de 3 de Agosto de 1994 tem, consequentemente, carácter meramente confirmativo.

22.
    Segundo a recorrente, várias expressões que constam da carta de 30 de Novembro de 1993 demonstram que a decisão nela comunicada não era definitiva. A recorrente refere-se, designadamente, à utilização do termo «should» na frase em que a Comissão dá a conhecer a sua intenção de não proceder ao pagamento do saldo do apoio.

23.
    A recorrente observa também que a decisão comunicada pela carta de 3 de Agosto de 1994 só foi adoptada após novo exame do processo, e por motivos em parte novos.

Apreciação do Tribunal

24.
    Segundo jurisprudência assente, é inadmissível um recurso de anulação de uma decisão puramente confirmativa de uma decisão anterior não impugnada nos prazos legais (acórdãos do Tribunal de Justiça de 15 de Dezembro de 1988, Irish Cement/Comissão, 166 e 220/86, Colect., p. 6473, n.° 16, e de 11 de Janeiro de 1996, Zunis Holding e o./Comissão, C-480/93 P, Colect., p. I-1, n.° 14; despacho do Tribunal de Justiça de 21 de Novembro de 1990, Infortec/Comissão, C-12/90, p. I-4265, n.° 10). Uma decisão é meramente confirmativa de uma decisão anterior se não contiver nenhum elemento novo relativamente a um acto anterior e se não for precedida de uma reanálise da situação do destinatário desse acto (acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de Março de 1978, Herpels/Comissão, 54/77, Recueil, p. 585, n.° 14, Colect., p. 235; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 3 de Março de 1994, Cortes Jimenez e o./Comissão, T-82/92, ColectFP, p. II-237, n.° 14 e de 22 de Novembro de 1990, Lestelle/Comissão, T-4/90, Colect., p. II-689, n.° 24).

25.
    No caso sub judice, a Comissão organizou uma reunião, que teve lugar em 29 de Abril de 1994, durante a qual a sua recusa do pagamento do saldo do apoio, bem como o estado de adiantamento do projecto, constaram dos assuntos discutidos. Isto pode ser concluído, designadamente, das respostas escritas das partes a uma questão do Tribunal relativa, precisamente, ao assunto da reunião de 29 de Abril de 1994.

26.
    O Tribunal considera que esta iniciativa deve ser qualificada de reanálise na acepção da jurisprudência acima referida. Efectivamente, mesmo se, como a recorrida salientou na audiência, a referida reunião não revelou qualquer elemento novo e não levou a Comissão a adoptar outra posição, o facto de ter havido uma reunião sobre as mesmas questões que as abordadas na carta de 30 de Novembro de 1993 só pode levar à conclusão de que a carta de 30 de Novembro de 1993 não encerrou definitivamente a fase administrativa do projecto. A este respeito, o Tribunal considera que, se a Comissão entendia que a carta de 30 de Novembro de 1993 continha a sua decisão final, bastar-lhe-ia fazer referência a essa carta sempre que a recorrente a contactasse a respeito da recusa de pagamento do saldo do apoio.

27.
    Nestas circunstâncias, não é de aceitar o argumento da recorrida segundo o qual o recurso é intempestivo. Daqui resulta que o recurso é admissível.

Quanto ao mérito

28.
    A recorrente invoca, no essencial, dois fundamentos em apoio do recurso. O primeiro consiste na violação dos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança legítima. O segundo na insuficiência da fundamentação.

Primeiro fundamento, assente na violação dos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança legítima

Argumentos das partes

29.
    A recorrente contesta liminarmente a fixação da data de 31 de Outubro de 1993 como data-limite em que o projecto devia estar acabado para que o saldo do apoio concedido pudesse ser pago. Em seu entender, a fixação dessa data é irrelevante, na medida em que a declaração e a carta de 23 de Outubro de 1992, enviadas à recorrente pela Comissão, contêm apenas condições unilateralmente determinadas pela Comissão.

30.
    Mais em especial, no que respeita à declaração, a recorrente afirma que, na sua essência, a mesma não constitui um contrato. E isto porque o beneficiário de um apoio financeiro comunitário não oferece qualquer contraprestação à Comunidade. A recorrente salienta que, nos termos do regulamento financeiro das Comunidades, só existe um acordo contratual entre a Comunidade e o beneficiário de um apoio se houver uma caução prestada pelo beneficiário.

31.
    A recorrente salienta, por outro lado, que o texto da declaração define a data de 31 de Outubro de 1993 como a data em que deve ser apresentado o relatório final sobre a utilização dos fundos, e não como a data em que o projecto deveria estar efectivamente concluído.

32.
    Quanto ao estado do projecto em 31 de Outubro de 1993, embora reconhecendo que houve importantes atrasos na sua execução, a recorrente afirma que a apresentação do mesmo em 15 de Novembro de 1993 «foi coroada de êxito» e que o relatório apresentado em Outubro de 1993 mencionava «conclusões concretas quanto à futura organização do banco de dados Ecodata». A recorrente salienta que apresentou antes de 31 de Outubro de 1993 todos os documentos exigidos na declaração, e que todas as despesas feitas estavam directamente ligadas ao projecto, não excedendo o montante do apoio concedido.

33.
    A recorrente conclui que estavam satisfeitas todas as condições estipuladas na declaração para o pagamento do saldo do apoio. Ao recusar o pagamento com base em considerações relativas ao estado e à qualidade do projecto, a Comissão excedeu os termos da declaração e, por conseguinte, os seus poderes. Assim, a Comissão violou o princípio patere legem quam ipse fecisti. Do mesmo modo, a recusa do pagamento viola o princípio da Selbstbindung (segundo o qual os actos da administração vinculam os seus comportamentos posteriores), e o princípio da protecção da confiança legítima.

34.
    Por último, a recorrente recorda que os atrasos ocorridos na execução do projecto foram causados por determinadas ingerências dos funcionários da DG XXIII, designadamente as destinadas a confiar uma grande maioria dos fundos concedidos à 01-Pliroforiki (v. n.° 9 supra) e a fazer aceitar como parceiro a empresa Studienkreis für Tourismus (v. n.° 10 supra), sendo assim, só por este motivo injustificado penalizar a recorrente recusando-lhe o pagamento precisamente devido à execução tardia do projecto.

35.
    No entender da recorrida, os princípios gerais invocados pela recorrente não constituem o enquadramento jurídico à luz do qual a decisão impugnada deve ser apreciada. Seria mais adequado analisar em que medida a recorrente respeitou as condições de concessão do apoio.

36.
    Sobre este ponto, a recorrida refere, em primeiro lugar, que o prazo estipulado na declaração era imperativo, devido à necessidade de respeitar as regras orçamentais. Afirma, em seguida, que o projecto não estava de modo algum realizado no termo do referido prazo. A este respeito, salienta que o banco de dados não estava verdadeiramente operacional em 31 de Outubro de 1993, e que, mesmo pressupondo que em certa medida o estivesse, a recorrente e os seus parceiros não tinham nele integrado os dados da totalidade dos Estados-Membros, apesar desse trabalho estar expressamente previsto na descrição e no calendário constantes da proposta de 22 de Abril de 1992. A recorrida observa, por outro lado, que o relatório final refere mais o início que o termo dos trabalhos. Além disso, a recorrida manifesta a sua decepção quanto à qualidade dos dados recolhidos nas regiões-piloto.

37.
    Daqui a recorrida conclui que o projecto objecto do apoio concedido não foi executado, no prazo fixado, em conformidade com as condições de concessão.

Apreciação do Tribunal

38.
    Resulta da jurisprudência em matéria de apoios financeiros concedidos pela Comunidade que a obrigação de respeitar as condições financeiras, como indicadas na decisão de concessão, assim como a obrigação de execução material do investimento, constituem compromissos essenciais do beneficiário, e, por isso, condicionam a atribuição do apoio comunitário (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 24 de Abril de 1996, Industrias Pesqueras Campos e o./Comissão, T-551/93, T-231/94, T-232/94, T-233/94 e T-234/94, Colect., p. II-247, n.° 160).

39.
    No caso de figura, as condições financeiras do apoio estão indicadas na declaração anexa à decisão de concessão. Com efeito, a carta de 4 de Agosto de 1992, que concede o apoio financeiro à recorrente, refere que «[e]in Vordruck, in dem die allgemeinen Verpflichtungen dargelegt sind, die Empfänger eines Zuschusses der Kommission zu erfüllen haben, ist diesem Schreiben beigefügt» [«Em anexo encontra-se um formulário de declaração que menciona as obrigações gerais a observar pelo beneficiário de um auxílio financeiro da Comissão»]. A declaração foi assinada com as referências «gelesen und gebilligt» [«lido e aprovado»] pela recorrente, e refere como condições, entre outras, que o apoio seja utilizado no âmbito do projecto descrito na proposta de 22 de Abril de 1992 e que, nos três meses seguintes à conclusão do projecto e o mais tardar até 31 de Outubro de 1993, seja apresentado um relatório sobre a utilização do apoio. Quanto à data de 31 de Outubro de 1993, a declaração precisava que a mesma se impunha devido à duração limitada dos créditos contraídos para os fins da acção em causa.

40.
    O Tribunal de Primeira Instância considera que resulta claramente das condições da declaração acima referidas, em primeiro lugar, que a utilização dos fundos se destinava a cobrir as etapas principais do projecto descritas na proposta de 22 de Abril de 1992 (v. n.° 4 supra), e, em segundo lugar, que o relatório solicitado até 31 de Outubro de 1993, se destinava a funcionar como relatório final sobre a utilização dos fundos, de modo que essa data constituía a data-limite para a conclusão do projecto referido na proposta de 22 de Abril de 1992. Por outro lado, a própria recorrente qualificou o seu relatório, que entregou em Outubro de 1993 de «final report», e, na p. 89 do mesmo (anexo 12 à petição inicial, volume 1), recordou expressamente que 31 de Outubro de 1993 era a data-limite para a conclusão do projecto nos termos inicialmente propostos. Do mesmo modo, resulta dos autos que a eventualidade de uma redução do apoio no caso de desrespeito da data fixada pela Comissão era igualmente do conhecimento e tinha sido aceite pela recorrente. Tal resulta, por exemplo, do contrato de 29 de Março de 1993 celebrado entre a recorrente e os seus parceiros (anexo 9 à petição inicial), que, no número relativo à realização dos trabalhos, dispõe que «[t]he Contracting Parties agree that a deadline has been fixed by the Comission of the European Communities which may not be exceeded since this would endanger the grant». [«As partes contratantes reconhecem que foi fixada uma data-limite pela Comissão das Comunidades Europeias, que, se não for cumprida, comprometerá o pagamento do apoio»].

41.
    Quanto ao respeito, pela recorrente, das condições de concessão deste modo definidas, há que verificar que, à data de 31 de Outubro de 1993 não tinham sido realizados os trabalhos destinados à expansão do sistema às outras regiões e aos Estados-Membros que não foram abrangidos pela fase-piloto do projecto. Tal resulta, designadamente, da p. 6 do relatório final, nos termos da qual, «[t]his final report contains the results of the test phase of the [Ecodata]-Project. It is however necessary to underscore that [Ecodata] is not ending now, but rather just starting» [«o presente relatório final contém os resultados da fase teste do projecto [Ecodata]. É, contudo, necessário salientar que o projecto [Ecodata] não está terminado, mas apenas no seu começo»] e da p. 32 do mesmo relatório, que confirma que a fase-piloto se limitava à Alemanha, à França, à Itália e à Grécia.

42.
    Além disso, verifica-se que o relatório final apresentado pela recorrente em Outubro de 1993 está redigido com grandes reservas mesmo no que respeita às etapas da fase-piloto, ao desenvolvimento do suporte lógico e à avaliação do sistema. É referido, designadamente, nas pp. 94 a 96, 100 e 106 do relatório final, que a recolha de dados não estava totalmente terminada, mesmo nas regiões-piloto (Alemanha: «... many of the questions could not be answered at present»; França: «... fieldwork in France proved to be extremely difficult. ... data collection will continue»; Itália: «In terms of quantity, the field work carried out in Italy proved that 70-80% of the check list data is available. ... In terms of quality we met some difficulties...»; Grécia: «... data collection was difficult») (Alemanha: «... muitas das questões não puderam ter presentemente resposta»; França: «...o trabalho de campo em França revelou-se extremamente difícil... a recolha de dados prosseguirá»; Itália: «Em termos quantitativos, o trabalho de campo realizado em Itália revelou que estão disponíveis cerca de 70 a 80% dos dados constantes da lista... Em termos qualitativos deparámos com algumas dificuldades»; Grécia: «... a recolha de dados foi difícil»). Na p. 195 do relatório final, a recorrente acrescenta que «[i]n the near future, it will be necessary to improve the methods of data collection» [«num futuro próximo, será necessário melhorar os métodos de recolha de dados»]. Uma declaração constante da p. 166 do relatório sugere que ainda não tinha sido feita uma avaliação do sistema. Refere-se, designadamente, que «[t]he database for the Test regions provides an initial stock of data on the relationship between tourism and the environment and on the environmental situation in touristic regions. It also allows to stipulate procedures for data evaluation» [«a base de dados para as regiões teste fornece uma reserva inicial de dados sobre as relações entre o turismo e o ambiente e sobre a situação ambiental nas regiões turísticas. Permite também determinar procedimentos para avaliação de dados»]. Na p. 171 do relatório é confirmado que a avaliação do sistema deve ainda ter lugar («Two evaluation approaches will be used in the [Ecodata] analysis») [«Serão utilizados dois métodos de avaliação na análise do [Ecodata]»]. O relatório utiliza também o futuro simples para descrever vários elementos do suporte lógico («The remote application will be constructed using Asymetrix Toolbook as a Microsoft Windows application. It will require a VGA colour screen, Microsoft Windows version 3.1 or later, a modem, and correctly configured communications software for operating the modem. In later phases it will also require a CD-ROM drive, but in the pilot phase a large hard disk will be adequate...») [«A aplicação 'remote' será realizada utilizando o Asymetrix Toolbook como uma aplicação Microsoft Windows. Exigirá um ecrã a cores VGA, a versão Microsoft Windows 3.1 ou outra posterior, um modem, e um suporte lógico de comunicações correctamente formatado para operar o modem. Em fases ulteriores exigirá também um leitor de CD-ROM, mas na fase-piloto será suficiente um disco duro de grande capacidade...»].

43.
    O Tribunal considera que, nestas circunstâncias, a Comissão tinha todas as razões para concluir que, tanto em termos quantitativos como qualitativos, os resultados dos trabalhos só muito parcialmente correspondiam ao projecto conforme foi proposto pela recorrente e subsidiado pela Comunidade e que reagiu de forma proporcionada à execução insuficiente ao recusar o pagamento do saldo do apoio.

44.
    Tendo em conta o que precede, a recorrente não pode validamente socorrer-se dos princípios gerais que invoca.

45.
    No que respeita, desde logo, ao princípio patere legem quam ipse fecisti, ou da Selbstbindung, o Tribunal verifica que a recorrente não respeitou as condições de concessão do apoio, pelo que não pode acusar a Comissão de ter violado este princípio. Com efeito, a Comissão mais não fez que aplicar a cláusula da declaração nos termos da qual o beneficiário aceita renunciar ao pagamento do eventual saldo se os prazos estipulados na declaração não forem respeitados (v. n.° 6 supra).

46.
    Da mesma forma, a recorrente não pode invocar utilmente o princípio da protecção da confiança legítima. Com efeito, o beneficiário de um apoio financeiro comunitário não pode legitimamente esperar, no caso de inobservância das condições de concessão deste último, o pagamento da totalidade do montante concedido. Nesta hipótese, não pode, por isso, invocar o princípio da protecção da confiança legítima para obter o pagamento do saldo do montante total da contribuição inicialmente concedida (acórdãos do Tribunal de Justiça de 4 de Junho de 1992, Consorgan/Comissão, C-181/90, Colect., p. I-3557, n.° 17, e Cipeke/Comissão, C-189/90, Colect., p. I-3573, n.° 17; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 19 de Março de 1997, Oliveira/Comissão, T-73/95, Colect., p. II-0000, n.° 27).

47.
    Por último, o Tribunal, considera que a recorrente não pode acusar a Comissão de ter causado os atrasos na execução do projecto. A este respeito, verifica-se que a recorrente esperou até Março de 1993 para iniciar negociações com os seus parceiros quanto à repartição de tarefas para a execução do projecto, apesar de ser a empresa coordenadora. Assim, a recorrente deixou passar metade do tempo previsto para execução do projecto sem ter podido razoavelmente iniciar trabalhos eficazes. Mesmo se a recorrente apresentou indícios de que um ou vários funcionários da Comissão interferiram de modo a perturbar o projecto no período entre Novembro de 1992 e Fevereiro de 1993, de modo algum demonstrou que essas interferências a privaram da possibilidade de iniciar uma cooperação efectiva com os seus parceiros antes de Março de 1993.

48.
    Resulta do que antecede que o primeiro fundamento é improcedente.

Quanto ao segundo fundamento, assente em fundamentação insuficiente

Argumentos das partes

49.
    A recorrente invoca também um fundamento assente em violação do artigo 190.° do Tratado. Considera que as cartas de 30 de Novembro de 1993 e 3 de Agosto de 1994 estão insuficientemente fundamentadas. Em especial, as acusações constantes dos n.os 1 a 5 da carta de 30 de Novembro de 1993 são imprecisas e genéricas, e a carta de 3 de Agosto de 1994 não contém qualquer fundamentação relativa ao estado de execução do projecto.

50.
    A recorrida considera que as cartas de 30 de Novembro de 1993 e de 3 de Agosto de 1994 satisfazem na íntegra as exigências formuladas pela jurisprudência em matéria de fundamentação. Designadamente, as razões indicadas nas referidas cartas permitem à recorrente fazer a sua apreciação da legalidade da decisão e ao Tribunal de Primeira Instância exercer as suas funções.

Apreciação do Tribunal

51.
    Uma decisão que reduz o montante de uma contribuição financeira deve revelar claramente os fundamentos que justificam a redução da contribuição em relação ao montante inicialmente aprovado, dado que acarreta consequências graves para o beneficiário da contribuição (acórdãos Consorgan/Comissão e Cipeke/Comissão, já referidos, n.os 15 a 18; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Dezembro de 1994, Lisrestal/Comissão, T-450/93, Colect., p. II-1177, n.° 52, e de 12 de Janeiro de 1995, Branco/Comissão, T-85/94, Colect. p. II-45, n.° 33).

52.
    O Tribunal considera que a carta de 3 de Agosto de 1994, aqui em causa, evidencia claramente as razões que levaram a Comissão a recusar o pagamento do saldo do apoio concedido. A este respeito, basta verificar que a carta de 3 de Agosto de 1994 remete, no essencial, para os motivos expostos na carta de 30 de Novembro de 1993, e que esta, recordando as condições do apoio e referindo ponto por ponto as falhas na execução do projecto, indica claramente as razões da recusa. A este respeito, o Tribunal recorda que uma decisão está suficientemente fundamentada quando remete para um documento que já está na posse do destinatário e que contém os elementos sobre os quais a instituição baseou a sua decisão (v. acórdão Industrias Pesqueras Campos e.o./Comissão, já referido, n.° 144).

53.
    Por outro lado, tanto na petição inicial como no decurso da instância, a recorrente respondeu à argumentação desenvolvida pela Comissão nas cartas de 3 de Agosto de 1994 e 30 de Novembro de 1993 e relativa à recusa de pagamento do saldo da contribuição, o que demonstra que dispunha das indicações necessárias que lhe permitiam defender os seus direitos. Do mesmo modo, o Tribunal dispõe das indicações necessárias que lhe permitem exercer a sua fiscalização da legalidade. Nestas circunstâncias, não se verifica uma falta de fundamentação (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Fevereiro de 1990, Delacre e.o./Commission, C-350/88, Colect., p. I-395, n.° 15, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Abril de 1995, Martinelli/Comissão, T-150/89, Colect., p. II-1165, n.° 65).

54.
    Daqui decorre que o segundo fundamento é igualmente improcedente.

55.
    Resulta de quanto antecede que deve ser negado provimento ao recurso.

Quanto às despesas

56.
    Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida e tendo a Comissão pedido a sua condenação nas despesas, há que condená-la a suportar as mesmas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Primeira Secção),

decide:

1.
    É negado provimento ao recurso.

2.
    A recorrente é condenada nas despesas.

Saggio
Tiili
Moura Ramos

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 15 de Outubro de 1997.

O secretário

O presidente

H. Jung

A. Saggio


1: Língua do processo: alemão.