Language of document : ECLI:EU:F:2011:55

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA FUNÇÃO PÚBLICA DA UNIÃO EUROPEIA (Primeira Secção)

12 de Maio de 2011 (*)

«Função pública ― Funcionários ― Acção de indemnização ― Regra de concordância entre pedido, reclamação e acção de indemnização ― Carácter contraditório do processo ― Utilização em juízo de um documento confidencial, classificado como ‘Reservado à UE’ ― Responsabilidade extracontratual das instituições ― Responsabilidade fundada em culpa ― Nexo de causalidade ― Pluralidade de causas do dano ― Acto de terceiro ― Responsabilidade sem culpa ― Dever de assistência ― Obrigação de uma instituição garantir a protecção do seu pessoal ― Homicídio premeditado de um funcionário e do seu cônjuge por um terceiro ― Perda de uma possibilidade de sobrevivência»

No processo F‑50/09,

que tem por objecto um recurso interposto nos termos dos artigos 236.° CE e 152.° EA,

Livio Missir Mamachi di Lusignano, residente em Kerkhove‑Avelgem (Bélgica), agindo em nome próprio e na qualidade de representante legal dos herdeiros de Alessandro Missir Mamachi di Lusignano, filho deste, antigo funcionário da Comissão Europeia,

representado por F. Di Gianni, R. Antonini e N. Sibona, advogados,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por L. Pignataro, B. Eggers e D. Martin, na qualidade de agentes,

recorrida,

TRIBUNAL DA FUNÇÃO PÚBLICA

(Primeira Secção),

composto por: S. Gervasoni (relator), presidente, H. Kreppel e M. I. Rofes i Pujol, juízes,

secretário: R. Schiano, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 15 de Dezembro de 2009 e de 8 de Dezembro de 2010,

profere o presente

Acórdão

1        Por petição entrada na Secretaria do Tribunal da Função Pública, em 12 de Maio de 2009, por telecópia (tendo o original sido apresentado em 18 de Maio seguinte), L. Missir Mamachi di Lusignano pede, por um lado, a anulação da Decisão de 3 de Fevereiro de 2009, através da qual a Comissão das Comunidades Europeias julgou improcedente o seu pedido de indemnização dos prejuízos materiais e morais resultantes do homicídio premeditado do seu filho e da sua nora, em 18 de Setembro de 2006, em Rabat (Marrocos), e, por outro lado, a condenação da Comissão a pagar‑lhe, bem como aos sucessores do seu filho, diversos montantes a título de reparação dos prejuízos patrimoniais e não patrimoniais resultantes desses homicídios.

 Quadro jurídico

2        Nos termos do artigo 1.°‑E, n.° 2, do Estatuto dos Funcionários das Comunidades Europeias, na sua versão aplicável ao presente litígio (a seguir «Estatuto»):

«Serão concedidas aos funcionários em actividade condições de trabalho que obedeçam às normas de saúde e de segurança adequados, pelo menos equivalentes aos requisitos mínimos aplicáveis por força de medidas aprovadas nestes domínios por força dos tratados.»

3        O artigo 24.° do Estatuto dispõe:

«As Comunidades prestam assistência ao funcionário, nomeadamente em procedimentos contra autores de ameaças, ultrajes, injúrias, difamações ou atentados contra pessoas e bens de que sejam alvo o funcionário ou os membros da sua família, devido à sua qualidade e às suas funções.

As Comunidades reparam solidariamente os prejuízos sofridos, em consequência de tais factos, pelo funcionário, na medida em que este não esteja, intencionalmente ou por negligência grave, na origem dos referidos prejuízos e não tenha podido obter reparação dos responsáveis.»

4        Nos termos do artigo 70.°, primeiro parágrafo, do Estatuto:

«Em caso de morte de um funcionário, o cônjuge sobrevivo ou os filhos a cargo beneficiam da remuneração global da pessoa falecida, até ao fim do terceiro mês seguinte ao da morte.»

5        O artigo 73.°, n.os 1 e 2, do Estatuto dispõe:

«1.      Em conformidade com o estatuído em regulamentação estabelecida de comum acordo pelas instituições das Comunidades, após parecer do Comité do Estatuto, o funcionário está coberto, desde a data de início de funções, contra os riscos de doença profissional e acidentes. O funcionário contribui obrigatoriamente até ao limite de 0,1% do seu vencimento‑base, para a cobertura de riscos não profissionais.

Os riscos não cobertos serão especificados na mesma regulamentação.

2.      As prestações garantidas são as seguintes:

a)      Em caso de morte:

Pagamento às pessoas abaixo indicadas de uma quantia igual a cinco vezes o valor do vencimento‑base anual do interessado, calculado com base nos vencimentos mensais processados nos doze meses que precedem o acidente:

¾        ao cônjuge e aos filhos do funcionário falecido, de acordo com o disposto no direito das sucessões aplicável ao funcionário; o montante a pagar ao cônjuge não pode, todavia, ser inferior a 25% da referida quantia;

¾        na falta de pessoas da categoria acima referida, aos outros descendentes, de acordo com o disposto no direito das sucessões aplicável ao funcionário;

¾        na falta de pessoas das duas categorias anteriores, aos ascendentes, de acordo com o disposto no direito das sucessões aplicável ao funcionário;

¾        na falta de pessoas das três categorias acima referidas, à instituição;

[…]

Em conformidade com o disposto nesta regulamentação, os pagamentos acima previstos podem ser substituídos por uma renda vitalícia.

As prestações acima enumeradas podem acumular‑se com as que se encontram previstas no capítulo III […]»

6        A regulamentação comum relativa à cobertura dos riscos de acidente e de doença profissional dos funcionários da União Europeia, adoptada por aplicação do artigo 73.° do Estatuto (a seguir «regulamentação comum»), prevê, no seu artigo 7.°, n.° 2, terceiro travessão, que são considerados acidentes, na acepção da regulamentação comum, «as consequências de agressões ou de atentados cometidos sobre a pessoa do segurado, mesmo no decurso de greves ou de motins, salvo se se provar que este segurado tomou voluntariamente parte nas acções violentas de que foi vítima, exceptuando o caso de legítima defesa».

7        Nos termos do artigo 76.° do Estatuto, podem ser concedidos donativos, empréstimos, ou adiantamentos a um funcionário, a um antigo funcionário ou aos sucessores de funcionário falecido que se encontrem em situação particularmente difícil, especialmente em consequência de uma deficiência ou de doença grave ou prolongada ou em razão da sua situação familiar.

8        Nos termos do artigo 80.°, primeiro parágrafo, do Estatuto:

«Quando o funcionário […] tiver morrido sem deixar cônjuge com direito a pensão de sobrevivência, os filhos são considerados como estando a seu cargo, na acepção do artigo 2.° do anexo VII, na data da morte, têm direito a uma pensão de órfão, de acordo com o artigo 21.° do anexo VIII.»

9        O artigo 21.° do anexo VIII do Estatuto prevê que a pensão de órfão é igual a oito décimos da pensão de sobrevivência a que teria tido direito o cônjuge sobrevivo do funcionário e que é acrescida por cada um dos filhos a cargo a partir do segundo, de um montante igual ao dobro do abono por filho a cargo.

10      O anexo X determina as disposições especiais e derrogatórias aplicáveis aos funcionários cujo lugar de afectação seja um país terceiro. O artigo 5.° deste anexo dispõe que:

«1.      Quando a instituição colocar à disposição do funcionário um alojamento correspondente ao nível das suas funções e à composição da família a seu cargo, o funcionário deve aí residir.

2.      As disposições gerais de execução do n.° 1 serão aprovadas pela [autoridade investida do poder de nomeação], após parecer do Comité do Pessoal. A [autoridade investida do poder de nomeação] determinará igualmente as dotações em mobiliário e outros equipamentos dos alojamentos, em função das condições existentes em cada local de afectação.»

11      Segundo o artigo 25.° do anexo X do Estatuto, o cônjuge, os filhos e as outras pessoas a cargo do funcionário beneficiam de um seguro que abrange os acidentes que podem ocorrer fora da União nos países constantes de uma lista elaborada para esse efeito pela autoridade investida do poder de nomeação (a seguir «AIPN»). Metade do prémio respectivo fica a cargo do funcionário e a outra metade constitui encargo da instituição.

12      Em 26 de Abril de 2006, a Comissão adoptou uma decisão que estabelece uma política harmonizada em matéria de saúde e de segurança no trabalho para o seu pessoal (a seguir «Decisão de 26 de Abril de 2006»).

13      Como resulta da exposição dos fundamentos desse diploma, submetido ao Colégio dos Comissários para aprovação na sua reunião de 26 de Abril de 2006, a referida decisão, tomada para responder ao disposto no artigo 1.°‑E, do Estatuto acima referido, visa assegurar e preservar a saúde e a segurança no trabalho de todo o pessoal e em todos os serviços da instituição, não só na sede, mas também em todos os locais onde se encontrem, dentro ou fora da União.

14      A Decisão de 26 de Abril de 2006 aplica‑se, por força do seu artigo 1.°, «em todos os lugares de trabalho da instituição», sendo estes locais definidos, por força do artigo 2.°, alínea a), da referida decisão, como os locais «que albergam os postos de trabalho nos locais da Comissão e qualquer outro lugar no interior desses locais, a que o pessoal tem acesso no âmbito do seu trabalho». Contém disposições de carácter geral, inspiradas na Directiva 89/391/CEE do Conselho, de 12 de Junho de 1989, relativa à aplicação de medidas destinadas a promover a melhoria da segurança e da saúde dos trabalhadores no trabalho (JO L 183, p. 1).

15      No decurso da instância, após a adopção de medidas de instrução (v. n.os 46 a 48 do presente acórdão), o Tribunal pôde concluir que, relativamente ao ano de 2006, a Comissão tinha adoptado certas medidas de segurança aplicáveis aos alojamentos postos à disposição do pessoal das delegações da Comissão nos países terceiros. Essas medidas estão contidas num documento classificado como «Reservado à UE», cujo alcance jurídico e modalidades de utilização em juízo darão lugar a uma apreciação ulterior.

 Factos na origem do litígio

16      Alessandro Missir Mamachi di Lusignano entrou ao serviço da Comissão, como funcionário, em 1 de Novembro de 1993, casou‑se em 1995 com Ariane Lagasse de Locht. O casal teve quatro filhos, nascidos entre 1996 e 2002.

17      Promovido ao grau A 7, em 1996, e ao grau A 6, em 2002, Alessandro Missir Mamachi di Lusignano participou, nomeadamente, de 2001 a 2005, nas negociações de adesão entre a União Europeia e a República da Turquia, na unidade «Turquia» da Direcção‑Geral (DG) «Alargamento».

18      A partir de 28 de Agosto de 2006, Alessandro Missir Mamachi di Lusignano foi afectado à delegação da Comissão, em Rabat, na qualidade de consultor político e diplomático. Antes da sua transferência indicou que a sua esposa e os seus filhos o acompanhariam nessa afectação. Convidado a participar nas sessões de informação organizadas para os funcionários enviados para delegações nos países terceiros, e que respeitavam, nomeadamente, aos problemas de segurança nos diferentes locais de afectação, não compareceu. As partes não fornecerem ao Tribunal elementos suficientes para que este pudesse determinar os motivos dessa ausência, nomeadamente se se deveu a um impedimento de carácter profissional.

19      Entre 28 e 31 de Agosto de 2006, a família Missir Mamachi di Lusignano ficou alojada num hotel e, a partir de 1 de Setembro, a título provisório, numa casa mobilada arrendada pela delegação da Comissão, situada na rue Lailak, n.° G 2, Secteur 16, no bairro Hay Riad, em Rabat. O contrato de arrendamento entre o proprietário dessa casa e a Comissão foi celebrado em 8 de Agosto de 2006, com uma duração inicial de três meses, e produziu efeitos a partir de 15 de Agosto de 2006, antes da chegada da família Missir Mamachi di Lusignano a Rabat.

20      Na noite de 17 para 18 de Setembro de 2006, por volta da meia‑noite e meia, um assaltante introduziu‑se na casa, passando por entre as barras de uma janela do rés‑do‑chão de uma das paredes laterais. Subitamente acordado pela presença do assaltante no quarto dos pais, situado no primeiro andar, Alessandro Missir Mamachi di Lusignano surpreendeu o intruso que andava a revolver o quarto. Foi então que o malfeitor esfaqueou várias vezes o funcionário e o deixou por terra. A esposa de A. Missir Mamachi di Lusignano, que também estava acordada, foi apunhalada nas costas e aparentemente sucumbiu rapidamente aos seus ferimentos. Após ter atado e amordaçado o pai de família, o intruso tomou um duche e, em seguida, obrigou o funcionário, gravemente ferido, a revelar‑lhe o código do seu cartão de crédito. O funcionário acabou por sucumbir aos ferimentos. O assassino poupou os filhos. Abandonou o local ao volante da viatura da família Missir Mamachi di Lusignano, cerca das quatro horas da manhã, levando diversos objectos, entre os quais uma televisão.

21      Em 19 de Setembro de 2006, a polícia marroquina deteve o indivíduo de nome Karim Zimach. Na sua audição prévia, este reconheceu ser o autor do duplo homicídio do casal Missir Mamachi di Lusignano, perpetrado na noite de 17 para 18 de Setembro. Karim Zimach foi declarado culpado desses factos e condenado à pena capital, por acórdão de 20 de Fevereiro de 2007 da secção criminal de primeiro grau do Tribunal de Recurso de Rabat, confirmada em recurso por acórdão de 18 de Junho de 2007 da secção de recurso criminal do mesmo tribunal. É de notar que, desde 1993, data da última execução de um condenado à morte em Marrocos, as autoridades deste Estado não aplicavam tal condenação.

22      A Comissão constituiu‑se parte civil perante a justiça penal marroquina. Através do seu acórdão acima referido, a secção criminal de primeiro grau do Tribunal de Recurso de Rabat julgou admissível a acção cível da Comissão e condenou Karim Zimach no pagamento de um dirham simbólico à União Europeia.

23      Devido ao desaparecimento trágico dos seus pais, os quatro filhos Missir Mamachi di Lusignano foram colocados sob tutela dos seus avós, um dos quais é o recorrente, por despacho de 24 de Novembro de 2006 do juiz de paz de Kraainem (Bélgica).

24      A partir de 1 de Outubro e até 31 de Dezembro de 2006, a Comissão procedeu ao pagamento previsto no artigo 70.°, primeiro parágrafo, do Estatuto.

25      A Comissão pagou igualmente aos filhos e herdeiros do funcionário falecido o montante de 414 308,90 euros, a título de capital por morte, em conformidade com o artigo 73.° do Estatuto, bem como o montante de 76 628,40 euros, por morte do cônjuge, ao abrigo do artigo 25.° do anexo X do Estatuto.

26      Além disso, a Comissão reconheceu aos quatro filhos, a partir de 1 de Janeiro de 2007, o direito à pensão de órfão, prevista no artigo 80.° do Estatuto, e ao abono escolar, referido no anexo VII do Estatuto.

27      Por outro lado, a Comissão concedeu ao funcionário falecido uma promoção post‑mortem ao grau A*11, primeiro escalão, com efeitos retroactivos a 1 de Setembro de 2005. Essa promoção foi tida em conta no cálculo da pensão de órfão e do capital por morte.

28      Acresce que, por Decisão de 14 de Maio de 2007, tomada com base no artigo 76.° do Estatuto, a Comissão concedeu a cada um dos filhos, até à idade de 19 anos, um apoio mensal extraordinário por razões sociais, igual ao montante de um abono por filho a cargo.

29      Em 18 de Setembro de 2007, dia do aniversário do duplo homicídio do casal Missir Mamachi di Lusignano, a Comissão, por iniciativa da DG «Alargamento», organizou uma cerimónia nas suas instalações, em homenagem aos defuntos. Nessa cerimónia, uma sala de reuniões foi dedicada à memória do funcionário falecido e foi inaugurada uma placa com o seu nome.

30      Por carta de 25 de Fevereiro de 2008 dirigida ao presidente da Comissão, o recorrente, após ter agradecido à Comissão a cerimónia de 18 de Setembro de 2007, manifestou, em primeiro lugar, o seu desacordo quanto aos montantes das quantias pagas aos seus quatro netos e o seu descontentamento por a Comissão ter recusado autorizar a contratação permanente de uma governante ou de uma ajudante da família, em seu entender, indispensável devido à idade respectiva das crianças e dos seus avós. Em seguida, o recorrente perguntou se a Comissão já tinha encetado negociações com Marrocos com vista ao pagamento de uma indemnização adequada, para além do simples dirham concedido pela justiça marroquina à União Europeia a título simbólico. Por último, o recorrente chamou a atenção do presidente da Comissão para a resposta dada em 6 de Agosto de 2007 por B. Ferrero‑Waldner, comissária encarregue das relações externas, a uma pergunta escrita de P. M. Coûteaux, membro do Parlamento Europeu (pergunta escrita de 25 de Junho de 2007, P‑3367/07, JO C 45 de 16 de Fevereiro de 2008, p. 179), relativa ao «assassínio de um agente da Direcção‑Geral das Relações Externas em Marrocos» (a seguir «resposta escrita de 6 de Agosto de 2007»). No entender do recorrente, as medidas de segurança adequadas, normalmente previstas pela Comissão e recordadas na resposta da comissária encarregue das relações externas, não foram tomadas antes do duplo homicídio. Por conseguinte, a Comissão é culpada de graves negligências, que justificam o pagamento aos filhos menores, de uma indemnização pelo menos equivalente ao total dos salários que o funcionário assassinado receberia até à data em que presumivelmente se reformaria, em 2032, ou seja, 26 anos de salário.

31      Por carta de 11 de Junho de 2008, S. Kallas, vice‑presidente da Comissão, encarregue do pessoal, respondeu ao recorrente. Nessa carta, S. Kallas assinalou que não podia ser declarado nenhum comportamento negligente ou faltoso das autoridades marroquinas e que as condições para abertura de negociações diplomáticas com Marrocos, com vista à obtenção de uma indemnização, não estavam reunidas. Indicou que as medidas de protecção do pessoal tomadas pela Comissão estavam em conformidade com as condições de segurança relativas à delegação de Rabat e que o pedido de indemnização apresentado a esse título pelo recorrente, na carta de 25 de Fevereiro de 2008, não podia ser acolhido. Precisou que os pagamentos já efectuados pela Comissão (490 937,30 euros a título da capital por morte e de seguro de acidente, 4 376,82 euros por mês para as pensões de órfão e os abonos escolares, 2 287,19 euros por mês ― incluindo o abatimento de imposto ― para os abonos por filho a cargo, e 1 332,76 euros por mês a título do apoio extraordinário isto é, um abono suplementar por filho a cargo por cada filho) tinham sido correctamente calculados.

32      Todavia, nessa mesma carta de 11 de Junho de 2008, o comissário informou o recorrente de que a Comissão, tendo em conta as circunstâncias particularmente trágicas deste caso, tinha decidido tomar uma medida suplementar e aumentar, a titulo excepcional, os montantes pagos por força do artigo 76.° do Estatuto. Assim, a esse título, por Decisão de 4 de Julho de 2008, foi concedida a cada um dos netos, a partir de 1 de Agosto de 2008 e até à idade de 19 anos, uma quantia mensal correspondente a dois abonos por filho a cargo. Tendo em conta essa decisão, o montante pago mensalmente pela Comissão aos filhos do funcionário falecido consiste numa quantia superior a 9 800 euros (9 862 euros em Fevereiro de 2009).

33      Por carta de 10 de Setembro de 2008, o recorrente apresentou uma reclamação contra a carta de 11 de Junho de 2008, com base no artigo 90.°, n.° 2, do Estatuto. Nessa reclamação, afirmou que a Comissão incorria em responsabilidade por culpa, em razão de incumprimentos à obrigação de protecção do seu pessoal. Alegou igualmente que, mesmo sem culpa, a Comissão incorria em responsabilidade pelo prejuízo causado por um acto lícito. Por último, a título subsidiário, invocou o artigo 24.° do Estatuto, por força do qual as Comunidades têm de reparar solidariamente o prejuízo causado por terceiro a um dos seus agentes.

34      Por decisão de 3 de Fevereiro de 2009, a AIPN indeferiu a reclamação.

 Pedidos das partes e tramitação processual

35      O recorrente conclui pedindo que o Tribunal da Função Pública se digne:

–        anular a decisão de 3 de Fevereiro de 2009 da AIPN;

–        condenar a Comissão a pagar aos sucessores de Alessandro Missir Mamachi di Lusignano:

¾        a quantia de 2 552 837,96 euros, correspondente a 26 anos de remuneração do funcionário assassinado, quantia que deverá ser reavaliada em função das suas perspectivas de carreira, a título de indemnização do dano patrimonial sofrido;

¾        a quantia de 250 000 euros, a título de indemnização do dano não patrimonial sofrido pela vítima antes da sua morte;

¾        a quantia de 1 276 512 euros, a título de indemnização do dano não patrimonial que sofreram por terem testemunhado o trágico homicídio;

–        condenar a Comissão a pagar a quantia de 212 752 euros, a título de indemnização do dano não patrimonial sofrido pelo recorrente enquanto pai da vítima;

–        condenar a Comissão no pagamento dos «juros compensatórios e dos juros de mora entretanto vencidos»;

–        condenar a Comissão nas despesas.

36      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal da Função Pública se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar o recorrente nas despesas.

37      O recorrente precisou o alcance dos seus pedidos de indemnização na audiência de 15 de Dezembro de 2009, apresentando dois quadros. A Comissão não se opôs à inclusão dessas peças nos autos. O primeiro quadro recapitula os pedidos de indemnização do recorrente. Resulta deste quadro uma reavaliação do montante do dano material alegado. Este montante, estimado provisoriamente no recurso em 2 552 837,96 euros, ascende, atentos os elementos numéricos apresentados pela Comissão na sua contestação, e tendo em conta as promoções de grau que o filho do recorrente poderia ter obtido até ao fim da sua carreira, à quantia global de 3 975 329 euros. Através do segundo quadro, o recorrente afirma que, entre as quantias pagas e as que serão pagas no futuro pela Comissão aos sucessores do funcionário falecido, apenas a quantia de 414 308 euros, atribuída por força do artigo 73.° do Estatuto, pode ser analisada como tendo sido paga a título de indemnização do dano sofrido pelos herdeiros do funcionário, uma vez que as outras quantias pagas mencionadas pela Comissão constituem, segundo o recorrente, prestações que têm a natureza de simples prestações de segurança social.

38      No relatório preparatório da audiência, o Tribunal indicou às partes que, para examinar a questão de saber se a Comissão tinha cumprido devidamente a obrigação de garantir a segurança do filho do recorrente e da sua família, havia que fazer referência o artigo 1.°‑E, n.° 2, do Estatuto, que remete, quanto às «normas de segurança adequadas», para os requisitos mínimos aplicáveis por força das medidas decretadas nestes domínios em aplicação dos Tratados, entre as quais figuram as que estão contidas na Directiva 89/391. O Tribunal convidou as partes a expor nas suas alegações qual era, no seu entender, a incidência dessas disposições na análise dos requisitos da responsabilidade extracontratual da administração no presente litígio.

39      No mesmo relatório preparatório da audiência, entre outras questões, o Tribunal pediu igualmente à Comissão que especificasse qual era o nível de risco estimado em 2006 pelos seus serviços no que diz respeito aos funcionários afectados em Marrocos e se medidas especiais de segurança decorriam do nível de risco fixado para esse país, por força das orientações internas da DG «Relações Externas» ou de outros textos. Com efeito, o recorrente afirmou nos seus escritos (carta de 25 de Fevereiro de 2008, reclamação de 10 de Setembro de 2008 e petição inicial), referindo‑se à resposta escrita de 6 de Agosto de 2007 de B. Ferrero‑Waldner a uma pergunta de um membro do Parlamento, que eram preconizadas e aplicáveis medidas de segurança e de protecção nos alojamentos do pessoal das delegações da Comissão nos países terceiros e que essas medidas não foram respeitadas no presente caso. Além disso, num relatório anexo à petição inicial, elaborado em 4 de Outubro de 2006 por dois responsáveis dos serviços encarregues da segurança na DG «Relações Externas» e da DG «Pessoal e Administração» (a seguir «DG Admin»), enviados a Rabat pouco depois do homicídio do filho e da nora do recorrente, indicava‑se: «[a]s condições de segurança relativas à Delegação de Rabat e aos alojamentos do pessoal são, desde há vários meses, consideradas de grupo [III]. Este impõe, por conseguinte, a vigilância dos alojamentos do pessoal expatriado».

40      Na audiência de 15 de Dezembro de 2009, a Comissão, nas suas alegações, não respondeu directamente às duas perguntas que lhe tinham sido feitas, mencionadas na primeira frase do número anterior. Assinalou que a resposta escrita de 6 de Agosto de 2007 foi dada quase um ano após o duplo homicídio, para clarificar a tipologia das medidas preconizadas para as delegações em 2007 e, por conseguinte, não é pertinente nos presentes autos.

41      Em resposta a uma pergunta do Tribunal sobre a existência de regras internas relativas às medidas de segurança aplicáveis aos funcionários das delegações afectadas nos países terceiros em 2006, a Comissão respondeu que não havia nesse domínio nenhum texto com carácter vinculativo e que a obrigação da instituição de assegurar a protecção do seu pessoal afectado nessas delegações decorria unicamente do princípio da boa administração, uma vez que neste domínio, a instituição dispõe de uma ampla margem de apreciação. A Comissão considerou que a Directiva 89/391 apenas visava o local de trabalho dos trabalhadores e que, por conseguinte, não era pertinente no presente litígio, relativo à segurança do alojamento privado do funcionário. A Comissão precisou que a Decisão de 26 de Abril de 2006 tinha por objecto «transpor» a referida directiva para os seus serviços. Além disso, em resposta às outras perguntas, a Comissão insistiu no facto de que a obrigação de adoptar certas medidas de protecção não dizia respeito ao alojamento privado dos funcionários das delegações.

42      Posteriormente, resultou dos debates na audiência, por um lado, que os serviços da Comissão estabelecem, em função de um conjunto de critérios, uma classificação dos países terceiros onde estão instaladas as delegações, segundo o nível de risco (fraco, médio ou forte) que apresentam os Estados em causa e que, por outro, no ano de 2006, Marrocos estava classificado no nível de risco considerado «forte». A Comissão admitiu igualmente que deviam ser adoptadas e implementadas medidas especiais de segurança adaptadas ao nível de risco «forte» nas delegações em causa.

43      Uma parte da audiência de 15 de Dezembro de 2009 decorreu à porta fechada, em conformidade com o pedido da Comissão, sem objecção por parte do recorrente. Ao longo dessa parte da audiência, a Comissão deu algumas explicações complementares ao Tribunal e ao recorrente sem, no entanto, mencionar os textos ou os documentos, independentemente do seu valor jurídico ou forma (decisões, directrizes internas, recomendações, etc.), relativos às medidas de segurança referidas no número anterior. A Comissão aludiu igualmente às inspecções e verificações de segurança levadas a cabo no primeiro semestre de 2006 em Rabat e que foram feitas unicamente nos locais da delegação, excluindo os 18 alojamentos «permanentes» postos à disposição dos funcionários da delegação.

44      Não se considerando suficientemente esclarecido pelas respostas dadas pela Comissão na audiência, o Tribunal, por despacho de 22 de Janeiro de 2010, pediu à Comissão que apresentasse os textos ou os documentos, independentemente do seu valor jurídico ou da sua forma, que especificam quais as medidas de segurança que eram recomendadas/previstas/impostas, em 2006, para a delegação de Rabat, correspondentes ao nível de risco então considerado para Marrocos, os eventuais relatórios relativos às inspecções e verificações diligenciadas em Rabat no primeiro semestre de 2006 ou os documentos que relatam o conteúdo e os resultados dessas inspecções e verificações, o contrato de arrendamento do alojamento provisório celebrado entre a Comissão e o proprietário desse bem, bem como a Decisão de 26 de Abril de 2006.

45      Por carta de 12 de Fevereiro de 2010, a Comissão apresentou os documentos pedidos, precisando que um deles ― uma nota de 6 de Junho de 2006 enviada pelo chefe da delegação em Marrocos ao director da Direcção «Serviço Externo», encarregue das questões de segurança na DG «Relações Externas», na qual lhe transmite em anexo o relatório de missão do responsável da segurança regional ― apenas devia ser acessível aos advogados do recorrente na Secretaria do Tribunal da Função Pública e sem possibilidade de ser feita cópia. Nessa mesma carta, a Comissão mencionou a existência de dois outros documentos que, em razão da sua classificação de «Reservado à UE», considerava não poder apresentar e que, além disso, julgava não serem pertinentes para a solução do litígio, mas declarava‑se pronta a comunicá‑los unicamente ao Tribunal, desde que medidas de segurança rigorosamente equivalentes às medidas de segurança fixadas pela Decisão 2001/844/CE, CECA, Euratom da Comissão, de 29 de Novembro de 2001, que altera o regulamento interno da Comissão (JO L 317, p. 1), sejam rigorosamente respeitadas.

46      O Tribunal considerou que um desses dois documentos classificados como «Reservado à UE», apresentado pela Comissão como o «excerto relativo às medidas de segurança correspondentes ao grupo III para os alojamentos definitivos do documento ‘normas e critérios’ da DG [‘Pessoal e Administração’ ‑ Direcção ‘Segurança’»], poderia ter uma especial importância para a resolução do processo. Por conseguinte, por despacho de 17 de Março de 2010, o Tribunal pediu à Comissão para apresentar esse documento. Nesse despacho, o Tribunal especificou as medidas de segurança a que estava subordinado o acesso a esse documento, indicando, nomeadamente, que apenas o secretário e os juízes membros da formação de julgamento estavam autorizados a consultar o documento, unicamente na Secretaria onde estava conservado, e que nem o recorrente nem o seu advogado estavam autorizados a consultar essa peça.

47      No seu despacho de 17 de Março de 2010, o Tribunal indicou que, caso tencionasse basear a solução do litígio nesse documento, haveria que questionar‑se quanto às modalidades de aplicação, no presente caso, do princípio do carácter contraditório do processo e das disposições do artigo 44.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, uma vez que esse princípio e essas disposições podiam implicar que o recorrente tenha acesso, pelo menos parcialmente, ao referido documento. A este respeito, o Tribunal salientou que o facto de o referido documento ser classificado como «Reservado à UE», o nível de protecção menos elevado previsto pela Decisão 2001/844, não constitui, em si, um motivo de recusa absoluta da comunicação desse documento ao recorrente. Com efeito, o Tribunal constatou, em primeiro lugar, que os documentos classificados como «Reservado à UE» não figuram entre os documentos considerados «documentos sensíveis», por força do artigo 9.° do Regulamento (CE) n.° 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de Maio de 2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão (JO L 145, p. 43), e daí inferiu que pode ser aplicado a esse documento o regime de direito comum instituído por esse regulamento, que prevê o acesso aos documentos das instituições, ressalva as excepções mencionadas no artigo 4.° do referido regulamento. O Tribunal considerou, em segundo lugar, que a Decisão 2001/844 prevê que um documento classificado possa ser objecto de uma decisão de desclassificação ou de reclassificação pela autoridade de origem.

48      Por carta de 30 de Março de 2010, remetida à atenção pessoal do secretário do Tribunal, sob envelope lacrado e com aviso de recepção, a Comissão comunicou um documento constituído por cinco páginas, que reagrupa excertos de um documento intitulado «Documento sobre as Normas e Critérios», edição 2006 («N & C edição 2006/ DS3/A.W», a seguir «documento de 2006 sobre as normas e critérios de segurança»), relativo às medidas de segurança aplicáveis nomeadamente aos alojamentos postos à disposição do pessoal das delegações («staff houses»). Nessa mesma carta, a Comissão sublinhou que apresentava esse documento «unicamente para que o Tribunal pudesse verificar o seu carácter confidencial, na acepção do artigo 44.°, n.° 2, do Regulamento de Processo». Reafirmou que o documento de 2006 sobre as normas e critérios de segurança não lhe parecia pertinente para a solução do litígio, nomeadamente porque apenas visava a situação dos alojamentos definitivos ― e não provisórios ― postos à disposição do pessoal das delegações nos países terceiros. A Comissão sustentou igualmente que, em qualquer hipótese, estava excluída quer a desclassificação desse documento quer a sua comunicação, mesmo que parcial, ao recorrente, dado que essa divulgação poderia comprometer a segurança dos funcionários das delegações nos países terceiros. Alegou igualmente que o Regulamento n.° 1049/2001 não era aplicável ao presente processo e que, de qualquer forma, a recusa de comunicar esse documento ao recorrente se justificava por razões de segurança pública, em conformidade com o artigo 4.°, n.° 1, do referido regulamento. A Comissão indicou, no entanto, que, caso o Tribunal viesse a considerar que esse documento era pertinente para a solução do litígio, o Tribunal deveria examinar juntamente com ela as modalidades necessárias para conciliar o princípio do contraditório com a protecção da confidencialidade das informações que figuram no referido documento, «por exemplo [pela] produção de um resumo do documento (v. despacho do Tribunal de Justiça de 4 de Fevereiro de 1981, AM & S/Comissão, 155/79), que só o advogado do recorrente estaria habilitado a consultar segundo as modalidades previstas no processo F‑2/07 [Matos Martins/Comissão, que deu origem ao acórdão do Tribunal da Função Pública de 15 de Abril de 2010]».

49      O secretário do Tribunal recebeu em 31 de Março de 2010 a carta da Comissão de 30 de Março de 2010. Os membros da formação de julgamento consultaram nas instalações da Secretaria os excertos do documento de 2006 sobre as normas e critérios de segurança.

50      O advogado do recorrente consultou na Secretaria do Tribunal o documento mencionado na primeira frase do n.° 45 supra. O advogado do recorrente não teve acesso aos excertos do documento de 2006 sobre as normas e critérios de segurança.

51      Por carta de 12 de Abril de 2010, o recorrente apresentou as suas observações sobre os documentos apresentados pela Comissão em resposta ao despacho de 22 de Janeiro de 2010, nomeadamente sobre o documento que pôde consultar na Secretaria do Tribunal. Nessa carta, o recorrente sublinhou que esses documentos demonstram a existência de uma obrigação de segurança a cargo da Comissão, inclusive quanto aos alojamentos provisórios do pessoal afectado em Marrocos e que, entre as medidas que a Comissão tinha de tomar figurava, nomeadamente, um serviço permanente de vigilância profissional levado a cabo por uma sociedade especializada. No presente caso, não tinha sido posta em prática uma vigilância desse tipo, embora tivesse sido possível fazê‑lo em poucos dias. Tal medida de segurança teria certamente dissuadido o assassino de cometer os crimes e teria permitido, no mínimo, uma intervenção de socorro urgente que poderia ter salvado a vida do filho do recorrente.

52      Por despacho de 20 de Maio de 2010, o Tribunal ordenou à Comissão que apresentasse outro excerto do documento de 2006 sobre as normas e critérios de segurança no que respeita às condições de instalação dos gradeamentos («installation requirements for grids») aplicáveis aos alojamentos do pessoal nas delegações dos países terceiros pertencentes ao grupo II ou ao grupo III (que correspondem respectivamente aos níveis de risco médio e forte). No referido despacho, o Tribunal precisou que a apresentação desse documento e o acesso ao mesmo ficariam sujeitos a condições iguais às fixadas no despacho do Tribunal de 17 de Março de 2010.

53      Por carta de 2 de Junho de 2010, a Comissão apresentou observações sobre a carta do recorrente de 12 de Abril de 2010. Nas suas observações (cujos n.os 57 a 60 foram comunicados apenas ao advogado do recorrente nas instalações da Secretaria), a Comissão sublinhou que, no que diz respeito aos alojamentos privados dos funcionários afectados em delegação, goza de um amplo poder de apreciação e tem apenas um dever geral de diligência. Só incorre em responsabilidade extracontratual em caso de violação suficientemente caracterizada de uma regra de direito que tenha por objecto conferir direitos aos particulares. A Decisão de 26 de Abril de 2006 só se aplicava aos locais de trabalho e, por conseguinte, não impunha nenhuma medida de segurança nos alojamentos do pessoal afectado nas delegações, quer esses alojamentos fossem definitivos ou provisórios. O único texto que refere as medidas de segurança para os alojamentos definitivos é o vade‑mécum da DG «Relações Externas» junto em anexo à sua carta de 12 de Fevereiro de 2010. Ora, este vade‑mécum enuncia somente uma recomendação geral de protecção dos residentes e/ou dos alojamentos de serviço à atenção dos chefes de delegação, deixando à administração uma ampla margem de apreciação das modalidades da sua aplicação. Uma vez que o alojamento do filho do recorrente era um alojamento apenas provisório, não tinha sido ordenada, por força de uma regra de direito, nenhuma medida de segurança especial. Além disso, o filho do recorrente aceitou instalar‑se nesse alojamento com a sua família. De qualquer forma, essa habitação provisória era e comportou as medidas de segurança adequadas face ao fraco nível de criminalidade de direito comum declarado para Marrocos, nomeadamente um serviço de vigilância comparável ao previsto para os alojamentos definitivos no documento de 2006 sobre as normas e critérios de segurança. Mesmo admitindo que a Comissão possa ter incorrido numa omissão, o recorrente não demonstrou que o dano foi directamente causado pelas inacções censuradas.

54      Por carta de 8 de Junho de 2010, a Comissão apresentou o excerto do documento de 2006 sobre as normas e critérios de segurança, relativo às condições de instalação dos gradeamentos. Nessa carta, a Comissão sublinhou que, contrariamente ao que o Tribunal tinha referido no seu despacho de 20 de Maio de 2010, as condições de instalação dos gradeamentos, que são visadas na secção 54.3 do documento de 2006 sobre as normas e critérios de segurança, só se aplicam nos alojamentos definitivos do pessoal das delegações pertencentes ao grupo III mas não ao grupo II.

55      Os membros da formação de julgamento consultaram, nas instalações da Secretaria, o excerto do documento de 2006 sobre as normas e critérios de segurança, relativo às condições de instalação dos gradeamentos.

56      Por carta de 2 de Julho de 2010, o Tribunal indicou às partes que considerava que os excertos do documento de 2006 sobre as normas e critérios de segurança eram pertinentes para a solução do litígio. Dando seguimento à proposta feita pela Comissão na sua carta de 30 de Março de 2010, o Tribunal informou as partes de que tencionava elaborar um resumo desses excertos e de os juntar aos autos. Precisou que esse resumo teria por conteúdo certas secções do referido documento (que figuram nas páginas 37, 140 e 142, ou seja, 3 páginas entre as 7 que a Comissão comunicou ao Tribunal). As partes foram convidadas a apresentar as suas observações sobre a carta de 2 de Julho de 2010.

57      Por carta de 9 de Julho de 2010, a Comissão tomou nota da carta do Tribunal de 2 de Julho de 2010 e precisou que, em razão dos imperativos de protecção da segurança dos funcionários das delegações nos países terceiros que já tinha invocado nas suas cartas de 30 de Março de e 8 de Junho de 2010, apenas podia aceitar que o resumo do documento de 2006 sobre as normas e critérios de segurança se referisse ao objecto das secções em questão desse documento mas não que contivesse excertos do referido documento. Em resposta a um pedido do Tribunal, a Comissão precisou, por carta de 22 de Setembro de 2010, o que devia ser entendido por resumo do «objecto» das secções pertinentes, dando um exemplo de resumo possível para a secção 54.3, que figura na página 140 do documento de 2006 sobre as normas e critérios de segurança.

58      Por carta de 13 de Julho de 2010, o recorrente informou o Tribunal de que estava de acordo com a proposta de elaboração pelo Tribunal, de um resumo dos excertos do documento de 2006 sobre as normas e critérios de segurança.

59      Por carta de 6 de Outubro de 2010, o Tribunal comunicou à Comissão um projecto de resumo das secções pertinentes das páginas 37, 140 e 142 do documento de 2006 sobre as normas e critérios de segurança, resumo que não era constituído por excertos do documento mas que se referia ao objecto das ditas secções, como tinha sugerido a Comissão.

60      Por carta de 6 de Outubro de 2010, o Tribunal perguntou ao recorrente se pretendia beneficiar de anonimato. Esta pergunta ficou sem resposta.

61      Por carta de 19 de Outubro de 2010, a Comissão comunicou as suas observações sobre o projecto de resumo, pedindo ao Tribunal para suprimir, no título desse projecto, a menção à página 37 do documento de 2006 sobre as normas e critérios de segurança.

62      O Tribunal deferiu esse pedido da Comissão e elaborou o resumo definitivo dos excertos do documento de 2006 sobre as normas e critérios de segurança.

63      Esse resumo foi comunicado à Comissão. No que diz respeito ao recorrente, o referido resumo só chegou ao conhecimento do seu advogado, nas instalações da Secretaria do Tribunal, em 30 de Novembro de 2010.

64      Atendendo aos elementos apresentados posteriormente na audiência de 15 de Dezembro de 2009, o Tribunal considerou que era necessária uma segunda audiência.

65      No relatório preparatório dessa segunda audiência, o Tribunal pediu às partes para concentrarem as suas alegações nas seguintes questões:

«1/ As questões processuais:

a) No seu pedido de indemnização, apresentado com base no artigo 90.°, n.° 1, do Estatuto, o recorrente não solicitou a reparação de prejuízos com carácter moral, é admissível apresentar ao Tribunal pedidos de indemnização nesse sentido?

b) O documento de 2006 sobre as normas e critérios de segurança faz parte do quadro jurídico do litígio?

c) Os excertos pertinentes desse documento que, por razões legítimas de segurança, só podem ser comunicados ao recorrente sob a forma de breve resumo, podem, apesar de tudo, ser tomados em consideração pelo Tribunal para apreciar se, no presente caso, a Comissão cometeu um ilícito? A procura de um justo equilíbrio entre a protecção da confidencialidade desse documento e o direito do recorrente a uma tutela jurisdicional efectiva não implica, nas circunstâncias de presente caso, que o Tribunal derrogue o artigo 44.°, n.° 1, do Regulamento de Processo (v., por analogia, [TEDH., acórdão A. e outros c. Reino Unido de 19 de Fevereiro de 2009, n.° 3455/05,] nomeadamente n.os 205 a 208)?

2/Questões questões de mérito:

a)      Qual é o alcance jurídico do documento de 2006 sobre as normas e critérios de segurança?

b)      É imputável à Comissão um erro ao pôr em prática as medidas de segurança que eram aplicáveis ao alojamento provisório posto à disposição do filho do recorrente?

c)      O nexo de causalidade entre um possível erro da Comissão e os prejuízos alegados é directo e certo?

d)      Admitindo que a Comissão cometeu um erro susceptível de a responsabilizar, pode esta ser considerada responsável pela totalidade dos danos sofridos ou apenas por uma parte destes, em razão da culpa eventual das vítimas ou de facto de terceiro?

e)      A parte do prejuízo directamente ligada ao erro da Comissão foi suficientemente reparada pela instituição?»

66      Antes da audiência, a Comissão comunicou, por carta de 26 de Novembro de 2010, algumas observações sobre o relatório preparatório da audiência, relativas à questão que figura no n.° 1, alínea c), do referido relatório. Sublinhou, nomeadamente, que, em seu entender, o correcto equilíbrio entre a necessidade de preservar a confidencialidade do documento de 2006 sobre as normas e critérios de segurança e os direitos de defesa do recorrente tinha sido alcançado através do resumo elaborado pelo Tribunal. Este não pode assim, sob pena de violar o artigo 44.°, n.° 1, do seu Regulamento de Processo, basear a sua análise dos autos nos excertos do documento de 2006 sobre as normas e critérios de segurança que não figuravam nesse resumo. A Comissão declarou-se, no entanto, disposta, caso o Tribunal considerasse que os excertos do documento de 2006 sobre as normas e critérios de segurança que a mesma lhe tinha comunicado continham informações que não figuravam no resumo, a analisar a possibilidade de o Tribunal completar o resumo continuando a procurar o correcto equilíbrio entre a necessidade de preservar a confidencialidade do documento e dos direitos de defesa do recorrente, fazendo‑o antes da segunda audiência.

67      Por carta dirigida às partes por telecópia de 2 de Dezembro de 2010, o Tribunal precisou que, no presente litígio, não se tratava de procurar o equilíbrio entre a preservação da confidencialidade do documento e os direitos de defesa do recorrente mas entre a preservação da confidencialidade do documento e as exigência de uma protecção jurisdicional efectiva, devendo o recorrente poder beneficiar de uma fiscalização jurisdicional efectiva mesmo quando certos documentos úteis para o seu recurso sejam detidos pela administração. O Tribunal convidou as partes a fazerem referência, em relação a esta questão, os acórdãos do Tribunal de Justiça de 13 de Julho de 2006, Mobistar (C‑438/04, n.° 40) e de 14 de Fevereiro de 2008, Varec (C‑450/06, nomeadamente os n.os 52, 53, e o dispositivo). O Tribunal pediu igualmente à Comissão que indicasse, antes da audiência, se estava na disposição de aceitar que o resumo mencionasse as medidas exactas de segurança (características do serviço de vigilância, do sistema de alarme, dos botões antipânico, dos gradeamentos de protecção das janelas) que estão previstas no documento de 2006 sobre as normas e critérios de segurança, para os alojamentos do pessoal das delegações pertencentes ao grupo III do nível de risco. O Tribunal precisou que só o advogado do recorrente teria acesso a este novo resumo.

68      Por carta entrada na Secretaria do Tribunal por telecópia em 3 de Dezembro de 2010, a Comissão respondeu que não estava disposta a aceitar que o resumo mencionasse as medidas exactas de segurança previstas no documento de 2006 sobre as normas e critérios de segurança.

69      Por carta entrada na Secretaria do Tribunal por telecópia em 6 de Dezembro de 2010, o recorrente alegou que o documento de 2006 sobre as normas e critérios de segurança era pertinente para a solução do litígio. Após ter salientado que o resumo a que o seu advogado tinha tido acesso dizia apenas respeito ao objecto do referido documento e não sobre o conteúdo das medidas de segurança que aí figuravam, o recorrente pediu para aceder aos excertos pertinentes desse documento, no mínimo por intermédio do seu advogado, ao abrigo do seu direito a uma protecção jurisdicional efectiva e em conformidade com o princípio da igualdade das armas. O recorrente sublinhou que o nível de classificação do documento de 2006 sobre as normas e critérios de segurança, o menos elevado na classificação prevista pela Decisão 2001/844, não parecia poder justificar a recusa de acesso oposta pela Comissão. Em matéria de direito da concorrência, os documentos classificados como «Reservado à UE» são normalmente acessíveis às partes no processo, mediante a adopção de medidas de protecção necessárias (proibição de fazer fotocópias, acesso limitado aos advogados das partes). Se o Tribunal considerar que não pode completar o resumo já elaborado, nem comunicar ao recorrente os excertos do documento de 2006 sobre as normas e critérios de segurança, deve, com base na jurisprudência do Tribunal de Justiça (acórdão Varec, já referido) e em derrogação ao artigo 44.°, n.° 1, do seu Regulamento de Processo, pronunciar‑se sobre o litígio, tomando em consideração os excertos pertinentes do documento que estavam em sua posse e não se limitando ao resumo.

70      A segunda audiência realizou‑se a 8 de Dezembro de 2010. Na audiência a Comissão declarou que, na hipótese de o Tribunal considerar que o documento de 2006 sobre as normas e critérios de segurança se aplica aos alojamentos provisórios, não se oporia a que o Tribunal possa pronunciar‑se sobre o litígio, tomando em consideração os excertos pertinentes desse documento, além do simples resumo.

 Questão de direito

I ―  Quanto ao objecto do recurso

71      Embora o recorrente peça formalmente a anulação da decisão da AIPN de 3 de Fevereiro de 2009, importa recordar que esta decisão, através da qual a administração tomou posição sobre as pretensões indemnizatórias do recorrente, é parte integrante do procedimento administrativo que antecede uma acção fundada em responsabilidade, intentada no Tribunal da Função Pública e que tem unicamente por efeito permitir ao recorrente submeter ao Tribunal um pedido de indemnização. Por conseguinte, os pedidos de anulação formulados pelo recorrente não podem ser apreciados de maneira autónoma em relação aos pedidos de indemnização (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 18 de Dezembro de 1997, Gill/Comissão, T‑90/95, n.° 45).

72      Por conseguinte, o recurso deve ser analisado como tendo por único objecto a reparação dos prejuízos que o recorrente, o funcionário falecido e os filhos deste sofreram devido ao comportamento da Comissão.

II ―  Quanto à admissibilidade

A ―  Argumentos das partes

73      A Comissão invoca vários fundamentos de inadmissibilidade.

74      Em primeiro lugar, alega que no seu pedido de indemnização de 25 de Fevereiro de 2008, apresentado em conformidade com o artigo 90.°, n.° 1, do Estatuto, o recorrente limitou as suas pretensões à indemnização de um dano material e não apresentou nenhum pedido de reparação de um dano moral. Assim, a petição é inadmissível, na medida em que visa a reparação dos prejuízos morais do funcionário falecido, dos filhos deste e do recorrente.

75      Em segundo lugar, no que respeita ao dano moral do funcionário falecido, por um lado, o artigo 73.° do Estatuto não menciona a vítima entre os sucessores. Assim, a vítima não tinha legitimidade para invocar um dano no âmbito de uma acção de responsabilidade extracontratual com fundamento no artigo 236.° CE. Por conseguinte, uma vez que o funcionário falecido não era titular de nenhum direito ao abrigo do artigo 73.° do Estatuto, não podia ser transmitido nenhum direito ao recorrente, segundo o adágio nemo dat quod non habet. Por outro lado, uma acção de indemnização intentada com base no artigo 236.° CE só permite reclamar uma indemnização complementar à que está prevista no artigo 73.° do Estatuto e só pode ser intentada pelas pessoas que entram no campo de aplicação ratione personae dessa disposição.

76      Em terceiro lugar, no que diz respeito ao dano moral sofrido pelo recorrente, este prejuízo não foi mencionado na reclamação de 10 de Setembro de 2008 e, por conseguinte, é inadmissível. Além disso, o recorrente não é um dos sucessores referidos no artigo 73.° do Estatuto e, por isso, não pode invocar validamente um dano no âmbito da responsabilidade extracontratual na acepção do artigo 236. CE.

77      Em quarto lugar, no que respeita ao dano moral sofrido pelos filhos do funcionário falecido, esse prejuízo não é admissível em apoio de uma acção de indemnização baseada no artigo 236.° CE, uma vez que os filhos da vítima não beneficiam de um direito ao abrigo do artigo 73.° do Estatuto. Além disso, o recorrente não apresentou nenhum indício do dano que sofreu na sua qualidade de vida.

78      Em quinto lugar, o argumento do recorrente segundo o qual o funcionário falecido, se tivesse vivido, teria deixado aos seus filhos um capital bastante superior à quantia paga pela Comissão por força do artigo 73.° do Estatuto, não foi acompanhado por nenhum elemento de prova e não é rigoroso. Acresce que o recorrente não referiu nenhuma fonte de rendimento alternativa (por exemplo, eventuais rendimentos de um seguro de vida de que tivesse sido titular o funcionário falecido e a sua cônjuge) que permita determinar a perda de rendimento efectivamente sofrida pelos sucessores de que é representante legal.

79      Em sexto lugar, nem o segundo nem o terceiro fundamento invocado na petição ― respectivamente, a responsabilidade sem culpa da Comissão por acto lícito e a responsabilidade por força do artigo 24.° do Estatuto ― figuraram no pedido de indemnização de 25 de Fevereiro de 2008. Além disso, estes dois fundamentos não foram acompanhados por nenhum elemento que permita quantificar o prejuízo alegado e não foram objecto de nenhum pedido na petição inicial. Assim, estes fundamentos devem ser julgados inadmissíveis.

80      Por último, o recorrente não apresentou nenhum mandato dos outros tutores dos filhos do funcionário falecido, que ateste que está habilitado para apresentar a petição em nome e por conta destes últimos. Por conseguinte, não tinha legitimidade.

B ―  Apreciação do Tribunal da Função Pública

81      Em primeiro lugar, devem ser examinados os fundamentos de inadmissibilidade mencionados nos n.os 74 a 77 do presente acórdão, que são todos relativos aos pedidos do recorrente destinados a obter a reparação dos prejuízos morais.

82      A este respeito, recorde‑se que, no sistema das vias de acção previsto pelos artigos 90.° e 91.° do Estatuto, quando uma acção é estritamente indemnizatória, no sentido de que não comporta nenhum pedido de anulação de um acto determinado, mas visa exclusivamente a reparação de prejuízos pretensamente causados por uma série de erros ou de omissões que, na falta de qualquer efeito jurídico, não podem ser qualificados como actos que causam prejuízo, o procedimento administrativo deve imperativamente, sob pena de inadmissibilidade da acção ulterior, ter início com um pedido do interessado em que este convida a AIPN a reparar os prejuízos alegados e prosseguir, sendo caso disso, com a apresentação de uma reclamação contra a decisão de indeferimento do pedido (v., nomeadamente, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Julho de 1995, Saby/Comissão, T‑44/93, n.° 31).

83      Por outro lado, é jurisprudência constante que os pedidos apresentados ao juiz da União devem ter o mesmo objecto que os feitos na reclamação e conter unicamente motivos de impugnação que assentem na mesma causa que os invocados na reclamação, podendo esses motivos de impugnação, na fase contenciosa, ser desenvolvidos através da apresentação de fundamentos e argumentos que não figuram necessariamente na reclamação, mas que com ela estão estreitamente conexos (v., por exemplo, acórdão do Tribunal de Justiça de 23 de Abril de 2002, Campogrande/Comissão, C‑62/01 P, n.° 34).

84      Recentemente o Tribunal considerou que o conceito de «causa» devia ser interpretado em sentido amplo (acórdão do Tribunal da Função Pública de 1 de Julho de 2010, Mandt/Parlamento, F‑45/07, n.° 119). Apesar desta orientação jurisprudencial ter sido desenvolvida pelo Tribunal a propósito de um recurso de anulação, isso não exclui que seja transponível em matéria de indemnizações, desde que sejam respeitadas as características específicas deste último contencioso. Ora, estritamente em matéria de indemnizações, a definição do conceito de «causa» não tem por referência os «aspectos de contestação», na acepção da jurisprudência referida no número anterior, mas os «prejuízos» invocados pelo funcionário em causa no seu pedido de indemnização. São estes prejuízos que determinam o objecto da reparação solicitada pelo funcionário e, consequentemente, o objecto do pedido sobre o qual a administração deve decidir.

85      Resulta das considerações enunciadas nos três números anteriores que os pedidos de indemnização baseados em diversos prejuízos só são admissíveis no Tribunal se tiverem sido precedidos, em primeiro lugar, por um pedido dirigido à administração que tenha o mesmo objecto e que assente nos mesmos prejuízos, seguido de uma reclamação apresentada contra a decisão, tácita ou expressa, da administração sobre o referido pedido.

86      Isso não impede o funcionário em causa de adaptar o montante das pretensões que figuram no seu pedido à administração, nomeadamente se os seus prejuízos se agravam ulteriormente ou se a extensão dos seus danos não for conhecida ou só puder ser avaliada após for apresentação desse pedido (v., neste sentido, sobre a possibilidade de calcular um prejuízo na fase da petição, acórdão do Tribunal de Justiça de 23 de Setembro de 2004, Hectors/Parlamento, C‑150/03 P, n.° 62), desde que os prejuízos que o levam a pedir uma indemnização tenham figurado no referido pedido.

87      No presente caso, apesar de o recorrente procurar obter a reparação das consequências danosas dos mesmos factos que os foram referidos no seu pedido de 25 de Fevereiro de 2008, os seus pedidos de indemnização são, em contrapartida, baseados em diversos prejuízos morais que lhe teriam sido causados, bem como ao seu filho falecido e aos seus netos.

88      Ora, é pacífico que, no pedido de indemnização contido na sua carta de 25 de Fevereiro de 2008, o recorrente solicitou apenas a reparação de prejuízos materiais e de nenhum modo invocou os prejuízos morais alegados no Tribunal.

89      É certo que, posteriormente, na sua reclamação, o recorrente não só pediu a reparação dos prejuízos materiais como a dos prejuízos morais, o que permitiu à administração tomar posição sobre esses prejuízos na decisão de indeferimento da reclamação, antes da propositura da acção. Todavia, essa parte da decisão de indeferimento da reclamação deve ser analisada como a primeira decisão tomada pela administração sobre os referidos prejuízos. Ora, o recorrente, ao contrário do que deveria ter feito, não apresentou reclamação desta última decisão e, assim, não respeitou o procedimento administrativo em duas fases que condiciona a admissibilidade dos pedidos de indemnização baseados nesses prejuízos.

90      Já a argumentação relativa ao acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de Janeiro de 1989, Koutchoumoff/Comissão (224/87), desenvolvida na segunda audiência pelo recorrente, não pode ser acolhida. Com efeito, se o Tribunal de Justiça admitiu, nesse acórdão, que um funcionário podia apresentar pela primeira vez no tribunal os pedidos de indemnização foi porque a contestação da legalidade do acto que causa prejuízo ao interessado, exposto na reclamação, podia implicar um pedido de reparação do prejuízo causado por esse acto. Ora, o presente litígio tem um carácter puramente indemnizatório e não está ligado à contestação da legalidade de uma decisão que causa prejuízo ao recorrente.

91      Por conseguinte, na presente instância, os pedidos de reparação dos prejuízos morais só podem ser julgados inadmissíveis, não sendo necessário examinar os outros fundamentos de inadmissibilidade invocados contra si.

92      Em segundo lugar, no que respeita aos argumentos da Comissão expostos no n.° 78 do presente acórdão, o Tribunal considera que os mesmos estão ligados à questão de saber se o recorrente, em razão das quantias já pagas pela Comissão a título de prestações estatutárias, perdeu interesse em agir, questão que será analisada adiante, no âmbito da apreciação do mérito do primeiro fundamento.

93      Em terceiro lugar, no que respeita aos fundamento de inadmissibilidade opostos ao segundo e terceiro fundamentos de recurso, mencionados no n.° 79 do presente acórdão, impõe‑se, à luz dos elementos de que o Tribunal dispõe para decidir sobre o mérito do litígio e por razões de boa administração da justiça, começar por examinar se a instituição pode incorrer em responsabilidade, mesmo que objectiva, por acto lícito, ou ainda se essa responsabilidade pode basear‑se no disposto no artigo 24.° do Estatuto. Se o Tribunal considerar que as pretensões indemnizatórias do recorrente baseadas nesses dois fundamentos não são procedentes e que deve ser negado provimento ao recurso, não será necessário examinar esses fundamentos de inadmissibilidade (acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de Fevereiro de 2002, Conselho/Boehringer, C‑23/00 P, n.° 52; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 22 de Maio de 2008, Ott e o./Comissão, T‑250/06 P, n.os 75 e 76; acórdãos do Tribunal da Função Pública de 14 de Novembro de 2006, Villa e o./Parlamento, F‑4/06, n.° 21, e de 20 de Janeiro de 2009, Klein/Comissão, F‑32/08, n.° 20).

94      Em quarto e último lugar, no que respeita ao fundamento de inadmissibilidade relativo à falta de legitimidade do recorrente para agir na qualidade de representante legal dos sucessores do funcionário falecido, por não ter obtido o acordo dos outros tutores destes, recorde‑se que o recorrente, convidado por carta do Tribunal de 15 de Junho de 2010 a apresentar um documento que demonstrasse que agiu com o acordo desses co‑tutores, apresentou, por carta de 17 de Junho seguinte, o mandato assinado por estes últimos. O Tribunal está assim em condições de declarar, por força do artigo 36.° do Regulamento de Processo, que a petição inicial responde às exigências do artigo 35.°, n.° 1, alínea b), do mesmo regulamento. O presente fundamento de inadmissibilidade deve, portanto, ser afastado.

95      Mesmo admitindo que a não apresentação desse mandato no momento da apresentação da petição não possa ser regularizada no decurso da instância, o Tribunal recorda que, de qualquer forma, o Tribunal de Justiça já considerou que o facto de uma entidade não comprovar, à luz do direito nacional, a sua capacidade para agir judicialmente não a privava necessariamente da possibilidade de interpor recurso para o juiz da União (v., neste sentido, a propósito de uma sociedade em processo de constituição, cuja participação num concurso e a validade da sua proposta foram admitidas pela Comissão, acórdão do Tribunal de Justiça de 28 de Outubro de 1982, Groupement des Agences de voyages/Comissão, 135/81).

96      Além disso, no presente caso, a Comissão nunca alegou, na sua resposta à reclamação do recorrente, que este só podia agir com o acordo dos outros co‑tutores dos sucessores do funcionário falecido, apesar de a reclamação constituir a última etapa processual antes da acção judicial.

III ―  Quanto ao mérito

A ―  Quanto ao primeiro fundamento, relativo ao incumprimento, por parte da Comissão, da obrigação de assegurar a protecção do seu funcionário

1.     Argumentos das partes

97      No entender do recorrente, o requisito da responsabilidade extracontratual da Comissão, relativo à ilegalidade do comportamento desta instituição, está preenchido. Com efeito, a Comissão foi negligente quanto ao respeito da obrigação geral de segurança que lhe incumbe na qualidade de entidade patronal, obrigação que decorre directamente do dever de assistência previsto no artigo 24.°, primeiro parágrafo, do Estatuto e que se reveste de um alcance específico no que diz respeito aos funcionários colocados num país terceiro e à sua família.

98      A Comissão violou a sua obrigação de proporcionar ao funcionário falecido e à sua família um alojamento, seguro, obrigação que é tanto mais imperiosa quanto o funcionário, por força do artigo 5.°, n.° 1, do anexo X do Estatuto, tem de residir no alojamento que a instituição põe à sua disposição. A negligência da Comissão é demonstrada pelo facto de um delinquente ocasional, que, além do mais, estava sob o efeito do álcool e de estupefacientes, se ter introduzido facilmente na casa ocupada pelo funcionário falecido, sem arrombamento e sem encontrar obstáculos. A Comissão não se assegurou de que as barras das janelas da sala de jantar constituíam um obstáculo eficaz. Ora, não foram apropriadas para cumprirem a sua função. A circunstância de a janela dessa divisão estar aberta, não ficou demonstrada e, de qualquer forma, não podia ser apresentada para exonerar a Comissão da sua responsabilidade. Além disso, a Comissão deve ser considerada responsável pela falta de vigilância nocturna no momento da infracção. Acresce que, medidas tão pouco dispendiosas e eficazes como a inclusão de um sistema de alarme e/ou de um botão antipânico não foram adoptadas, mesmo tendo sido apresentadas como medidas de segurança «standard» pelo autor da resposta escrita de 6 de Agosto de 2007.

99      Quanto ao acordo dado pelo funcionário falecido quando puseram à sua disposição a habitação provisória, não pode em caso algum exonerar a Comissão das suas obrigações em matéria de segurança. Além disso, o recorrente não escolheu esse alojamento, arrendado pela Comissão antes da sua chegada a Rabat.

100    O recorrente precisa que de forma nenhuma afirma que a Comissão tinha de garantir uma segurança absoluta ao funcionário falecido e à sua família mas apenas que as medidas mínimas, efectivas e razoáveis, que podiam ter constituído uma protecção concreta para a segurança do seu filho e da família deste, não foram tomadas.

101    A Comissão recorda jurisprudência segundo a qual um funcionário ― ou os seus sucessores ― beneficiário das prestações previstas no artigo 73.° do Estatuto só tem legitimidade para intentar uma acção fundada em responsabilidade extracontratual contra a instituição em causa se essas prestações forem insuficientes para reparar os danos sofridos. Essa jurisprudência é transponível para as outras prestações estatutárias pagas, no presente litígio, aos sucessores do funcionário falecido. Ora, o recorrente, a quem incumbia o ónus da prova, não demonstrou que as quantias pagas pela Comissão no presente processo são, a este respeito, insuficientes. Por conseguinte, a Comissão tem dúvidas sobre o interesse em agir do recorrente, pelo menos no que respeita aos prejuízos morais alegados. Relativamente ao prejuízo material, o recorrente não teve em conta, na fixação da indemnização que reclama, as prestações estatutárias atribuídas aos sucessores do funcionário falecido, quando a jurisprudência acima mencionada exclui que uma acção complementar fundada em responsabilidade extracontratual conduza a uma dupla indemnização dos mesmos prejuízos.

102    A Comissão não contesta a sua obrigação geral de segurança na qualidade de entidade patronal mas contrapõe ao recorrente que tinha adoptado as medidas de protecção adequadas e necessárias à situação, excluindo dessa forma que tenha cometido um erro. Os argumentos em defesa da Comissão sobre essas questões foram expostos no n.° 53 do presente acórdão. Por outro lado, a Comissão considera que o único responsável pelos danos alegados pelo recorrente é o próprio criminoso. O filho do recorrente também foi negligente em certos aspectos que contribuíram para a realização dos danos, nomeadamente ao não ter participado, antes da sua partida para Marrocos, nas sessões de informação sobre segurança organizadas pela Comissão e dirigidas às pessoas enviadas para uma delegação de um país terceiro, e ter deixado uma janela do seu alojamento aberta durante a noite do duplo homicídio.

103    Após ter tomado conhecimento, nas instalações da Secretaria do Tribunal, do resumo dos excertos do documento de 2006 sobre as normas e critérios de segurança, o advogado do recorrente sublinhou que esse documento tinha um carácter vinculativo para a Comissão e que especificava os requisitos que a própria instituição tinha fixado ao exercício do seu poder de apreciação. Sustentou igualmente que a Comissão, apesar de ter consciência dos riscos que corriam os seus funcionários destacados em Marrocos, não tinha respeitado nenhuma das medidas prescritas por esse documento. Sem esse incumprimento da Comissão, o duplo homicídio não teria sido cometido. Além disso, se as medidas de segurança previstas no documento de 2006 sobre as normas e critérios de segurança tivessem sido postas em prática, o filho do recorrente poderia ter dado o alerta e não ter sucumbido aos seus ferimentos. Ficou, assim, privado da possibilidade de sobrevivência. O nexo de causalidade entre a culpa da Comissão e os danos está claramente demonstrado. A responsabilidade da Comissão não é atenuada por um qualquer erro do funcionário assassinado.

104    A Comissão retorquiu que o documento de 2006 sobre as normas e critérios de segurança não era aplicável aos alojamentos provisórios, como o que foi posto à disposição do filho do recorrente, e que, de qualquer forma, só enunciava recomendações e não medidas com carácter vinculativo. Por conseguinte, a administração dispunha no presente caso de uma ampla margem de apreciação, cujos limites não foram por ela manifestamente violados, uma vez que as medidas de protecção que foram postas em prática no presente caso foram suficientes e razoáveis.

2.     Apreciação do Tribunal da Função Pública

a)     Quanto à objecção formulada pela Comissão, segundo a qual os prejuízos alegados já tinham sido inteiramente reparados

105    A título preliminar, deve examinar‑se se o recorrente preenche o requisito da prova de um prejuízo indemnizável, requisito sem o qual a sua acção de indemnização está condenada a ser julgada improcedente. Com efeito, a Comissão sustenta que os prejuízos alegados pelo recorrente foram inteiramente reparados pelas prestações estatutárias pagas aos sucessores do funcionário falecido. Não está preenchido um dos requisitos a que está subordinada a responsabilidade da União, a saber, a prova da existência de um prejuízo não reparado, pelo que deve ser liminarmente negado provimento ao recurso, sem ser necessário analisar se a Comissão cometeu um erro. Pela sua parte, o recorrente afirma que as prestações estatutárias, de carácter fixo, são totalmente insuficientes para assegurar a reparação, no presente processo, adequada dos prejuízos materiais e morais consideráveis sofridos sem precedente na história das instituições da União. Com base na jurisprudência impõe‑se uma indemnização complementar, dado o carácter excepcional das circunstâncias do litígio (acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de Outubro de 1986, Leussink/Comissão, 169/83 e 136/84).

106    A este respeito, foi decidido que, em razão do carácter pecuniário das prestações previstas pelo Estatuto a favor dos sucessores de um funcionário falecido, estes têm legitimidade para pedir à instituição uma indemnização complementar quando esta possa ser considerada responsável pela morte do funcionário e as prestações estatutárias não sejam suficientes para assegurar a plena reparação do prejuízo sofrido (v., neste sentido, acórdão Leussink/Comissão, já referido, n.° 13; acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de Setembro de 1999, Lucaccioni/Comissão, C‑257/98 P, n.os 22 e 23).

107    Compete sobretudo à parte que põe em causa a responsabilidade da União apresentar provas concludentes quanto à existência ou à extensão do prejuízo que invoca e demonstrar o nexo de causalidade entre esse prejuízo e o comportamento infractor das instituições (v., nomeadamente, acórdãos do Tribunal de Justiça de 21 de Maio de 1976, Roquette frères/Comissão, 26/74, n.os 22 e 23, e de 7 de Maio de 1998, Somaco/Comissão, C‑401/96 P, n.° 71).

108    É certo que a argumentação da Comissão relativa ao carácter suficiente da reparação resultante das prestações estatutárias parece apresentar‑se como um fundamento de inadmissibilidade, dado que a Comissão parece entender que o recorrente já não tem interesse em agir. Assim, poderia considerar‑se, em conformidade com jurisprudência constante, que compete à recorrida que invoca a falta de interesse em agir do recorrente demonstrar que o recurso se depara com esse obstáculo de admissibilidade.

109    Todavia, tal interpretação da argumentação da Comissão não pode ser acolhida. Com efeito, a tese da Comissão consiste em sublinhar que o recorrente não preenche um dos requisitos de mérito a que está subordinada a existência da responsabilidade extracontratual da União, a saber, a prova de um prejuízo indemnizável. Ora, uma vez que incumbe ao recorrente demonstrar a existência e a extensão dos prejuízos que são objecto do pedido de reparação, é a ele que cabe apresentar a prova de que os prejuízos que invoca não foram inteiramente reparados pelas prestações estatutárias (v., neste sentido, acórdão Lucaccioni/Comissão, já referido, n.° 16).

110    No presente caso, o Tribunal considera que o recorrente apresentou elementos suficientes neste sentido.

111    Em primeiro lugar, a hipótese que serviu de base à estimativa do recorrente sobre a quantia reclamada pelo prejuízo material, a qual constitui uma avaliação, pelo menos aproximativa, da perda financeira sofrida pelos sucessores do funcionário falecido, a saber, que este poderia ter prosseguido a sua actividade até à idade da reforma, parece plausível e razoável, mesmo sendo verdade que o período tomado deste modo em conta é de 26 anos. A quantia de 2 552 837,96 euros mencionada na petição, que corresponde ao montante das remunerações que o filho do recorrente teria recebido se tivesse permanecido em actividade até à idade da reforma, não é, a priori, excessiva. Com efeito, o recorrente não apresentou nenhum pedido ao abrigo da perda de direitos à pensão que o seu filho poderia ter adquirido ao longo do mesmo período, apesar de o juiz da União admitir que esses direitos possam ser tomados em consideração na avaliação de um prejuízo material (v., acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 5 de Outubro de 2004, Sanders e o./Comissão, T‑45/01, n.° 167, e de 12 de Julho de 2007, Sanders e o./Comissão, T‑45/01, n.os 87 a 90).

112    Em seguida, deve observar‑se que a quantia assim calculada excede o montante total das prestações estatutárias que foram e serão pagas pela Comissão aos sucessores do funcionário falecido, mesmo na hipótese contemplada pela Comissão no n.° 54 da contestação, na qual as referidas prestações seriam pagas até os filhos órfãos atingirem a idade de 26 anos (montante que nessa hipótese foi estimado em 2 478 375,47 euros).

113    Por último, a quantia de 2 552 837,96 euros avançada pelo recorrente foi reavaliada num montante próximo de 4 milhões de euros no quadro que comunicou na primeira audiência, tendo em conta, nomeadamente, as promoções de grau que, no seu entender, o seu filho teria obtido. É certo que, essas promoções apresentam, por natureza, um carácter hipotético dado que os funcionários não têm direito a tais evoluções de carreira. Além disso, deve assinalar‑se que a Comissão concedeu ao funcionário falecido o benefício excepcional de uma promoção de grau a título póstumo, tida em conta no cálculo das prestações estatutárias pagas aos sucessores do interessado. No entanto, parece razoável considerar que a quantia acima mencionada de 2 552 837,96 euros devia dar origem a diversas majorações, ligadas, no mínimo às subidas de escalão que o funcionário falecido poderia ter obtido em função da sua antiguidade de serviço (para a determinação mais precisa do montante dos prejuízos materiais, v. n.os 199 e 200 do presente acórdão).

114    Atendendo aos elementos fornecidos pelo recorrente, não se pode excluir, na hipótese de a Comissão vir a ser inteiramente responsabilizada por todos os prejuízos materiais sofridos, que as prestações estatutárias pagas aos interessados, todos menores e órfãos de pai e mãe, sejam insuficientes para assegurar a plena reparação dos prejuízos materiais consideráveis que sofreram. Contrariamente ao que alegou a Comissão na audiência, o facto de as quantias mensalmente pagas aos sucessores do funcionário falecido, a título de prestações estatutárias, ultrapassarem o montante da remuneração que esse funcionário teria recebido em Junho de 2009 não põe em causa essa conclusão. Com efeito, a referida remuneração poderia ser paga ao filho do recorrente, como foi dito, até atingir a idade da reforma, ou seja, por um período mais longo do que o previsto para o pagamento das prestações estatutárias aos seus sucessores.

115    Por conseguinte, a Comissão não tem razão ao sustentar que acção de indemnização do recorrente estaria, desde o início, condenada a ser julgada improcedente, pelo facto de o recorrente não ter demonstrado que os prejuízos alegados não foram inteiramente reparados através das prestações estatutárias já reconhecidas aos sucessores do seu filho.

b)     Quanto à alegação de que a Comissão cometeu um erro quanto à obrigação de assegurar a segurança do funcionário falecido e da sua família

 Quanto aos requisitos de existência de responsabilidade extracontratual da Comissão

116    Resulta de jurisprudência constante do tribunal da União que um litígio entre um funcionário e a instituição de que este depende ou dependia, e destinado à reparação de um dano, quando tem a sua origem na relação de trabalho que vincula ou que vinculava o interessado à instituição, cabe no âmbito do artigo 236.° CE e dos artigos 90.° e 91.° do Estatuto e está fora do campo de aplicação dos artigos 235.° CE e 288.° CE (acórdãos do Tribunal de Justiça de 22 de Outubro de 1975, Meyer‑Burckhardt/Comissão, 9/75, n.° 7; de 17 de Fevereiro de 1977, Reinarz/Comissão e Conselho, 48/76, n.° 10; despacho do Tribunal de Justiça de 10 de Junho de 1987, Pomar/Comissão, 317/85, n.° 7; acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Outubro de 1987, Schina/Comissão, 401/85, n.° 9; despacho do Tribunal de Primeira Instância de 26 de Junho de 2009, Marcuccio/Comissão, T‑114/08 P, n.os 12, 13 e 24; acórdão do Tribunal da Função Pública de 11 de Maio de 2010, Nanopoulos/Comissão, F‑30/08, n.os 130 a 133, objecto de recurso no Tribunal Geral da União Europeia, processo T‑308/10 P). Essa jurisprudência é transponível para um litígio que opõe os sucessores de um funcionário falecido ou o seu representante legal à instituição de que dependia esse funcionário, litígio que tem origem na relação de trabalho entre este último e a referida instituição.

117    A responsabilidade de uma instituição, no âmbito do artigo 236.° CE, pressupõe que estejam reunidos um conjunto de requisitos, a saber, a existência de um erro imputável ao serviço ou de uma ilegalidade cometida pela instituição, a realidade de um prejuízo certo e avaliável e a existência de um nexo de causalidade entre o erro e o prejuízo alegado (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Dezembro de 1990, Moritz/Comissão, T‑20/89, n.° 19; de 9 de Fevereiro de 1994, Latham/Comissão, T‑82/91, n.° 72, e de 21 de Fevereiro de 1995, Moat/Comissão, T‑506/93, n.° 46). Estes requisitos têm de ser cumulativamente preenchidos e a falta de um deles é suficiente para que a acção de indemnização seja improcedente (acórdão Lucaccioni/Comissão, já referido, n.° 14).

118    Relativamente ao primeiro desses requisitos, que o Tribunal examinará em primeiro lugar, saliente‑se que, mesmo quando esteja em causa não a legalidade de um comportamento decisório mas, como no presente caso, o carácter faltoso de um comportamento não decisório, o juiz da União deve tomar em consideração, entre os elementos pertinentes do caso que lhe é submetido, a margem de apreciação de que dispunha a administração no momento dos factos controvertidos.

119    Quando a instituição dispõe de uma ampla margem de apreciação, nomeadamente quando não está obrigada a agir num determinado sentido por força de um quadro jurídico aplicável, o critério decisivo para considerar que o primeiro requisito está preenchido é a violação manifesta e grave dos limites que se impõem a esse poder de apreciação. Quando a administração não cometeu nenhum erro manifesto, não pode ser acusada de nenhuma ilegalidade e a sua responsabilidade está excluída. Por exemplo, a abertura de um inquérito que terminou com a ilibação do funcionário em causa não é susceptível de responsabilizar uma instituição se a decisão de abertura do inquérito tiver tido origem num conjunto suficiente e pertinente de elementos e, por esse facto, não é manifestamente errada (v., neste sentido, acórdão do Tribunal da Função Pública de 2 de Maio de 2007, Giraudy/Comissão, F‑23/05, n.os 104, 105 e 167).

120    Em contrapartida, quando a margem de apreciação da administração é consideravelmente reduzida, ou mesmo inexistente, a simples infracção ao direito da União pode bastar para demonstrar a existência de uma violação suficientemente caracterizada, susceptível de responsabilizar a instituição (acórdão do Tribunal de Justiça de 4 de Julho de 2000, Bergaderm e Goupil/Comissão, C‑352/98 P, n.° 44). Assim, quando a administração deve adoptar um determinado comportamento, ditado pelos textos em vigor, pelo respeito dos princípios gerais ou dos direitos fundamentais, ou ainda pelas regras que impôs a si mesma, um simples incumprimento de tal obrigação pode responsabilizar a instituição em causa.

121    Assim, o juiz da União pôde concluir que incorria em responsabilidade uma instituição que não agiu com a diligência que lhe incumbe, enquanto entidade patronal, no que respeita ao controlo, manutenção e utilização da viatura de serviço em que circulava um funcionário quando teve um acidente (acórdão Leussink/Comissão, já referido, n.os 15 a 17), uma instituição que não preveniu um funcionário da existência de uma doença revelada pelo seu dossiê, apesar de ter a obrigação de avisar o interessado sobre os comportamentos perigosos para a sua saúde (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 18 de Dezembro de 1997, Gill/Comissão, já referido, n.° 34), uma instituição cujo serviço médico não informou um funcionário dos factores de risco que podem conduzir ao aparecimento de uma doença (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 25 de Setembro de 1991, Nijman/Comissão, T‑36/89, n.° 37) ou uma instituição que não decidiu num prazo razoável sobre um pedido de reconhecimento da origem profissional de uma doença (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Abril de 2006, Angeletti/Comissão, T‑394/03, n.os 161 e 167).

122    Embora a Comissão sustente, referindo‑se aos acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 8 de Julho de 2008, Franchet e Byk/Comissão (T‑48/05, n.os 95 a 97) e de 10 de Dezembro de 2008, Nardone/Comissão (T‑57/99, n.° 162), que o primeiro requisito para que exista responsabilidade extracontratual da administração implica que em todos os casos seja demonstrada uma violação suficiente caracterizada de uma norma jurídica destinada a conferir direitos aos particulares, é jurisprudência constante que tal requisito é pertinente nas acções de indemnização interpostas pelos particulares com base no artigo 288.° CE mas não é aplicável nas acções de indemnização que têm origem na relação de trabalho entre um funcionário e a sua instituição. Nomeadamente, nos acórdãos mencionados no número anterior, o juiz da União deduziu a existência de culpa da administração da mera constatação de que tinha sido cometida uma ilegalidade, sem atender a uma violação «suficientemente caracterizada» nem verificar se a regra violada podia ser analisada como regra que tem por objecto conferir direitos aos particulares. O Tribunal de Primeira Instância confirmou na Secção dos Recursos através do despacho Marcuccio/Comissão, já referido (n.os 11, 12 e 13), proferido posteriormente aos acórdãos Franchet e Byk/Comissão e Nardone/Comissão, já referidos, que um funcionário, pela relação de trabalho que tem com a União, não pode ser tratado como um particular e que os requisitos de existência de responsabilidade, nos termos do artigo 236.° CE são diferentes dos do artigo 288.° CE. Se a tese da Comissão fosse acolhida, as acções fundadas em responsabilidade interpostas pelos funcionários contra a administração estariam, em princípio, sujeitas a um regime de culpa grave ou qualificada, ainda que a exigência de culpa grave só faça sentido nos domínios em que a administração dispõe de uma ampla margem de apreciação.

123    Há que recordar que, num acórdão de 16 de Dezembro de 2010, Comissão/Petrilli (T‑143/09 P, n.° 46), proferido após a segunda audiência do presente processo, o juiz da União Europeia infirmou claramente a tese da Comissão e reconsiderou a jurisprudência do acórdão Nardone/Comissão, já referido. Assim, decidiu que, contrariamente ao que tinha sido decidido nesse acórdão, o contencioso em matéria de função pública ao abrigo do artigo 236.° CE e dos artigos 90.° e 91.° do Estatuto, incluindo o que visa a reparação de um dano causado a um funcionário ou a um agente, obedece a regras particulares e especiais em relação às que decorrem dos princípios gerais que regem a responsabilidade extracontratual da União no quadro do artigo 235.° CE e do artigo 288.°, segundo parágrafo, CE (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Junho de 2002, Mellone/Comissão, T‑187/01, n.° 74, e de 14 de Outubro de 2004, Polinsky/Tribunal de Justiça, T‑1/02, n.° 47). Com efeito, resulta nomeadamente do Estatuto que, ao contrário de qualquer outro particular, o funcionário ou o agente da União está ligado à instituição de que depende por uma relação jurídica de trabalho que comporta um equilíbrio de direitos e de obrigações recíprocas específicas, que é reflectido pelo dever de solicitude da instituição relativamente ao interessado (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de Junho de 1994, Klinke/Tribunal de Justiça, C‑298/93 P, n.° 38). Esse equilíbrio destina‑se essencialmente a preservar a relação de confiança que deve existir entre as instituições e os seus funcionários para garantir aos cidadãos o cumprimento das missões de interesse geral atribuídas às instituições (v., neste sentido e por analogia, acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de Março de 2001, Connolly/Comissão, C‑274/99 P, n.os 44 a 47). Daqui resulta que, recai sobre a União, quando esta age enquanto entidade empregadora, uma responsabilidade acrescida, que se manifesta pela obrigação de reparar os danos causados ao seu pessoal por qualquer ilegalidade cometida na sua qualidade de entidade patronal.

124    De qualquer forma, mesmo admitindo que a interpretação do primeiro requisito de existência de responsabilidade que a Comissão defende é correcta, deve concluir‑se que a regra eventualmente violada no presente litígio, a saber, a obrigação de a Comissão assegurar a segurança do seu pessoal, é uma regra que tem por objecto conferir direitos aos particulares, na acepção da jurisprudência desenvolvida em aplicação do artigo 288.° CE (v., por analogia, a propósito da obrigação, decorrente do dever de solicitude, de assegurar um ambiente de trabalho saudável, acórdão Nardone/Comissão, já referido). A questão de saber se a eventual violação dessa regra é ou não suficientemente caracterizada será examinada mais adiante.

125    Resulta do exposto que, para determinar se a Comissão cometeu um erro e se este é susceptível de a fazer incorrer em responsabilidade, deve examinar‑se previamente qual era a margem de apreciação de que a Comissão dispunha no presente caso para assegurar a protecção do funcionário falecido e da sua família.

 Quanto à extensão da margem de apreciação de que dispõe a Comissão para assegurar a segurança dos seus funcionários colocados numa delegação de um país terceiro

126    Relativamente à segurança das condições de trabalho do seu pessoal, não pode ser contestado que a Comissão tinha, como qualquer entidade patronal pública ou privada, obrigação de agir. Com efeito, esse pessoal pode invocar um direito a condições de trabalho que respeitem a sua saúde, segurança e dignidade, como aliás recorda o artigo 31.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Por esta única razão, a tese de que a Comissão dispunha nesse domínio de um amplo poder de apreciação, fórmula utilizada nos domínios em que a administração pode livremente determinar as suas modalidades de acção sem ter de assegurar a garantia de um direito, está excluída. Além disso, resulta tanto dos textos gerais aplicáveis na matéria como da jurisprudência que a obrigação da Comissão assegurar, na qualidade de entidade patronal, a segurança do seu pessoal se impõe com especial rigor e que a margem de apreciação da administração na matéria, apesar de existir, é reduzida.

127    Por um lado, no que diz respeito, em primeiro lugar, aos textos gerais pertinentes na matéria, o artigo 1.°‑E, n.° 2, do Estatuto dispõe que serão concedidas aos funcionários em actividade condições de trabalho que obedeçam às normas de saúde e de segurança adequadas, pelo menos equivalentes aos requisitos mínimos aplicáveis por força de medidas aprovadas nestes domínios por força dos Tratados (v., ao abrigo desse artigo, acórdão do Tribunal da Função Pública de 30 de Abril de 2009, Aayhan e o./Parlamento, F‑65/07, n.° 116). Ora, resulta de várias directivas europeias, em particular da Directiva 89/391 que a entidade patronal tem de assegurar a segurança e a saúde do seu pessoal em todos os aspectos ligados ao trabalho. O conteúdo da obrigação de assegurar aos trabalhadores um ambiente de trabalho seguro é especificado nos artigos 6.° a 12.° da Directiva 89/391 e em várias directivas especiais que prevêem as medidas de prevenção que devem ser adoptadas em determinados sectores específicos. A Comissão, na sua missão de guardiã dos tratados está, aliás, vinculada a uma interpretação estrita das obrigações assim fixadas às entidades patronais (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Junho de 2007, Comissão/Reino Unido, C‑127/05). Além disso, o facto de a Comissão ter adoptado a Decisão de 26 de Abril de 2006 confirma que esta instituição retirou as consequências necessárias do artigo 1.°‑E, n.° 2, do Estatuto, com base nas normas aplicáveis nos Estados‑Membros por força da Directiva 89/391.

128    Além disso, como acertadamente alegou o recorrente, a obrigação de protecção do seu pessoal é, para a Comissão, um princípio subjacente ao artigo 24.° do Estatuto e tem um alcance específico para os funcionários em serviço nos países terceiros, onde, por força do artigo 5.°, n.° 1, do anexo X do Estatuto, têm de residir num alojamento posto à sua disposição pela instituição. O artigo 5.°, n.° 2, do anexo X do Estatuto prevê a este respeito que a AIPN determine as dotações em mobiliário e outros equipamentos dos alojamentos em função das condições existentes em cada lugar de afectação. Esses alojamentos foram, assim, objecto de um enquadramento regulamentar específico e não podem, nomeadamente nos lugares de afectação onde existe um especial risco para a segurança dos funcionários, ser subtraídos à responsabilidade da administração. Além disso, a obrigação de protecção estende‑se aos membros da família do funcionário que com ele residem no país terceiro em causa, como atesta o facto de os cônjuges deverem também participar em determinadas sessões de informação sobre questões de segurança no âmbito dos ciclos de «pré‑posting».

129    Por outro lado, quando declarou que uma instituição incorria em responsabilidade devido a incumprimento da obrigação de assegurar a segurança do seu pessoal, o Tribunal de Justiça da União Europeia não considerou que a administração dispunha na matéria de um amplo poder de apreciação nem que o incumprimento declarado devia apresentar um carácter especial de gravidade. Assim, uma instituição foi condenada a reparar as consequências de um acidente ocorrido numa colónia de férias que acolhia os filhos dos seus funcionários, por não ter previsto as garantias contratuais adequadas e informado os interessados (acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Outubro de 1982, Berti/Comissão, 131/81, n.os 23 e 24), ou a indemnizar um funcionário acidentado que viajava em missão num veículo de serviço mal conservado, conduzido por outro funcionário da instituição (acórdão Leussink/Comissão, já referido, n.os15 a 17). O Tribunal de Justiça considerou mesmo que essa obrigação de segurança valia igualmente em relação a um trabalhador da construção, que não era nem funcionário nem agente da instituição, vítima de uma queda de um imóvel da instituição para a qual actuava (acórdão do Tribunal de Justiça de 27 de Março de 1990, Grifoni/CEEA, C‑308/87, n.os 13 e 14).

130    Todavia, por mais extensa que seja, essa obrigação de assegurar a segurança do seu pessoal não pode chegar ao ponto de fazer incidir sobre a instituição em causa uma obrigação absoluta de resultado. Nomeadamente, não podem ser esquecidas as restrições de ordem orçamental, administrativa ou técnica com que a administração está confrontada, que por vezes tornam difícil ou mesmo impossível a implementação a curto prazo de medidas que, todavia, são urgentes e necessárias, apesar das diligências efectuadas pelas autoridades competentes. Além disso, essa obrigação de segurança torna‑se delicada quando o funcionário em causa, ao contrário de um trabalhador que ocupa um posto fixo num determinado local, é chamado, como foi o filho do recorrente, a exercer as suas funções num país terceiro e a assumir uma função, comparável a uma função diplomática, exposta a riscos variáveis e menos facilmente identificáveis e controláveis.

131    A este respeito, por um lado, o Tribunal salientar que o alojamento desse funcionário, mesmo que lhe tenha sido disponibilizado devido às suas funções e tenha sido objecto de medidas de protecção específicas em certas delegações de países terceiros, não pode ser completamente comparado a um posto de trabalho ou a um lugar de trabalho, na acepção da Directiva 89/391. Aliás, os alojamentos do pessoal das delegações dos países terceiros não correspondem à definição de «lugares de trabalho» nem à de «sítios da Comissão», tais como são enunciados, de maneira restrita, pela Decisão de 26 de Abril de 2006. Além disso, a Directiva 89/391 estabelece, no seu artigo 5.°, n.° 4, que os Estados‑Membros têm a faculdade de prever a exclusão ou a diminuição da responsabilidade das entidades patronais relativamente a factos que se devem a circunstâncias que lhes são estranhas, anormais e imprevisíveis ou a acontecimentos excepcionais, cujas consequências não poderiam ter sido evitadas, apesar de todas as diligências empreendidas. Esta limitação da responsabilidade, prevista pela Directiva 89/391 para as entidades patronais nos Estados‑Membros, pode assim ser admitida para as instituições da União na sua qualidade de entidades patronais, no âmbito do artigo 1.°‑E, n.° 2, do Estatuto.

132    À luz das considerações anteriores e tendo devidamente em conta as especificidades das condições de vida e de trabalho de um funcionário afectado numa delegação de um país terceiro, o Tribunal considera, à luz das principais regras contidas na Directiva 89/391, que a obrigação de segurança a cargo da Comissão em tal contexto implica, antes de mais, que a instituição avalie os riscos a que o seu pessoal está exposto e inscreve‑se numa atitude preventiva integrada a todos os níveis do serviço, em seguida, que informe o pessoal em causa dos riscos que puderam ser identificados e assegure que receberam as instruções apropriadas relativas aos riscos para a sua segurança, por fim, que adopte as medidas de protecção adaptadas e ponha em prática a organização e os meios que julgue necessários.

133    No presente caso, o recorrente concentra a sua crítica no terceiro ponto, relativo às medidas de protecção que a Comissão não pôs em prática. Não invoca nenhum incumprimento da Comissão às suas obrigações de avaliação preventiva do risco e de informação do seu filho.

134    No entanto, o Tribunal considera necessário observar, antes de examinar a natureza das medidas que incumbia à Comissão implementar, que a instituição não violou de modo nenhum a sua obrigação de avaliar preventivamente os riscos a que estariam expostos os seus funcionários afectados na delegação de Rabat.

135    Com efeito, por um lado, a Comissão fez, em relação ao seu pessoal afectado em Rabat à data dos factos controvertidos, uma avaliação preventiva dos riscos a que este estava exposto. Resulta das instruções de segurança que são dadas aos funcionários antes da sua entrada em funções na delegação, no âmbito do programa dito de «pré‑posting», que os riscos tomados em consideração pela Comissão para Marrocos eram aqueles a que estão expostas as pessoas cujo nível de vida é relativamente elevado durante a sua estadia, a saber, os riscos de agressão em certos lugares ou a certas horas, de furto ou de assalto. Por outro lado, em Janeiro de 2006, vários meses antes do duplo homicídio, o nível de risco relativo à delegação de Rabat e aos alojamentos do pessoal tinha sido elevado para o nível do «grupo III», o nível de risco mais elevado para as delegações nos países terceiros, o que, nomeadamente, implicava a vigilância permanente dos alojamentos do pessoal expatriado por parte de uma sociedade especializada. Apesar de Marrocos não estar referenciado, antes de 2006, como um país em que os riscos de atentado contra os membros do corpo diplomático eram particularmente elevados, não tendo sido anteriormente reportada nenhuma agressão contra aqueles (com excepção daquela de que foram vítimas os diplomatas envolvidos no atentado contra o Rei em Skhirat em 1971), a Comissão considerou que uma ameaça terrorista que visava mais directamente a União Europeia podia existir em vários países, entre os quais Marrocos, o que justificou a passagem da delegação de Rabat do grupo II para o grupo III de nível de risco. Além disso, numa nota aos chefes de delegação de 6 de Fevereiro de 2006, o director da Direcção «Serviço Externo» da DG «Relações Externas» recordou, nesse contexto, várias recomendações, nomeadamente a sensibilização do pessoal de vigilância para uma «melhor vigilância e atenção aos escritórios, [r]esidências e alojamentos» e para a importância de «fazer respeitar escrupulosamente as instruções e procedimentos contratualizados».

136    Por conseguinte, a Comissão não subestimou os riscos que corriam os seus funcionários afectados na delegação de Rabat.

 Quanto à existência de um erro na implementação de medidas de protecção adaptadas

137    No que diz respeito às medidas de protecção adoptadas no presente caso, o Tribunal chegou à conclusão, com base nas informações obtidas na sequência de medidas de instrução, de que a Comissão não cumpriu as suas obrigações.

138    Em primeira análise, podia considerar‑se, atendendo unicamente às informações de que dispunha o Tribunal antes da primeira audiência, que as medidas de protecção do alojamento ocupado pelo funcionário falecido e pela sua família eram apropriadas. Com efeito, este alojamento situava‑se num quarteirão calmo e residencial, habitado por altos funcionários do Estado marroquino, bem como por expatriados e diplomatas. Não estava isolado, encontrando‑se num loteamento, cercado por um muro com uma altura de dois metros. A entrada do loteamento era, em princípio, vigiada por um guarda posicionado numa guarita situada em frente à casa ocupada pelo funcionário falecido e pela sua família, a cerca de dez metros da sua entrada principal. A casa beneficiava, assim, de uma das medidas de protecção consideradas como «complementares» pelo autor da resposta escrita de 6 de Agosto de 2007. Além disso, a casa parecia estar dotada de dispositivos capazes de prevenir os riscos de intrusão normalmente previsíveis: todas as portas de acesso estavam equipadas com fechaduras do tipo «Yale», que tinham sido mudadas no local pelos serviços da delegação antes da chegada do funcionário falecido e todas as saídas (com excepção da porta de entrada principal e da porta do terraço situada no primeiro andar) estavam protegidas por barras de ferro.

139    Todavia, na audiência de 15 de Dezembro de 2009, o Tribunal tomou conhecimento, pela primeira vez, de certas informações relativas às medidas de segurança aplicáveis ao pessoal das delegações dos países terceiros, nomeadamente, que Marrocos era, em 2006, considerado um país de risco elevado para o pessoal da delegação.

140    Para determinar a natureza e o alcance dessas medidas, e assim poder responder aos argumentos do recorrente, que defendia que a Comissão não tinha tomado, para o alojamento provisório onde foram cometidos os homicídios, as medidas de protecção que ela própria tinha considerado necessárias para os alojamentos postos à disposição do seu pessoal afectado em Rabat, o Tribunal proferiu três despachos, por meio dos quais ordenou à Comissão a apresentação dos documentos pertinentes para efeitos dessa análise.

141    Há que referir que, antes de ordenar essas medidas de instrução, o Tribunal tinha considerado que o recorrente tinha alegado, com suficiente precisão e verosimilhança, que as medidas de protecção deviam ser respeitadas nos alojamentos postos à disposição do pessoal das delegações, nomeadamente pela sua referência à resposta escrita de 6 de Agosto de 2007. Além disso, os documentos que o Tribunal pretendia que lhe fossem comunicados eram susceptíveis de constituir não os elementos de prova mas os elementos do quadro jurídico do litígio. Ora, o Tribunal não se pode pronunciar sobre se as obrigações de segurança da Comissão foram ou não respeitadas sem ter conhecimento da natureza e do alcance destas, os quais resultam do quadro jurídico aplicável ao litígio.

142    Entre os documentos comunicados pela Comissão, o Tribunal considerou que os excertos do documento de 2006 sobre as normas e critérios de segurança deviam ser especialmente tomados em consideração e, para respeitar o carácter confidencial desse documento classificado como «Reservado à UE», elaborou um resumo desses excertos.

143    No entanto, a Comissão opôs-se a que os excertos propriamente ditos possam ser incluídos nos autos e a que o recorrente lhes possa aceder. Por seu lado, o recorrente defendeu que essa atitude de obstrução por parte da Comissão lhe parecia injustificada e atentatória do seu direito a uma protecção jurisdicional efectiva. Alegou que o resumo elaborado pelo Tribunal só abrangia o objecto dos excertos do documento de 2006 sobre as normas e critérios de segurança e não o conteúdo efectivo desses excertos, sendo assim insuficiente para garantir a igualdade das armas no processo. Assim, pediu para aceder aos excertos do documento de 2006 sobre as normas e critérios de segurança ou, senão, que o Tribunal os possa tomar em consideração na sua análise do processo, em derrogação do artigo 44.°, n.° 1, do seu Regulamento de Processo.

144    Por conseguinte, há que decidir sobre o pedido de acesso a esse documento apresentado pelo recorrente e, no caso de esse pedido ser julgado improcedente, ponderar segundo que modalidades esse documento pode ser utilizado pelo Tribunal.

¾       Quanto ao pedido do recorrente para aceder aos excertos do documento de 2006 sobre as normas e os critérios de segurança

145    Em primeiro lugar, há que observar que o documento de 2006 sobre as normas e critérios de segurança é classificado como «Reservado à UE» e que, em princípio, um documento classificado só é acessível a pessoas especialmente habilitadas, como prevê expressamente a Decisão 2001/844. Assim, o recorrente só pode aceder a esse documento se estiver habilitado para o efeito, o que, não tendo o recorrente nenhuma relação profissional com as instituições, é improvável. Também pode aceder se o referido documento estiver formalmente desclassificado. Ora, interrogada sobre esse ponto pelo Tribunal, a Comissão excluiu desde logo a possibilidade de ser tomada uma decisão de desclassificação.

146    Se o Tribunal decidir, sem qualquer procedimento de habilitação ou de desclassificação, comunicar ao recorrente os excertos do documento de 2006 sobre as normas e critérios de segurança, viola as regras de tratamento impostas em relação a tal documento. Essa decisão mina igualmente a confiança e a lealdade que devem presidir às relações entre o Tribunal e a Administração da União, porque a instituição comunicou esses excertos ao Tribunal apenas para que este pudesse verificar o seu carácter confidencial. Só considerações imperiosas, designadamente relativas à protecção dos direitos fundamentais, podem justificar que, a título excepcional, o Tribunal, sem o acordo da administração, inclua nos autos e comunique a todas as partes um documento classificado. Ora, no caso vertente não existem tais circunstâncias.

147    Em seguida, contrariamente ao que sustenta o recorrente, a invocação, por parte da Comissão, do carácter confidencial do documento de 2006 sobre as normas e critérios de segurança não tem nada de abusivo ou de desproporcionado. A protecção dessa confidencialidade impõe‑se, com efeito, para garantir a segurança do pessoal das delegações nos países terceiros e, a fortiori, daquele que está afectado nas delegações com nível de risco do grupo III, no qual o risco terrorista é considerado especialmente elevado, o que é, desde 2006, o caso de Marrocos.

148    Apesar de ser verdade que a tomada de conhecimento dos excertos do documento unicamente pelo advogado do recorrente, nas instalações do Tribunal, pode ser uma medida menos restritiva do que a recusa de acesso, justificada pelas garantias que envolvem o exercício da profissão de advogado, nomeadamente disciplinares, tal medida apresenta ainda um risco de difusão de dados, que pode pôr em perigo a segurança do pessoal das delegações, mesmo quando a probidade do advogado não está de modo nenhum em causa.

149    Por último e sobretudo, o Tribunal considera que no caso concreto, o direito do recorrente a uma protecção jurisdicional efectiva e ao respeito da igualdade das armas não exige que este ou o seu advogado tenham conhecimento do conteúdo efectivo dos excertos do documento de 2006 sobre as normas e critérios de segurança. Com efeito, o Tribunal tem a possibilidade de utilizar os excertos desse documento segundo modalidades que respeitem tanto os direitos do recorrente como o carácter confidencial dessa peça.

¾       Quanto à utilização, por parte do Tribunal, do documento de 2006 sobre as normas e critérios de segurança

150    Como resulta da parte do presente acórdão dedicada à tramitação processual, o Tribunal considerou que os excertos do documento de 2006 sobre as normas e critérios de segurança que lhe foram comunicados eram pertinentes para solucionar o litígio. Esses excertos especificam, com efeito, as medidas de segurança previstas pela Comissão para os alojamentos do pessoal das delegações cujo nível de risco era do grupo III, entre as quais se encontra Marrocos, desde Janeiro de 2006. Para conciliar a preservação do carácter confidencial desse documento, o princípio do carácter contraditório da tramitação processual e o direito do recorrente a uma protecção jurisdicional efectiva, o Tribunal, em conformidade com a proposta da Comissão, elaborou um resumo dos excertos em causa (v., por analogia, despacho, AM & S Europe/Comissão, já referido).

151    O recorrente sustenta com razão que este resumo reflecte apenas o objecto dos excertos pertinentes do documento de 2006 sobre as normas e critérios de segurança e, uma vez que não dá nenhuma indicação sobre o conteúdo efectivo das medidas de segurança precisamente mencionadas nesses excertos, não lhe permite invocar os seus direitos a uma protecção jurisdicional efectiva. Esse resumo não pode, por si só, garantir o respeito do equilíbrio entre os interesses contraditórios mencionados no número anterior nem a igualdade das armas entre as partes (v., por analogia, para um processo em que a comunicação ao Tribunal e ao recorrente de um documento confidencial, sob a forma de um resumo, é considerada insuficiente para garantir os direitos de defesa, acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 30 de Setembro de 2010, Kadi/Comissão, T‑85/09, n.° 174, objecto de recursos no Tribunal de Justiça, processos C‑584/10 P, C‑593/10 P e C‑595/10 P).

152    Neste contexto, compete ao Tribunal encontrar o justo equilíbrio entre os interesses a ponderar, verificando, nomeadamente, se é possível derrogar, no presente caso, o artigo 44.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, por força do qual o Tribunal só toma em consideração os documentos e peças de que os representantes das partes puderam tomar conhecimento e sobre os quais se puderam pronunciar.

153    Conforme decidiu o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, o direito a um processo plenamente contraditório pode ser restringido na medida estritamente necessária à salvaguarda de um interesse público importante, como a segurança nacional, a necessidade de manter secretos determinados métodos policiais de investigação de infracções ou a protecção de direitos fundamentais de terceiros. Todavia, para garantir um processo equitativo ao acusado, todas as dificuldades causadas pela limitação dos direitos do interessado devem ser suficientemente compensadas pela tramitação processual seguida perante as autoridades judiciais (v., neste sentido, Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, acórdão A. e outros c. Reino Unido, já referido, nomeadamente n.os 205 a 208, e jurisprudência referida).

154    É certo que essa jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem é aplicável em matéria penal, como recordou acertadamente a Comissão, e não é transponível para o presente processo, que não trata dessa matéria e que, além disso, não suscita o problema dos direitos de defesa do recorrente mas o seu direito a um recurso efectivo. Todavia, dá indicações em que o juiz da União se pode inspirar para conduzir o processo com que se depara (v., neste sentido, acórdão Varec, já referido, n.os 46 a 48).

155    Além disso, o Tribunal de Justiça decidiu que o direito a uma protecção jurisdicional efectiva implica que o tribunal possa, para resolver o litígio que lhe é submetido, dispor das informações requeridas, incluindo as informações confidenciais, a fim de se pronunciar com total conhecimento de causa (v., neste sentido, acórdão Varec, já referido, n.os 53 e 55).

156    Resulta do exposto que a protecção do carácter confidencial dos excertos do documento de 2006 sobre as normas e critérios de segurança implica, no presente litígio, que o recorrente não tenha tido acesso a esse documento a não ser sob a forma de um resumo sumário e, por isso, que o processo não seja plenamente contraditório. Não obstante, o direito do recorrente a uma protecção jurisdicional efectiva só pode ser garantido, nesta situação, se o próprio Tribunal, derrogando o artigo 44.°, n.° 1, do seu Regulamento de Processo, se basear nos excertos pertinentes desse documento, para estar em condições de se pronunciar com total conhecimento de causa, mesmo que esses excertos só tenham sido comunicados pela Comissão ao Tribunal com o objectivo de verificação, por parte deste, do carácter confidencial do documento.

157    Aliás, sublinhe‑se que a Comissão, que nas suas observações de 26 de Novembro de 2010 sobre o relatório preparatório da segunda audiência, tinha recusado que o Tribunal procedesse desse modo, já não se opôs, nessa segunda audiência, a que o Tribunal tivesse em consideração os excertos pertinentes do documento de 2006 sobre as normas e critérios de segurança, caso entendesse que esse documento regia a situação dos alojamentos provisórios do pessoal das delegações.

¾       Quanto à aplicabilidade do documento de 2006 sobre as normas e critérios de segurança no alojamento provisório posto à disposição do filho do recorrente e da sua família

158    Contrariamente ao que a Comissão afirma, o documento de 2006 sobre as normas e critérios não se refere à situação dos alojamentos que a instituição qualifica como «definitivos».

159    Em primeiro lugar, nenhum dos excertos desse documento a que o Tribunal pôde aceder utiliza essa qualificação. Esses excertos só se referem aos «alojamentos» do pessoal das delegações («staff houses»). Os outros textos ou documentos pertinentes para a análise do processo também não confirmam a existência de uma distinção, em matéria de segurança, entre alojamentos definitivos e provisórios. Assim, o artigo 18.° do anexo X do Estatuto apenas prevê que, na sua chegada ao país terceiro, o funcionário que tem de se instalar num hotel ou num alojamento provisório tem direito, após acordo prévio da autoridade competente, ao reembolso das despesas reais de arrendamento de tal alojamento. O vade‑mécum da DG «Relações Externas» também não comporta nenhuma disposição relativa às medidas de segurança aplicáveis nos alojamentos provisórios e limita‑se a precisar a que requisitos estão subordinados a assunção das despesas de arrendamento de tais alojamentos e o pagamento das ajudas de custo ao funcionário em causa. No n.° 15.3.3 desse vade‑mécum, intitulado «Limites», é somente indicado que os aspectos orçamentais e de segurança são tidos em conta na escolha dos alojamentos provisórios e que os períodos de alojamento provisório devem ser limitados o mais possível. Assim, é considerado apropriado que, no final de uma afectação, a duração do alojamento provisório não ultrapasse uma semana. Tendo em conta a introdução desse número num capítulo do vade‑mécum dedicado aos aspectos orçamentais e administrativos da instalação num alojamento provisório, nenhuma conclusão pode ser tirada dessa indicação sobre a natureza das medidas de segurança aplicáveis a esse alojamento.

160    Em seguida, o documento de 2006 sobre as normas e critérios de segurança inclui, na página 142, a seguinte frase, que figurava entre os excertos do documento transmitido ao Tribunal, e que estava reproduzida no resumo do documento de que o advogado do recorrente tomou conhecimento: «as recomendações mencionadas no referido documento são as exigências mínimas de segurança que devem ser cumpridas em todas as circunstâncias; nenhuma excepção ou solução alternativa deve ser prevista sem consentimento prévio da DG ‘Pessoal e administração’ ― Direcção ‘Segurança’». Se a precisão de que essas exigências mínimas de segurança devem ser cumpridas «em todas as circunstâncias» só visasse os alojamentos «definitivos», perdia a sua razão se ser. Os autores do documento de 2006 sobre as normas e critérios de segurança tinham conhecimento da utilização ocasional de alojamentos provisórios nas delegações e teriam provavelmente visado a situação especial destes alojamentos se tivessem entendido exclui‑los do campo de aplicação do referido documento.

161    Por último, embora seja verdade, como afirmou a Comissão na segunda audiência, que os alojamentos provisórios não podem, pela sua própria natureza, dispor em todos os casos dos mesmos dispositivos de protecção dos alojamentos permanentes ou «definitivos», essa circunstância não justifica que o documento de 2006 sobre as normas e critérios de segurança não lhes seja aplicável. Com efeito, ao prever a possibilidade de derrogações a essas medidas com acordo prévio do serviço competente, esse documento permite a adaptação das medidas de segurança às características dos alojamentos em causa e que, assim, seja tido em conta o seu carácter provisório.

162    Nestas condições, deve considerar‑se que o documento de 2006 sobre as normas e critérios de segurança é bastante pertinente para apreciar se o alojamento provisório que ocuparam o filho do recorrente e a sua família foi objecto das medidas de segurança apropriadas, sendo aplicáveis as medidas mencionadas nesse documento para os alojamentos do pessoal das delegações do grupo III de nível de risco «em todas as circunstâncias».

163    Subsidiariamente, mesmo que seja admitido que esse documento não era aplicável ao alojamento em causa, devia ser tida em conta a existência de tais prescrições a respeito dos alojamentos definitivos para apreciar se a Comissão, em relação a um alojamento provisório, efectuou as diligências necessárias. Essa análise subsidiária será desenvolvida adiante.

¾       Quanto ao alcance jurídico do documento de 2006 sobre as normas e critérios de segurança

164    Como afirmou com razão o recorrente na segunda audiência, esse documento constitui uma orientação interna por meio da qual a Comissão restringiu a margem de apreciação de que dispõe na implementação das medidas de protecção do seu pessoal, e que lhe é oponível enquanto não a alterar.

165    Por um lado, as medidas mencionadas nesse documento, em função da sua finalidade, da sua redacção, do seu grau de precisão, das suas condições de aplicação e das inspecções de que podem ser objecto, aparecem como medidas vinculativas e não constituem simples recomendações desprovidas de alcance jurídico obrigatório, sob pena de privar de efectividade a obrigação de segurança a cargo da Comissão. Por conseguinte, esta afirmou de maneira inexacta, até à primeira audiência, que nenhum texto de nenhuma natureza estabelecia as medidas de segurança previstas para os alojamentos do pessoal da delegação de Marrocos e que só existia uma recomendação geral de protecção das residências e dos alojamentos de serviço à atenção do chefe da delegação, inscrita no vade‑mécum da DG «Relações Externas».

166    Por outro lado, resulta claramente dos autos que os serviços da delegação de Marrocos se consideravam obrigados, em 2006, a implementar essas medidas, ainda com mais celeridade por a delegação ter passado, em Janeiro de 2006, do grupo II de nível de risco para o grupo III, o mais elevado na escala dos riscos. Aliás, os serviços da delegação de Rabat tinham sido objecto, pelos serviços competentes da DG «Relações Externas», de uma inspecção em Novembro de 2005 que tinha por objecto a «conformidade da Delegação às ‘Normas e Critérios’», normas e critérios que são precisamente os que estão contidos no documento de 2006 sobre as normas e critérios de segurança. Resulta igualmente de uma nota de 6 de Junho de 2006 do chefe da delegação e do relatório de missão anexo a essa nota, redigido pelo responsável regional de segurança a seguir à sua inspecção de 10 a 13 de Maio de 2006 em Rabat, que «a obrigação de cada funcionário e agente contratual dispor […] de um serviço de vigilância 24 sobre 24 horas e 7 dias por semana» devia ser plenamente respeitada, que eram necessárias obras para colocar em segurança os alojamentos e que foi dado um especial ênfase à instalação, vivamente aconselhada, de barras nas janelas de um dos alojamentos, assim como à obrigação de equipar «os alojamentos» com um sistema de alarme e com um botão antipânico.

167    Mesmo admitindo que tais medidas de segurança têm um alcance análogo ao das orientações internas que, segundo a jurisprudência, são qualificadas como regras de conduta «indicativas» que a administração impõe a si própria, a Comissão nunca alegou que as considerações de interesse geral ou as razões relativas ao interesse do serviço tinham justificado a não aplicação dessas medidas no presente caso. A Comissão afirmou apenas, erradamente, que as medidas enunciadas no documento de 2006 sobre as normas e critérios de segurança não eram aplicáveis aos alojamentos provisórios.

168    Resulta do exposto que, para apreciar se a Comissão cometeu um erro no respeito dessas obrigações de segurança, o Tribunal deve tomar em consideração as medidas que a própria Comissão considerava apropriadas face ao nível de risco que existia no ano de 2006 em Marrocos, como resulta do documento de 2006 sobre as normas e critérios de segurança.

¾       Quanto à existência de um erro da Comissão

169    Resulta das peças dos documentos dos autos, nomeadamente do resumo e dos excertos do documento de 2006 sobre as normas e critérios de segurança, que a Comissão tinha fixado as exigências mínimas de segurança para os alojamentos do seu pessoal afectado na delegação de Rabat, que comportavam a implementação de dispositivos de protecção, correspondentes ao nível de risco avaliado para Marrocos e aplicáveis em todas as circunstâncias, nomeadamente a instalação de um alarme anti‑intrusão, de botões antipânico, de gradeamentos de protecção que apresentem características específicas e uma vigilância permanente por parte de uma sociedade especializada.

170    Como foi referido, essas medidas eram aplicáveis a todos os alojamentos postos à disposição do pessoal da delegação, a menos que tenham sido previamente concedidas derrogações pelo serviço competente. As referidas medidas tinham por objectivo prevenir um risco de ataque terrorista, na altura considerado sério, que justificou a classificação da delegação no grupo III do nível de risco. Além disso, o chefe da delegação pediu à DG «Relações Externas» a realização de uma inspecção. Esta, conduzida entre 10 e 13 de Maio de 2006, permitiu demonstrar certas insuficiências na protecção dos alojamentos postos à disposição do pessoal da delegação.

171    Ora, apesar de a administração da Comissão estar plenamente consciente dos riscos especialmente elevados a que estava exposto o seu pessoal, nenhuma das medidas previstas para a protecção dos alojamentos nas delegações do grupo III de nível de risco tinha sido posta em prática no alojamento ocupado pelo filho do recorrente e pela sua família.

172    O referido alojamento não estava equipado nem com o sistema de alarme anti‑intrusão, nem com botões antipânico. As barras através das quais o assassino passou não respeitavam as orientações do documento de 2006 sobre as normas e critérios de segurança, orientações que o Tribunal pôde conhecer através de um dos excertos do documento comunicado pela Comissão e que, se tivessem sido respeitadas, tinham tornado as barras intransponíveis mesmo para um agressor pouco corpulento. Por conseguinte, tal como o recorrente alegou, essas barras eram inadequadas para cumprirem a sua função. Por último, a vigilância da casa não era assegurada por uma sociedade especializada, encarregue da protecção específica desse bem, 24 sobre 24 horas, 7 dias por semana. Como especificou a Comissão na segunda audiência, o guarda cuja guarita se encontrava próxima da entrada da casa estava encarregado da vigilância de um grupo de casas situadas no mesmo loteamento e não tinha de vigiar especialmente a casa que o filho do recorrente ocupava. Aliás, o contrato de arrendamento da casa não faz menção às condições de vigilância daquele. É também de referir que, na noite do homicídio, apesar de o guarda estar presente no momento da intrusão do criminoso, aparentemente não fez nenhuma vigilância em horas mais avançadas: o assassino pôde carregar, na viatura das vítimas estacionada na entrada, os objectos roubados na casa (um equipamento de golfe, pinturas e bibelôs, uma televisão, etc.) e ir embora ao volante desse veículo sem ser incomodado por ninguém. Além disso, o Tribunal nota que determinadas medidas previstas para os alojamentos das delegações do grupo II do nível de risco não estavam implementadas no alojamento (sistema de alarme anti‑intrusão e botões antipânico).

173    É certo que o Tribunal não pode, para declarar um incumprimento por parte da Comissão às suas obrigações em matéria de segurança, limitar‑se a afirmar que as medidas de protecção estabelecidas pelo documento de 2006 sobre as normas e critérios de segurança não foram respeitadas. É evidente que, em circunstâncias especiais, nomeadamente por razões de urgência, a ocupação de um alojamento provisório, que não implica os mesmos dispositivos de segurança de um alojamento definitivo, pode ser temporariamente equacionada.

174    Todavia, mesmo nessa situação, a administração não pode abster‑se de implementar medidas mínimas, que permitam fazer face aos principais riscos para a segurança dos ocupantes do alojamento provisório ou de limitar a probabilidade, em condições orçamentais e administrativas aceitáveis. Sobretudo quando as circunstâncias especiais foram dadas a conhecer à Comissão.

175    Ora, no presente caso, o nível de risco elevado apresentado por Marrocos, devido a ameaças terroristas susceptíveis de visar um funcionário da União, a inspecção efectuada em Maio de 2006, que sublinhou as insuficiências na protecção dos alojamentos postos à disposição do pessoal da delegação, e a presença de quatro crianças no lar do funcionário em causa, constituíam elementos que justificavam precauções especiais, mesmo que provisórias, antes de o funcionário se instalar no alojamento em causa. Deve igualmente ser notado que a Comissão nunca afirmou que as medidas de protecção existentes no alojamento posto à disposição do funcionário falecido tinham sido objecto de uma derrogação pelo serviço competente, por força do documento de 2006 sobre as normas e critérios de segurança. A Comissão também não alegou que os trabalhos suplementares para tornar segura a casa em questão, como a alteração das barras da janela por onde o assassino entrou no alojamento ou a instalação de um sistema de alarme ou de botões antipânico, ou ainda a extensão provisória do contrato de vigilância assegurado por uma sociedade especializada, apresentavam dificuldades de ordem orçamental ou administrativa. Aliás, Comissão sabia desde 6 de Abril de 2006, data em que o filho do recorrente aceitou a afectação em Marrocos, que seria necessário alojá‑lo e à sua família em Rabat. Por último, a circunstância de o filho do recorrente e da sua família quererem deixar o hotel onde estiveram temporariamente instalados, em condições desconfortáveis para uma família com quatro filhos, não podia exonerar a administração da obrigação de implementar os dispositivos de protecção correspondentes ao nível de risco da delegação, através da implementação de todas as medidas previstas pelo documento de 2006 sobre as normas e critérios de segurança ou, pelo menos, daquela ou daquelas que podiam ser implementadas pela instituição sem grande dificuldade como, por exemplo, a colocação de novas barras e a instalação de botões antipânico.

176    Resulta do exposto que o recorrente tem razão quando afirma que a Comissão cometeu um erro que a faz incorrer em responsabilidade.

177    Admitindo que isso seja necessário, o Tribunal considera que esse incumprimento, por parte da Comissão, da obrigação de assegurar a protecção do seu funcionário e da sua família enviados para um país terceiro constitui, pelos motivos expostos nos n.os 171 a 175 do presente acórdão, uma violação suficientemente caracterizada de uma regra que tem por objectivo conferir direitos ao filho do recorrente e à sua família, susceptível fazer a Comissão incorrer em responsabilidade.

 Quanto ao nexo de causalidade e à existência de uma causa que exonere a responsabilidade (culpa das vítimas e acto de terceiro)

178    Na segunda audiência, o recorrente e a Comissão apresentaram duas concepções sobre o carácter certo e directo do nexo de causalidade exigido entre a falta cometida pela instituição e os prejuízos invocados. No entender do recorrente, quando a falta consiste no incumprimento, por parte de uma instituição, do seu dever de agir, essa omissão é uma causa directa e certa dos prejuízos caso se demonstre que, se a instituição tivesse adoptado as medidas exigidas, o dano não se tinha «provavelmente produzido». Esta análise resultava, no entender do recorrente, do acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Dezembro de 2006, Abad Pérez e o./Conselho e Comissão, T‑304/01). No mesmo sentido, o Tribunal de Primeira Instância decidiu, que uma ilegalidade é causa certa e directa do prejuízo caso for demonstrado que o respeito da legalidade permitiu ao recorrente, de maneira «eminentemente provável», obter satisfação (acórdão de 5 de Outubro de 2004, Sanders e o./Comissão, já referido, n.° 150). A Comissão alegou, em contrapartida, que deve existir a certeza de que, sem as omissões culposas, o dano não se teria produzido para demonstrar que o nexo de causalidade entre a culpa e o dano apresenta um carácter directo e certo (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Dezembro de 2006, É. R. e o./Conselho e Comissão, T‑138/03, n.° 127).

179    A jurisprudência sobre o nexo de causalidade é das mais subtis e com mais nuances, como confirmam os argumentos das partes. No entanto, é decidido de maneira constante, independentemente das ligeiras diferenças nas fórmulas utilizadas pelo juiz da União, que só uma falta que deu origem ao dano segundo uma relação directa de causa e efeito responsabiliza a instituição. A União só pode ser responsabilizada pelo prejuízo que resulte de maneira suficientemente directa do comportamento irregular da instituição em causa (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 24 de Outubro de 2000, Fresh Marine/Comissão, T‑178/98, n.° 118, e jurisprudência referida; acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 19 de Março de 2010, Gollnisch/Parlamento, T‑42/06, n.° 110, e jurisprudência referida).

180    O recorrente deve demonstrar que, sem a falta cometida, o prejuízo não se teria produzido e que a falta é a causa determinante do seu prejuízo (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 30 de Setembro de 1998, Coldiretti e o./Conselho e Comissão, T‑149/96, n.os 116 e 122). Quando o dano é uma consequência inevitável e imediata da falta cometida, o nexo de causalidade está demonstrado (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 9 de Julho de 1999, New Europe Consulting e Brown/Comissão, T‑231/97, n.os 57 a 60).

181    Além disso, o juiz da União considera que o dano pode não ter origem directa e certa numa só causa mas ter sido provocado por várias causas, que concorrem de maneira determinante para a sua realização (acórdãos do Tribunal de Justiça de 12 de Junho de 1986, Sommerlatte/Comissão, 229/84, n.os 24 a 27, e Grifoni/CEEA, já referido, n.os 17 e 18; acórdão FreshMarine/Comissão, já referido, n.os 135 e 136).

182    No presente caso, o recorrente afirma que, se as medidas de segurança necessárias tivessem sido implementadas, em primeiro lugar, os homicídios não teriam sucedido, em segundo lugar, o alerta poderia ter sido dado, o que permitiria ao seu filho, que não sucumbiu imediatamente aos golpes que lhe foram infligidos, ter possibilidade de sobreviver aos seus ferimentos. Deve examinar‑se, com base nestes dois pontos, a questão de saber se o nexo de causalidade entre a falta e os danos invocados está demonstrado.

183    Em primeiro lugar, no que respeita ao nexo de causalidade entre a falta e o duplo homicídio, o Tribunal considera que o recorrente demonstrou suficientemente que, se a Comissão tivesse cumprido a obrigação de assegurar a protecção do seu funcionário, o duplo homicídio não se teria produzido. Com efeito, se um serviço de vigilância permanente, dedicado exclusivamente à protecção da casa posta à disposição do filho do recorrente, tivesse sido criado e se as barras que correspondem às características determinadas pelos serviços competentes da Comissão tivessem sido instaladas, o assassino teria sido dissuadido ou, pelo menos, fisicamente impedido de penetrar na casa. Assim, a Comissão contribuiu directamente para a realização do dano, ao criar as condições para que se produzisse. Por conseguinte, está demonstrado o carácter directo e certo do nexo de causalidade.

184    É certo que o risco para a segurança do pessoal previsto pela Comissão, que justificou a classificação da delegação de Rabat no grupo III do nível de risco, estava ligado a uma ameaça terrorista e não a uma criminalidade de direito comum, como aquele de que foram vítimas o filho e a nora do recorrente. Todavia, essa circunstância não teve incidência na apreciação do carácter directo e certo do nexo de causalidade exposto no número anterior. Com efeito, é razoável considerar que as medidas destinadas a prevenir que seja cometido um atentado terrorista ou a evitar o homicídio de um funcionário por razões políticas ou o facto de entidades terroristas deviam assegurar uma protecção eficaz, a fortiori, contra a intrusão de um indivíduo no domicílio de um funcionário. A Comissão não pode validamente pretender ser exonerada de toda a responsabilidade por o móbil do criminoso não ser aquele que era inicialmente temido.

185    A Comissão não pode, por outro lado, apresentar argumentos fundados em diversos erros que o seu funcionário teria cometido e que quebravam o nexo de causalidade ou atenuavam a responsabilidade da administração.

186    Por um lado, o facto de o interessado não ter comparecido às sessões de formação sobre a segurança no âmbito do «pré‑posting» constituiu, sem dúvida, uma negligência por parte deste. No entanto, o Tribunal não conseguiu determinar quais foram as causas dessa ausência, que poderia ter sido motivada por razões de serviço. Além disso, não resulta das convocatórias para essas sessões, que se limitam a «convidar para participar» o funcionário falecido, que a participação nestas era uma obrigação de serviço indispensável antes da partida para a delegação. Aliás, o filho do recorrente pôde ser afectado em Marrocos sem ter frequentado essa formação. Além disso, a organização de tais sessões de «pré‑posting» não pode, por si só, liberar a Comissão das obrigações de informar os seus funcionários dos riscos de segurança a que estão expostos na delegação, nomeadamente aqueles que estão afectados nas delegações com nível de risco do grupo III. Quando um funcionário afectado em tal delegação não participa nessas sessões antes da sua partida, compete à administração assegurar que ele recebeu as informações necessárias. Ora, a Comissão não alegou que foram enviados ao filho do recorrente os documentos pertinentes para a sua segurança antes da sua partida para Marrocos.

187    Além disso, resulta dos debates que decorreram na segunda audiência que os funcionários enviados para uma delegação não tinham normalmente acesso ao documento de 2006 sobre as normas e critérios de segurança, esse documento classificado como «Reservado à UE» não lhes era comunicado. Assim, mesmo que tivesse assistido às sessões de «pré‑posting», o filho do recorrente não seria provavelmente capaz de apreciar quais as medidas de segurança específicas que estavam previstas para o alojamento posto à sua disposição em Marrocos. Os argumentos da Comissão, segundo os quais o interessado tinha aceitado as condições de vida e de alojamento existentes em Marrocos e consentido em instalar‑se no alojamento provisório, não podem, por conseguinte, ser acolhidos, uma vez que esse consentimento não foi dado com pleno conhecimento de causa. O Tribunal observa a este respeito que, em 6 de Abril de 2006, a Comissão pediu ao filho do recorrente para confirmar que aceitava a sua afectação em Rabat e que tinha tido conhecimento pleno, nomeadamente, do alojamento posto à sua disposição, apesar de o contrato de arrendamento desse alojamento só ter sido celebrado entre o proprietário e a Comissão em 8 de Agosto de 2006. Além disso, quando o filho do recorrente confirmou, em 24 de Agosto de 2006, que aceitava o alojamento que lhe era proposto, estava claramente indicado no formulário de aceitação que, nessa data, não estava disponível nenhum alojamento arrendado que correspondesse à composição da sua família.

188    Por outro lado, embora seja facto assente que os ocupantes do local deixaram aberta a janela por onde o assassino se introduziu na casa e que a persiana dessa janela estava parcialmente levantada, tal circunstância não pode ser considerada como resultando de um comportamento negligente ou culposo das vítimas. Com efeito, a janela estava atrás das barras que o filho do recorrente, que não tinha conhecimento do documento de 2006 sobre as normas e critérios de segurança, podia razoavelmente pensar que constituíam um obstáculo suficiente para um eventual agressor. Aliás, a própria Comissão alegou, nos seus escritos e na primeira audiência, que essas barras eram capazes de prevenir a intrusão de um indivíduo adulto de corpulência média. Além disso, nesse período do ano estava calor e deixar aberta uma janela protegida por barras, a priori, suficientes, numa habitação não climatizada que acolhe quatro crianças, não pode ser considerado um comportamento negligente.

189    Por conseguinte, a Comissão não demonstrou que o filho do recorrente cometeu, por negligência sua, uma falta susceptível de exonerar a administração da sua responsabilidade, nem que o nexo de causalidade entre a falta cometida e os homicídios tinha sido quebrado.

190    Em segundo lugar, no que respeita ao nexo de causalidade entre a falta e a perda de uma possibilidade de sobreviver para o filho do recorrente, o Tribunal considera que o recorrente demonstrou suficientemente que, caso as medidas de segurança apropriadas tivessem sido postas em prática, o alerta poderia ter sido dado de uma maneira ou de outra após a intrusão do assassino no local do crime, quer pela vigilância de um guarda, quer pelo próprio funcionário ferido ou por um dos seus filhos, através de um botão antipânico. É certo que o agressor não teria permanecido tanto tempo na casa, onde passou cerca de quatro horas, se uma das medidas que permite dar o alerta tivesse sido posta em prática. Por conseguinte, o filho do recorrente, por culpa da Comissão, perdeu uma possibilidade séria de obter socorro e uma possibilidade de sobreviver aos seus ferimentos.

191    Falta determinar a quota‑parte de responsabilidade do assassino na realização dos danos.

192    Relativamente ao duplo homicídio, não se pode afirmar seriamente que devia ser atribuída à Comissão a responsabilidade principal desse dano. Apesar de a Comissão ter criado as condições de realização do dano, ao não pôr em prática as medidas de segurança suficientes para impedir a intrusão do agressor, essa falta não teve como consequência imediata e inevitável o duplo homicídio. Com efeito, as mortes foram causadas por um indivíduo cujo móbil era o roubo e cujo comportamento era imprevisível. A consequência normalmente previsível da falta da Comissão, relativamente a tal indivíduo, era um assalto, eventualmente acompanhado de ameaças físicas contra os ocupantes do local do crime, não actos tão graves como os que foram perpetrados. Esta apreciação não se desvia dos princípios da Directiva 89/391, que prevê, no seu artigo 5.°, n.° 4, que a responsabilidade de uma entidade patronal pode ser atenuada, nomeadamente por factos devidos a circunstâncias que lhes são estranhas, anormais e imprevisíveis.

193    Os actos do agressor não são, todavia, susceptíveis de exonerar totalmente a instituição da sua responsabilidade. Se se considerasse que o nexo de causalidade entre a falta da Comissão e o duplo homicídio está quebrado, a administração não suportava nenhuma consequência da sua omissão culposa, apesar de ter criado as condições de realização de tal dano. Essa solução seria pouco consonante com a jurisprudência que admite que um dano pode ter várias causas e que, por conseguinte, não exige necessariamente, para que exista responsabilidade da administração, que a instituição assuma a responsabilidade exclusiva do dano.

194    O Tribunal considera, portanto, que a Comissão é responsável por cerca de 30% do dano sofrido.

195    Relativamente à perda de uma possibilidade de sobrevivência, a apreciação do Tribunal conduz a um resultado diferente. Com efeito, a falta da Comissão é aqui a causa directa e exclusiva desse dano. As actuações do assassino não são susceptíveis de atenuar a responsabilidade da instituição.

196    No entanto, embora a perda de uma possibilidade de sobreviver seja certa, o Tribunal considera que a possibilidade de o filho do recorrente sobreviver aos seus ferimentos era muito reduzida. É muito difícil, na falta de dados precisos nos autos e de incertezas inerentes a este tipo de apreciação, avaliar qual era essa possibilidade de sobreviver. O Tribunal considera que pode ser avaliada em 20%. Com efeito, resulta das peças dos autos que o funcionário foi ferido no pescoço e, apesar de não ter sucumbido imediatamente, tinha sido gravemente atingido, o que comprometeu seriamente as suas possibilidades de sobrevivência, mesmo em caso de chegada rápida de socorro.

197    Concluindo, ao tomar em consideração os dois danos invocados, a saber, o duplo homicídio e a perda de uma possibilidade de sobreviver, e o facto de este segundo dano ser menos extenso do que o primeiro, o Tribunal considera que se deve atribuir à Comissão a responsabilidade por 40% dos danos sofridos.

 Quanto ao prejuízo

198    O prejuízo certo que é, em princípio, indemnizável no presente litígio é somente aquele que pode ser objecto do pedido de reparação do recorrente perante o Tribunal, a saber, o prejuízo material sofrido pelos sucessores do funcionário falecido, avaliado com base na remuneração que o seu filho receberia até à idade da reforma, estimado pelo recorrente na quantia global de 3 975 329 euros.

199    Esta quantia constitui, tendo em conta a incerteza desse cálculo e as conjecturas que o mesmo implica sobre o decurso da carreira que interessado podia ter tido, uma avaliação a priori razoável da remuneração que teria recebido o funcionário falecido e constitui uma base de referência, certamente muito aproximada, porém pertinente para avaliar a perda de rendimentos dos sucessores do filho do recorrente.

200    Todavia, não a mesmo pode ser tomada em consideração tal e qual pelo Tribunal para determinar o prejuízo material efectivamente sofrido por esses sucessores. Com efeito, se o filho e a nora do recorrente não tivessem sido assassinados, teriam gasto uma parte substancial dessa quantia para as suas próprias necessidades. Por conseguinte, essa quantia não iria na totalidade beneficiar os seus filhos. Além disso, é provável que os filhos do casal falecido beneficiem ou venham a beneficiar em alguns anos do activo sucessório a que têm legalmente direito e que não receberiam se os seus pais permanecessem vivos. Por outro lado, a Comissão alegou, sem ter sido desmentida, que não era de excluir que os sucessores dos pais falecidos tenham recebido quantias a título de contratos de seguro de vida na sequência do duplo homicídio. O Tribunal considera, por conseguinte, que o prejuízo material ligado à perda de rendimentos que deve ser tido em consideração no presente litígio é estabelecido na quantia de 3 milhões de euros.

201    Conforme foi dito, a Comissão tem de reparar 40% desse prejuízo, ou seja, tem de pagar aos sucessores do casal falecido uma quantia global de 1,2 milhões de euros.

202    Ora, resulta da contestação e não foi desmentido, que as quantias que a Comissão já pagou e que continuará a pagar aos sucessores, quantias que superam as prestações normalmente previstas pelo Estatuto, se aproximam de 1,4 milhões de euros, montante que pode ascender a cerca de 2,4 milhões de euros se as prestações em causa forem pagas até ao vigésimo sexto aniversário de cada um dos quatro filhos.

203    Por conseguinte, a Comissão já reparou inteiramente o prejuízo material pelo qual deve ser responsabilizada.

204    A circunstância, adiantado pelo recorrente, de que as quantias pagas pela Comissão teriam a natureza de prestações de segurança social, mesmo admitindo que está demonstrada, não tem incidência nesta apreciação. Com efeito, as prestações pagas tinham por finalidade compensar as consequências financeiras da morte de um funcionário, seja qual for a causa. Embora seja verdade que, em caso de erro, a administração tem de assegurar a reparação integral do prejuízo, completando, se necessário, as prestações estatutárias (v., neste sentido, acórdão Leussink/Comissão, já referido, n.os 18 a 20), é facto assente que o juiz, quando aprecia se o prejuízo sofrido foi ou não reparado pela administração, tem em contas as prestações estatutárias. Assim, estas tinham por objecto assegurar a reparação de um prejuízo, mesmo quando a administração cometeu um erro pelo qual incorre em responsabilidade. Além disso, no presente caso, a Comissão foi além das suas obrigações estatutárias ao conceder uma promoção post‑mortem ao funcionário falecido, ao calcular as prestações devidas aos seus sucessores nessa base e ao majorar, com fundamento no artigo 76.° do Estatuto, os montantes das referidas prestações.

205    Resulta de tudo o que precede que o primeiro fundamento do recurso, embora seja procedente, não permite ao Tribunal acolher os pedidos do recorrente relativos à reparação dos prejuízos materiais sofridos.

206    O Tribunal deve ainda examinar os outros dois fundamentos, através dos quais o recorrente afirma que existe responsabilidade da Comissão, por um lado, em virtude de um acto lícito, mesmo sem culpa, por outro, devido à sua obrigação de assistência.

B ―  Quanto ao segundo fundamento, relativo à existência de responsabilidade da Comissão por acto lícito, mesmo sem culpa

1.     Argumentos das partes

207    O recorrente sustenta que, mesmo admitindo que a Comissão não cometeu nenhuma negligência culposa, os requisitos da responsabilidade sem culpa da administração, por acto lícito, estão reunidos. Estava provada efectividade do prejuízo e do nexo de causalidade entre este e o acto lícito estava feita; o prejuízo é anómalo, grave e especial. É certo que, no seu acórdão de 9 de Setembro de 2008, FIAMM e FIAMM Technologies/Conselho e Comissão (C‑120/06 P e C‑121/06 P), o Tribunal de Justiça excluiu a existência de um regime de responsabilidade sem culpa da União, mas unicamente no que respeita aos seus actos normativos, que fazem parte do poder discricionário do legislador. O Tribunal de Justiça nunca excluiu que tal regime possa ser aplicado às instituições, como no presente caso. Na sua apreciação dessa questão, o Tribunal deve tomar em consideração o carácter excepcionalmente grave trágico dos acontecimentos presenciados pelos filhos do funcionário falecido, que perderam prematuramente os seus pais e assistiram impotentes ao espectáculo horroroso que foi o cruel homicídio do seu pai e da sua mãe. O Tribunal deve pronunciar‑se sobre o pedido de indemnização segundo critérios de justiça inspirados pelo profundo sentido de equidade que deve distinguir as instituições da União.

208    A Comissão considera, como foi referido, que esse fundamento não é admissível, por não ter sido suscitado no pedido de indemnização inicial e por não ser acompanhado por nenhum elemento que quantifique a extensão do dano alegado. Relativamente ao mérito, a Comissão sublinha que o princípio de uma responsabilidade por acto lícito não foi até agora reconhecido pelo Tribunal de Justiça. O recorrente não apresentou nenhum elemento que demonstre que o Tribunal devia admitir a existência de tal regime de responsabilidade relativamente ao comportamento das instituições. De qualquer forma, no presente caso, o recorrente não demonstrou que os requisitos de tal responsabilidade sem culpa estão reunidos.

2.     Apreciação do Tribunal da Função Pública

209    Resulta do acórdão do Tribunal de Justiça, FIAMM e FIAMM Technologies/Conselho e Comissão, já referido (n.° 175), que, apesar de o exame comparativo das ordens jurídicas dos Estados‑Membros ter permitido ao Tribunal de Justiça proceder muito cedo à declaração de uma convergência destas ordens jurídicas na consagração de princípio de responsabilidade na presença de uma acção ou de uma omissão ilegal de uma autoridade, mesmo de natureza normativa, isso não acontece, de modo algum, no que respeita à existência eventual de um princípio de responsabilidade em presença de um acto ou de uma omissão lícitos da autoridade pública, em especial quando estes são de natureza normativa. O Tribunal de Justiça exclui assim, no actual estado do direito da União, que o artigo 288.° CE, que remete para os «princípios gerais comuns aos direitos dos Estados‑Membros», possa ser interpretado no sentido de que permite a existência de responsabilidade sem culpa da União, devido a um acto ou a uma omissão lícitos.

210    Contrariamente ao que o recorrente sustenta, resulta dos próprios termos utilizados pelo Tribunal de Justiça no número referido do seu acórdão («mesmo de natureza normativa» e «em particular quando [esse acto ou essa omissão lícitos são] de natureza normativa») que a conclusão a que chegou nesse acórdão não está limitada à esfera de competência normativa da União.

211    É certo que, conforme foi recordado no n.° 116 do presente acórdão, um litígio entre um funcionário e a instituição da qual depende ou dependia, e que tem por objecto a reparação de um dano, quando tem origem no relação de trabalho entre o interessado à instituição, cabe no âmbito do artigo 236.° CE e dos artigos 90.° e 91.° do Estatuto e está fora do campo de aplicação dos artigos 235.° CE e 288.° CE. A jurisprudência do Tribunal de Justiça e do juiz da União relativa aos requisitos da responsabilidade extracontratual com fundamento no artigo 288.° CE, não é, portanto, imediatamente transponível para as acções fundadas em responsabilidade extracontratual intentadas pelos funcionários ou pelos seus sucessores contra as instituições, com base no artigo 236.° CE e nos artigos 90.° e 91.° do Estatuto. A este respeito, o recorrente observa com razão que tais acções não visam as instituições no exercício das suas prerrogativas normativas ou reguladoras previstas pelos tratados mas nas suas actuações relativas ao seu pessoal, na qualidade de entidade patronal.

212    Todavia, tendo em conta nomeadamente a generalidade dos termos utilizados pelo Tribunal de Justiça e o carácter de solução de princípio especialmente ligado a esse acórdão, o Tribunal não distingue as razões que justificam que a responsabilidade das instituições da União possa, nas suas relações com o seu pessoal, existir com base em condições radicalmente diferentes das que prevalecem no âmbito do artigo 288.° CE, desviando‑se dos princípios gerais comuns aos direitos dos Estados‑Membros.

213    Apesar de ser verdade que as circunstâncias do presente litígio são excepcionais, essa constatação, a única que foi adiantada pelo recorrente, não basta para justificar que a existência de um regime de responsabilidade sem culpa seja em princípio reconhecida nas acções fundadas em responsabilidade extracontratual intentadas com base no artigo 236.° CE, cujo benefício está reservado aos funcionários da União e aos seus sucessores.

214    Além disso, o Tribunal de Justiça considerou, a propósito da Directiva 89/391, que constitui um quadro de referência pertinente para determinar, em conformidade com o artigo 1.°‑E do Estatuto, as obrigações que incumbem às instituições da União, que essa directiva não podia ser analisada no sentido de que obriga os Estados‑Membros a instituírem um regime de responsabilidade sem culpa das entidades patronais pelos prejuízos causados à saúde e à segurança dos trabalhadores (acórdão Comissão/Reino Unido, já referido, n.os 37 a 51). Contudo, a Comissão afirmou no Tribunal de Justiça que a Directiva 89/391 tinha previsto um regime de responsabilidade das entidades patronais que abrange as consequências de qualquer acontecimento prejudicial à saúde e à segurança dos trabalhadores, independentemente da possibilidade de se imputar o referido acontecimento e as suas consequências a alguma negligência da entidade patronal na implementação das medidas de prevenção.

215    Mesmo admitindo que a responsabilidade sem culpa da Comissão possa ser, em princípio, procurada, deve observar‑se que essa forma de responsabilidade objectiva da entidade patronal, que assenta na obrigação de reparar um risco profissional e não na constatação de uma falta da entidade patronal que esta devia reparar, já subentende a obrigação da instituição pagar as prestações estatutárias ao funcionário ou aos seus sucessores em caso de acidente ocorrido no exercício das funções, de doença profissional ou de morte. Com efeito, mesmo sem que seja demonstrada a existência de qualquer falta da instituição enquanto entidade patronal, o funcionário ou os seus sucessores beneficiam de uma reparação pecuniária, destinada a compensar as consequências desses acontecimentos. A exigência jurisprudencial constante, segundo a qual deve ser demonstrada uma falta para que o funcionário ou os seus sucessores obtenham uma indemnização complementar das prestações estatutárias, destinada a reparar integralmente o dano que consideram ter sofrido, confirma que a existência da responsabilidade extracontratual da administração continua firmemente subordinada à existência de uma falta ou de uma ilegalidade.

216    Resulta do exposto que o recorrente não pode pedir ao Tribunal que declare que os requisitos da responsabilidade sem culpa da Comissão estão reunidos.

217    Por conseguinte, o segundo fundamento é julgado improcedente, não sendo necessário decidir sobre a sua admissibilidade.

C ―  Quanto ao terceiro fundamento, relativo à obrigação da Comissão de reparar solidariamente os prejuízos sofridos, por força do artigo 24.° do Estatuto

1.     Argumentos das partes

218    O recorrente afirma, a título subsidiário, que a Comissão deve, de qualquer forma, reparar os danos sofridos pelo seu funcionário devido à sua qualidade e às suas funções, por força do artigo 24.°, segundo parágrafo, do Estatuto. O duplo homicídio estava, de um ponto de vista causal, objectivamente ligado à actividade profissional do filho do recorrente no território marroquino, onde se encontrava exclusivamente devido às suas funções. Este homicídio foi, além disso, cometido no interior de uma habitação escolhida pela Comissão. Nas circunstâncias excepcionais do presente litígio, a Comissão teria mesmo de agir por sua própria iniciativa, sem ter de ser apresentado um pedido para esse efeito, e reparar solidariamente os prejuízos sofridos pelo funcionário e pelo seu cônjuge por acto de terceiro.

219    A Comissão alega, como foi referido, que esse fundamento não é admissível, por não ter sido suscitado no pedido de indemnização inicial. Quanto ao mérito, considera que os factos dramáticos que estiveram na origem da morte do filho do recorrente não tiveram nenhuma relação com a sua qualidade de funcionário e que, portanto, o requisito exigido pelo artigo 24.°, segundo parágrafo, do Estatuto, conforme interpretado pela jurisprudência, a saber, que o funcionário deve ter sofrido um dano por causa dessa qualidade, não está preenchido.

2.     Apreciação do Tribunal da Função Pública

220    Conforme decidiu o Tribunal de Justiça, a finalidade do artigo 24.° do Estatuto é proporcionar aos funcionários e agentes em actividade uma segurança para o presente e o futuro, com vista a permitir‑lhes, no interesse geral do serviço, melhor desempenhar as suas funções (v. acórdão Sommerlatte/Comissão, já referido, n.° 19).

221    Resulta do artigo 24.° do Estatuto e da jurisprudência que lhe é relativa que as instituições da União só são obrigadas, por força dessa disposição, a assistir os seus funcionários por actuações de terceiros de que os funcionários são alvo devido à sua qualidade e às suas funções (v., nomeadamente, acórdão do Tribunal de Justiça de 5 de Outubro de 1988, Hamill/Comissão, 180/87, n.° 15; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Junho de 2000, K/Comissão, T‑67/99, n.° 32).

222    No presente caso, é facto assente que os requisitos de aplicação do artigo 24.° do Estatuto associados ao autor do acto incriminado estão reunidos. Com efeito, o filho do recorrente foi vítima da actuação de terceiro.

223    Todavia, o artigo 24.° do Estatuto exige igualmente que a qualidade de funcionário do recorrente e as suas funções estejam na origem das actuações em causa. É devido a essa qualidade e a essas funções que devem ter sido perpetrados os actos em relação aos quais é solicitada assistência, uma vez que a instituição procura tanto a protecção do seu pessoal como a salvaguarda dos seus próprios interesses. Assim, o Tribunal de Justiça decidiu que uma obrigação de assistência não pode ser invocada no caso de medidas de coação adoptadas pelas autoridades nacionais de polícia sobre a pessoa de um funcionário e motivadas pelo comportamento pessoal deste último, na sequência de um delito alheio ao exercício das suas funções (acórdão Hamill/Comissão, já referido, n.os 16 e 17). Do mesmo modo, considerou que o simples facto de uma criança ter sido admitida numa creche por um dos seus pais pertencer à função pública da União, creche onde foi vítima de actos graves, não permite considerar que o nexo, na acepção do artigo 24.° do Estatuto, entre as actuações dos terceiros em causa e a qualidade de funcionário do referido pai está determinado (acórdão K/Comissão, já referido, n.os 36 a 38).

224    Ora, no presente litígio, o filho do recorrente não foi assassinado devido à sua qualidade e às suas funções. Como foi dito, foi alvo de um criminoso de direito comum, o qual atentou contra a sua pessoa, o seu cônjuge e os seus bens sem ter nenhum conhecimento da qualidade de funcionário da União nem da natureza das funções da sua vítima. O criminoso provavelmente considerou que os ocupantes da vivenda onde cometeu os seus crimes beneficiavam de um nível de vida mais elevado do que a média dos habitantes de Rabat. Mas nem essa circunstância nem a afectação do filho do recorrente em Marrocos ou ainda a ocupação de um alojamento escolhido pela Comissão, permitem demonstrar que o funcionário tinha sido escolhido como alvo nessa qualidade e devido às suas funções.

225    Por conseguinte, o recorrente não pode validamente invocar o benefício das disposições do artigo 24.° do Estatuto.

226    De qualquer forma, mesmo admitindo que o filho do recorrente foi vítima de uma morte perpetrada devido às suas funções, o Tribunal considera que as prestações estatutárias previstas no caso de morte de um funcionário, em particular as disposições do artigo 7.°, n.° 2, terceiro travessão, da regulamentação comum, («[s]ão […] considerados acidentes na acepção da [regulamentação comum]: as consequências de agressões ou de atentados cometidos sobre a pessoa do segurado […]»), concretizam a obrigação de protecção que cada instituição, na qualidade de entidade patronal e por força do artigo 24.° do Estatuto, deve assegurar aos seus funcionários e ao seus sucessores. Ora, o recorrente não afirma que foi ilegalmente privado de uma das garantias previstas pelo Estatuto. Além disso, a Comissão fez uso da faculdade, prevista no artigo 76.° do Estatuto, de conceder, em casos especiais, um auxílio excepcional às pessoas em causa. Assim, a Comissão respeitou devidamente o dever de assistência e de protecção, em conformidade com o artigo 24.° do Estatuto.

227    Em todo caso, deste modo o recorrente não tem razão ao afirmar que a Comissão violou essa disposição estatutária. Por conseguinte, não sendo necessário decidir sobre o fundamento de inadmissibilidade invocado contra si, o terceiro fundamento deve ser julgado improcedente.

228    Resulta do exposto que deve ser negado provimento ao recurso na íntegra.

 Quanto às despesas

229    Nos termos do artigo 87.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, sem prejuízo das outras disposições do capítulo VIII, título II, do referido regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas, se a parte vencedora o tiver requerido. Por força do disposto no n.° 2 do mesmo artigo, o Tribunal pode decidir, quando razões de equidade o exijam, que uma parte vencida seja condenada apenas parcialmente nas despesas, ou mesmo que não seja condenada nas despesas. Segundo o artigo 88.° do Regulamento de Processo, uma parte, mesmo vencedora, pode ser condenada parcialmente ou na totalidade das despesas se tal se justificar em razão da sua atitude, incluindo antes do início da instância, em especial se tiver feito incorrer a outra parte em despesas que sejam consideradas inúteis ou vexatórias.

230    Na presente instância, a Comissão, apesar das razões legítimas de confidencialidade que alegou, atrasou consideravelmente a marcha do processo, recusando num primeiro momento comunicar ao Tribunal determinados documentos e informações e forçando o Tribunal a organizar uma segunda audiência. A Comissão deu igualmente ao Tribunal respostas imprecisas sobre vários pontos, alegando em particular que não existia nenhum texto relativo às medidas de segurança aplicáveis aos alojamentos do pessoal das delegações nos países terceiros e que as medidas evocadas pelo autor da resposta escrita de 6 de Agosto de 2007 não tinham nenhuma pertinência para os factos cometidos no ano anterior. A oposição da Comissão, finalmente retirada na segunda audiência, no sentido de o Tribunal poder tomar em consideração o documento de 2006 sobre as normas e critérios de segurança, documento importante para a resolução do litígio, reflectiu uma atitude pouco compatível com as regras de um processo equitativo. Tal comportamento da Comissão, num processo tão doloroso para o recorrente, é ainda menos apropriado já que a instituição tinha, antes da introdução da instância, feito prova de dignidade e de solicitude.

231    Além disso, o recorrente podia acreditar que tinha motivos para interpor o seu recurso. Por um lado, o Tribunal constatou que a Comissão tinha cometido uma falta susceptível de a fazer incorrer em responsabilidade. Por outro lado, a atitude adoptada pela Comissão no decurso da instância pôde ter convencido o recorrente de que a instituição lhe tinha escondido parte das causas do homicídio do seu filho e da sua nora.

232    Por conseguinte, será uma justa apreciação das circunstâncias do presente caso imputado à Comissão, além das suas próprias despesas, as despesas razoáveis e devidamente justificadas do recorrente.

Pelos fundamentos expostos,

TRIBUNAL DA FUNÇÃO PÚBLICA (Primeira Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      Os excertos do documento de 2006 sobre as normas e critérios de segurança, enviados pela Comissão Europeia ao Tribunal no decurso da instância serão imediatamente remetidos à Comissão Europeia por correio confidencial com a menção «classificado Reservado à UE».

3)      A Comissão Europeia suporta a totalidade das despesas.

Gervasoni

Kreppel

Rofes i Pujol

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 12 de Maio de 2011.

O secretário

 

      O presidente

W. Hakenberg

 

            S. Gervasoni

Índice


Quadro jurídico

Factos na origem do litígio

Pedidos das partes e tramitação processual

Questão de direito

I ―  Quanto ao objecto do recurso

II ―  Quanto ΰ admissibilidade

A ―  Argumentos das partes

B ―  Apreciaηγo do Tribunal da Funηγo Pϊblica

III ―  Quanto ao mιrito

A ―  Quanto ao primeiro fundamento, relativo ao incumprimento, por parte da Comissγo, da obrigaηγo de assegurar a protecηγo do seu funcionαrio

1.  Argumentos das partes

2.  Apreciação do Tribunal da Função Pública

a)  Quanto à objecção formulada pela Comissão, segundo a qual os prejuízos alegados já tinham sido inteiramente reparados

b)  Quanto à alegação de que a Comissão cometeu um erro quanto à obrigação de assegurar a segurança do funcionário falecido e da sua família

Quanto aos requisitos de existência de responsabilidade extracontratual da Comissão

Quanto à extensão da margem de apreciação de que dispõe a Comissão para assegurar a segurança dos seus funcionários colocados numa delegação de um país terceiro

Quanto à existência de um erro na implementação de medidas de protecção adaptadas

¾       Quanto ao pedido do recorrente para aceder aos excertos do documento de 2006 sobre as normas e os critérios de segurança

¾       Quanto à utilização, por parte do Tribunal, do documento de 2006 sobre as normas e critérios de segurança

¾       Quanto à aplicabilidade do documento de 2006 sobre as normas e critérios de segurança no alojamento provisório posto à disposição do filho do recorrente e da sua família

¾       Quanto ao alcance jurídico do documento de 2006 sobre as normas e critérios de segurança

¾       Quanto à existência de um erro da Comissão

Quanto ao nexo de causalidade e à existência de uma causa que exonere a responsabilidade (culpa das vítimas e acto de terceiro)

Quanto ao prejuízo

B ―  Quanto ao segundo fundamento, relativo ΰ existκncia de responsabilidade da Comissγo por acto lνcito, mesmo sem culpa

1.  Argumentos das partes

2.  Apreciação do Tribunal da Função Pública

C ―  Quanto ao terceiro fundamento, relativo ΰ obrigaηγo da Comissγo de reparar solidariamente os prejuνzos sofridos, por forηa do artigo 24.° do Estatuto

1.  Argumentos das partes

2.  Apreciação do Tribunal da Função Pública

Quanto às despesas


* Língua do processo: italiano.