Language of document : ECLI:EU:C:2006:133

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

JULIANE KOKOTT

apresentadas em 23 de Fevereiro de 2006 1(1)

Processo C‑95/04 P

British Airways plc

contra

Comissão das Comunidades Europeias


sendo a outra parte no processo:

Virgin Atlantic Airways Ltd

«Recurso – Abuso de posição dominante (artigo 82.° CE) – British Airways – Acordos com agências de viagens – Comissões e outras vantagens concedidas em função do volume de negócios com os bilhetes da British Airways»





I –    Introdução

1.        O caso em apreço tem origem num processo da Comissão em matéria de concorrência, relativo a determinadas comissões e vantagens, concedidas pela companhia aérea britânica British Airways plc (a seguir «BA») a agências de viagens no Reino Unido em função do seu volume de negócios com bilhetes da BA. Nesse processo, a Comissão concluiu que a BA abusou da sua posição dominante no mercado (artigo 82.° CE) e, por isso, aplicou‑lhe uma coima no montante de 6 800 000 EUR.

2.        A decisão correspondente da Comissão, adoptada em 14 de Julho de 1999 (2) (a seguir «decisão impugnada»), foi integralmente confirmada pelo acórdão proferido pelo Tribunal de Primeira Instância, em 17 de Dezembro de 2003, no processo T‑219/99 (3) (a seguir «acórdão recorrido»).

3.        O Tribunal de Justiça é agora chamado a apreciar um recurso que a BA interpôs deste acórdão do Tribunal de Primeira Instância. No essencial, trata‑se de determinar em que condições a concessão de incentivos de fidelidade por uma empresa em posição dominante pode ser considerada uma prática abusiva na acepção do artigo 82.° CE.

II – Enquadramento jurídico

4.        O enquadramento jurídico deste caso é definido pelo artigo 82.° CE, que tem o seguinte teor:

«É incompatível com o mercado comum e proibido, na medida em que tal seja susceptível de afectar o comércio entre os Estados‑Membros, o facto de uma ou mais empresas explorarem de forma abusiva uma posição dominante no mercado comum ou numa parte substancial deste.

Estas práticas abusivas podem, nomeadamente, consistir em:

a)      Impor, de forma directa ou indirecta, preços de compra ou de venda ou outras condições de transacção não equitativas.

b)      Limitar a produção, a distribuição ou o desenvolvimento técnico em prejuízo dos consumidores.

c)      Aplicar, relativamente a parceiros comerciais, condições desiguais no caso de prestações equivalentes colocando‑os, por esse facto, em desvantagem na concorrência.

d)      Subordinar a celebração de contratos à aceitação, por parte dos outros contraentes, de prestações suplementares que, pela sua natureza ou de acordo com os usos comerciais, não têm ligação com o objecto desses contratos.»

III – Matéria de facto e tramitação processual

A –    Factos

5.        Este processo em matéria de concorrência foi desencadeado por queixas da Virgin Atlantic Airways Ltd (a seguir «Virgin»), uma concorrente da BA (4). Refere‑se ao mercado britânico dos serviços das agências de viagens aéreas, no qual a Comissão considera que a BA era um adquirente em posição dominante (5).

6.        Nesse mercado, as agências de viagens prestam às companhias aéreas serviços que consistem em promover os transportes aéreos prestados pelas companhias aéreas, assistir os passageiros na escolha dos serviços de transporte adequados e realizar as tarefas administrativas (emissão dos bilhetes, recebendo o respectivo pagamento do passageiro e enviando‑o para a companhia aérea). Como contrapartida desses serviços, as companhias aéreas pagam às agências comissões com base nas vendas de bilhetes efectuadas através dessas agências (6).

7.        A BA celebrou com agências de viagens reconhecidas pela International Air Transport Association (IATA) acordos que lhes conferiam direito a uma comissão fixa de base fundada nas vendas de bilhetes de avião BA efectuadas por essas agências. De 1976 a 1997, essa comissão foi de 9% sobre as vendas de bilhetes internacionais e de 7,5% sobre as vendas de bilhetes nos voos domésticos (7). Posteriormente, foi substituída por uma nova taxa de comissão fixa de 7% sobre todos os bilhetes vendidos no Reino Unido (8).

8.        Além deste sistema de comissões de base, a BA celebrou com as agências de viagens IATA acordos que compreendiam três sistemas de incentivos financeiros distintos: acordos de marketing («Marketing Agreements»), acordos globais («Global Agreements») e, por último, uma comissão de prémios de resultados («Performance Reward Scheme») (9).

9.        Quanto aos acordos de marketing e aos acordos globais, o Tribunal de Primeira Instância declarou o seguinte (10):

«6      O primeiro sistema de incentivos instituído pela BA foram os ‘acordos de marketing’, que permitiam a determinadas agências de viagens IATA estabelecidas no Reino Unido receber montantes para além da sua comissão de base, ou seja:

–      um prémio de resultados, acrescido de determinados bónus especiais, com base no volume dos sectores em que são utilizados voos da BA;

–      montantes pecuniários retirados de um fundo que as agências de viagens deviam afectar à formação do respectivo pessoal;

–      montantes pecuniários retirados de um fundo de desenvolvimento empresarial constituído pela BA com vista ao aumento das suas receitas e cujos recursos deviam ser afectados por cada agência ao financiamento de acções promocionais em favor da BA.

7      Os acordos de marketing obrigavam igualmente as agências de viagens estabelecidas no Reino Unido a não tratar a BA de modo menos favorável do que o proporcionado a outra companhia aérea, designadamente no que respeita à publicidade dos seus preços, produtos, brochuras e horários.

8      Esses acordos de marketing, celebrados por um período de um ano, estavam, em princípio, reservados às agências de viagens IATA estabelecidas no Reino Unido e que realizassem mais de 500 000 GBP de vendas anuais de bilhetes BA (a seguir ‘receitas de voos’). As agências que realizassem receitas de voos anuais superiores a 500 000 GBP, mas inferiores a 10 milhões GBP, podiam celebrar um acordo de marketing tipo. As agências cujas receitas de bilhetes ultrapassassem 10 milhões de GBP celebravam um acordo de marketing negociado individualmente com a BA.

9      O prémio de resultados era calculado a partir de uma tabela progressiva, em função do aumento das receitas de voos BA realizadas por uma agência de viagens. Além do prémio de resultados geral, algumas rotas davam direito a um bónus especial de resultado.

10      O pagamento dos prémios de resultados ou do bónus especial dependia do aumento, pelas agências de viagens, das suas vendas de voos BA de um ano para o outro. Embora, de modo geral, nenhum desses dois prémios fosse pago a título de sectores percorridos em voos domésticos da BA no Reino Unido, esses percursos eram tomados em consideração para se apurar se os objectivos de vendas tinham sido alcançados, uma vez que estes últimos eram calculados em termos de receitas de voos globais, com a inclusão dos voos de longo curso, médio curso e domésticos.

11      Além dos acordos de marketing, a BA celebrou com três agências de viagens IATA um segundo tipo de acordos de incentivos (a seguir ‘acordos globais’). Para a época de Inverno 1992/1993, a BA elaborou, com três agências de viagens programas globais de incentivo que permitiam que recebessem comissões adicionais calculadas por referência ao aumento da quota da BA nas vendas das agências a nível mundial.»

10.      Quanto ao novo regime de prémios de resultados aplicado pela BA a partir de 1998, o Tribunal de Primeira Instância declarou o seguinte (11):

«14      Em 17 de Novembro de 1997, a BA enviou a todas as agências de viagens estabelecidas no Reino Unido um folheto no qual expunha as modalidades de um terceiro tipo de acordo de incentivos, que consistia num novo regime de prémios de resultados, aplicável a partir de 1 de Janeiro de 1998 (a seguir ‘novo regime de prémios de resultados’).

15      Além da nova taxa de comissão fixa de 7% sobre todos os bilhetes vendidos no Reino Unido, cada agência podia obter uma comissão adicional de até 3% no que se refere aos bilhetes em voos internacionais e de até 1% para os bilhetes em voos domésticos. A importância do elemento variável adicional nos bilhetes domésticos e internacionais dependia dos resultados da agência de viagens no que diz respeito à venda de bilhetes BA. O nível de resultados da agência de viagens era avaliado comparando as receitas totais das vendas de bilhetes BA emitidos pela agência num mês específico com as receitas do mês correspondente do ano anterior.

16      Por força do novo regime de prémios de resultados, cada ponto percentual de melhoria dos resultados que ultrapassasse a percentagem de referência de 95% traduzia‑se pela concessão à agência de viagens de um elemento variável adicional de 0,1%, que representava a comissão adicional sobre a venda dos bilhetes internacionais e que acrescia à comissão de base de 7%. Na venda de bilhetes de voos domésticos, o elemento variável era de 0,1% para qualquer aumento de 3% nas vendas acima da percentagem de referência de 95%. O elemento variável máximo que podia obter uma agência de viagens no âmbito do novo regime de prémios de resultados era de 3% nos bilhetes internacionais e de 1% nos bilhetes domésticos, quando o nível de resultados fosse de, pelo menos, 125% nos dois casos.

17      Assim, quando uma agência realizasse um resultado, num determinado mês, de 112%, o elemento variável para os bilhetes internacionais era de 1,7% [(112 – 95) x 0,1%] das receitas internacionais tomadas em consideração para o cálculo do prémio para esse mês. Por outro lado, para um mesmo nível de resultados, o elemento variável dos bilhetes domésticos era de 0,5% [(112 – 95): 3 x 0,1%] das receitas domésticas tomadas em consideração para o cálculo do prémio para esse mês. Os pagamentos dos elementos variáveis do regime de prémios de resultados eram efectuados mensalmente.

18      O novo regime de prémios de resultados devia inicialmente ser aplicável até 31 de Março de 1999. No que se refere ao mês de Dezembro de 1997, a BA estabeleceu um período transitório que consistia em cumular o novo regime de prémios de resultados com as comissões tipo já existentes, de 9 e 7,5%, respectivamente, para os bilhetes internacionais e domésticos. Em 8 de Fevereiro de 1999, a BA anunciou que o regime não seria prorrogado para o ano de 1999/2000.»

11.      Segundo as conclusões da Comissão, reproduzidas pelo Tribunal de Primeira Instância (12), o efeito dos referidos regimes de comissões pode ser ilustrado do seguinte modo:

«(29) Os regimes de comissões acima descritos, aplicáveis às agências de viagens, apresentam uma importante característica comum. Em todos os casos o cumprimento dos objectivos no que se refere ao crescimento das vendas conduz a um aumento da comissão paga sobre todos os bilhetes vendidos pela agência e não só sobre os bilhetes vendidos após ter sido alcançado o objectivo. Nos regimes MA [acordo de marketing], os bónus pecuniários pagos à agência de viagens por cada bilhete aumentam para todos os bilhetes vendidos. No regime PRS [regime de prémios de resultados], a comissão percentual paga aumenta para todos os bilhetes vendidos pelas agências de viagens. Tal significa que quando uma agência está prestes a atingir um dos limiares necessários para o aumento da taxa de comissão, a venda de um número relativamente reduzido de bilhetes BA adicionais poderá produzir um grande efeito sobre as suas receitas em termos de comissão. Inversamente, um concorrente da BA que deseje dar a uma agência de viagens um incentivo no sentido de desviar algumas vendas da BA em proveito próprio, terá de pagar uma taxa de comissão muito mais elevada do que a BA em todos os bilhetes vendidos para contrabalançar este efeito.

(30)      Um exemplo ilustra este efeito dos regimes de comissões da BA. Imagine‑se que as vendas de bilhetes aéreos internacionais de uma agência de viagens se elevavam a 100 000 [GBP] por mês num determinado ano. Se esta agência vender por mês 100 000 [GBP] de bilhetes aéreos internacionais da BA obterá uma comissão fixa de 7% e ‘um prémio de resultados’ de 0,5% [(100% – 95%) x 0,1%], o que lhe proporciona uma receita total de comissões sobre as vendas de bilhetes aéreos internacionais de 7 500 [GBP] [100 000 x (7% + 0,5%)]. Se a agência de viagens desviar 1% das suas vendas de bilhetes internacionais para um concorrente da BA, o seu ‘prémio de resultados’ diminuirá para 0,4% [(99% – 95%) x 0,1%] e esta taxa reduzida será aplicada a todas as vendas de bilhetes da BA efectuadas por essa agência. As receitas de comissão das agências obtidas a partir da venda de bilhetes internacionais da BA desceriam para 7 326 [GBP] [99 000 x (7% + 0,4%)]. Uma redução de 1 000 [GBP] nas vendas de bilhetes internacionais da BA conduz a uma redução de 174 [GBP] de receitas de comissões. A taxa de comissão ‘marginal’ poderá avaliar‑se em 17,4%. Na prática, tal significa que um concorrente da BA que pudesse oferecer voos que compensassem as 1 000 [GBP] de vendas de bilhetes da BA teria de oferecer uma comissão de 17,4% sobre estes bilhetes para compensar a agência de viagens pela perda de receitas nas comissões da BA [em termos de receitas não pagas pela BA]. Embora a BA tenha também de oferecer esta taxa marginal de comissão elevada para aumentar a venda dos seus bilhetes, está numa posição de vantagem relativamente ao seu concorrente que tem de oferecer esta elevada comissão sobre todas as suas vendas [...]

Este efeito é tanto maior quanto menor for a percentagem dos bilhetes em questão relativamente às vendas de bilhetes da BA na agência de viagens consideradas como referência. Este efeito aumenta igualmente se a agência de viagens em questão não receber apenas comissões adicionais ao abrigo do PRS mas também bónus ao abrigo de um MA.»

B –    Decisão impugnada

12.      Na decisão impugnada, a Comissão conclui que, ao aplicar os seus regimes de comissões, ou seja, os acordos de marketing e o novo regime de prémios de resultados (13), às agências de viagens aéreas estabelecidas no Reino Unido, a BA abusou da posição dominante que detém no mercado britânico dos serviços das agências de viagens aéreas (14).

13.      Ambos os regimes de comissões (15) constituem, por um lado, um incentivo financeiro para as agências de viagens, no sentido de manter ou aumentar as suas vendas de bilhetes BA, em vez de venderem os seus serviços aos concorrentes da BA, não sendo esses incentivos financeiros dependentes do volume das vendas em valores absolutos de bilhetes BA realizadas por esses agentes (16). Por outro lado, conduzem a aplicar aos agentes em causa condições desiguais a transacções equivalentes (17). Por último, a Comissão considera que o comportamento abusivo da BA no mercado britânico dos serviços das agências de viagens aéreas tem por efeito falsear a concorrência entre a BA e as outras companhias aéreas nos mercados britânicos dos serviços do transporte aéreo (18).

14.      O dispositivo da decisão impugnada tem, designadamente, o seguinte teor:

«Artigo 1.°

A British Airways plc infringiu o artigo 82.° do Tratado ao aplicar regimes de comissão e outros incentivos a agências de viagens junto das quais adquire os seus serviços aéreos das agências de viagens no Reino Unido que, ao compensarem a fidelidade das agências de viagens e ao efectuarem discriminação entre agências de viagens, têm por objecto e efeito excluir concorrentes da BA dos mercados britânicos do transporte aéreo.

Artigo 2.°

Relativamente às infracções referidas no artigo 1.° é aplicada à British Airways plc uma coima de 6,8 milhões de euros. …»

C –    Processo judicial

15.      Em 1 de Outubro de 1999, a BA recorreu da decisão impugnada para o Tribunal de Primeira Instância, pedindo que esta fosse anulada na sua integralidade e que a Comissão fosse condenada nas despesas. A Comissão pediu que fosse negado provimento ao recurso e que a BA fosse condenada nas despesas.

16.      Por despacho de 9 de Fevereiro de 2001, a Virgin foi autorizada a intervir em apoio dos pedidos da Comissão. Contudo, foi indeferido o requerimento da companhia aérea francesa Air France, de intervir em apoio dos pedidos da BA.

17.      No acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância negou provimento ao recurso da BA e condenou‑a a suportar as suas próprias despesas, bem como as efectuadas pela Comissão e pela interveniente.

18.      No seu recurso, entrado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 26 de Fevereiro de 2004, a BA conclui pedindo que este Tribunal se digne:

–      anular, no todo ou em parte, o acórdão recorrido,

–      anular ou reduzir o montante da coima da BA na proporção que o Tribunal de Justiça entenda adequada, no exercício do seu poder de apreciação, e

–      ordenar qualquer outra medida que o Tribunal de Justiça julgue apropriada.

19.      A Comissão, por seu turno, pede:

–      que seja negado provimento à totalidade do recurso e

–      que a BA seja condenada nas despesas.

20.      A Virgin conclui pedindo que este Tribunal se digne:

–      julgar o recurso da BA inadmissível e/ou manifestamente improcedente e rejeitá‑lo em despacho fundamentado, nos termos do artigo 119.° do Regulamento de Processo,

–      a título subsidiário, negar provimento ao recurso da BA e confirmar na íntegra o acórdão recorrido e

–      em qualquer caso, condenar a BA no pagamento das despesas, incluindo as despesas da Virgin.

21.      No âmbito do presente recurso, foram apresentadas no Tribunal de Justiça alegações escritas e, posteriormente, em 15 de Dezembro de 2005, alegações orais.

IV – Apreciação

22.      No seu recurso, a BA já não aborda todos os temas que foram objecto do processo em primeira instância, em especial as conclusões da Comissão quanto à definição do mercado e à posição dominante da BA. Pelo contrário, os cinco fundamentos do seu recurso referem‑se apenas às considerações do Tribunal de Primeira Instância relativas ao abuso da sua posição dominante no mercado na acepção do artigo 82.° CE, tal como constam dos n.os 227 a 300 do acórdão recorrido.

A –    Observações preliminares

23.      Uma empresa em posição dominante está sujeita, no âmbito de aplicação do artigo 82.° CE, a determinadas limitações que, sob essa forma, não se aplicam a outras empresas. Precisamente devido à presença da empresa em posição dominante, o grau de concorrência já está enfraquecido no mercado em causa (19). Por isso, incumbe a esta empresa – independentemente das causas da sua posição dominante no mercado – uma responsabilidade particular de não lesar pelo seu comportamento uma concorrência efectiva e não falseada no mercado comum (20). Uma prática que, em condições normais de concorrência, não seria censurável pode ser abusiva quando adoptada por uma empresa em posição dominante (21).

24.      É certo que, segundo jurisprudência assente, também uma empresa em posição dominante no mercado tem o direito de preservar os seus interesses comerciais próprios quando estes estiverem ameaçados e tem a faculdade de, em termos razoáveis, praticar os actos que julgue adequados à protecção dos seus interesses (22). Em especial, pode utilizar os métodos que regem uma concorrência normal entre produtos ou serviços na acepção de uma concorrência de prestações; é porém abusivo, na acepção do artigo 82.° CE e, deste modo, proibido, um comportamento que se afasta do comportamento normal de mercado e que é de natureza a enfraquecer a concorrência ainda existente (23). Por conseguinte, nem toda a concorrência através dos preços é admissível nos termos do artigo 82.° CE (24).

25.      No domínio dos descontos e incentivos, é particularmente evidente que é difícil distinguir, no caso concreto, entre um comportamento lícito e um abuso de posição dominante no mercado, que é proibido.

26.      Assim, os tribunais comunitários declararam por várias vezes que a concessão de determinados descontos ou incentivos por uma empresa em posição dominante pode ser abusiva, na acepção do artigo 82.° CE (25). Nestes termos, em especial através de descontos de fidelidade e incentivos de fidelidade, os parceiros comerciais podem, na prática, ficar tão vinculados à empresa em posição dominante (o chamado «efeito fidelizador» dos descontos ou incentivos), que os seus concorrentes têm grandes dificuldades em escoar os seus produtos («efeito eliminatório», designado também «efeito de exclusão»), o que pode prejudicar a concorrência como tal e, em última análise, também os consumidores.

27.      Porém, continua a ser controverso em que condições concretamente a concessão de descontos ou incentivos por uma empresa em posição dominante constitui uma prática abusiva na acepção do artigo 82.° CE. O presente processo permite clarificar algumas questões neste contexto:

–      Em que condições se deve, em geral, considerar abusivos os descontos ou incentivos concedidos por uma empresa em posição dominante? (primeiro fundamento)

–      É necessário, neste contexto, examinar o impacto concreto dos descontos ou incentivos da empresa em posição dominante sobre os seus concorrentes e os consumidores? (segundo, terceiro e quarto fundamentos)

–      Em que condições devem os descontos ou incentivos de uma empresa em posição dominante ser considerados discriminação de parceiros comerciais, colocando‑os, por esse facto, em desvantagem na concorrência? (quinto fundamento)

28.      Neste contexto, é irrelevante saber como a Comissão pretende orientar no futuro a sua política de concorrência, na perspectiva do artigo 82.° CE (26). As novas orientações no que respeita ao artigo 82.° CE só podem ser relevantes para as futuras decisões da Comissão e não relativamente à base legal de uma decisão já tomada. Além disso, mesmo que a sua prática administrativa tivesse de ser alterada, a Comissão teria de actuar dentro do quadro definido pelo artigo 82.° CE, como interpretado pelo Tribunal de Justiça.

B –    Quanto ao primeiro fundamento: critérios gerais de apreciação dos regimes de comissões

29.      O primeiro fundamento da BA ocupa de longe a maior parte do recurso. Refere‑se aos n.os 272 a 298 do acórdão recorrido, nos quais o Tribunal de Primeira Instância – tal como já fizera a Comissão – declarou, por um lado, que os incentivos concedidos pela BA produziram «efeitos de fidelização» e, por conseguinte, tiveram um efeito de exclusão (efeito eliminatório), e, por outro, que também não estavam economicamente justificados (27).

30.      Através deste fundamento, a BA coloca, no essencial, a questão de saber em que condições os descontos ou incentivos concedidos por empresas em posição dominante podem, em geral, ser considerados abusivos. Este fundamento é complementado pelos segundo a quarto fundamentos, que serão examinados a seguir, nos quais a BA analisa as exigências legais relativas à apreciação do impacto de tais descontos ou incentivos sobre concorrentes e consumidores.

1.      Principais argumentos das partes

31.      As partes estão em desacordo, no essencial, quanto à questão de saber se o Tribunal de Primeira Instância aplicou correctamente ao caso em apreço a jurisprudência do Tribunal de Justiça, tal como resulta, em especial, dos acórdãos Hoffmann‑La Roche/Comissão e Michelin I (28).

32.      Segundo a BA, o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao apreciar os seus regimes de comissões à luz de um critério incorrecto. Ao examinar o «carácter fidelizador», o Tribunal de Primeira Instância não diferenciou entre a fidelidade dos clientes que é assegurada através de um comportamento eliminatório abusivo e a fidelidade dos clientes resultante da concorrência lícita ao nível dos preços. A natureza da concorrência lícita através dos preços implica que uma empresa deve ser livre para conceder aos seus parceiros descontos mais elevados do que aos seus concorrentes. Segundo a BA, os critérios aplicados pelo Tribunal de Primeira Instância conduzem a uma considerável insegurança quanto ao alcance da concorrência lícita através dos preços e intimidam as empresas; por conseguinte, são contrários ao objectivo fundamental do direito comunitário da concorrência.

33.      Segundo a BA, no caso em apreço, o Tribunal de Primeira Instância devia ter aplicado o artigo 82.°, segundo parágrafo, alínea b), CE e examinado se a BA limitou, efectivamente, as possibilidades de venda dos seus concorrentes e se isto ocorreu em prejuízo dos consumidores. Uma tal limitação das possibilidades de venda dos concorrentes pressupõe, na opinião da BA, mais que a mera concessão de incentivos generosos. Em geral, só é concebível em dois tipos de casos, ambos não pertinentes no caso vertente:

–      por um lado, em casos em que a concessão de incentivos depende da condição de o beneficiário exercer a sua actividade ou ser abastecido exclusiva ou principalmente pela empresa em posição dominante (29), e

–      por outro, em situações em que o beneficiário dos incentivos não se pode decidir livremente entre a empresa em posição dominante e os seus concorrentes, por exemplo, porque só através de uma relação comercial preponderante com a empresa que detém a posição dominante pode esperar obter vantagens ou porque a empresa que detém a posição dominante pratica uma concorrência desleal através dos preços («predatory pricing») e os seus concorrentes não podem suportar essa pressão.

34.      Contrariamente, tanto a Comissão como a Virgin entendem que o Tribunal de Primeira Instância aplicou critérios correctos e conformes à jurisprudência existente até à data. A análise efectuada pelo Tribunal de Primeira Instância não padece de erro de direito. Além disso, a Virgin entende que a interpretação dada ao artigo 82.° CE pela BA implicaria, caso fosse aceite, uma alteração da jurisprudência, cuja magnitude seria comparável à do acórdão Keck e Mithouard (30).

2.      Apreciação

35.      Em primeiro lugar, no que toca à não orientação pelos critérios do artigo 82.°, segundo parágrafo, alínea b), CE, censurada pela BA, basta notar que esta disposição apenas dá um exemplo de abuso de uma posição dominante no mercado (31). Os descontos e incentivos de empresas em posição dominante podem violar o artigo 82.° CE, mesmo quando não correspondem a nenhum dos exemplos contidos no seu segundo parágrafo (32). Nesta medida, não se pode criticar o Tribunal de Primeira Instância por ter cometido um erro de direito.

36.      Também quanto ao conteúdo, o Tribunal de Primeira Instância de modo algum apreciou incorrectamente a situação jurídica tal como tem sido interpretada pela jurisprudência definida até então pelo Tribunal de Justiça.

a)      Inexistência de categorias fechadas de descontos e incentivos de carácter abusivo

37.      É certo que o Tribunal de Justiça constatou respectivamente, em ambos os acórdãos discutidos pela BA, o carácter abusivo de determinados descontos, que tinham sido concedidos por duas empresas em posição dominante.

38.      O processo Hoffmann‑La Roche/Comissão referia‑se a descontos cuja concessão estava, na maior parte dos casos, expressamente subordinada à condição de o parceiro em questão, durante um período de referência – em regra anual ou semestral –, se abastecer, relativamente a todas as suas necessidades de certas vitaminas, ou, de qualquer modo, na sua maior parte, junto da Hoffmann‑La Roche (33). O Tribunal de Justiça considerou que esse sistema de descontos constituía um abuso de posição dominante no mercado (34) e declarou que «a concessão de descontos de fidelidade destinados a incentivar o comprador a abastecer‑se exclusivamente junto da empresa em posição dominante [...] [é incompatível] com o objectivo de uma concorrência não falseada no mercado comum» (35).

39.      Também no acórdão Michelin I, o Tribunal de Justiça entendeu estar provado o abuso de uma posição dominante no mercado (36). É certo que, ao contrário do que se verificava no processo Hoffmann‑La Roche/Comissão, os parceiros comerciais da Michelin, a empresa em posição dominante, não estavam obrigados a abastecer‑se junto desta empresa no que se referia à totalidade ou a uma parte das suas necessidades (37). Porém, os descontos anuais variáveis concedidos pela Michelin estavam configurados como «descontos por objectivos»: para beneficiarem deles, os parceiros da Michelin tinham de cumprir objectivos de vendas individualizados. Estes objectivos de vendas eram definidos em função do volume de negócios alcançado pelo respectivo parceiro no ano anterior com pneus da Michelin (38). Além disso, o processo Michelin I caracterizava‑se por todo um conjunto de factores que levaram o Tribunal de Justiça a concluir que o sistema de descontos introduzido pela Michelin constituía um abuso de posição dominante no mercado. Em especial, o sistema de descontos controvertido tinha por base um «período de referência relativamente longo» de um ano (39), o funcionamento do sistema não era transparente para os contraentes e existia uma grande diferença entre as quotas de mercado da Michelin e as dos seus principais concorrentes.

40.      Mas, contrariamente ao que alega a BA, não é possível deduzir desta jurisprudência quaisquer categorias fechadas de sistema de descontos e de incentivos de carácter abusivo. De modo algum se pode deduzir dos acórdãos referidos que os descontos ou incentivos concedidos por uma empresa em posição dominante só são abusivos nas circunstâncias aí mais detalhadamente referidas. Isto conduziria a ignorar que os diferentes sectores económicos e mercados podem apresentar grandes diferenças e que a realidade económica está em constante transformação, o que pode também dar origem a novas práticas comerciais.

41.      São sobretudo decisivos os princípios pelos quais a jurisprudência proferida até à data pelo Tribunal de Justiça se tem norteado e que são aplicáveis a um caso como o aqui em apreço.

42.      Nestes termos, é necessário, por um lado, examinar se os descontos ou incentivos concedidos por uma empresa em posição dominante podem ter um efeito eliminatório, ou seja, se são susceptíveis de restringir ou mesmo suprimir o acesso ao mercado dos concorrentes da empresa em posição dominante e a possibilidade de os parceiros desta empresa escolherem entre várias fontes de abastecimento ou vários parceiros comerciais e, por outro, determinar se existe uma justificação económica objectiva para os descontos ou incentivos concedidos (40).

43.      Neste contexto, é indubitável que o aspecto da justificação económica objectiva só pode revestir importância quando os descontos ou incentivos concedidos têm um efeito eliminatório. Porém, ambas as fases da análise visam distinguir entre comportamentos lícitos e abusivos e, deste modo, assegurar que a legítima concorrência através dos preços não é comprometida pelo artigo 82.° CE.

b)      Primeira fase da análise: efeito eliminatório

44.      O Tribunal de Primeira Instância entendeu correctamente, em primeiro lugar, que o artigo 82.° CE pode também ser violado por regimes de descontos que não estão subordinados, como no caso Hoffmann‑La Roche, a uma condição de exclusividade, ou seja, em que se espera que o respectivo contraente se abasteça, no que se refere à totalidade ou a uma parte das suas necessidades, na empresa em posição dominante ou realize as suas próprias prestações exclusivamente ou em parte em proveito da empresa em posição dominante (41). Na verdade, mesmo na falta de uma tal condição, o efeito eliminatório de um sistema de descontos ou de incentivos pode resultar das restantes circunstâncias do caso (42). Ao contrário do entendimento da BA, também não é decisivo se os parceiros da empresa em posição dominante podem ainda escolher livremente entre várias fontes de abastecimento. Com efeito, o artigo 82.° CE não se aplica só quando não existe praticamente qualquer concorrência efectiva num mercado. Pelo contrário, o artigo 82.° CE tem também por objectivo proteger a concorrência ainda existente num mercado no qual, em consequência da presença da empresa em posição dominante, o grau de concorrência já está enfraquecido (43). De modo correspondente, o âmbito de aplicação desta norma é mais vasto, indo para além do do segundo tipo de casos definido pela BA (44).

45.      Assim, a determinação do efeito eliminatório dos descontos ou incentivos concedidos por uma empresa em posição dominante depende exclusivamente de uma apreciação de todas as circunstâncias do caso concreto (45). Esta orientação pelas circunstâncias do caso concreto garante simultaneamente que não são abrangidos quaisquer descontos e incentivos que, no respectivo mercado, podem ser considerados parte de uma concorrência lícita através dos preços.

46.      O ponto de partida da apreciação é constituído pelos respectivos critérios e modalidades da concessão de um desconto ou de um incentivo (46). Além disso, importa examinar se o sistema de descontos ou de incentivos em questão é, no seu conjunto, susceptível de impedir o acesso ao mercado dos concorrentes e de restringir ou mesmo suprimir a possibilidade de os parceiros da empresa em posição dominante escolherem entre várias fontes de abastecimento ou vários parceiros comerciais (47).

47.      Embora a jurisprudência não possa definir quaisquer categorias fechadas de sistemas de descontos e de incentivos com efeito eliminatório, pode fornecer indícios da existência de um tal efeito eliminatório no caso normal. A este respeito, são sobretudo relevantes três aspectos dos quais, segundo a jurisprudência, pode resultar que os descontos ou incentivos concedidos por uma empresa em posição dominante não constituem apenas expressão de uma oferta especialmente vantajosa no mercado.

48.      Em primeiro lugar, um efeito eliminatório pode resultar sobretudo de descontos e incentivos cuja concessão está subordinada à realização de objectivos de compraindividualmente definidos («descontos por objectivos» ou «incentivos por objectivos») (48). Se, por exemplo, foi prometido a um parceiro um desconto ou um incentivo no caso de obter durante num determinado período de referência, relativamente aos produtos da empresa em posição dominante (49), um volume de negócios idêntico ou mais elevado que no período de comparação do ano anterior, pode tornar‑se para ele menos atractiva uma mudança mesmo parcial para produtos da concorrência. Deste modo, a empresa em posição dominante pode exercer pressão sobre os seus parceiros e vinculá‑los. Isto permite‑lhe consolidar e até reforçar a sua posição no mercado (50).

49.      Como observado pelo Tribunal de Primeira Instância, os regimes de comissões aplicados pela BA funcionam precisamente de acordo com tais objectivos de vendas individuais, dado que estavam dependentes da evolução das vendas de bilhetes BA, realizadas pelas respectivas agências de viagens durante um determinado período (51).

50.      Em segundo lugar, a vinculação dos contraentes à empresa em posição dominante e a pressão sobre eles exercida são, em regra, especialmente fortes quando um desconto ou um incentivo não se referem apenas ao respectivo aumento das vendas no período de referência, mas retroactivamente ainda ao volume total das vendas de produtos da empresa em posição dominante, realizadas pelo contraente nesse período. Deste modo, mesmo alterações relativamente ligeiras – quer em alta quer em baixa – nas vendas de produtos da empresa dominante podem ter logo um impacto desproporcionado sobre o respectivo parceiro. Por exemplo, se o contraente comprar uma quantidade apenas ligeiramente inferior de produtos da empresa que detém a posição dominante do que no período de referência, corre, desde logo, o risco de já não poder beneficiar de um desconto ou de um incentivo ou, em qualquer caso, apenas de um desconto ou incentivo menores. Se, pelo contrário, comprar uma quantidade apenas ligeiramente maior destes produtos do que no período de referência, pode beneficiar de descontos ou incentivos mais substanciais, e isto subsequentemente também para todo o seu volume de vendas desses produtos, não apenas para o futuro mas também quanto a todos os produtos adicionalmente comprados (52). Assim, durante o período de referência, o contraente desconhece qual será, finalmente, a sua margem de lucro efectiva obtida com os produtos da empresa em posição dominante; isto é um forte incentivo para não passar para a concorrência – nem mesmo em parte.

51.      No caso em apreço, o Tribunal de Primeira Instância também chegou a esta conclusão quanto aos regimes de comissões da BA. Assim, as percentagens de comissão mais vantajosas aplicam‑se subsequentemente a todos os bilhetes BA vendidos pela respectiva agência de viagens, não apenas aos que foram vendidos após ter sido alcançado o objectivo de vendas; para a totalidade das receitas de comissões de uma agência de viagens pode, deste modo, ser de importância decisiva a circunstância de, após ter sido atingido um determinado volume de negócios, ter vendido ou não relativamente poucos bilhetes adicionais da BA (53). É precisamente a isto que o Tribunal de Primeira Instância se refere também ao mencionar os «efeitos colaterais ... muito sensíveis» dos regimes de comissões e ao sublinhar o forte impacto sobre as percentagens dos prémios de resultados que mesmo um ligeiro decréscimo nas vendas de bilhetes BA podia ter para uma agência de viagens (54). Neste contexto, não é necessário analisar se faz sentido equiparar a temida percentagem de comissão menos vantajosa a uma «penalidade»; independentemente da terminologia utilizada, é claro o que Tribunal de Primeira Instância pretendia exprimir: mesmo um ligeiro decréscimo nas vendas de bilhetes BA podia conduzir, na opinião do Tribunal de Primeira Instância, a perdas patrimoniais sensíveis da respectiva agência de viagens e, deste modo, impedir efectivamente uma opção pela concorrência.

52.      Em terceiro lugar, é especialmente difícil para os concorrentes da empresa em posição dominante competirem com tais descontos ou incentivos concedidos em função do volume total de vendas. Com efeito, a empresa em posição dominante, na posse de uma quota de mercado extremamente importante, é, em regra, um parceiro obrigatório para a parte contrária no jogo do mercado (55). Além disso, os descontos ou incentivos concedidos por uma empresa em posição dominante em função do volume total das vendas são, em regra, mais significativos, em valores absolutos, do que mesmo as ofertas mais generosas que, normalmente, podem ser propostas pela concorrência. Assim, para atrair os parceiros da empresa em posição dominante, estes concorrentes teriam de lhes oferecer descontos ou incentivos desproporcionados (56), o que frequentemente não seria rentável.

53.      Também no caso vertente, segundo o Tribunal de Primeira Instância, a quota de mercado da BA era claramente mais elevada do que as quotas dos seus cinco principais concorrentes presentes no Reino Unido; estes concorrentes não estavam, por isso, em condições de conceder às agências de viagens as mesmas vantagens que a BA (57).

54.      Deste modo, o Tribunal de Primeira Instância situa‑se na linha da jurisprudência seguida até à data e efectuou as verificações normalmente necessárias, ao examinar o efeito eliminatório (efeito de exclusão) dos regimes de comissões adoptados pela BA.

55.      Se estas asserções do Tribunal de Primeira Instância quanto às condições do mercado e à situação concorrencial eram materialmente exactas e convincentes, não podem constituir o objecto do presente recurso. Excepto em caso de eventual desvirtuação dos factos ou dos elementos de prova, que não foi aqui invocada, não se está em presença, com efeito, de quaisquer questões de direito às quais o recurso para o Tribunal de Justiça está limitado (artigo 225.°, n.° 1, CE e artigo 58.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça) (58). Por conseguinte, não é relevante a objecção da BA segundo a qual os seus concorrentes estavam, sem dúvida, em condições financeiras de apresentarem contra‑ofertas competitivas às agências de viagens. O mesmo vale para o argumento da BA segundo o qual o Tribunal de Primeira Instância atribuiu demasiada importância aos «efeitos colaterais ... muito sensíveis [dos regimes de comissões]». Na verdade, a BA questiona, em última análise, a apreciação dos factos e das provas pelo Tribunal de Primeira Instância, o que é inadmissível no caso de recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância.

c)      Segunda fase da análise: justificação económica objectiva

56.      O Tribunal de Primeira Instância procedeu correctamente ao examinar primeiro a questão do efeito eliminatório (efeito de exclusão) e, a seguir, se os regimes de comissões utilizados pela BA têm uma justificação económica objectiva.

57.      Nem todos os descontos e incentivos que uma empresa em posição dominante concede aos seus concorrentes e que produzem um efeito eliminatório são necessariamente abusivos e, por isso, proibidos por força do artigo 82.° CE. Pelo contrário, segundo jurisprudência assente, só devem ser considerados abusivos os descontos e incentivos que não se baseiam numa prestação económica que os justifique (59). Se, ao invés, for possível reconhecer uma justificação económica objectiva para os descontos ou incentivos, estes não devem ser considerados abusivos apesar do efeito eliminatório que produzem.

58.      Para ilustrar a diferença entre descontos ou incentivos abusivos e os que têm uma justificação económica objectiva, é frequente comparar os descontos de quantidade com os descontos de fidelidade (60). Por exemplo, no acórdão Hoffmann‑La Roche/Comissão (61), o Tribunal de Justiça declarou que: «O desconto de fidelidade, ao contrário dos descontos de quantidade, relacionados exclusivamente com o volume das compras efectuadas junto do produtor interessado, tem por objectivo impedir o abastecimento dos clientes junto dos produtores concorrentes através da concessão de uma vantagem financeira.» No mesmo acórdão, o Tribunal de Justiça considerou que, caracteristicamente, um desconto de quantidade justificado do ponto de vista económico é concedido em função de quantidades fixadas objectivamente e válidas para o conjunto dos compradores e não, como, por exemplo, um desconto por objectivos, em função de objectivos de vendas individuais, fixados de forma diferente consoante os parceiros e a sua capacidade de absorção (62).

59.      Porém, independentemente da utilização dos conceitos «desconto de quantidade» e «desconto de fidelidade», a justificação económica de tais descontos ou incentivos deve ser sempre apreciada em função do conjunto das circunstâncias do caso concreto. É decisivo saber se o efeito eliminatório dos descontos ou incentivos, que é nefasto para a concorrência, pode ser compensado ou mesmo superado por ganhos de eficiência que podem também, de modo perceptível, beneficiar o consumidor (63). Em última análise, é decisivo ponderar as vantagens e desvantagens para a concorrência e para os consumidores. Se o efeito eliminatório do sistema de descontos ou de incentivos de uma empresa em posição dominante não apresenta qualquer relação evidente com vantagens para a concorrência e os consumidores ou vai para além do que é necessário para obter tais vantagens, este sistema de descontos ou de incentivos deve ser considerado abusivo.

60.      Por exemplo, um desconto concedido em função de quantidades objectivas e válido para o conjunto dos parceiros, é normalmente justificável por economias de custos que cada fabricante pode obter através da produção de quantidades maiores (64). Em regra, a situação é diferente no caso de um desconto que depende do cumprimento pelo respectivo parceiro de objectivos de vendas individualmente definidos e que visa, em primeira linha, vinculá‑lo à empresa em posição dominante e impedir que venha a optar por empresas concorrentes.

61.      No caso vertente, o Tribunal de Primeira Instância norteou‑se correctamente pelos critérios decorrentes da jurisprudência definida até à data. Examinou pormenorizadamente a justificação económica dos regimes de comissões da BA (65). Neste contexto, procedeu de modo correcto ao afastar‑se da classificação meramente esquemática destes regimes como descontos de quantidade ou descontos de fidelidade e analisou em detalhe os argumentos da BA, em especial os relativos à importância dos custos fixos e da utilização das capacidades no sector dos transportes aéreos. Com base na sua apreciação das circunstâncias do caso concreto, o Tribunal de Primeira Instância concluiu que as comissões da BA não tinham qualquer justificação económica objectiva.

62.      Note‑se de novo, neste contexto, que não compete ao Tribunal de Justiça examinar, em sede do presente recurso, a exactidão material e o carácter convincente das asserções do Tribunal de Primeira Instância relativas às condições do mercado e à situação concorrencial (66). Por conseguinte, são irrelevantes, em especial, as novas alegações da BA quanto à importância dos custos fixos e da utilização das capacidades no sector dos transportes aéreos. Com efeito, a BA questiona deste modo a apreciação dos factos e das provas pelo Tribunal de Primeira Instância, o que é inadmissível em sede de recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância.

d)      Conclusão provisória

63.      Deste modo, ao examinar os regimes de comissões da BA, o Tribunal de Primeira Instância não cometeu qualquer erro de direito quanto aos critérios de apreciação. Em consequência, há que julgar improcedente o primeiro fundamento.

C –    Quanto ao segundo fundamento: impacto dos regimes de comissões sobre os concorrentes

64.      O segundo fundamento da BA está estreitamente relacionado com o primeiro. Refere‑se aos n.os 293 a 298 do acórdão recorrido e incide, de novo, sobre as conclusões do Tribunal de Primeira Instância quanto aos efeitos dos regimes de comissões da BA. Aí, o Tribunal de Primeira Instância entendeu que não era necessário demonstrar que os regimes de comissões tiveram um efeito concreto nos mercados em questão (67), quando, de qualquer modo, os regimes de comissões no caso em apreço eram efectivamente susceptíveis de ter um efeito restritivo nos mercados britânicos dos serviços de agências de viagens aéreas e do transporte aéreo, tendo a Comissão demonstrado concretamente esse efeito (68).

1.      Principais argumentos das partes

65.      Segundo a BA, o Tribunal de Primeira Instância não teve em conta que o artigo 82.° CE exige, em geral, uma análise do impacto dos regimes de comissões sobre o mercado. Em qualquer caso, neste ponto, a argumentação do Tribunal de Primeira Instância é incompleta e contraditória. Por um lado, o Tribunal de Primeira Instância reconheceu, como prova suficiente do efeito restritivo da concorrência produzido pelos regimes de comissões, que o comportamento da empresa em posição dominante «é de natureza ou susceptível de ter tal efeito» (69). Por outro lado, apenas com base no facto de que 85% dos bilhetes vendidos no Reino Unido no período em causa eram escoados através de agências de viagens, conclui que o regime de comissões da BA «não pôde deixar de produzir» um efeito de exclusão (70). Além disso, entende que é irrelevante se os regimes de comissões tiveram, efectivamente, um efeito anticoncorrencial. Por último, não teve em consideração provas em contrário, das quais resulta que os regimes de comissões da BA não tiveram qualquer efeito eliminatório substancial relativamente aos seus concorrentes: a quota de mercado da BA diminuiu no período em causa, enquanto, ao mesmo tempo, as quotas de mercado dos seus concorrentes aumentaram.

66.      Este fundamento é considerado inadmissível pela Virgin e improcedente pela Comissão.

2.      Apreciação

67.      A parte principal do segundo fundamento da BA incide sobre a questão de saber se a verificação de uma prática abusiva nos termos do artigo 82.° CE pressupõe que se demonstre um impacto efectivo e substancial do comportamento da empresa em posição dominante sobre os seus concorrentes. Trata‑se de uma questão de direito, que pode ser colocada no âmbito de um recurso.

68.      As reflexões a este respeito devem ter como ponto de partida o objectivo de protecção do artigo 82.° CE. Esta disposição faz parte de um regime que visa garantir que a concorrência não seja falseada no mercado interno [artigo 3.°, n.° 1, alínea g), CE]. Deste modo, o artigo 82.° CE, tal como as outras regras do Tratado em matéria de concorrência, não se destina, em primeira linha, a proteger os interesses directos dos diferentes concorrentes ou consumidores, mas sim a estruturado mercado e, deste modo, a concorrência como tal (como instituição), que já está enfraquecida pela presença da empresa com posição dominante no mercado (71). Deste modo também se protege indirectamente o consumidor (72). Com efeito, quando exista prejuízo para a concorrência há que temer, também, que daí decorram, em última instância, desvantagens para os consumidores.

69.      Assim, o comportamento de uma empresa em posição dominante não deve ser considerado abusivo, na acepção do artigo 82.° CE, apenas quando teve um impacto concreto sobre os diferentes operadores no mercado, sejam estes concorrentes ou consumidores. Pelo contrário, um comportamento da empresa em posição dominante é, desde logo, abusivo, quando se opõe ao objectivo de garantir que a concorrência não seja falseada no mercado interno [artigo 3.°, n.° 1, alínea g), CE] (73). Com efeito, como já foi referido, incumbe à empresa em posição dominante uma responsabilidade particular de não lesar, pelo seu comportamento, uma concorrência efectiva e não falseada no mercado comum (74).

70.      Por isso, a própria BA indica correctamente (75) que não é necessário demonstrar em cada caso o efectivo impacto anticoncorrencial de um sistema de descontos ou de incentivos sobre os concorrentes. Desde logo, o esforço que as autoridades da concorrência, os tribunais e, eventualmente, os particulares recorrentes teriam de despender para apresentar, mesmo sumariamente, uma tal prova seria, em muitos casos, totalmente desproporcionado.

71.      Pelo contrário, é necessário demonstrar apenas que o correspondente comportamento é susceptível de impedir, através do recurso a mecanismos diferentes dos que regulam a concorrência de prestações, a manutenção do grau de concorrência ainda existente no mercado ou o desenvolvimento dessa concorrência e, deste modo, contrariar o objectivo de uma concorrência efectiva e não falseada no mercado comum. Logo, quanto aos descontos ou incentivos de uma empresa em posição dominante, é necessário provar que são susceptíveis de (76) restringir ou mesmo suprimir o acesso ao mercado dos concorrentes da empresa em posição dominante e a possibilidade de os seus parceiros escolherem entre várias fontes de abastecimento ou vários parceiros comerciais (77).

72.      Neste contexto, como já foi referido a propósito do primeiro fundamento(78), devem sempre ser apreciadas todas as circunstâncias do caso concreto. Com efeito, pode resultar destas circunstâncias, em especial dos critérios e modalidades de concessão dos descontos ou incentivos, bem como de determinadas condições do mercado, que o comportamento de uma empresa em posição dominante não era susceptível de perturbar a concorrência no mercado em causa.

73.      Por outras palavras, é decisivo determinar se, não apenas em abstracto, mas também em concreto, os descontos ou incentivos da empresa em posição dominante eram susceptíveis de restringir ou mesmo suprimir o acesso ao mercado dos concorrentes da empresa em posição dominante e a possibilidade de os parceiros desta empresa escolherem entre várias fontes de abastecimento ou vários parceiros comerciais.

74.      Por outro lado, a questão de saber se os efeitos anticoncorrenciais de práticas de preços abusivas da empresa em posição dominante se produziram, sob a forma de uma perturbação ou mesmo de uma completa exclusão dos seus concorrentes, pode ser importante para o cálculo do montante de uma coima a aplicar (79). Porém, no presente recurso, a BA não alega que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao calcular a coima.

75.      No caso vertente, o Tribunal de Primeira Instância procedeu correctamente ao nortear‑se, nos n.os 66 a 72, pelos princípios indicados, e ao entender ser suficiente a prova de que o comportamento abusivo da empresa em posição dominante «tende a restringir a concorrência ou, por outras palavras, que o comportamento é de natureza ou susceptível de ter tal efeito» (80).

76.      Não é fundada a crítica que a BA faz, neste ponto, à referência explicativa do Tribunal de Primeira Instância ao comportamento «de natureza ou susceptível de». Está demasiadamente ligada à letra de uma única passagem do acórdão e assenta, além disso, numa pura subtileza semântica, a distinção entre «de natureza» e «susceptível de» ou – na versão inglesa do acórdão recorrido, que faz fé – entre as expressões «capable of having» e «likely to have». Na verdade, o critério que é efectivamente aplicado pelo Tribunal de Primeira Instância no caso em apreço é expresso na formulação «tends to restrict competition», no qual o Tribunal de Justiça já se tinha baseado, em especial, no acórdão Michelin I (81).

77.      Além disso, ao ler outros excertos do acórdão recorrido, torna‑se claro que o Tribunal de Primeira Instância não se limitou, no caso em apreço, a um exame puramente abstracto dos regimes de comissões da BA, mas apreciou a sua susceptibilidade de entravar a concorrência, muito em concreto, à luz das circunstâncias deste caso. Em especial, o Tribunal de Primeira Instância atendeu às condições concretas do mercado, designadamente à evolução das quotas de mercado da BA e dos seus concorrentes e ao facto de que, no período pertinente, 85% de todos os bilhetes vendidos no Reino Unido eram escoados através de agências de viagens (82).

78.      Em suma, o Tribunal de Primeira Instância não descurou as exigências legais relativas à prova da susceptibilidade de o comportamento da empresa em posição dominante entravar a concorrência. Assim, a primeira parte do segundo fundamento é admissível, mas improcedente.

79.      Através dos seus restantes argumentos apresentados no segundo fundamento, a BA alega, no essencial, que o Tribunal de Primeira Instância não ponderou suficientemente provas em contrário, como a diminuição da quota de mercado da BA, das quais decorre a falta de impacto das suas comissões sobre os concorrentes. Refere ainda que o Tribunal de Primeira Instância baseou incorrectamente a sua argumentação no facto de, no período pertinente, 85% de todos os bilhetes vendidos no Reino Unido serem escoados através de agências de viagens.

80.      A este respeito, basta notar que não compete ao Tribunal de Justiça, em sede do presente recurso, apreciar a exactidão material e o carácter convincente das conclusões do Tribunal de Primeira Instância quanto às condições do mercado e à situação concorrencial. A apreciação dos factos e dos elementos de prova – com excepção do caso de desvirtuamento que, no entanto, não foi aqui invocado – compete exclusivamente ao Tribunal de Primeira Instância e não pode ser posta em causa em sede de recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância (83). Quando o Tribunal de Primeira Instância tenha apurado ou apreciado os factos, o Tribunal de Justiça só é competente para exercer, por força do artigo 225.° CE, a fiscalização da qualificação jurídica desses factos e das consequências jurídicas daí retiradas pelo Tribunal de Primeira Instância (84).

81.      A questão de saber se os regimes de comissões utilizados pela BA, face à participação das agências de viagens na venda de 85% de todos os bilhetes, eram susceptíveis de produzir um efeito eliminatório, insere‑se no âmbito da apreciação das condições concretas do mercado, tal como as conclusões que o Tribunal de Primeira Instância tirou da diminuição da quota de mercado da BA no período em questão. As considerações tecidas pelo Tribunal de Primeira Instância quanto a este ponto não dizem respeito à qualificação jurídica do comportamento da BA como abusivo, mas a questões de natureza factual, prévias a esta qualificação.

82.      Logo, esta parte da argumentação da BA relativa ao segundo fundamento é inadmissível.

83.      De todo o modo, tudo isto seria diferente se o Tribunal de Primeira Instância tivesse manifestamente violado as regras da lógica nas suas declarações sobre a diminuição da quota de mercado da BA. Efectivamente, a alegação de que se verificou uma violação das regras da lógica deve ser admissível em recurso da decisão do Tribunal de Primeira Instância, como o é a alegação da desvirtuação dos factos ou de elementos de prova. Mesmo que se queira interpretar a alegação da BA neste sentido, seria sempre inadmissível. Como concretamente declarou o Tribunal de Primeira Instância (85), não é possível excluir a possibilidade de que, sem os regimes de comissões da BA, as quotas de mercado dos seus concorrentes teriam aumentado de forma mais significativa. Assim, a redução que se verificou na quota de mercado da BA não deve ser obrigatoriamente considerada um indício de que o seu regime de comissões não tinha repercussões.

84.      Nestas condições, o segundo fundamento deve ser julgado improcedente na sua totalidade.

D –    Quanto ao terceiro fundamento: prejuízo para os consumidores na acepção do artigo 82.°, segundo parágrafo, alínea b), CE

85.      O terceiro fundamento da BA está também estreitamente relacionado com o primeiro. Através dele, a BA alega que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao não examinar se o comportamento da BA implicou um prejuízo dos consumidores na acepção do artigo 82.°, segundo parágrafo, alínea b), CE.

86.      Tal como já foi referido (86), o artigo 82.° CE não se destina, em primeira linha, a proteger os interesses directos de concorrentes ou consumidores individuais, mas a estrutura do mercado e, deste modo, a concorrência como tal (como instituição), que já está enfraquecida pela presença da empresa dominante no mercado. Por conseguinte, o artigo 82.° CE aplica‑se não apenas a práticas susceptíveis de causar um prejuízo directo aos consumidores, mas também àquelas que lhes causam um prejuízo indirecto ao violarem uma estrutura de concorrência efectiva, como está prevista no artigo 3.°, n.° 1, alínea g), CE (87).

87.      Assim, basta provar que o sistema de descontos ou de incentivos de uma empresa em posição dominante é susceptível de restringir ou mesmo suprimir o acesso ao mercado dos concorrentes desta empresa e a possibilidade de os seus parceiros escolherem entre várias fontes de abastecimento ou vários parceiros comerciais. Caso se verifique um tal entrave à concorrência ainda existente, pode supor‑se que também os consumidores são indirectamente prejudicados.

88.      Esta conclusão não é infirmada pelo facto de que o artigo 82.°, segundo parágrafo, alínea b), CE fala expressamente de limitar a produção, a distribuição ou o desenvolvimento técnico em prejuízo dos consumidores. Com efeito, esta disposição constitui apenas um exemplo de abuso de uma posição dominante no mercado (88), no qual nem a Comissão nem o Tribunal de Primeira Instância se basearam no caso em apreço. Os descontos e incentivos de empresas em posição dominante podem violar o artigo 82.° CE, mesmo quando não correspondem a nenhum dos exemplos referidos no seu segundo parágrafo (89).

89.      Mas, mesmo aplicando o artigo 82.°, segundo parágrafo, alínea b), CE a um caso como o em apreço, para afirmar que existe um prejuízo para os consumidores bastaria a prova de que os descontos ou incentivos da empresa em posição dominante tornam difícil ou impossível que os seus concorrentes lhe façam concorrência, sem que isso se justifique objectivamente em termos económicos (90). Assim, também aqui se deve entender que se pode presumir um prejuízo indirecto para os consumidores, caso se verifique que o comportamento de uma empresa em posição dominante é susceptível de afectar a estrutura da concorrência, a não ser que exista uma justificação económica objectiva para tal.

90.      Esta é precisamente a argumentação utilizada pelo Tribunal de Primeira Instância no acórdão recorrido (91).

91.      Neste contexto, não é possível descortinar qualquer erro de direito do Tribunal de Primeira Instância. Em consequência, também o terceiro fundamento deve ser julgado improcedente.

E –    Quanto ao quarto fundamento: duração do período de referência e falta de quantificação do impacto dos regimes de comissões sobre os concorrentes

92.      O quarto fundamento da BA compreende duas partes, a primeira relativa às diferenças entre os acordos de marketing e o novo regime de prémios de resultados e a segunda respeitante de novo às exigências relativas à prova do efeito eliminatório destes regimes de comissões.

93.      Através da primeira parte do seu quarto fundamento, a BA critica o Tribunal de Primeira Instância por ter atribuído, incorrectamente, os mesmos efeitos aos acordos de marketing e ao regime de prémios de resultados. Alega que as condições a eles aplicadas eram diferentes e que, pelo menos um dos dois, o regime de prémios de resultados, não podia, de modo algum, sobretudo devido aos seus curtos períodos de referência de respectivamente um mês, ter um efeito eliminatório.

94.      É verdade que a duração do período de referência a que se reportam os descontos ou incentivos concedidos por empresas em posição dominante pode influenciar o seu eventual efeito eliminatório (92). Efectivamente, quanto mais longo for o período de referência, tanto mais incerto será para o parceiros saber se, no final deste período, terá realizado um volume de negócios suficiente para beneficiar de um desconto ou de um incentivo (93). Até esse momento também não sabe qual o preço unitário líquido que tem de pagar pelos respectivos produtos no período de referência e, portanto, qual será a sua própria margem de lucro.

95.      Decisiva para se determinar a susceptibilidade do sistema de descontos ou de incentivos ter um efeito eliminatório no mercado é, contudo, – como já foi referido – uma apreciação global de todas as circunstâncias do caso concreto (94). Como a Comissão correctamente sublinha, é importante não só a duração absoluta do respectivo período de referência em que as vendas deviam ser realizadas, mas também quanto tempo decorreu desde o respectivo período de comparação. Não está excluído que também um sistema no qual são sempre tomados como referência, em cada mês, os períodos decorridos num ano anterior, o incentivo contínuo para aumentar as vendas possa resultar numa vinculação a longo prazo dos respectivos parceiros à empresa em posição dominante e dificultar‑lhes uma opção pela concorrência.

96.      No caso em apreço, o Tribunal de Primeira Instância referiu expressamente que também o novo regime de prémios de resultados tinha um «efeito fidelizador» (95), embora destacando bem quanto aos períodos de referência – tal como a Comissão – as diferenças face aos acordos de marketing (96). Contudo, segundo as asserções do Tribunal de Primeira Instância, era essencial não tanto a duração dos respectivos períodos de referência, como a possibilidade de ambos os regimes, devido aos seus «efeitos colaterais ... muito sensíveis», alterarem exponencialmente as percentagens de comissão de um período de referência para outro (97) e que os concorrentes da BA, devido à sua quota de mercado substancialmente inferior, não estavam em condições de compensar o efeito absoluto destas comissões através de contra‑ofertas (98). No caso em apreço, o Tribunal de Primeira Instância atribuiu importância decisiva a estas semelhanças entre ambos os regimes de comissões da BA.

97.      A apreciação das circunstâncias do caso concreto que foi efectuada insere‑se no âmbito da apreciação dos factos e das provas e é da exclusiva competência do Tribunal de Primeira Instância. Como foi observado anteriormente, no quadro do presente recurso, não compete ao Tribunal de Justiça examinar a exactidão material e o carácter convincente da apreciação das condições do mercado e da situação concorrencial (99). Consequentemente, o Tribunal de Justiça não pode substituir a sua apreciação quanto à duração dos períodos de referência neste caso concreto e ao seu significado relativamente ao efeito eliminatório dos regimes de comissões da BA à apreciação do Tribunal de Primeira Instância.

98.      Dado que não foi possível comprovar a existência de qualquer erro de direito, a primeira parte do quarto fundamento é improcedente.

99.      Na segunda parte do seu quarto fundamento, a BA critica o Tribunal de Primeira Instância por não ter quantificado, nas suas afirmações, o efeito eliminatório dos seus regimes de comissões e, deste modo, não ter apreciado todas as circunstâncias do caso concreto. Limitou‑se a afirmações genéricas relativas, por exemplo, aos «efeitos colaterais ... muito sensíveis» e à possibilidade de um «aumento exponencial» das percentagens de comissão de um período de referência para outro (100).

100. Contrariamente ao entendimento da Comissão, este argumento não deve ser rejeitado como extemporâneo nos termos do artigo 42.°, n.° 2, conjugado com o artigo 118.° do Regulamento de Processo porque a BA não contestou em primeira instância a parte em causa da decisão da Comissão, designadamente os cálculos efectuados no considerando 30. Na verdade, a presente crítica da BA não se dirige contra os próprios cálculos da Comissão, mas contra as asserções do Tribunal de Primeira Instância quanto aos regimes de comissões da BA, censuradas por esta última. Assim, é admissível a segunda parte do quarto fundamento.

101. Mas, quanto ao conteúdo, o argumento da BA é improcedente. Com efeito, as afirmações do Tribunal de Primeira Instância criticadas pela BA devem ser consideradas no contexto dos cálculos efectuados pela Comissão, uma vez que o Tribunal de Primeira Instância cita expressamente, no seu acórdão recorrido, o considerando 30 da decisão impugnada, reproduzindo‑o. Entendidas deste modo, as afirmações do Tribunal de Primeira Instância criticadas pela BA estão suficientemente quantificadas. Assim, não pode ser acolhida a crítica de que são demasiado imprecisas.

102. Deste modo, há que julgar improcedentes ambas as partes do quarto fundamento.

F –    Quanto ao quinto fundamento: efeito discriminatório dos regimes de comissões [artigo 82.°, segundo parágrafo, alínea c), CE]

103. O quinto fundamento da BA refere‑se aos n.os 233 a 240 do acórdão recorrido, nos quais o Tribunal de Primeira Instância reiterou as conclusões da Comissão quanto ao carácter discriminatório dos regimes de comissões da BA. O Tribunal de Primeira Instância conclui aí que os regimes de comissões da BA produziam efeitos discriminatórios ao nível das agências de viagens estabelecidas no Reino Unido e, portanto, acarretavam para algumas delas uma desvantagem concorrencial, na acepção do artigo 82.°, segundo parágrafo, alínea c), CE (101).

1.      Principais argumentos das partes

104. Segundo a BA, o artigo 82.°, segundo parágrafo, alínea c), CE não exige que todos os parceiros de uma empresa em posição dominante tenham de beneficiar dos mesmos preços e condições. Uma tal interpretação seria contrária a uma política de concorrência sã. Só são proibidas distinções quando as transacções comparadas são equivalentes, as condições aplicadas a estas transacções são desiguais e um parceiro comercial é colocado, por esse facto, em desvantagem concorrencial. Nestas condições, a BA entende que o Tribunal de Primeira Instância aplicou incorrectamente o artigo 82.°, segundo parágrafo, alínea c), CE no caso em apreço.

105. Por um lado, o Tribunal de Primeira Instância não tem em conta que a situação das agências de viagens, cujas vendas de bilhetes da BA aumentam num determinado período, não é comparável à de outras agências de viagens, que não registam um tal aumento das vendas. Essencialmente, a BA argumenta que uma agência de viagens que aumenta as suas vendas de bilhetes de uma determinada companhia aérea é especialmente útil para esta companhia, e isto justifica que seja recompensada.

106. Por outro lado, alega que o Tribunal de Primeira Instância, em vez de aplicar o teor literal do artigo 82.°, segundo parágrafo, alínea c), CE, se contentou em supor, sem mais, que «naturalmente» foi afectada a concorrência entre as agências de viagens (102). No acórdão recorrido falta uma análise mais detalhada deste obstáculo à concorrência.

107. Em contrapartida, a Comissão e a Virgin concordam que, com os regimes de comissões da BA, foram tratadas de maneira diferente situações comparáveis sem justificação objectiva. A Comissão alega ainda que não era juridicamente necessária uma análise detalhada do obstáculo à concorrência para as agências de viagens em causa; a Virgin entende que, de qualquer modo, este obstáculo é evidente.

2.      Apreciação

108. O artigo 82.°, segundo parágrafo, alínea c), CE contém um exemplo de abuso de uma posição dominante no mercado, que consiste em «[a]plicar, relativamente a parceiros comerciais, condições desiguais no caso de prestações equivalentes colocando‑os, por esse facto, em desvantagem na concorrência».

109. No caso em apreço, é pacífico que a BA aplicou percentagens de comissão diferentes às agências de viagens estabelecidas no Reino Unido, consoante estas tinham alcançado ou não os seus objectivos individuais de vendas em comparação com o período do ano anterior.

110. Resta esclarecer se o Tribunal de Primeira Instância entendeu correctamente que as situações eram comparáveis («prestações equivalentes») e se podia prescindir, sem erro de direito, de comprovar detalhadamente a existência de um obstáculo à concorrência.

a)      Equivalência das prestações das agências de viagens (primeira parte do quinto fundamento)

111. O acórdão recorrido parte da premissa de que duas agências de viagens que, no período de referência, realizaram com a venda de bilhetes BA «um montante de receitas idêntico», ou seja, cujas vendas de bilhetes BA nesse período foram idênticas, em valores absolutos, realizaram prestações equivalentes («serviços idênticos») (103).

112. A necessária análise das circunstâncias do caso concreto, a partir das quais é possível deduzir a comparabilidade ou diversidade das prestações de agências de viagens para uma companhia aérea como a BA (104), pertence, em princípio, à apreciação dos factos e dos elementos de prova e, deste modo, compete exclusivamente ao Tribunal de Primeira Instância. Como já foi referido, o Tribunal de Justiça não é competente para, em sede do presente recurso, substituir a apreciação do Tribunal de Primeira Instância sobre a situação do mercado pela sua própria apreciação (105).

113. Em contraste, o Tribunal de Justiça pode apreciar os critérios aplicados pelo Tribunal de Primeira Instância, pois é uma questão de direito saber se o Tribunal de Primeira Instância, ao apreciar as circunstâncias do caso concreto, aplicou critérios admissíveis ou inadmissíveis ou se, porventura, não teve em conta critérios cuja observância teria sido juridicamente necessária.

114. Como todas as proibições de discriminação constantes do Tratado, a proibição específica de discriminação do artigo 82.°, segundo parágrafo, alínea c), CE é também expressão do princípio geral da igualdade de tratamento e exige que situações comparáveis não sejam tratadas de maneira diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de maneira igual, a não ser que tal tratamento seja objectivamente justificado (106). Por outras palavras, só considerações comerciais legítimas podem justificar o tratamento diferente de parceiros comerciais pela empresa em posição dominante (107). Tais considerações legítimas podem servir de base, por exemplo, a descontos de quantidade (108). Pelo contrário, as considerações comerciais que, atendendo às circunstâncias do caso concreto, se traduzem num comportamento anticoncorrencial não podem, de modo algum, ser invocadas para justificar um tratamento diferente de parceiros comerciais.

115. No caso vertente, a BA sustenta, no essencial, que o Tribunal de Primeira Instância devia ter tomado em conta a maior utilidade económica – na perspectiva de cada companhia aérea – das prestações das agências de viagens que alcançaram o seu objectivo individual de vendas ou aumentaram as suas vendas.

116. Foi correctamente que o Tribunal de Primeira Instância não teve em consideração este critério. Com efeito, segundo as conclusões do Tribunal de Primeira Instância, nas circunstâncias do caso vertente, os objectivos individuais de vendas bem como o incentivo para as aumentar eram parte de um comportamento anticoncorrencial da BA. Logo, a BA não podia legitimamente associar considerações comerciais ao cumprimento ou incumprimento precisamente destes objectivos de vendas individuais. O cumprimento ou incumprimento dos objectivos de vendas, que estavam na base dos regimes de comissões da BA, não podia constituir um motivo de diferenciação objectiva entre as prestações das agências de viagens estabelecidas no Reino Unido.

117. Caso contrário, o Tribunal de Primeira Instância estaria também a contradizer a sua própria constatação de que as comissões concedidas pela BA produzem, devido ao seu «efeito fidelizador», um efeito de exclusão, lesivo da concorrência, e também não têm uma justificação económica objectiva (109). A mesma circunstância não pode, por um lado, ser estigmatizada como anticoncorrencial e, por outro, ser simultaneamente reconhecida como motivo de diferenciação objectiva. Se é abusivo vincular os parceiros através de determinados objectivos individuais de vendas, não pode ser legítimo distinguir entre as respectivas prestações precisamente de acordo com este critério anticoncorrencial, ou seja, consoante tenham alcançado ou não os objectivos individuais de vendas que lhes foram fixados (110).

118. Nesta medida, é irrelevante saber se o alcance dos objectivos individuais de vendas pelas agências de viagens era desejável na perspectiva da BA e merecia uma recompensa. Com efeito, a exploração abusiva de posição dominante no mercado é um conceito objectivo (111). Por conseguinte, a discriminação de parceiros comerciais deve ser apreciada de acordo com critérios objectivos e não subjectivos.

119. O Tribunal de Primeira Instância não cometeu, portanto, qualquer erro de direito ao reconhecer como equivalentes as prestações de agências de viagens, cujas vendas de bilhetes BA eram idênticas, em valores absolutos, num determinado período.

b)      Exigências no que respeita à determinação de um obstáculo à concorrência (segunda parte do quinto fundamento)

120. Além disso, coloca‑se a questão de saber se é suficiente a mera declaração do Tribunal de Primeira Instância de que a aptidão das agências de viagens para fazerem concorrência entre si era «naturalmente afectada pelas condições discriminatórias de remuneração», ou se teria sido necessária a prova concreta de um obstáculo à concorrência.

121. Por último, coloca‑se deste modo a questão de saber se o artigo 82.°, segundo parágrafo, alínea c), CE prevê um exame em duas etapas, ou seja, se a formulação «colocando‑os, por esse facto, em desvantagem na concorrência» tem um conteúdo autónomo ou apenas o carácter de um complemento explicativo com valor declarativo.

122. É escassa a jurisprudência existente sobre esta disposição (112).

123. As reflexões a este respeito devem ter como ponto de partida o ratio do artigo 82.°, segundo parágrafo, alínea c), CE. A proibição específica de discriminação regulada nesta disposição faz parte do regime que, nos termos do artigo 3.°, n.° 1, alínea g), CE, deve garantir que a concorrência não seja falseada no mercado interno. A concorrência num mercado situado a montante ou a jusante, ou seja, a concorrência entre fornecedores ou entre clientes da empresa em posição dominante, não deve ser falseada através do comportamento desta empresa. Ao competirem entre si, os parceiros da empresa em posição dominante não devem ser favorecidos nem prejudicados.

124. Deste modo, a segunda parte do artigo 82.°, segundo parágrafo, alínea c), CE representa mais do que um simples complemento explicativo com valor declarativo. A aplicação desta norma exige, por um lado, a determinação de que existe uma relação de concorrência entre os parceiros comerciais afectados da empresa em posição dominante (113) e, por outro, a prova de que o comportamento da empresa em posição dominante é, em concreto, susceptível defalsear esta relação de concorrência, ou seja, de afectar a posição concorrencial de uma parte dos parceiros comerciais da empresa em posição dominante relativamente aos outros.

125. Em contrapartida, não se pode exigir que se prove a produção efectiva de um dano quantificável ou de uma deterioração efectiva e quantificável da posição concorrencial dos diferentes parceiros comerciais da empresa em posição dominante. Com efeito, conforme acima indicado, o artigo 82.° CE visa, em primeira linha, proteger a concorrência como instituição (114). Por isso, também no âmbito do seu segundo parágrafo, alínea c), a discriminação de parceiros comerciais que se encontram numa relação de concorrência pode ser logo considerada abusiva quando, atendendo às circunstâncias de cada caso individual, o comportamento da empresa em posição dominante seja susceptível, em concreto, de causar uma distorção da concorrência entre esses parceiros comerciais.

126. Aplicando estes critérios, a argumentação do Tribunal de Primeira Instância no acórdão recorrido parece ser extremamente sucinta.

127. Mas, mesmo assim, o Tribunal de Primeira Instância constata que as agências de viagens estabelecidas no Reino Unido estão em grande concorrência entre si (115). Observa ainda que a capacidade das agências de viagens para o fazerem depende de dois factores: em primeiro lugar, da sua aptidão para «fornecerem, nos voos, lugares adaptados aos ensejos dos viajantes e isto a um custo razoável» e, em segundo lugar, dos recursos financeiros de cada agência (116).

128. O Tribunal de Primeira Instância declara, logo no início do seu acórdão, que os regimes de comissões da BA podem alterar sensível e exponencialmente as receitas das diferentes agências de viagens e, em seguida, também no contexto do «efeito fidelizador» (117).

129. Perante esta situação, o Tribunal de Primeira Instância podia, no âmbito da análise do artigo 82.°, segundo parágrafo, alínea c), CE, sem passar por uma análise intermédia mais pormenorizada, tirar imediatamente a conclusão de que as possibilidades das agências de viagens concorrerem entre si foram afectadas pelas condições discriminatórias de remuneração da BA (118) (teria, porém, sido melhor uma referência à susceptibilidadeconcreta de afectar esta concorrência). Pode ficar em aberto se foi adequado utilizar neste contexto a expressão «naturalmente».

130. Dado que, até agora, o próprio Tribunal de Justiça só de modo muito sumário examinou se e de que modo a situação concorrencial de parceiros comerciais de empresas em posição dominante é afectada por condições comerciais discriminatórias (119), concluo que também quanto a este aspecto não se pode censurar ao Tribunal de Primeira Instância qualquer erro de direito no caso em apreço e que, nas circunstâncias do presente processo, podia entender que os regimes de comissões da BA tinham um efeito discriminatório, na acepção do artigo 82.°, segundo parágrafo, alínea c), CE.

131. Nestas condições, o quinto fundamento deve ser julgado improcedente na sua totalidade.

132. Apenas no interesse de uma apreciação completa, note‑se que a constatação de um efeito discriminatório dos descontos ou incentivos concedidos por uma empresa em posição dominante não constitui, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, uma condição necessária para se considerar que existe abuso de posição dominante no mercado. Deste modo, o Tribunal de Justiça reconheceu, no acórdão Michelin I, o carácter abusivo dos descontos aí em questão, embora entendendo que não estava provado o seu efeito discriminatório (120).

G –    Conclusão provisória

133. Dado que nenhum dos fundamentos do recurso da BA tem qualquer possibilidade de sucesso, entendo que se deve negar integralmente provimento ao presente recurso.

V –    Quanto às despesas

134. Por força do artigo 69.°, n.° 2, conjugado com os artigos 118.° e 122.°, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão requerido a condenação da BA e tendo esta última sido vencida, há que condená‑la nas despesas.

135. Em aplicação do artigo 69.°, n.° 4, terceiro parágrafo, conjugado com os artigos 118.° e 122.°, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo, o Tribunal de Justiça podia condenar a Virgin, como interveniente, no pagamento das suas próprias despesas. Mas, dado que a Virgin apoiou a parte vencedora no caso em apreço, parece ser justificado condenar a BA, tal como a Virgin requereu, também no pagamento das despesas desta última.

VI – Conclusão

136. À luz das considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça decida do seguinte modo:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A British Airways plc é condenada nas despesas.


1 – Língua original: alemão.


2 – Decisão 2000/74/CE da Comissão, de 14 de Julho de 1999, relativa a um processo nos termos do artigo 82.° do Tratado CE (IV/D‑2/34.780 – Virgin/British Airways), notificada com o número C(1999) 1973 (JO 2000, L 30, p. 1).


3 – British Airways/Comissão, Colect., p. II‑5917.


4 – Trata‑se de uma primeira queixa, de 9 de Julho de 1993, e de uma queixa complementar, de 9 de Janeiro de 1998 (v. n.os 12 e 19 do acórdão recorrido).


5 – Considerandos 90 e 91 da decisão impugnada e n.° 22 do acórdão recorrido.


6 – Considerando 31 da decisão impugnada e n.° 21 do acórdão recorrido.


7 – N.° 4 do acórdão recorrido.


8 – N.° 14 do acórdão recorrido e n.° 7 da petição.


9 – N.° 5 do acórdão recorrido.


10 – N.os 6 a 11 do acórdão recorrido.


11 – N.os 14 a 18 do acórdão recorrido.


12 – Considerandos 29 e 30 da decisão impugnada e n.° 23 do acórdão recorrido.


13 – A seguir, o termo «regimes de comissões» é utilizado como conceito genérico para os acordos de marketing utilizados pela BA e o seu novo regime de prémios de resultados.


14 – Considerando 96 da decisão impugnada e n.° 24 do acórdão recorrido.


15 – Pelo contrário, a formulação «seus regimes de prémios de resultados», constante do n.° 25, tal como outras passagens do acórdão recorrido (em inglês: «its performance reward systems», em francês: «ses systèmes de primes de résultat») é imprecisa, uma vez que parece referir‑se exclusivamente ao novo regime de prémios de resultados. Porém, resulta claramente dos considerandos 29, 30, 102 e 109 da decisão impugnada que são aí referidos ambos os regimes de comissões – quer os acordos de marketing quer o regime de prémios de resultados.


16 – Considerando 102 da decisão impugnada e n.° 25 do acórdão recorrido.


17 – Considerando 109 da decisão impugnada e n.° 25 do acórdão recorrido.


18 – Considerandos 103 e 111 da decisão impugnada e n.° 26 do acórdão recorrido.


19 – V., por exemplo, acórdãos de 13 de Fevereiro de 1979, Hoffmann‑La Roche/Comissão (85/76, Colect., p. 217, n.° 91), de 9 de Novembro de 1983, Michelin/Comissão, dito «Michelin I» (322/81, Recueil, p. 3461, n.° 70), de 11 de Dezembro de 1980, L’Oréal/De Nieuwe AMCK (31/80, Recueil, p. 3775, n.° 27), e de 3 de Julho de 1991, AKZO/Comissão (C‑62/86, Colect., p. I‑3359, n.° 69).


20 – Acórdão Michelin I (já referido na nota 19, n.° 57).


21 – Acórdão de 16 de Março de 2000, Compagnie Maritime Belge Transports e o./Comissão (C‑395/96 P e C‑396/96 P, Colect., p. I‑1365, n.° 131).


22 – Acórdão de 14 de Fevereiro de 1978, United Brands/Comissão (27/76, Colect., p. 77, n.° 189).


23 – Neste sentido, acórdãos Hoffmann‑La Roche/Comissão (n.os 91 e 123), Michelin I (n.° 70), L’Oréal/de Nieuwe AMCK (n.° 27) e AKZO/Comissão (n.os 69 e 70), já referidos na nota 19.


24 – Basta consultar o acórdão AKZO/Comissão (já referido na nota 19, n.° 70).


25 – Acórdãos do Tribunal de Justiça de 16 de Dezembro de 1975, Suiker Unie e o./Comissão (40/73 a 48/73, 50/73, 54/73 a 56/73, 111/73, 113/73 e 114/73, Colect., p. 563, n.os 517 e segs.), Hoffmann‑La Roche/Comissão (já referido na nota 19, n.os 90 e segs.), «Michelin I» (já referido na nota 19, n.os 62 e segs.), e de 29 de Março de 2001, Portugal/Comissão (C‑163/99, Colect., p. I‑2613, n.os 50 e segs.). V. também acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Dezembro de 1991, Hilti/Comissão (T‑30/89, Colect., p. II‑1439, n.° 101), de 1 de Abril de 1993, BPB Industries e British Gypsum/Comissão (T‑65/89, Colect., p. II‑389, n.os 71 e 120), de 7 de Outubro de 1999, Irish Sugar/Comissão (T‑228/97, Colect., p. II‑2969, n.os 198, 201 e 213), e de 30 de Setembro de 2003, Michelin/Comissão, dito «Michelin II» (T‑203/01, Colect., p. II‑4071, n.os 53 e segs.), bem como o acórdão recorrido, British Airways/Comissão (já referido na nota 3).


26 – A BA tem vindo a sustentar, neste processo, que a Comissão está a ponderar reformar a sua prática relativamente ao artigo 82.° CE e planeia publicar elementos de discussão para o efeito.


27 – V., em especial, os n.os 273 (última frase), 278 e 292 do acórdão recorrido.


28 – Acórdãos já referidos na nota 19.


29 –      De acordo com este entendimento, é irrelevante se essa condição foi estipulada por contrato ou se é aplicada unilateralmente pela empresa com posição dominante no mercado.


30 – Acórdão de 24 de Novembro de 1993, Keck e Mithouard (C‑267/91 e C‑268/91, Colect., p. I‑6097).


31 – Acórdãos de 21 de Fevereiro de 1973, Europemballage Corporation e Continental Can Company/Comissão, «Continental Can» (6/72, Colect., p. 109, n.° 26), de 14 de Novembro de 1996, Tetra Pak/Comissão (C‑333/94 P, Colect., p. I‑5951, n.° 37), e Compagnie Maritime Belge Transports e o./Comissão (já referido na nota 21, n.° 112).


32 – Assim, ao analisar o efeito de exclusão dos descontos de fidelidade, por exemplo nos acórdãos Hoffmann‑La Roche/Comissão e Michelin I (já referidos na nota 19), o Tribunal de Justiça baseou‑se em geral no artigo 86.° do Tratado CE (actual artigo 82.° CE) e não exclusivamente no seu segundo parágrafo, alínea b). Só no acórdão Suiker Unie e o./Comissão (já referido na nota 25, n.° 526) se referiu expressamente ao segundo parágrafo, alínea b), desta disposição.


33 – Acórdão Hoffmann‑La Roche/Comissão (já referido na nota 19, n.os 82 a 87). Considerações semelhantes são tecidas logo no acórdão Suiker Unie e o./Comissão (já referido na nota 25, em especial, n.os 499 e 510), relativo ao mercado do açúcar.


34 – Acórdão Hoffmann‑La Roche/Comissão (já referido na nota 19, n.° 89). No mesmo sentido, acórdão Suiker Unie e o./Comissão (já referido na nota 25, em especial n.os 518 e 527).


35 – Acórdão Hoffmann‑La Roche/Comissão (já referido na nota 19, n.° 90).


36 – Acórdão Michelin I (já referido na nota 19, n.° 86).


37 – Acórdão Michelin I (já referido na nota 19, n.° 72).


38 – Acórdão Michelin I (já referido na nota 19, n.os 66 e segs.).


39 – Acórdão Michelin I (já referido na nota 19, n.° 81).


40 – Neste sentido, acórdãos Hoffmann‑La Roche/Comissão (n.° 90) e Michelin I (n.° 85), já referidos na nota 19.


41 – N.os 244 e 245 do acórdão recorrido.


42 – Acórdão Michelin I (já referido na nota 19, n.° 73, primeira frase, conjugado com o n.° 72, última frase).


43 – V., a este respeito, jurisprudência referida na nota 19.


44 – V., a este respeito, n.° 33, segundo travessão, das presentes conclusões.


45 – Acórdão Michelin I (já referido na nota 19, n.° 73, primeira frase).


46 – Acórdão Michelin I (já referido na nota 19, n.° 73, primeira frase).


47 – Acórdãos Hoffmann‑La Roche/Comissão (n.° 90) e Michelin I (n.os 71, 73 – segunda frase – e 85), ambos já referidos na nota 19. No mesmo sentido, o acórdão Suiker Unie e o./Comissão (já referido na nota 25, n.° 526).


48 – V. acórdão Michelin I (já referido na nota 19, n.os 70 a 86).


49 – Quanto à importância da duração do período de referência, v. as considerações que teci sobre a primeira parte do quarto fundamento nos n.os 94 a 98 das presentes conclusões.


50 – Acórdãos Suiker Unie e o./Comissão (já referido na nota 25, n.° 527) e Hoffmann‑La Roche/Comissão (já referido na nota 19, n.° 90, última frase).


51 – V., em especial, n.os 10 e 15 a 17 do acórdão recorrido, reproduzidos nos n.os 9 e 10 das presentes conclusões.


52 – Neste sentido, v. também acórdão Michelin I (já referido na nota 19, n.° 81).


53 – V., a este respeito, n.° 11 das presentes conclusões, no qual são reproduzidas as correspondentes asserções da Comissão, às quais o Tribunal de Primeira Instância também se refere.


54 – N.os 272 e 273 do acórdão recorrido.


55 – Acórdãos Hoffmann‑La Roche/Comissão (já referido na nota 19, n.° 41) e Compagnie Maritime Belge Transports e o./Comissão (já referido na nota 21, n.° 132).


56 – Neste sentido, v. também acórdão Michelin I (já referido na nota 19, n.° 82).


57 – N.os 276 e 277 do acórdão recorrido.


58 – Basta consultar os acórdãos de 15 de Setembro de 2005, BioID/IHMI (C‑37/03 P, Colect., p. I‑7975, n.os 43 e 53), e de 7 de Janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão, dito «cimento» (C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, Colect., p. I‑123, n.os 47 a 49).


59 – Acórdãos Hoffmann‑La Roche/Comissão (n.° 90) e Michelin I (n.° 85), já referidos na nota 19.


60 – Acórdãos Suiker Unie e o./Comissão (já referido na nota 25, n.° 518), Hoffmann‑La Roche/Comissão (já referido na nota 19, n.os 90 e 100) e Michelin I (já referido na nota 19, n.os 71 e 72). V. também n.os 244 e segs. do acórdão recorrido (já referido na nota 3).


61 – Já referido na nota 19, n.° 90.


62 – Acórdão Hoffmann‑La Roche/Comisão (já referido na nota 19, n.° 100).


63 – Considerações semelhantes quanto à tomada em consideração de ganhos de eficiência são tecidas, por exemplo, a propósito do controlo das concentrações no considerando 29 do Regulamento (CE) n.° 139/2004 do Conselho, de 20 de Janeiro de 2004, relativo ao controlo das concentrações de empresas (Regulamento das concentrações comunitárias, JO L 24, p. 1), e nos n.os 76 a 88 das Orientações da Comissão para a apreciação das concentrações horizontais nos termos do regulamento do Conselho relativo ao controlo das concentrações de empresas (JO 2004, C 31, p. 5); além disso, relativamente ao artigo 81.°, n.° 3, CE nos n.os 135 e 141, última frase, da Comunicação da Comissão «Orientações relativas às restrições verticais» (JO 2000, C 291, p. 1).


64 – No caso vertente, não é necessário determinar também se os descontos de quantidade, que dependem de quantidades fixadas objectivamente e válidas para o conjunto dos compradores, podem apresentar carácter abusivo no caso concreto, devido aos critérios e circunstâncias da sua concessão. V., a este respeito, acórdãos Michelin II (já referido na nota 25) e Portugal/Comissão (já referido na nota 25, n.os 50 e segs.).


65 – V. n.os 279 a 291 do acórdão recorrido.


66 – V., a este respeito, n.° 55 das presentes conclusões e a jurisprudência referida na nota 58. Isto é válido, como é óbvio, excepto em caso de uma eventual desvirtuação dos factos ou dos elementos de prova que, no entanto, não foi aqui invocada.


67 – N.° 293 do acórdão recorrido.


68 – N.° 294 do acórdão recorrido.


69 – N.° 293 do acórdão recorrido.


70 – N.° 295 do acórdão recorrido.


71 – V., neste sentido, acórdão Continental Can (já referido na nota 31, n.° 26) e acórdãos Hoffmann‑La Roche/Comissão (n.os 91, 123 e 125), Michelin I (n.° 70) e L’Oréal (n.° 27), já referidos na nota 19.


72 – V., neste sentido, acórdãos Continental Can (já referido na nota 31, n.° 26) e Hoffmann‑La Roche/Comissão (já referido na nota 19, n.° 125).


73 – Acórdão de 6 de Março de 1974, Istituto Chemioterapico Italiano SpA e Commercial Solvents Corporation/Comissão (6/73 e 7/73, Colect., p. 223, n.° 25).


74 – Acórdão Michelin I (já referido na nota 19, n.° 57).


75 – N.° 85 da petição.


76 – V., neste sentido, acórdãos Suiker Unie e o./Comissão (já referido na nota 25, n.° 526), Hoffmann‑La Roche/Comissão (já referido na nota 19, n.° 90) e Michelin I (já referido na nota 19, n.° 73, segunda frase, e n.° 85, primeira frase). Quanto ao critério da susceptibilidade, v. também acórdão de 26 de Novembro de 1998, Bronner (C‑7/97, Colect., p. I‑7791, n.° 38).


77 – Como já referi, não existe abuso quando o comportamento da empresa dominante tem uma justificação económica objectiva (v. n.os 56 a 60 das presentes conclusões).


78 – V., supra, n.os 44 e 45 das presentes conclusões.


79 – V., neste sentido, acórdão AKZO/Comissão (já referido na nota 19, n.° 163), no qual o Tribunal de Justiça reduziu a coima aplicada pela Comissão, atendendo a que as quotas de mercado das empresas em causa não foram afectadas de modo significativo.


80 – N.° 293 do acórdão recorrido. Na versão inglesa, que faz fé, esta frase tem a seguinte redacção: «It is sufficient in that respect to demonstrate that the abusive conduct of the undertaking in a dominant position tends to restrict competition, or, in other words, that the conduct is capable of having, or likely to have, such an effect.» Na versão francesa lê‑se: «Il suffit à cet égard de démontrer que le comportement abusif de l’entreprise en position dominante tend à restreindre la concurrence ou, en d’autres termes, que le comportement est de nature ou susceptible d’avoir un tel effet.»


81 – Assim, o acórdão Michelin I (já referido na nota 19, n.° 73, segunda frase) estabelecia, na versão inglesa, o critério «… whether the discount tends to remove or restrict …» e na língua do processo, francês, «… si le rabais tend … à enlever … ou à restreindre …»; de resto, já o acórdão Hoffmann‑La Roche/Comissão (já referido na nota 19, n.° 90) se baseava na versão francesa «tend à …»; o sublinhado é meu.


82 – N.os 294 a 298 do acórdão recorrido.


83 – V., a este respeito, n.° 55 das presentes conclusões e a jurisprudência referida na nota 58.


84 – Acórdãos de 3 de Março de 2005, Biegi Nahrungsmittel e Commonfood/Comissão (C‑499/03 P, Colect., p. I‑1751, n.° 41), e de 6 de Janeiro de 2004, BAI e Comissão/Bayer (C‑2/01 P e C‑3/01 P, Colect., p. I‑23, n.° 47).


85 – N.° 298 do acórdão recorrido.


86 – V. n.° 68 das presentes conclusões.


87 – Acórdãos Continental Can (já referido na nota 31, n.° 26) e Hoffmann‑La Roche/Comissão (já referido na nota 19, n.° 125). Contrariamente ao que entende a BA, parece‑me ser também esta a opinião defendida pelo advogado‑geral F. G. Jacobs nas suas conclusões de 28 de Maio de 1998, Bronner (C‑7/97, Colect., p. I‑7791, n.° 58). Indica aí apenas «que o primeiro objectivo do artigo [82.°] é impedir distorções de concorrência – e, em especial, proteger os interesses dos consumidores», ou seja, parece igualmente defender a tese de que o artigo 82.° CE protege a concorrência como instituição e, assim, também indirectamente os interesses dos consumidores.


88 – V. n.° 35 das presentes conclusões e a jurisprudência referida na nota 31.


89 – V., a este respeito, jurisprudência referida na nota 32.


90 – V., neste sentido, acórdão Suiker Unie e o./Comissão (já referido na nota 25, n.° 526), no qual o Tribunal de Justiça, a propósito de um regime de descontos, declarou que é «susceptível de limitar a distribuição em prejuízo dos consumidores, nos termos do artigo [82.°, alínea b)], pelo facto de impedir ou restringir as possibilidades dos estabelecidos noutros Estados‑Membros concorrerem com o açúcar distribuído [pela empresa com posição dominante no mercado]».


91 – Isto torna‑se especialmente claro nos n.os 296 e 311 do acórdão recorrido. (O Tribunal de Primeira Instância constatou também, sem qualquer erro de direito, que os regimes de comissões da BA eram susceptíveis de produzir um efeito eliminatório e, deste modo, afectar a concorrência; v., a este respeito, as considerações que teci sobre o primeiro e segundo fundamentos nos n.os 35 e segs. e 67 e segs. das presentes conclusões).


92 – V., neste sentido, também acórdão Michelin I (já referido na nota 19, n.° 81), no qual o Tribunal de Primeira Instância sublinha o «período de referência relativamente longo» dos descontos por objectivos (um ano).


93 – Esta incerteza pode ainda ser agudizada pela falta de transparência do sistema de descontos ou de incentivos (v. acórdão Michelin I, já referido na nota 19, n.° 83).


94 – V., em especial, n.° 45 das presentes conclusões.


95 – V., a este respeito, n.os 271 e segs. do acórdão recorrido.


96 – V. a exposição dos factos, por um lado, nos n.os 8 a 11 do acórdão recorrido e, por outro, no seu n.° 15.


97 – N.os 272 e 273 do acórdão recorrido.


98 – N.os 276 a 278 do acórdão recorrido.


99 – V., a este respeito, n.° 55 das presentes conclusões e a jurisprudência referida na nota 58. Como é óbvio, isto só é válido se não tiver ocorrido uma eventual desvirtuação dos factos ou dos elementos de prova que, no entanto, não foi invocada no presente caso.


100 – N.° 272 do acórdão recorrido.


101 – N.° 240 do acórdão recorrido.


102 – N.° 238 do acórdão recorrido.


103 – N.os 235 e 236 do acórdão recorrido.


104 – A necessidade desta apreciação das circunstâncias do caso concreto é também frisada no acórdão Michelin I (já referido na nota 19, n.os 87 e segs.).


105 – V., a este respeito, n.° 55 das presentes conclusões e jurisprudência referida na nota 58. Isto é válido, como é óbvio, excepto em caso de uma eventual desvirtuação dos factos ou dos elementos de prova que, no entanto, não foi aqui invocada.


106 – Jurisprudência assente; basta consultar os acórdãos de 14 de Dezembro de 2004, Arnold André (C‑434/02, Colect., p. I‑11825, n.° 68) e Swedish Match (C‑210/03, Colect., p. I‑11893, n.° 70), de 14 de Abril de 2005, Bélgica/Comissão (C‑110/03, Colect., p. I‑2801, n.° 71), de 12 de Julho de 2005, Schempp (C‑403/03, ainda não publicado na Colectânea, n.° 28), e de 6 de Dezembro de 2005, ABNA e o. (C‑453/03, C‑11/04, C‑12/04 e C‑194/04, ainda não publicado na Colectânea, n.° 63).


107 – Acórdão Michelin I (já referido na nota 19, n.° 90).


108 – Uma apreciação diferenciada de descontos de quantidades é feita, por exemplo, no acórdão Portugal/Comissão (já referido na nota 25, n.os 50 e segs.).


109 – V., a este respeito, as considerações que teci sobre o primeiro fundamento nos n.os 44 a 62 das presentes conclusões.


110 – V., neste sentido, também acórdão Hoffmann‑La Roche/Comissão (já referido na nota 19, n.° 90), no qual, a propósito dos descontos de fidelidade, se pode ler: «Além disso, os descontos de fidelidade têm como efeito a aplicação de condições desiguais a parceiros comerciais no caso de prestações equivalentes, na medida em que dois compradores de uma mesma quantidade de um produto pagam um preço diferente consoante se abasteçam exclusivamente junto da empresa em posição dominante ou diversifiquem as suas fontes de abastecimento».


O acórdão Michelin I (já referido na nota 19, n.os 87 e segs.) não se opõe à tese aqui defendida. Com efeito, o Tribunal de Justiça considerou aí que não estava provada a existência de uma discriminação, em especial porque as asserções da Comissão relativas ao funcionamento do regime de descontos da Michelin se vieram a revelar lacunares e, por isso, não se podia excluir que a Comissão tivesse, deste modo, ignorado considerações comerciais legítimas da Michelin (v. n.os 89 e 90 do acórdão).


111 – Acórdãos Hoffmann‑La Roche/Comissão (n.° 91) e AKZO (n.° 69), já referidos na nota 19.


112 – No acórdão Michelin I (já referido na nota 19, n.os 87 e segs.), foi logo negada a existência de discriminação, pelo que o problema da desvantagem na concorrência não se colocava. O acórdão Portugal/Comissão (já referido na nota 25, n.os 50 e segs.) e o acórdão de 24 de Outubro de 2002, Aéroports de Paris/Comissão (C‑82/01 P, Colect., p. I‑9297, n.os 114 e segs.), examinam apenas o aspecto da discriminação; contudo, não é claro se a questão da colocação em desvantagem de parceiros comerciais era controvertida nos respectivos processos. De qualquer modo, no acórdão Suike Unie e o./Comissão (já referido na nota 25, n.os 522 a 525) faz‑se uma breve referência à concorrência entre os compradores discriminados. Os acórdãos United Brands/Comissão (já referido na nota 22, n.os 232 a 234) e de 10 de Dezembro de 1991, Merci Convenzionali Porto di Genova/Siderurgica Gabrielli (C‑179/90, Colect., p. I‑5889, n.° 19), sugerem que o Tribunal de Justiça entende, em qualquer caso, ser necessário um exame sumário do impacto do comportamento de empresas com posição dominante no mercado sobre a posição concorrencial dos seus parceiros comerciais.


113 – Basta consultar o acórdão Suike Unie e o./Comissão (já referido na nota 25, n.os 524 e 525).


114 – V., a este respeito, as considerações que teci sobre o segundo fundamento nos n.os 67 a 78 das presentes conclusões.


115 – N.° 237 do acórdão recorrido.


116 – N.os 237 e 238 do acórdão recorrido.


117 – V., por um lado, n.° 23 do acórdão recorrido, reproduzido no n.° 11 das presentes conclusões, e, por outro, n.os 272 e 273 do acórdão recorrido.


118 – N.° 238 do acórdão recorrido.


119 – V., a este respeito, em especial, acórdãos United Brands/Comissão (já referido na nota 22, n.os 232 a 234), Merci Convenzionali Porto di Génova/Siderurgica Gabrielli (já referido na nota 112, n.° 19) e Portugal/Comissão (já referido na nota 25, n.os 50 e segs.).


120 – Acórdão Michelin I (já referido na nota 19, n.os 86 e 91).