Language of document : ECLI:EU:F:2011:55



ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA FUNÇÃO PÚBLICA

(Primeira Secção)

12 de Maio de 2011

Processo F‑50/09

Livio Missir Mamachi di Lusignano

contra

Comissão Europeia

«Função pública ― Funcionários ― Acção de indemnização ― Regra de concordância entre pedido, reclamação e acção de indemnização ― Carácter contraditório do processo ― Utilização em juízo de um documento confidencial, classificado como ‘Reservado à UE’ ― Responsabilidade extracontratual das instituições ― Responsabilidade fundada em culpa ― Nexo de causalidade ― Pluralidade de causas do dano ― Acto de terceiro ― Responsabilidade sem culpa ― Dever de assistência ― Obrigação de uma instituição garantir a protecção do seu pessoal ― Homicídio premeditado de um funcionário e do seu cônjuge por um terceiro ― Perda de uma possibilidade de sobrevivência»

Objecto:      Recurso interposto ao abrigo dos artigos 236.° CE e 152.° EA, em que L. Missir Mamachi di Lusignano pede, designadamente, por um lado, a anulação da decisão da Comissão, de 3 de Fevereiro de 2009, que indeferiu o seu pedido de indemnização dos prejuízos materiais e morais resultantes do homicídio premeditado do seu filho e da sua nora, em 18 de Setembro de 2006, em Rabat (Marrocos), e, por outro, a condenação da Comissão a pagar‑lhe, bem como aos sucessores do seu filho, diversos montantes a título de reparação dos prejuízos patrimoniais e não patrimoniais resultantes desses homicídios.

Decisão:      É negado provimento ao recurso. Os excertos do documento de 2006 sobre as normas e critérios de segurança, enviados pela Comissão ao Tribunal no decurso da instância, serão imediatamente remetidos à Comissão por correio confidencial com a menção «classificado Reservado à UE». A Comissão Europeia suporta a totalidade das despesas.

Sumário

1.      Funcionários ― Recurso ― Pedido de indemnização não antecedido do procedimento pré‑contencioso previsto no Estatuto ― Inadmissibilidade

(Estatuto dos Funcionários, artigos 90.° e 91.°)

2.      Funcionários ― Recurso ― Acção de indemnização ― Adaptação do montante do prejuízo em relação ao que figura no pedido pré‑contencioso ― Admissibilidade ― Requisitos

3.      Funcionários ― Segurança social ― Acidente de trabalho ― Indemnização fixa nos termos do regime estatutário ― Pedido de indemnização complementar nos termos do direito comum ― Admissibilidade ― Requisitos

(Estatuto dos Funcionários, artigo 73.°)

4.      Funcionários ― Recurso ― Acção de indemnização ― Origem ― Relação de trabalho

(Artigo 236.° CE; Estatuto dos Funcionários, artigos 90.° e 91.°)

5.      Funcionários ― Responsabilidade extracontratual das instituições ― Requisitos ― Ilegalidade

(Artigo 236.° CE)

6.      Funcionários ― Responsabilidade extracontratual das instituições ― Requisitos ― Reparação de um dano causado a um funcionário ou a um agente ― Dever de solicitude que incumbe à administração ― Alcance

(Artigo 236.° CE; Estatuto dos Funcionários, artigos 90.° e 91.°)

7.      Funcionários ― Protecção da segurança e da saúde ― Obrigações das instituições ― Alcance ― Directiva 89/391 relativa à aplicação de medidas destinadas a promover a melhoria da segurança e da saúde dos trabalhadores no trabalho

(Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigo 31.°, n.º 1; Estatuto dos Funcionários, artigo 1.°‑E, n.º 2; Directiva do Conselho 89/391)

8.      Tramitação processual ― Medidas de organização do processo ― Pedido de apresentação de um documento ― Verificação do carácter confidencial

(Regulamento de Processo do Tribunal da Função Pública, artigo 44.°, n.os 1 e 2)

9.      Funcionários ― Responsabilidade extracontratual das instituições ― Não implementação das medidas mínimas de segurança nos alojamentos do pessoal colocado em países terceiros ― Falta imputável ao serviço

10.    Funcionários ― Responsabilidade extracontratual das instituições ― Requisitos ― Ilegalidade ― Prejuízo ― Nexo de causalidade

11.    Funcionários ― Responsabilidade extracontratual das instituições ― Requisitos ― Ilegalidade ― Prejuízo ― Nexo de causalidade

12.    Funcionários ― Responsabilidade extracontratual das instituições ― Responsabilidade por acto ilícito ― Princípio não reconhecido no Direito da União

(Artigo 288.° CE)

13.    Funcionários ― Obrigação de assistência por parte da administração ― Alcance

(Estatuto dos Funcionários, artigo 24.°)

14.    Tramitação processual ― Despesas ― Despesas inúteis ou vexatórias

(Regulamento de Processo do Tribunal da Função Pública, artigos 87.°, n.º 2, e 88.°)

1.      No âmbito de um recurso de um funcionário que visa exclusivamente a reparação de diversos prejuízos pretensamente causados por uma série de erros ou omissões que, na falta de qualquer efeito jurídico, não podem ser qualificados de actos que causam prejuízo, os pedidos de indemnização só são admissíveis no Tribunal se tiverem sido precedidos, em primeiro lugar, de um pedido dirigido à administração que tenha o mesmo objecto e que assente nos mesmos prejuízos, seguido de uma reclamação apresentada contra a decisão da administração que se tenha pronunciado, de forma explícita ou implícita, sobre o referido pedido. Com efeito, no sistema das vias de acção previsto nos artigos 90.° e 91.° do Estatuto, quando uma acção é estritamente indemnizatória, o procedimento administrativo deve imperativamente, sob pena de inadmissibilidade da acção ulterior, iniciar‑se através de um pedido do interessado em que este convida a Autoridade Investida do Poder de Nomeação a reparar os prejuízos alegados e prosseguir, sendo caso disso, com a apresentação de uma reclamação contra a decisão de indeferimento do pedido.

Além disso, os pedidos apresentados ao juiz da União devem ter o mesmo objecto que os pedidos feitos na reclamação e conter unicamente motivos de impugnação que assentem na mesma causa de pedir que sejam iguais aos invocados na reclamação, podendo esses motivos de impugnação, na fase contenciosa, ser desenvolvidos através da apresentação de fundamentos e argumentos que não figuram necessariamente na reclamação, mas que com ela estejam estreitamente conexos. No que se refere estritamente à matéria de indemnizações, o conceito de causa de pedir, que deve ser interpretado em sentido amplo, é definido por referência com prejuízos invocados pelo funcionário em causa no seu pedido de indemnização. São estes prejuízos que determinam o objecto da reparação solicitada pelo funcionário e, consequentemente, o objecto do pedido sobre o qual a administração deve decidir.

(cf. n.os 82 a 85)

Ver:

Tribunal de Justiça: 23 de Abril de 2002, Campogrande/Comissão (C‑62/01 P, n.º 34)

Tribunal de Primeira Instância: 13 de Julho de 1995, Saby/Comissão (T‑44/93, n.º 31)

Tribunal da Função Pública: 1 de Julho de 2010, Mandt/Parlamento (F‑45/07, n.º 119)

2.      No âmbito de uma acção de indemnização, um funcionário pode adaptar, na sua petição, o montante das pretensões que figuram no seu pedido apresentado à administração, nomeadamente se os seus prejuízos se agravam ulteriormente ou se a extensão dos seus danos não for conhecida ou só puder ser avaliada após a apresentação desse pedido, desde que os prejuízos que o levam a pedir uma indemnização tenham figurado no referido pedido.

(cf. n.º 86)

Ver:

Tribunal de Justiça: 23 de Setembro de 2004, Hectors/Parlamento (C‑150/03 P, n.º 62)

3.      Em razão do carácter fixo das prestações previstas no Estatuto a favor dos sucessores de um funcionário falecido, estes têm legitimidade para pedir à instituição uma indemnização complementar quando esta instituição possa ser considerada responsável pela morte do funcionário e as prestações estatutárias não sejam suficientes para assegurar a plena reparação do prejuízo sofrido.

(cf. n.º 106)

Ver:

Tribunal de Justiça: 8 de Outubro de 1986, Leussink/Comissão (169/83 e 136/84, n.º 13); 9 de Setembro de 1999, Lucaccioni/Comissão (C‑257/98 P, n.os 22 e 23)

4.      Um litígio entre um funcionário e a instituição de que este depende ou dependia destinado à reparação de um dano é abrangido, quando tenha origem na relação de trabalho que vincula ou que vinculava o interessado à instituição, pelo âmbito do artigo 236.° CE e dos artigos 90.° e 91.° do Estatuto, ficando fora do âmbito de aplicação dos artigos 235.° CE e 288.° CE. Sucede o mesmo com um litígio que opõe os sucessores de um funcionário falecido ou o seu representante legal à instituição de que dependia esse funcionário, tendo esse litígio origem na relação de trabalho entre este último e a referida instituição.

(cf. n.º 116)

Ver:

Tribunal de Justiça: 22 de Outubro de 1975, Meyer‑Burckhardt/Comissão (9/75, n.º 7); 17 de Fevereiro de 1977, Reinarz/Comissão e Conselho (48/76, n.º 10); 10 de Junho de 1987, Pomar/Comissão (317/85, n.º 7); 7 de Outubro de 1987, Schina/Comissão (401/85, n.º 9)

Tribunal de Primeira Instância: 26 de Junho de 2009, Marcuccio/Comissão (T‑114/08 P, n.os 12, 13 e 24)

Tribunal da Função Pública: 11 de Maio de 2010, Nanopoulos/Comissão (F‑30/08, n.os 130 a 133, que é objecto de um recurso pendente no Tribunal Geral da União Europeia, processo T‑308/10 P)

5.      A responsabilidade de uma instituição, no âmbito do artigo 236.° CE, pressupõe que estejam reunidos um conjunto de requisitos, a saber, a existência de um erro imputável ao serviço ou de uma ilegalidade cometida pela instituição, a realidade de um prejuízo certo e avaliável e a existência de um nexo de causalidade entre o erro e o prejuízo alegado.

Relativamente ao primeiro desses requisitos, o juiz da União deve tomar em consideração, entre os elementos pertinentes do caso que lhe é submetido, a margem de apreciação de que a administração dispunha no momento dos factos controvertidos.

A este respeito, quando a instituição dispõe de uma ampla margem de apreciação, nomeadamente quando não está obrigada a agir num determinado sentido por força de um quadro jurídico aplicável, o critério decisivo para considerar que o primeiro requisito está preenchido é o da violação manifesta e grave dos limites que se impõem a esse poder de apreciação. Quando a administração não cometeu nenhum erro manifesto, não pode ser acusada de nenhuma ilegalidade e a sua responsabilidade está excluída.

Em contrapartida, quando a margem de apreciação da administração é consideravelmente reduzida, ou mesmo inexistente, a simples infracção ao direito da União pode bastar para demonstrar a existência de uma violação suficientemente caracterizada, susceptível de responsabilizar a instituição. Assim, quando a administração tem de adoptar um determinado comportamento, ditado pelos textos em vigor, pelo respeito de princípios gerais ou de direitos fundamentais, ou ainda pelas regras que impôs a si mesma, um simples incumprimento de tal obrigação pode responsabilizar a instituição em causa.

(cf. n.os 117 a 120)

Ver:

Tribunal de Justiça: Lucaccioni/Comissão (já referido, n.º 14); 4 de Julho de 2000, Bergaderm e Goupil/Comissão (C‑352/98 P, n.º 44)

Tribunal de Primeira Instância: 13 de Dezembro de 1990, Moritz/Comissão (T‑20/89, n.º 19); 9 de Fevereiro de 1994, Latham/Comissão (T‑82/91, n.º 72); 21 de Fevereiro de 1995, Moat/Comissão (T‑506/93, n.º 46)

Tribunal da Função Pública: 2 de Maio de 2007, Giraudy/Comissão (F‑23/05, n.os 104, 105 e 167)

6.      O contencioso em matéria de função pública que se baseia no artigo 236.° CE e nos artigos 90.° e 91.° do Estatuto, incluindo o contencioso que visa a reparação de um dano causado a um funcionário ou a um agente, obedece a regras particulares e especiais relativamente às que decorrem dos princípios gerais que regem a responsabilidade extracontratual da União no âmbito do artigo 235.° CE e do artigo 288.°, segundo parágrafo, CE. Com efeito, resulta nomeadamente do Estatuto que, ao contrário de qualquer outro particular, o funcionário ou o agente da União está ligado à instituição de que depende por uma relação jurídica de trabalho que comporta um equilíbrio de direitos e de obrigações recíprocas específicas, que é reflectido pelo dever de solicitude da instituição relativamente ao interessado. Esse equilíbrio destina‑se essencialmente a preservar a relação de confiança que deve existir entre as instituições e os seus funcionários para garantir aos cidadãos o cumprimento correcto das missões de interesse geral atribuídas às instituições. Por conseguinte, quando age enquanto entidade empregadora, recai sobre a União uma responsabilidade acrescida, que se manifesta através da obrigação de reparar os danos causados ao seu pessoal por qualquer ilegalidade cometida na sua qualidade de entidade patronal.

(cf. n.º 123)

Ver:

Tribunal de Justiça: 29 de Junho de 1994, Klinke/Tribunal de Justiça (C‑298/93 P, n.º 38); 6 de Março de 2001, Connolly/Comissão (C‑274/99 P, n.os 44 a 47)

Tribunal de Primeira Instância: 12 de Junho de 2002, Mellone/Comissão (T‑187/01, n.º 74); 14 de Outubro de 2004, Polinsky/Tribunal de Justiça (T‑1/02, n.º 47)

7.      Relativamente à segurança das condições de trabalho do seu pessoal, uma instituição tem, como qualquer entidade patronal pública ou privada, obrigação de agir. Com efeito, esse pessoal pode invocar um direito a condições de trabalho que respeitem a sua saúde, segurança e dignidade, como aliás recorda o artigo 31.°, n.º 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

Do mesmo modo, resulta do artigo 1.°‑E, n.° 2, do Estatuto, e de várias directivas europeias, em particular da Directiva 89/391, relativa à aplicação de medidas destinadas a promover a melhoria da segurança e da saúde dos trabalhadores no trabalho, que a entidade patronal tem de garantir a segurança e a saúde do seu pessoal em todos os aspectos ligados ao trabalho. Neste domínio, a obrigação de a instituição garantir, na qualidade de entidade patronal, a segurança do seu pessoal impõe‑se com especial rigor e a margem de apreciação da administração na matéria, apesar de existir, é reduzida.

Todavia, por mais extensa que seja, essa obrigação de garantir a segurança do seu pessoal não pode chegar ao ponto de fazer incidir sobre a instituição em causa uma obrigação absoluta de resultado. Não podem, nomeadamente, ser esquecidas as restrições de ordem orçamental, administrativa ou técnica com que a administração está confrontada, que por vezes tornam difícil ou mesmo impossível a implementação a curto prazo de medidas que, não obstante, são urgentes e necessárias, apesar das diligências efectuadas pelas autoridades competentes. Além disso, essa obrigação de segurança torna‑se delicada quando o funcionário em causa, ao contrário de um trabalhador que ocupa um lugar fixo num determinado local, é chamado, a exercer as suas funções num país terceiro e a assumir uma função, comparável a uma função diplomática, exposta a riscos variáveis e menos facilmente identificáveis e controláveis.

A este respeito, o alojamento desse funcionário, ainda que lhe tenha sido disponibilizado devido às suas funções e que tenha sido objecto de medidas de protecção específicas em certas delegações de países terceiros, não pode ser completamente comparado a um posto de trabalho ou a um local de trabalho, na acepção da Directiva 89/391. Em semelhante contexto, a obrigação de segurança a cargo da instituição implica, antes de mais, que a instituição avalie os riscos a que o seu pessoal está exposto e inscreve‑se numa atitude preventiva integrada a todos os níveis do serviço, em seguida, que informe o pessoal em causa dos riscos que puderam ser identificados e assegure que o pessoal recebeu as instruções apropriadas relativas aos riscos para a sua segurança, por fim, que adopte as medidas de protecção adaptadas e ponha em prática a organização e os meios que julgue necessários.

(cf. n.os 126 e 127, 130 a 132)

Ver:

Tribunal de Justiça: 14 de Junho de 2007, Comissão/Reino Unido (C‑127/05)

Tribunal da Função Pública: 30 de Abril de 2009, Aayhan e o./Parlamento (F‑65/07, n.º 116)

8.      No caso em que um documento é comunicado por uma parte ao Tribunal da Função Pública para que este possa verificar o seu carácter confidencial na acepção do artigo 44.°, n.º 2, do seu Regulamento de Processo, a protecção do carácter confidencial do documento pode implicar que a outra parte não tenha acesso a esse documento a não ser sob a forma de um resumo sumário redigido pelo Tribunal e, em seguida, que o processo não seja plenamente contraditório. Não obstante, o direito dessa outra parte a uma protecção jurisdicional efectiva só pode ser garantido, nesta situação, se o próprio Tribunal, derrogando o artigo 44.°, n.° 1, do seu Regulamento de Processo, se basear nos excertos pertinentes desse documento, para estar em condições de se pronunciar com total conhecimento de causa, mesmo que esses excertos só tenham sido comunicados pela instituição ao Tribunal com o objectivo de verificação, por parte deste, do carácter confidencial do documento.

(cf. n.º 156)

9.      Ao não respeitar as exigências mínimas de segurança dos alojamentos do seu pessoal colocado em países terceiros, uma instituição comete uma falta imputável ao serviço susceptível de responsabilizar a instituição. Com efeito, se, em circunstâncias especiais, nomeadamente por razões de urgência, a ocupação de um alojamento provisório que não comporta os mesmos dispositivos de segurança de um alojamento definitivo pode ser temporariamente equacionada, a administração não pode, no entanto, abster‑se de implementar medidas mínimas, que permitam fazer face aos principais riscos para a segurança dos ocupantes do alojamento provisório ou de limitar a probabilidade, em condições orçamentais e administrativas aceitáveis. Este entendimento é tanto mais válido por as circunstâncias especiais terem sido levadas ao conhecimento da instituição em causa.

(cf. n.os 173, 174 e 176)

10.    Só uma falta que deu origem ao dano segundo uma relação directa de causa e efeito responsabiliza a instituição. Ora, a União só pode ser responsabilizada pelo prejuízo que resulte de maneira suficientemente directa do comportamento irregular da instituição em causa. A este respeito, deve ser demonstrado pelo recorrente que, sem a falta cometida, o prejuízo não se teria produzido e que a falta é a causa determinante do seu prejuízo. Quando o dano é uma consequência inevitável e imediata da falta cometida, o nexo de causalidade está demonstrado. Além disso, o dano pode não ter origem directa e certa numa só causa mas ter sido provocado por várias causas, que concorrem de maneira determinante para a sua realização.

No que se refere a uma falta que consiste no incumprimento, por parte de uma instituição, do seu dever de respeitar as exigências mínimas de segurança do alojamento de um funcionário colocado num país terceiro, o nexo de causalidade entre essa falta e o homicídio premeditado do funcionário é demonstrado quando se provar suficientemente que, se a instituição tivesse cumprido a obrigação de assegurar a protecção do seu funcionário, o homicídio não se teria produzido. Sucede o mesmo no que respeita ao nexo de causalidade entre a falta e a perda por parte do funcionário de uma possibilidade de sobreviver.

(cf. n.os 179‑181, 183, 190)

Ver:

Tribunal de Justiça: 12 de Junho de 1986, Sommerlatte/Comissão (229/84, n.os 24 a 27); 27 de Março de 1990, Grifoni/CEEA (C‑308/87, n.os 17 e 18)

Tribunal de Primeira Instância: 30 de Setembro de 1998, Coldiretti e o./Conselho e Comissão (T‑149/96, n.os 116 e 122); 9 de Julho de 1999, New Europe Consulting e Brown/Comissão (T‑231/97, n.os 57 a 60); 24 de Outubro de 2000, Fresh Marine/Comissão (T‑178/98, n.º 118, e jurisprudência referida)

Tribunal Geral da União Europeia: 19 de Março de 2010, Gollnisch/Parlamento (T‑42/06, n.º 110, e a jurisprudência referida)

11.    Um dano pode não ter origem directa e certa numa só causa mas ter sido provocado por várias causas, que concorrem de maneira determinante para a sua realização. A jurisprudência não exige necessariamente, para que exista responsabilidade da administração, que a instituição assuma a responsabilidade exclusiva do dano. No caso de as faltas serem partilhadas por uma instituição e um terceiro, a instituição só é obrigada a indemnizar uma parte do dano sofrido pela vítima.

É o que sucede quando uma instituição cria as condições de realização do dano, ao não adoptar as medidas de segurança suficientes para impedir a intrusão do agressor no alojamento privado de um funcionário das delegações. Todavia, uma vez que essa falta não teve como consequência imediata e inevitável o homicídio, não sendo a instituição a responsável principal do dano, a sua quota‑parte de responsabilidade limita‑se a 30% do prejuízo sofrido.

(cf. n.os 181, 192 a 194)

Ver:

Tribunal de Justiça: Sommerlatte/Comissão (já referido, n.os 24 a 27) e Grifoni/CEEA (já referido, n.os 17 e 18)

No actual estado do Direito da União, o artigo 288.° CE, que remete para os princípios gerais comuns aos direitos dos Estados‑Membros, não pode ser interpretado no sentido de que permite a existência de responsabilidade da União sem culpa, devido a um acto ou a uma omissão lícitos.

Por conseguinte, o juiz da União não distingue as razões que justificam que a responsabilidade das instituições da União possa, nas suas relações com o seu pessoal, existir com base em condições radicalmente diferentes das que prevalecem no âmbito do artigo 288.° CE, desviando‑se dos princípios gerais comuns aos direitos dos Estados‑Membros.

(cf. n.os 209 e 212)

12.    O artigo 24.° do Estatuto tem por finalidade proporcionar aos funcionários e agentes em actividade uma segurança para o presente e o futuro, com vista a permitir‑lhes, no interesse geral do serviço, melhor desempenhar as suas funções. Resulta deste artigo e da jurisprudência que lhe é relativa que as instituições da União só são obrigadas, por força dessa disposição, a assistir os seus funcionários por actuações de terceiros de que os funcionários são alvo devido à sua qualidade e às suas funções.

Por conseguinte, quando um funcionário não foi assassinado devido à sua qualidade e às suas funções, o seu sucessor não pode validamente invocar o benefício das disposições do artigo 24.° do Estatuto.

(cf. n.os 220, 221, 224 e 225)

Ver:

Tribunal de Justiça: Sommerlatte/Comissão (já referido, n.º 19); 5 de Outubro de 1988, Hamill/Comissão (180/87, n.º 15)

Tribunal de Primeira Instância: 27 de Junho de 2000, K/Comissão (T‑67/99, n.º 32)

13.    Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do seu Regulamento de Processo, o Tribunal da Função Pública pode decidir, quando razões de equidade o exijam, que uma parte vencida seja condenada apenas parcialmente nas despesas ou mesmo que não seja condenada nas despesas. Além disso, segundo o artigo 88.° do Regulamento de Processo, uma parte, mesmo vencedora, pode ser condenada parcialmente ou na totalidade das despesas se tal se justificar em razão da sua atitude, incluindo antes do início da instância, em especial se tiver feito incorrer a outra parte em despesas que sejam consideradas inúteis ou vexatórias.

A este respeito, quando uma instituição atrasou consideravelmente a marcha do processo, recusando, num primeiro momento, comunicar ao Tribunal determinados documentos e informações e forçando o Tribunal a organizar uma segunda audiência, bem como dando ao Tribunal respostas imprecisas, faz‑se uma justa apreciação das circunstâncias do presente caso ao imputar‑se à instituição, além das suas próprias despesas, as despesas razoáveis e devidamente justificadas da parte contrária.

(cf. n.os 229, 230 e 232)