Language of document : ECLI:EU:C:2020:966

DESPACHO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção)

26 de novembro de 2020 (*)

«Reenvio prejudicial — Artigo 99.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça — Transporte aéreo — Regulamento (CE) n.° 261/2004 — Regras comuns para a indemnização e a assistência aos passageiros dos transportes aéreos em caso de recusa de embarque e de cancelamento ou atraso considerável dos voos — Artigo 3.°, n.° 3 — Âmbito de aplicação — Exclusão — Passageiros com viagens gratuitas ou com tarifa reduzida não disponível, direta ou indiretamente, ao público»

No processo C‑316/20,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Tribunal Judicial da Comarca dos Açores (Portugal), por Decisão de 9 de março de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 16 de julho de 2020, no processo

VO,

ZO,

ML,

NB,

KE,

JE,

PI,

VY

contra

SATA International — Azores Airlines, SA,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção),

composto por: N. Piçarra, presidente de secção, D. Šváby (relator) e S. Rodin, juízes,

advogado‑geral: P. Pikamäe,

secretário: A. Calot Escobar,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de decidir por meio de despacho fundamentado, em conformidade com o artigo 99.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça,

profere o presente

Despacho

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 3.°, n.° 3, do Regulamento (CE) n.° 261/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de fevereiro de 2004, que estabelece regras comuns para a indemnização e a assistência aos passageiros dos transportes aéreos em caso de recusa de embarque e de cancelamento ou atraso considerável dos voos e que revoga o Regulamento (CEE) n.° 295/91 (JO 2004, L 46, p. 1).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe VO, ZO, ML, NB, KE, JE, PI e VY à SATA International — Azores Airlines, SA (a seguir «SATA»), uma transportadora aérea, a respeito da recusa desta de indemnizar esses passageiros cujo voo sofreu um atraso considerável à chegada.

 Quadro jurídico

3        O artigo 3.°, n.° 3, do Regulamento n.° 261/2004 prevê:

«O presente regulamento não se aplica aos passageiros com viagens gratuitas ou com tarifa reduzida não disponível, direta ou indiretamente, ao público. No entanto, o presente regulamento aplica‑se aos passageiros com bilhetes emitidos no âmbito de um programa de passageiro frequente ou de outro programa comercial de uma transportadora aérea ou de um operador turístico.»

4        O artigo 5.°, n.° 1, alínea c), desse regulamento dispõe:

«Em caso de cancelamento de um voo, os passageiros em causa têm direito a:

[...]

c)      Receber da transportadora aérea operadora indemnização nos termos do artigo 7.°, salvo se:

i)      tiverem sido informados do cancelamento pelo menos duas semanas antes da hora programada de partida, ou

ii)      tiverem sido informados do cancelamento entre duas semanas e sete dias antes da hora programada de partida e se lhes tiver sido oferecido reencaminhamento que lhes permitisse partir até duas horas antes da hora programada de partida e chegar ao destino final até quatro horas depois da hora programada de chegada, ou

iii)      tiverem sido informados do cancelamento menos de sete dias antes da hora programada de partida e se lhes tiver sido oferecido reencaminhamento que lhes permitisse partir até uma hora antes da hora programada de partida e chegar ao destino final até duas horas depois da hora programada de chegada.»

5        O artigo 7.°, n.° 1, do referido regulamento tem a seguinte redação:

«Em caso de remissão para o presente artigo, os passageiros devem receber uma indemnização no valor de:

a)      250 euros para todos os voos até 1 500 quilómetros;

b)      400 euros para todos os voos intracomunitários com mais de 1 500 quilómetros e para todos os outros voos entre 1 500 e 3 500 quilómetros;

c)      600 euros para todos os voos não abrangidos pelas alíneas a) ou b).

[...]»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

6        Segundo o pedido de decisão prejudicial, conforme completado pela resposta do órgão jurisdicional de reenvio ao pedido de informações do Tribunal de Justiça que lhe foi dirigido em 27 de julho de 2020, os passageiros em causa no processo principal reservaram na SATA bilhetes com tarifa preferencial para um voo a realizar no dia 27 de outubro de 2017, com partida do aeroporto do Porto (Portugal) e destino ao de Ponta Delgada (Portugal).

7        Essas reservas foram efetuadas no âmbito de uma operação de patrocínio, pela SATA, de um evento desportivo nos Açores, da qual apenas os embaixadores desse evento e os convidados do mesmo podiam beneficiar. O benefício da tarifa preferencial concedida no âmbito dessa operação de patrocínio encontrava‑se sujeito à disponibilidade de lugares nos voos em causa, só podia ser aplicado às reservas efetuadas junto de um balcão de vendas da SATA ou através do seu centro de contacto, com exclusão das reservas efetuadas numa agência de viagens, e pressupunha que a SATA emitisse códigos de autorização para cada um dos bilhetes em causa.

8        Devido a um atraso à chegada a Ponta Delgada de mais de 11 horas em relação à hora de chegada inicialmente prevista, os passageiros em causa pediram à SATA o pagamento da indemnização prevista no artigo 5.°, n.° 1, alínea c), e no artigo 7.°, n.° 1, do Regulamento n.° 261/2004.

9        Tendo a SATA recusado esse pedido com o fundamento de que os passageiros em causa tinham beneficiado de bilhetes com tarifa reduzida não disponível, direta ou indiretamente, ao público e de que, por essa razão, não podiam invocar o Regulamento n.° 261/2004 em conformidade com o seu artigo 3.°, n.° 3, aqueles intentaram uma ação no Tribunal Judicial da Comarca dos Açores (Portugal).

10      Por ter dúvidas quanto à interpretação desta disposição, o Tribunal Judicial da Comarca dos Açores decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O conceito de viagens com tarifa reduzida não disponível, direta ou indiretamente, ao público, abrange os passageiros que pagaram parte da sua passagem, tendo o restante valor sido suportado pela companhia aérea, no âmbito do patrocínio de uma competição desportiva?»

 Quanto à questão prejudicial

11      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 3.°, n.° 3, do Regulamento n.° 261/2004 deve ser interpretado no sentido de que esse regulamento se aplica a um passageiro que viaja com um bilhete com tarifa preferencial emitido por uma transportadora aérea no âmbito de uma operação de patrocínio de um evento, cujo benefício está restringido a certas pessoas determinadas e cuja emissão pressupõe a autorização prévia e individualizada dessa transportadora aérea.

12      Ao abrigo do artigo 99.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, o Tribunal pode, a qualquer momento, mediante proposta do juiz‑relator, ouvido o advogado‑geral, decidir pronunciar‑se por meio de despacho fundamentado, quando, nomeadamente, a resposta a uma questão submetida a título prejudicial não suscite nenhuma dúvida razoável.

13      Sendo esse o caso no presente processo, há que aplicar esta disposição.

14      Em conformidade com o artigo 3.°, n.° 3, do Regulamento n.° 261/2004, este regulamento não se aplica aos passageiros com viagens gratuitas ou com tarifa reduzida não disponível, direta ou indiretamente, ao público. No entanto, o regulamento aplica‑se aos passageiros com bilhetes emitidos no âmbito de um programa de passageiro frequente ou de outro programa comercial de uma transportadora aérea ou de um operador turístico.

15      Daqui decorre, por um lado, que os passageiros que viajam com bilhetes emitidos gratuitamente por uma transportadora aérea não estão abrangidos pelo Regulamento n.° 261/2004, a não ser que esses bilhetes tenham sido emitidos no âmbito de um programa de passageiro frequente ou de outro programa comercial.

16      Por outro lado, os passageiros que viajam com bilhetes de que apenas pagam parte do preço, quanto a eles, estão abrangidos pelo Regulamento n.° 261/2004 se a tarifa reduzida paga estiver disponível, direta ou indiretamente, ao público ou se os bilhetes tiverem sido emitidos no âmbito de um programa de passageiro frequente ou de outro programa comercial.

17      A este respeito, um bilhete com tarifa preferencial como os que estão em causa no processo principal, que apenas está disponível para certas pessoas determinadas no âmbito de uma operação de patrocínio de um evento e que só pode ser emitido após autorização prévia e individualizada da transportadora aérea em causa, não pode ser considerado disponível ao público, seja direta seja indiretamente, nem emitido no âmbito de um programa de passageiro frequente ou de outro programa comercial.

18      Por conseguinte, os passageiros que viajam com esses bilhetes não podem invocar a aplicação do Regulamento n.° 261/2004 e os direitos dele decorrentes.

19      Consequentemente, há que responder à questão que o artigo 3.°, n.° 3, do Regulamento n.° 261/2004 deve ser interpretado no sentido de que esse regulamento não se aplica a um passageiro que viaja com um bilhete com tarifa preferencial emitido por uma transportadora aérea no âmbito de uma operação de patrocínio de um evento, cujo benefício está restringido a certas pessoas determinadas e cuja emissão pressupõe a autorização prévia e individualizada dessa transportadora aérea.

 Quanto às despesas

20      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Nona Secção) declara:

O artigo 3.°, n.° 3, do Regulamento (CE) n.° 261/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de fevereiro de 2004, que estabelece regras comuns para a indemnização e a assistência aos passageiros dos transportes aéreos em caso de recusa de embarque e de cancelamento ou atraso considerável dos voos e que revoga o Regulamento (CEE) n.° 295/91, deve ser interpretado no sentido de que esse regulamento não se aplica a um passageiro que viaja com um bilhete com tarifa preferencial emitido por uma transportadora aérea no âmbito de uma operação de patrocínio de um evento, cujo benefício está restringido a certas pessoas determinadas e cuja emissão pressupõe a autorização prévia e individualizada dessa transportadora aérea.

Assinaturas


*      Língua do processo: português.