Language of document : ECLI:EU:C:2008:98

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

M. POIARES MADURO

apresentadas em 20 de Fevereiro de 2008 1(1)

Processos apensos C‑120/06 P e C‑121/06 P

Fabbrica italiana accumulatori motocarri Montecchio SpA (FIAMM),

Fabbrica italiana accumulatori motocarri Montecchio Technologies Inc. (FIAMM Technologies)

contra

Conselho da União Europeia,

Comissão das Comunidades Europeias

e

Giorgio Fedon & Figli SpA,

Fedon America, Inc.

contra

Conselho da União Europeia,

Comissão das Comunidades Europeias

«Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância – OMC – Relações comerciais CE/EUA – Regime europeu de importação de bananas declarado contrário ao GATT – Aplicação de medidas de retaliação a uma série de produtos comunitários – Acção de indemnização»





1.        «Comer a banana pelas duas extremidades», eis como se poderia apresentar em termos metafóricos o confronto que atiçou os protagonistas americano e europeu e que é usual designar como a «guerra da banana». Esta já deu lugar a inúmeros episódios litigiosos. Este processo, que suscita o problema das vítimas colaterais desta guerra, não é senão mais uma das suas metamorfoses. Isso não significa, contudo, que seja desprovido de interesse jurídico. Antes, pelo contrário, convida o Tribunal de Justiça a decidir questões inéditas e de alcance jurídico considerável.

2.        O processo submetido à apreciação do Tribunal de Justiça teve origem em dois recursos: um, interposto pela Fabbrica italiana accumulatori motocarri Montecchio SpA e pela Fabbrica italiana accumulatori motocarri Montecchio Technologies LLC (a seguir, conjuntamente, «FIAMM»), do acórdão do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias de 14 de Dezembro de 2005, FIAMM e FIAMM Technologies/Conselho e Comissão (2); o outro, interposto por Giorgio Fedon & Figli SpA e Fedon America, Inc. (a seguir, conjuntamente, «FEDON»), do acórdão do Tribunal de Primeira Instância proferido no mesmo dia, Fedon & Figli e o./Conselho e Comissão (3) (a seguir, conjuntamente, «acórdãos recorridos»). Através destes acórdãos, o Tribunal de Primeira Instância negou provimento aos recursos interpostos pela FIAMM e pela FEDON para obter ressarcimento do dano que alegadamente sofreram em razão de um direito aduaneiro extraordinário aplicado pelos Estados Unidos da América às importações de acumuladores estacionários e de estojos para óculos provenientes de diversos Estados‑Membros, em retaliação pela inexecução, por parte da Comunidade Europeia, da decisão pela qual o Órgão de Resolução de Litígios da Organização Mundial do Comércio (OMC) (a seguir «ORL») declarou a incompatibilidade do regime comunitário de importação de bananas com os acordos OMC.

3.        Os fundamentos de recurso apresentados pelas recorrentes convidam o Tribunal de Justiça a pronunciar‑se, por um lado, sobre a incidência, na invocabilidade das regras da OMC, de uma decisão do ORL que declarou a incompatibilidade da regulamentação comunitária com os acordos OMC e, por outro, sobre o princípio e os pressupostos de uma responsabilidade objectiva da Comunidade.

I –    Quadro jurídico e factual

A –    Factos na origem do litígio

4.        O processo resultou de um diferendo entre a Comunidade Europeia e os Estados Unidos, a respeito do regime comunitário de importação de bananas instituído pelo Regulamento (CEE) n.° 404/93 do Conselho, de 13 de Fevereiro de 1993, que estabelece a organização comum de mercado no sector das bananas (4). Com base nas denúncias apresentadas por vários membros da OMC, entre os quais os Estados Unidos, o ORL concluiu, em 25 de Setembro de 1997, que o referido regime de trocas comerciais com países terceiros, na medida em que previa disposições preferenciais a favor das bananas provenientes dos Estados ACP, era incompatível com os acordos OMC e recomendou à Comunidade que procedesse a uma adequação desse regime antes do termo de um prazo razoável fixado em 1 de Janeiro de 1999.

5.        Com este fim, as instituições modificaram, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 1999, o regime das trocas comerciais de bananas com os Estados terceiros, através da adopção do Regulamento (CE) n.° 1637/98 do Conselho, de 20 de Julho de 1998, completado pelo Regulamento (CE) n.° 2362/98 da Comissão, de 28 de Outubro de 1998. Entendendo que este novo regime de importação de bananas mantinha os elementos ilegais do regime anterior, os Estados Unidos obtiveram do ORL, em 19 de Abril de 1999, autorização para cobrar sobre as importações provenientes da Comunidade direitos aduaneiros pelas trocas comerciais num montante anual de 191,4 milhões de USD, correspondente ao nível da anulação ou da redução de vantagens sofrido pelos Estados Unidos. Consequentemente, as autoridades americanas aplicaram, a partir de 19 de Abril de 1999, um direito ad valorem de 100% à importação de produtos originários da Comunidade, dos quais elaboraram uma lista. Entre esses produtos figuravam os acumuladores estacionários e os estojos para óculos exportados, respectivamente, pelas empresas italianas FIAMM e FEDON.

6.        Na sequência das negociações entre todas as partes interessadas, a Comunidade adoptou as alterações à nova organização comum do mercado das bananas, através do Regulamento (CE) n.° 216/2001 do Conselho, de 29 de Janeiro de 2001. A seguir, em 11 de Abril de 2001, concluiu com os Estados Unidos um memorando de acordo que definia os meios adequados para resolver o litígio. Nesta perspectiva, a Comissão das Comunidades Europeias definiu, através do seu Regulamento (CE) n.° 896/2001, de 7 de Maio de 2001, as modalidades de aplicação do novo regime comunitário de importação de bananas instituído pelo Regulamento n.° 216/2001. Os Estados Unidos suspenderam, então, com efeitos a partir de 30 de Junho de 2001, a aplicação do seu direito aduaneiro extraordinário.

7.        Por petições apresentadas na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância, respectivamente, em 23 de Março de 2000 e 18 de Junho de 2001, a FIAMM e a FEDON pediram, com fundamento nos artigos 235.° CE e 288.°, segundo parágrafo, CE, o ressarcimento do dano resultante do aumento dos direitos de importação impostos sobre os seus produtos, de 19 de Abril de 1999 a 30 de Junho de 2001, pelas autoridades americanas, em conformidade com a autorização dada pelo ORL na sequência da declaração da incompatibilidade do regime comunitário de importação de bananas com os acordos OMC.

B –    Acórdãos recorridos

8.        Para fundamentar os seus pedidos de indemnização, as recorrentes basearam‑se principalmente na actuação ilícita dos órgãos da Comunidade. Alegaram que o facto de o Conselho da União Europeia e a Comissão não terem adequado o regime comunitário de importação de bananas, no prazo de quinze meses fixado pelo ORL, às obrigações que incumbiam à Comunidade por força dos acordos OMC, quando a incompatibilidade do referido regime com as regras da OMC tinha sido declarada pelo ORL, constituía um ilícito susceptível de gerar responsabilidade extracontratual da Comunidade. Precisaram que, caso não se viesse a considerar que os acordos OMC tinham efeito directo, o que obstaria a que essa ilegalidade fosse posta em evidência, tal carácter deveria ser reconhecido à decisão do ORL de condenação da Comunidade.

9.        Em resposta, o Tribunal de Primeira Instância observa, desde logo, que a análise da legalidade da actuação das instituições comunitárias pressupõe a resolução prévia da questão da invocabilidade das regras da OMC, isto é, da questão de saber «se os acordos OMC criam para os particulares da Comunidade o direito de deles se prevalecerem em tribunal para contestarem a validade de uma regulamentação comunitária, nos casos em que o ORL tenha declarado que tanto esta como a regulamentação subsequente adoptada pela Comunidade, designadamente para cumprir as regras da OMC em causa, são incompatíveis com estas últimas» (5). A este respeito, recordou a jurisprudência assente segundo a qual, tendo em atenção a sua natureza e a sua economia, os acordos OMC não figuram, em princípio, entre as normas à luz das quais o Tribunal de Justiça fiscaliza a legalidade dos actos das instituições comunitárias, deduzindo daí que a eventual violação das regras da OMC não é susceptível, em princípio, de gerar responsabilidade extracontratual da Comunidade. Semelhante ilegalidade só excepcionalmente pode ser imputada às instituições recorridas, em duas situações. Ora, estas não são aplicáveis ao caso em apreço: não obstante a existência de uma declaração de incompatibilidade por parte do ORL, as regras da OMC não constituem, nem em virtude de obrigações específicas a que a Comunidade tenha querido dar execução nem em virtude de uma remissão expressa para disposições precisas dos acordos OMC, normas à luz das quais a legalidade da actuação das instituições possa ser apreciada.

10.      Em primeiro lugar, a Comunidade não pretendeu dar execução a uma obrigação específica assumida no âmbito da OMC (6), ao comprometer‑se, depois da adopção da decisão do ORL de 25 de Setembro de 1997, a cumprir as regras da OMC. Tal é assim, segundo o Tribunal de Primeira Instância, uma vez que não resulta do mecanismo de resolução de litígios (a seguir «MRL») uma obrigação específica de o membro da OMC dar cumprimento, num prazo determinado, à decisão do ORL. O MRL, na medida em que oferece ao membro da OMC em causa várias modalidades de execução de uma decisão do ORL que declarou uma medida incompatível com as regras da OMC, reserva, em todo o caso, um lugar importante à negociação entre os membros da OMC partes num litígio, mesmo após o termo do prazo fixado para a adequação às regras da OMC da medida declarada incompatível. Por conseguinte, a fiscalização, pelo juiz comunitário, da legalidade da actuação das instituições recorridas à luz das regras da OMC poderia levar à fragilização da posição dos órgãos legislativos e executivos comunitários na busca de uma solução negociada do litígio; além disso, impor‑lhes a obrigação de recusarem a aplicação das regras comunitárias, em caso de violação demonstrada, teria como consequência privar os referidos órgãos da possibilidade de uma solução negociada. Além disso, o Tribunal de Primeira Instância declara que, através das alterações sucessivas do regime comunitário de importação de bananas, o Conselho e a Comissão não pretenderam, de facto, cumprir uma obrigação específica decorrente das regras da OMC por força das quais o ORL tinha declarado a incompatibilidade do referido regime; antes tentaram conciliar o respeito dos compromissos subscritos no quadro da OMC e dos assumidos perante outros signatários da Quarta Convenção de Lomé, salvaguardando igualmente os objectivos da Organização Comum de Mercado (OCM) no sector das bananas (a seguir «OCM bananas»). E, em definitivo, foi uma solução negociada com os Estados Unidos que permitiu pôr termo ao litígio.

11.      Em segundo lugar, a regulamentação comunitária relativa ao regime de importação de bananas não contém, em nenhuma das suas sucessivas alterações, uma referência expressa a disposições precisas dos acordos OMC, pelo que não se pode, portanto, considerar que remete expressamente para estas e que confere aos particulares o direito de as invocarem (7).

12.      O Tribunal de Primeira Instância conclui que as recorrentes não podiam alegar, para efeitos do seu pedido indemnizatório, que a actuação imputada ao Conselho e à Comissão era contrária às regras da OMC. Dado que a ilegalidade da referida actuação não pôde ser demonstrada, não se encontra preenchido um dos três pressupostos da responsabilidade extracontratual da Comunidade por actuação ilícita dos seus órgãos.

13.      A título subsidiário, as recorrentes alegaram que os pressupostos da responsabilidade extracontratual da Comunidade por danos causados pela actuação, ainda que não ilícita, dos seus órgãos se encontravam, em qualquer caso, reunidos, a saber, a realidade do prejuízo sofrido, o nexo de causalidade entre este e a actuação das instituições e o carácter anormal e especial desse prejuízo. O Tribunal de Primeira Instância concorda em que, «[q]uando […] a ilegalidade da actuação imputada às instituições comunitárias não foi demonstrada, não é por isso que as empresas que, enquanto categoria de operadores económicos, vêm a suportar uma parte desproporcionada dos encargos resultantes de uma restrição do acesso aos mercados de exportação não podem, em caso algum, obter uma compensação suscitando a responsabilidade extracontratual da Comunidade» (8). Reconhece também a existência, enquanto princípio geral comum aos direitos dos Estados‑Membros, de uma responsabilidade extracontratual da Comunidade sem actuação ilícita dos seus órgãos, a qual está subordinada à reunião dos pressupostos indicados pelas recorrentes, uma vez que, sublinha, «os regimes jurídicos nacionais em matéria de responsabilidade extracontratual permitem aos particulares, ainda que em graus variáveis, em domínios específicos e segundo modalidades diferentes, obter em juízo a indemnização de determinados prejuízos, mesmo na inexistência de actuação ilícita por parte do autor do prejuízo» (9).

14.      Verificando o preenchimento destes pressupostos no caso em apreço, o Tribunal de Primeira Instância considera demonstrado o carácter real e certo do prejuízo alegado pelas recorrentes. Declara igualmente a existência de um nexo suficientemente directo de causa e efeito entre a actuação das instituições comunitárias e o dano. É certo que os Estados Unidos foram simplesmente autorizados pelo ORL a adoptar medidas de retaliação e que tanto a elaboração da lista dos produtos sobre que incidem como a fixação da taxa do direito extraordinário sobre as importações decorriam do seu poder discricionário. Não é menos verdade que, sem a verificação prévia pelo ORL da incompatibilidade do regime comunitário de importação de bananas com as regras da OMC, os Estados Unidos não teriam podido pedir nem obter esta autorização do ORL. Com efeito, foi em função do montante do prejuízo sofrido pela economia americana, devido à manutenção em vigor do regime comunitário de importação de bananas julgado incompatível com as regras da OMC, que o ORL determinou o montante de trocas comerciais até ao qual a Administração americana foi autorizada a suspender as suas concessões tarifárias relativamente à Comunidade. Daqui decorre que a actuação das instituições recorrentes induziu necessariamente a adopção da medida de retaliação pela Administração americana, em conformidade com os procedimentos instituídos pelo MRL e aceites pela Comunidade. Essa actuação deve, portanto, ser considerada a causa determinante do prejuízo sofrido pelas recorrentes na sequência da instituição do direito aduaneiro extraordinário americano.

15.      Restava às recorrentes demonstrar o carácter anormal e especial do prejuízo que tinham sofrido. Para esse efeito, alegaram ser vítimas de uma discriminação em relação às outras empresas europeias exportadoras cujos produtos não constavam da lista elaborada pelas autoridades americanas e, para a FIAMM, também, de uma discriminação em relação às outras empresas sobre as quais incidia o direito aduaneiro extraordinário, na medida em que suportava sozinha 6% do montante total das medidas de retaliação. E o interesse na manutenção das regras da OCM bananas não podia ser considerado um objectivo de interesse geral de uma importância susceptível de justificar estas consequências. Acrescentaram, por último, que a eventualidade de Estados terceiros introduzirem direitos aduaneiros extraordinários em razão de um litígio ocorrido num sector completamente diferente do seu domínio de actividade não pode ser considerado um risco normal para um operador. Porém, o Tribunal de Primeira Instância recusou reconhecer um carácter anormal ao prejuízo sofrido pelas recorrentes, dado que não ultrapassou os limites dos riscos económicos inerentes à sua actividade de exportação. Com efeito, a suspensão das concessões tarifárias, que é uma medida prevista pelos acordos OMC, não pode ser considerada estranha às contingências normais do comércio internacional, no estado actual da sua organização. Esta vicissitude deve, portanto, ser obrigatoriamente suportada por qualquer operador que decida comercializar a sua produção no mercado de um dos membros da OMC. Por conseguinte, há que excluir, no caso em apreço, qualquer direito a indemnização baseado numa responsabilidade objectiva.

II – Análise dos presentes recursos

16.      Foi destas duas decisões, o acórdão Fiamm e o acórdão Fedon, proferidas em 14 de Dezembro de 2005, que a FIAMM e a FEDON, respectivamente, interpuseram recurso perante o Tribunal de Justiça. Em apoio dos seus recursos, as ora recorrentes invocam fundamentos idênticos. Antes de mais, invocam uma falta de fundamentação resultante do facto de os acórdãos recorridos não responderem a um dos seus argumentos principais relativo à invocabilidade da decisão adoptada pelo ORL para declarar, para efeitos da acção de indemnização, a ilegalidade da actuação da Comunidade. Invocam igualmente a existência de um erro de direito no raciocínio seguido pelo Tribunal de Primeira Instância para concluir pela inexistência de carácter anormal do prejuízo. Por último, reclamam uma indemnização equitativa pela duração desrazoável do processo em primeira instância. Além disso, importa observar que o Conselho e o Reino de Espanha, que pedem que seja negado provimento aos recursos principais, interpuseram igualmente recursos subordinados nos quais pedem que os acórdãos recorridos sejam anulados, com base em que o Tribunal de Primeira Instância consagrou erradamente a existência de uma responsabilidade da Comunidade por actos lícitos, decidiu que esta podia ser aplicada no caso de não exercício de um poder normativo de natureza discricionária e reconheceu uma causalidade directa entre a actuação das instituições e o dano.

17.      O exame da procedência destes diferentes fundamentos levar‑me‑á, primeiramente, a averiguar se e em que condições uma decisão do ORL que declara a incompatibilidade da regulamentação comunitária com o direito da OMC pode ser invocada no âmbito de uma acção de indemnização por responsabilidade extracontratual da Comunidade com fundamento na ilicitude da actuação das suas instituições. A seguir, conduzir‑me‑á a considerar o princípio e as condições de uma responsabilidade objectiva da Comunidade. Por último, far‑me‑á avaliar o carácter razoável da duração do processo em causa no Tribunal de Primeira Instância.

A –    A invocabilidade de uma decisão do ORL como fundamento de uma acção de indemnização por responsabilidade extracontratual da Comunidade por actos ilícitos

18.      Através do seu primeiro fundamento, as duas recorrentes invocam formalmente uma falta de fundamentação dos acórdãos recorridos, na medida em que o Tribunal de Primeira Instância não respondeu à sua argumentação segundo a qual uma decisão do ORL de condenação da Comunidade constitui uma outra excepção, para além das dos casos Nakajima e Fediol, à não invocabilidade de princípio dos acordos OMC, que permite que os litigantes os invoquem para demonstrar, para efeitos de reconhecimento da responsabilidade da Comunidade, a ilegalidade da sua actuação. Segundo as recorrentes, o Tribunal de Primeira Instância limitou‑se a verificar a aplicabilidade, no caso em apreço, das duas excepções à inexistência de efeito directo dos acordos OMC desenvolvidas nos acórdãos Fediol e Nakajima.

19.      Este fundamento poderia ser facilmente rejeitado com base em que, longe de ter constituído o ponto essencial da sua argumentação relativa à ilegalidade da actuação da Comunidade, esta tese foi apenas evocada de forma incidental perante o Tribunal de Primeira Instância, pela FEDON, numa nota de rodapé da sua petição inicial, e pela FIAMM, unicamente, em dois dos 177 pontos da petição inicial. Ora, «a obrigação de o Tribunal de Primeira Instância fundamentar as suas decisões não pode ser interpretada como implicando que este seja obrigado a responder em pormenor a cada argumento invocado por uma parte» (10), nem que deva efectuar «uma exposição que acompanhe exaustiva e individualmente todos os passos do raciocínio articulado pelas partes no litígio» (11). Mais ainda, o Tribunal de Primeira Instância rejeitou implicitamente a tese dos recorrentes, uma vez que só apreciou a eventual incidência de uma decisão do ORL à luz da aplicabilidade das duas excepções tradicionais à inexistência de efeito directo das regras da OMC (12).

20.      Mas, na realidade, a coberto do vício de forma de insuficiência de fundamentação, é a própria justeza deste raciocínio do Tribunal de Primeira Instância que as recorrentes põem em causa, raciocínio segundo o qual a relevância de uma decisão de condenação do ORL só pode ser examinada e avaliada no âmbito da fiscalização da reunião das condições de aplicação das duas excepções tradicionais ao princípio da não invocabilidade do direito da OMC. Segundo as ora recorrentes, fora do âmbito das excepções decorrentes dos acórdãos Fediol e Nakajima, uma decisão do ORL que declarou a incompatibilidade do direito comunitário com as regras da OMC deveria poder ser invocada para demonstrar a ilegalidade da actuação da Comunidade nas seguintes circunstâncias cumulativas: a ilegalidade consistir na inexecução da referida decisão do ORL pela Comunidade, no prazo razoável fixado para o seu cumprimento; a decisão ser invocada no âmbito de uma acção por responsabilidade extracontratual; esta acção de indemnização visar a obtenção do ressarcimento do prejuízo sofrido devido à adopção, por parceiros comerciais da Comunidade, de medidas de retaliação autorizadas pelo ORL em consequência da referida inexecução.

21.      Para apreciar a pertinência da argumentação das recorrentes quanto a este aspecto, parece‑me indispensável lembrar a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à invocabilidade dos acordos internacionais, em geral, e do direito da OMC, em particular. Apenas recordando o alcance e os fundamentos em que se baseia será possível determinar se esta jurisprudência deve ser aplicada, recusando‑se às recorrentes a possibilidade de invocarem a decisão do ORL de condenação da Comunidade para efeitos da acção de indemnização e nas circunstâncias específicas do caso em apreço.

1.      A jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à invocabilidade dos acordos internacionais

22.      A jurisprudência comunitária sobre o alcance processual do direito da OMC foi e continua a ser vivamente criticada. A contestação deve‑se, a meu ver, pelo menos em parte, ao facto de ser frequentemente mal compreendida. Talvez a seguinte enunciação das suas soluções permita dissipar alguns mal‑entendidos.

23.      As referidas soluções não são mais do que a aplicação, ao caso particular dos acordos OMC, das soluções dadas pelo Tribunal de Justiça relativamente à invocabilidade, na ordem jurídica comunitária, dos acordos internacionais em geral. Recordemos, de antemão, que os acordos devidamente celebrados pela Comunidade com Estados terceiros ou com organizações internacionais «são vinculativos para as instituições da Comunidade e para os Estados‑Membros», segundo os próprios termos do artigo 300.°, n.° 7, CE. Esta formulação, ao mesmo tempo que recorda a força obrigatória do acordo à luz do direito internacional, declara a força vinculativa destes acordos em direito comunitário. O Tribunal de Justiça deduziu logicamente daí que as estipulações de um tal acordo (13), exactamente como as dos actos unilaterais adoptados pelos órgãos instituídos por um acordo externo que vincula a Comunidade (14), «fazem parte integrante, a partir da sua entrada em vigor, da ordem jurídica comunitária». Por outras palavras, os acordos externos adoptados em conformidade com o direito comunitário (15) e que vinculam, portanto, as Comunidades, constituem uma fonte de direito comunitário. O Tribunal de Justiça deduziu expressamente daí o seu primado sobre os actos de direito derivado (16) e o reconhecimento da sua competência de princípio para conhecer de uma questão de validade de um acto comunitário à luz de um acordo externo que vincula as Comunidades (17).

24.      Por conseguinte, pode parecer contraditória a jurisprudência assente relativa ao direito da OMC, segundo a qual «os acordos da OMC não figuram, em princípio, entre as normas à luz das quais o Tribunal de Justiça fiscaliza a legalidade dos actos das instituições comunitárias» (18). Com efeito, como pode um acordo internacional constituir uma norma da ordem jurídica comunitária e, simultaneamente, não ser um parâmetro de fiscalização da legalidade dos actos comunitários?

a)      O requisito para a invocabilidade dos acordos internacionais

25.      No entanto, para poder servir de norma de referência para a apreciação da legalidade de um acto comunitário e, mais geralmente, para que a aplicação das disposições de um tratado possa ser utilmente exigida ao tribunal, é ainda necessário que o acordo internacional seja susceptível de aplicação jurisdicional. Dito de outra forma, este deve poder ser invocado em juízo, isto é, ser «susceptível de criar para os particulares da Comunidade o direito de [o] invocar em juízo» (19), ou ainda, noutros termos, ser dotado de «efeito directo» (20).

26.      Poder‑se‑ia ter entendido que este requisito do efeito directo estaria vinculado e limitado ao processo de reenvio prejudicial para apreciação da validade, no âmbito do qual tinha sido inicialmente estabelecido. No acórdão International Fruit Company e o., já referido, o Tribunal de Justiça tinha decidido expressamente que o requisito do efeito directo era necessário «[n]o caso de a invalidade ser invocada perante um órgão jurisdicional nacional» (21). Esta formulação não deixou de contribuir para uma confusão entre as questões da invocabilidade dos acordos internacionais e do efeito directo do direito comunitário (22), proporcionando sem dúvida alguns mal‑entendidos. No entanto, os dois conceitos de efeito directo dos acordos internacionais e de efeito directo do direito comunitário são diferentes.

i)      O conceito de efeito directo dos acordos internacionais

27.      Os dois conceitos de efeito directo dos acordos internacionais e de efeito directo do direito comunitário são apreciados de forma distinta. É sabido que resulta do objecto e da economia do Tratado que institui a Comunidade que o direito comunitário, no seu conjunto, tem aptidão para produzir efeito directo, aptidão essa que se confirma quando a norma comunitária em causa é clara, precisa e incondicional (23). O mesmo não acontece com os acordos internacionais que vinculam a Comunidade. A estes pode ou não ser reconhecido efeito directo, consoante as partes contratantes tenham estipulado nesse sentido ou em sentido contrário. Com efeito, «nos termos do direito internacional, as instituições comunitárias, que têm competência para negociar e celebrar acordos com países terceiros, podem acordar com estes os efeitos que as disposições de um acordo devem produzir na ordem jurídica interna das partes contratantes» (24). Se esta questão não tiver sido explicitamente regulada no acordo, cabe aos órgãos jurisdicionais de cada parte contratante decidi‑la (25). Resulta assim da jurisprudência do Tribunal de Justiça que um acordo internacional só tem efeito directo na ordem jurídica comunitária, na dupla condição de os seus termos, a sua natureza ou a sua economia não obstarem à sua invocabilidade e de as estipulações invocadas se revelarem, na perspectiva tanto do objecto e da finalidade desse acordo como do seu contexto, suficientemente precisas e incondicionais, isto é, conterem uma obrigação clara e precisa que não esteja dependente, na sua execução ou nos seus efeitos, da intervenção de um acto posterior (26).

ii)    O alcance do requisito do efeito directo dos acordos internacionais

28.      Os dois conceitos divergem igualmente quanto ao seu alcance. Resulta, efectivamente, do acórdão Alemanha/Conselho (27) que o efeito directo de um acordo internacional condiciona a sua invocabilidade não só perante o tribunal nacional mas também perante o tribunal comunitário e que este requisito vale, por outras palavras, independentemente da natureza do processo no qual se invoca um fundamento relativo à violação de um acordo internacional. Resulta também do referido acórdão que o mesmo requisito se aplica seja qual for a qualidade do demandante, quer se trate de um particular quer de um demandante privilegiado.

29.      Assim, em relação aos acordos OMC, o tribunal comunitário recusou a sua invocabilidade quer no âmbito de um processo de reenvio prejudicial para apreciação da validade (28), quer no de um recurso de anulação (29), quer no de uma acção de indemnização (30). O Tribunal de Justiça recusou conhecer de um fundamento relativo à violação do direito da OMC quer tivesse sido invocado por um particular quer por um Estado‑Membro.

30.      A atribuição deste alcance ao efeito directo dos acordos internacionais, embora tenha sido frequentemente criticada por uma parte da doutrina, é perfeitamente justificada. Enquanto guardião da ordem jurídica comunitária, o Tribunal de Justiça deve, no caso em que uma regra proveniente da ordem jurídica internacional seja invocada, definir os seus efeitos de forma global e uniforme, válida para toda a ordem jurídica comunitária. Percebe‑se, assim, facilmente que o requisito do efeito directo de um acordo internacional seja exigido independentemente do tipo de processo e da qualidade do demandante, de o litígio decorrer num tribunal nacional ou num tribunal comunitário (31).

31.      Dado que os dois requisitos do efeito directo dos acordos internacionais e do efeito directo do direito comunitário se distinguem com clareza, tanto em razão do seu conceito como do seu alcance, no futuro, seria sem dúvida sensato, para evitar confusões indevidas, usar termos diferentes para os designar e, portanto, falar apenas em invocabilidade dos acordos internacionais.

iii) A invocabilidade do direito da OMC

32.      Aplicando este esquema de análise ao GATT, o Tribunal de Justiça decidiu que a grande flexibilidade das suas disposições e o princípio das negociações empreendidas numa base de reciprocidade e de vantagens mútuas em que o acordo assenta constituíam um obstáculo à sua invocabilidade (32). Por outras palavras, não resulta do espírito, nem da economia, nem dos termos do acordo uma obrigação de lhe reconhecer efeito directo (33). Sabemos que o Tribunal de Justiça chegou à mesma conclusão em relação aos acordos OMC (34), quando havia quem pensasse que deveria decidir de forma diferente, atendendo ao mecanismo reforçado de resolução de litígios instituído por esses acordos. Para recusar efeito directo ao direito da OMC, na sua totalidade, o Tribunal de Justiça baseou‑se nas duas seguintes considerações.

33.      Primeiramente, não obstante a judicialização do sistema de resolução de litígios, o acordo deixa ainda uma ampla margem para negociação entre as partes, mesmo em caso de inexecução, pelo membro em causa, das decisões e recomendações do ORL. Consequentemente, impor aos órgãos jurisdicionais a obrigação de não aplicarem as regras internas incompatíveis com as estipulações do acordo privaria os órgãos comunitários desta possibilidade de recorrer a soluções negociadas.

34.      Em segundo lugar, alguns parceiros comerciais da Comunidade negam qualquer invocabilidade do acordo. É necessário deixar a mesma latitude aos órgãos legislativos e executivos da Comunidade, sob pena de se criar um desequilíbrio na aplicação das regras da OMC, quando este se funda num princípio de reciprocidade e de vantagens mútuas.

35.      Em suma, decorre destas considerações que os acordos OMC devem ser interpretados no sentido de se deixar uma grande margem de liberdade política às instituições comunitárias no âmbito da OMC, liberdade essa que poderia ficar comprometida pelo reconhecimento de um efeito directo aos referidos acordos. E o Tribunal de Justiça entende que, neste domínio, não pode invadir as prerrogativas do poder político, sem prejudicar o equilíbrio institucional.

36.      É sabido que a pertinência desta argumentação foi intensamente discutida na doutrina (35) e algumas vezes contestada pelos advogados‑gerais (36). Pode ter parecido estar em contradição com raciocínios anteriormente desenvolvidos pelo Tribunal de Justiça relativamente ao efeito directo de um ou outro acordo internacional (37). A solução, daí resultante, de inexistência de efeito directo do direito da OMC, não foi posteriormente menos reiterada com uma constância inabalável pela jurisprudência.

37.      Contudo, o facto de o direito da OMC não poder ser invocado em juízo não significa que não faça parte da ordem jurídica comunitária. Deste ponto de vista, a formulação utilizada pelo Tribunal de Justiça no acórdão Portugal/Conselho, já referido, é, sem dúvida, infeliz. Deixa crer que um acordo internacional não faz parte do sistema de fontes do direito comunitário, quando apenas se trata de uma questão de fiscalização jurisdicional da referida norma, de competência do juiz para dela conhecer. No entanto, foi isso que, na verdade, o Tribunal de Justiça pretendeu dizer, ainda que de forma infeliz. Com efeito, recusa colocar os acordos OMC entre as normas à luz das quais fiscaliza a legalidade dos actos comunitários, porque, atendendo ao carácter das regras da OMC, não se pode «admitir que a tarefa de assegurar a conformidade do direito comunitário com as regras da OMC incumbe directamente ao juiz comunitário» (38). Não se deve, portanto, entender esta jurisprudência no sentido de que nega a qualidade de fonte de direito comunitário às regras da OMC, mas sim no sentido de que afecta o seu alcance em sede jurisdicional. Senão, como compreender que a privação de alcance em sede jurisdicional seja meramente parcial? Com efeito, apenas na medida em que a aplicação jurisdicional do direito da OMC prejudique a liberdade política das instituições comunitárias no âmbito da OMC é que o referido direito não pode ser utilmente invocado perante o Tribunal de Justiça.

b)      As restrições ao princípio da não‑invocabilidade das regras da OMC

38.      A jurisprudência comunitária elaborou um determinado número de restrições ao princípio da não‑invocabilidade das regras da OMC, que só se tornaram possíveis por o direito da OMC constituir uma norma da ordem jurídica comunitária. E são as mesmas considerações que justificam a recusa do princípio da invocabilidade das regras da OMC que lhes servem de base. Estas restrições são de três tipos.

39.      Em primeiro lugar, os actos comunitários (39) como as medidas nacionais (40) devem ser objecto de uma interpretação conforme com o direito da OMC. Semelhante obrigação não é susceptível, com efeito, de alterar as possibilidades de negociação das instituições em caso de litígio com os seus parceiros da OMC. Isto é evidente quando essa obrigação incide sobre o direito nacional. E é igualmente verdade quando a mesma se aplica aos actos comunitários. A interpretação conforme é, efectivamente, necessária apenas na medida do possível. Está, assim, criada a possibilidade de as instituições, através da adopção ou da manutenção de um acto claramente contrário ao direito da OMC, preferirem a via de uma solução negociada.

40.      Em segundo lugar, os acordos podem igualmente servir de base à condenação de um Estado‑Membro por incumprimento (41). Esta solução também se compreende facilmente. A inexistência de um acto comunitário contrário ao direito da OMC revela a vontade das instituições de o cumprirem. Por conseguinte, um Estado‑Membro não pode, unilateralmente, subtrair‑se às obrigações dele decorrentes. E a sua condenação de forma alguma põe em causa a possibilidade de as instituições não aplicarem, no futuro, a regra da OMC, fundamento da condenação, em troca de uma solução negociada.

41.      Por último, o fundamento relativo à violação do direito da OMC é admissível, incluindo quando é invocado em apoio da impugnação da legalidade de um acto comunitário, em dois casos (42): seja no caso em que a Comunidade pretendeu dar execução a uma obrigação específica assumida no âmbito da OMC (43), seja quando o acto comunitário, ao remeter expressamente para disposições precisas dos acordos OMC, conferiu aos particulares o direito de deles se prevalecerem (44). Uma vez que, efectivamente, os acordos OMC não obrigam, nem expressamente nem interpretados à luz do seu objecto e da sua finalidade, as partes contratantes a reconhecer‑lhes efeito directo nas suas ordens jurídicas, compete a cada uma delas determinar livremente os meios jurídicos adequados para assegurar a sua execução de boa fé na respectiva ordem jurídica (45), isto é, decidir se pretendem conferir aos particulares o direito de invocarem as estipulações desses acordos. Os dois casos acima mencionados constituem a expressão de uma vontade da Comunidade. Com isso, ela dá a conhecer que pretende cumprir o direito da OMC, privando‑se, assim, voluntariamente, da margem de manobra na aplicação das regras da OMC de que dispõem determinadas partes contratantes que negam qualquer efeito directo às referidas regras.

2.      A relevância de uma decisão do ORL de condenação da Comunidade

42.      É dentro do quadro esboçado por esta jurisprudência que se situa a argumentação das recorrentes. Estas solicitam ao Tribunal de Justiça que determine em que medida uma decisão do ORL que declara a incompatibilidade de uma regulamentação comunitária com o estipulado nos acordos OMC é também susceptível de modificar a recusa de princípio da invocabilidade dos referidos acordos, excluindo, consequentemente, qualquer fiscalização da compatibilidade do direito comunitário derivado à luz desses acordos. Para o efeito, insistem no carácter vinculativo da decisão do ORL, para sustentar que devem poder invocá‑la e queixar‑se da sua inexecução, mesmo apesar de os acordos OMC não serem, em si mesmos, invocáveis. Apresentada deste modo, a argumentação é incontestavelmente infeliz. Como o Conselho respondeu correctamente, uma decisão do ORL não pode produzir efeitos mais extensos do que as regras da OMC cuja violação declara. A questão a que o Tribunal de Justiça é convidado a responder é, portanto, mais concretamente, a de saber se, reproduzindo os termos utilizados pelo Tribunal de Primeira Instância nos acórdãos recorridos, «os acordos OMC criam para os particulares da Comunidade o direito de deles se prevalecerem em tribunal para contestarem a validade de uma regulamentação comunitária, nos casos em que o ORL tenha declarado que tanto esta como a regulamentação subsequente adoptada pela Comunidade, designadamente para cumprir as regras da OMC em causa, são incompatíveis com estas últimas» (46).

43.      As ora recorrentes criticam o Tribunal de Primeira Instância por ter dado uma resposta negativa nos acórdãos recorridos. No entanto, ao decidir nesse sentido, este limitou‑se a seguir a orientação jurisprudencial anterior. Com efeito, o Tribunal de Justiça tinha já dado a entender que não poderia haver invocabilidade de uma decisão do ORL, na ausência da invocabilidade das regras da OMC (47). É certo que a questão de saber se uma decisão do ORL de condenação da Comunidade é susceptível de modificar o princípio da não invocabilidade do direito da OMC continuava em suspenso. E, na verdade, o Tribunal de Justiça pareceu, num primeiro tempo, mostrar abertura quanto a este ponto, ao censurar o Tribunal de Primeira Instância por não ter dado resposta a um argumento segundo o qual os efeitos jurídicos de uma decisão do ORL para a Comunidade Europeia «eram susceptíveis de pôr em causa a sua apreciação quanto à ausência de efeito directo das regras da OMC e de justificar o exercício, pelo órgão jurisdicional comunitário, da fiscalização da legalidade das Directivas […] à luz dessas regras, no âmbito da acção de indemnização intentada pela recorrente» (48). Porém, houve um rápido recuo nessa abertura, tendo o tribunal comunitário decidido que só no âmbito restrito delimitado pelos acórdãos Nakajima e Fediol é que se podia invocar a incompatibilidade de um acto comunitário com o direito da OMC, mesmo que declarada por uma decisão do ORL, no contexto de um processo de reenvio prejudicial de apreciação de validade (49) ou para fundamentar uma acção de indemnização (50).

44.      A FIAMM e a FEDON não desconhecem esta jurisprudência. Contudo, insistem nas particularidades do seu caso em relação aos casos anteriores, para reivindicar uma solução diferente. Nesta óptica, alegam que o Tribunal de Justiça é chamado a pronunciar‑se sobre a possibilidade de invocar uma decisão do ORL após o decurso do prazo razoável fixado para o seu cumprimento, a fim de obter o ressarcimento dos danos efectivamente sofridos em consequência das medidas de retaliação. Trata‑se, portanto, de um caso inédito, na medida em que o acórdão Van Parys tratou da invocabilidade de uma decisão do ORL, para apreciar, no âmbito de um reenvio prejudicial, a validade de um acto comunitário; inédito igualmente porque, apesar de, no processo Chiquita Brands e o., já referido, estar também em questão um pedido de indemnização do dano sofrido em resultado da violação persistente das regras da OMC, ainda que declarada pelo ORL, a recorrente se limitou a exigir a aplicação da excepção Nakajima.

45.      A apreciação da procedência da argumentação das recorrentes exige um reexame dos fundamentos do próprio princípio da não invocabilidade do direito da OMC. Recordemos novamente que, atendendo à sua natureza e economia, se negou, em princípio, qualquer invocabilidade à totalidade dos acordos OMC e que só poderia haver lugar a uma aplicação contenciosa das regras da OMC na medida em que isso não afectasse nem as possibilidades de negociação que os acordos OMC oferecem às partes signatárias, mesmo em caso de litígio, nem a reciprocidade e o equilíbrio na aplicação dos compromissos acordados no âmbito da OMC; ou seja, em suma, desde que isso não restringisse a liberdade política que a natureza e a economia dos acordos OMC deixam às partes contratantes quanto à aplicação do disposto nos referidos acordos. Importa, assim, determinar se, no contexto particular dos processos em causa, a liberdade política dos órgãos legislativos e executivos comunitários no âmbito da OMC é prejudicada pela possibilidade reconhecida às recorrentes de invocarem a decisão do ORL para demonstrarem a ilegalidade da actuação da Comunidade e de, com isso, obterem o ressarcimento do dano sofrido em resultado da imposição do direito aduaneiro extraordinário pelos Estados Unidos como medida de retaliação pela inexecução, por parte da Comunidade, da decisão do ORL.

46.      Nesta perspectiva, a primeira interrogação é relativa à subsistência desta liberdade política nas circunstâncias específicas do caso em apreço. A resposta seria seguramente positiva no caso de o prazo razoável para executar a decisão do ORL ainda não ter expirado. O Tribunal de Justiça já precisou que «o órgão jurisdicional comunitário, sob pena de privar de efeito a concessão de um prazo razoável para dar cumprimento às recomendações ou decisões do ORL, prevista no âmbito do sistema de resolução de litígios instituído pelos acordos OMC, não podia exercer uma fiscalização da legalidade dos actos comunitários em causa, nomeadamente no âmbito de uma acção de indemnização intentada ao abrigo do artigo 178.° do Tratado» (51). Mas precisamente, como assinalam com razão a FIAMM e a FEDON, o prazo razoável que tinha sido concedido à Comunidade para dar cumprimento à decisão do ORL tinha expirado em 1 de Janeiro de 1999 e, através da decisão de 19 de Abril de 1999, o ORL tinha declarado que, à data referida de 1 de Janeiro, subsistia a incompatibilidade da regulamentação comunitária com as regras da OMC. Por conseguinte, afirmam, a partir do momento em que não foi acordada nenhuma compensação satisfatória nos vinte dias seguintes à data em que expirou o prazo razoável, segundo a possibilidade oferecida pelo artigo 22.°, n.° 2, do MRL, a Comunidade já não podia recorrer a soluções negociadas. Já não lhe restava outra opção senão cumprir a decisão do ORL ou expor‑se a medidas de retaliação se recusasse fazê‑lo. A discussão versa, em definitivo, como se pode verificar, sobre a força vinculativa da decisão do ORL: o MRL impõe a execução integral das decisões e recomendações do ORL?

47.      Para ser claro, não partilho da análise das ora recorrentes quanto a este ponto (52). É certo que o artigo 22.°, n.° 1, do MRL privilegia a execução completa de uma recomendação de cumprimento de uma medida em conformidade com os acordos OMC e, nos termos do artigo 3.°, n.° 7, do MRL, este tem normalmente como objectivo imediato, na falta de uma solução mutuamente acordada entre as partes e compatível com os acordos em causa, a supressão das medidas cuja incompatibilidade com os acordos OMC foi declarada. No entanto, não se poderia concluir daqui, para retomar a fórmula jurisprudencial (53), que o MRL determina os meios adequados para garantir a execução de boa fé, na ordem jurídica interna das partes contratantes, da decisão do ORL e, portanto, das regras da OMC cuja violação declarou. A Comunidade conserva a liberdade de fazer a escolha política de se expor, num primeiro tempo, a medidas de retaliação que foram autorizadas pelo ORL com base no artigo 22.°, n.° 2, do MRL. Além disso, como o Tribunal de Justiça já declarou (54) e o Tribunal de Primeira Instância recordou nos acórdãos recorridos (55), mesmo no termo do prazo fixado para a adequação da medida declarada incompatível com as regras da OMC e mesmo depois da autorização e da adopção de medidas de retaliação, continua a ser reservado, em todo o caso, um lugar importante à negociação entre as partes em litígio. O artigo 22.°, n.° 8, do MRL salienta, portanto, o carácter temporário da suspensão de concessões, e limita a sua duração «enquanto a medida que foi considerada incompatível com o acordo abrangido não for revogada, ou o membro que deve dar cumprimento às recomendações ou decisões não apresentar uma solução para a anulação ou redução de vantagens, ou enquanto não for encontrada uma solução mutuamente satisfatória», com a única ressalva, formulada no artigo 3.°, n.° 5, do MRL, de que a referida solução seja compatível com os acordos OMC. De resto, através das alterações sucessivas do regime comunitário de importação de bananas, cuja incompatibilidade com as regras da OMC tinha sido declarada, o Conselho e a Comissão não pretenderam eliminar as disposições declaradas incompatíveis; tentaram, simultaneamente, atender às declarações do ORL, respeitar os compromissos assumidos perante outros signatários da Quarta Convenção de Lomé e salvaguardar os objectivos da OCM bananas; e, por fim, foi um acordo celebrado com os Estados Unidos, em 19 de Abril de 2001, que permitiu pôr termo ao litígio. Poder‑se‑ia certamente objectar que a execução das recomendações e decisões do ORL não pode ser contornada e que semelhante solução negociada constitui ainda uma forma de execução da decisão do ORL (56). No entanto, apesar de se encarar a possibilidade perene de uma solução negociada do conflito como uma liberdade limitada à escolha das modalidades de execução das decisões do ORL ou como a liberdade de privilegiar uma alternativa à execução da referida decisão, a verdade é que a liberdade subsiste.

48.      Por conseguinte, pode a invocabilidade das regras da OMC, cuja violação foi declarada pela decisão do ORL para se apurar a responsabilidade da Comunidade por facto ilícito, fragilizar a liberdade política de que a Comunidade dispõe, em todo o caso, no quadro jurídico da OMC? Dito de outra forma, seria a referida liberdade restringida pela declaração pelo tribunal comunitário, numa acção de indemnização, da ilegalidade da actuação da Comunidade, declaração essa que seria permitida pelo reconhecimento desta invocabilidade? As ora recorrentes criticam o Tribunal de Primeira Instância por tê‑lo afirmado (57). Alegam que a constatação da ilegalidade não se destina a obter, como no âmbito de um processo de reenvio prejudicial para apreciação da validade ilustrado pelo processo Van Parys, ou no âmbito de um recurso de anulação, a declaração da invalidade ou a anulação da medida comunitária contrária ao direito da OMC; essa decisão judicial é, sem dúvida, susceptível de afectar a possibilidade de os órgãos legislativos e executivos da Comunidade tentarem uma solução negociada, dado que obriga as instituições a eliminarem da ordem jurídica da União Europeia a medida declarada inválida ou anulada. O facto de se trazer à luz a ilegalidade apenas visa, no caso em apreço, preencher um dos três requisitos a que a responsabilidade extracontratual da Comunidade por acto ilícito está subordinada, não tendo nenhuma incidência na eficácia da medida comunitária reconhecida incompatível com os acordos OMC.

49.      Também, a este respeito, a argumentação das recorrentes não me convence. É certo que a ilegalidade, assinalada pelo tribunal comunitário no âmbito de uma acção de indemnização, da regulamentação comunitária cuja incompatibilidade com o direito da OMC foi declarada pelo ORL, não conduz formalmente à sua anulação nem à declaração da sua invalidade. A referida regulamentação permanece, portanto, parte integrante da ordem jurídica e continua teoricamente aplicável. A declaração de ilegalidade efectuada pelo tribunal comunitário não tem, no entanto, menos força de caso julgado. Por conseguinte, os órgãos políticos da Comunidade não podem deixar perdurar a referida ilegalidade, sob pena de violação do princípio de uma comunidade de direito. Incumbir‑lhes‑ia a obrigação de eliminar essa ilegalidade, procedendo à revogação da regulamentação em causa. Assim, ser‑lhes‑ia impossível, como fizeram no caso em apreço, através das últimas alterações normativas do regime comunitário de importação de bananas, procurar uma solução negociada que lhes permitisse equilibrar da melhor forma os diferentes interesses em jogo. A sua margem de manobra política seria, portanto, incontestavelmente posta em causa.

50.      Além disso, o reconhecimento de uma responsabilidade por acto ilícito da Comunidade ofereceria a possibilidade de todas as empresas afectadas quer pela medida comunitária incompatível com as regras da própria OMC quer pelas medidas de retaliação obterem, mediante recurso, o ressarcimento integral dos prejuízos sofridos. A perspectiva deste ónus financeiro seria, também ela, susceptível de forçar os órgãos políticos da Comunidade a eliminar a medida comunitária declarada incompatível com as regras da OMC e, portanto, a restringir a liberdade de actuação que lhes é deixada no quadro jurídico da OMC.

51.      As ora recorrentes alegam, por último, que o reconhecimento da possibilidade de invocar a decisão do ORL para fins de ressarcimento do dano sofrido em resultado das medidas de retaliação adoptadas na sequência da inexecução da referida decisão já não tem influência alguma na liberdade política dos órgãos da Comunidade, dado que, no caso em apreço, o pedido de indemnização foi apresentado após a resolução do litígio comercial no processo Fedon ou, pelo menos, foi examinado posteriormente no processo Fiamm. A consagração do princípio de uma responsabilidade por actuação ilícita da Comunidade, que não cumpriu, dentro do prazo razoável fixado, uma decisão do ORL, constitui, contudo, uma espada de Dâmocles que penderia futuramente sobre a liberdade dos órgãos políticos da Comunidade no âmbito da OMC.

52.      Resulta das considerações precedentes que apenas podemos confirmar a recusa do Tribunal de Primeira Instância de fiscalizar, no quadro da acção de indemnização, fora do âmbito das excepções Fediol e Nakajima, a legalidade da actuação das instituições recorridas à luz das regras da OMC que o ORL declarou terem sido desrespeitadas pela Comunidade.

B –    A responsabilidade objectiva da Comunidade

53.      As ora recorrentes criticam o Tribunal de Primeira Instância por ter tido em conta uma acepção errada do conceito de prejuízo anormal, que o levou incorrectamente a negar que este existisse no caso em apreço. Em contraposição, embora o Conselho, a Comissão e o Reino de Espanha partilhem da análise do Tribunal de Primeira Instância sobre a inexistência de carácter anormal do prejuízo sofrido pelas recorrentes e se congratulem, portanto, pelo dispositivo dos acórdãos recorridos, que nega qualquer responsabilidade objectiva da Comunidade, criticam o Tribunal de Primeira Instância por ter consagrado o próprio princípio de uma responsabilidade por acto lícito, por tê‑lo reconhecido como aplicável nos processos em causa, por lhe ter estabelecido requisitos insuficientemente restritivos e por ter incorrectamente reconhecido que alguns destes, em especial o relativo ao nexo de causalidade directa, estavam preenchidos. Por isso, sugerem ao Tribunal de Justiça que proceda a substituições dos fundamentos dos acórdãos recorridos e até, quanto ao Conselho e ao Governo espanhol que interpuseram para esse efeito recursos subordinados, que anule parcialmente os acórdãos recorridos. Apreciarei a relevância da argumentação das diferentes partes, examinando sucessivamente a questão do princípio de uma responsabilidade objectiva da Comunidade, a do seu âmbito de aplicação e, por fim, a dos seus pressupostos.

1.      O princípio da responsabilidade objectiva da Comunidade

54.      O Conselho, a Comissão e o Reino de Espanha contestam a existência, afirmada pelo Tribunal de Primeira Instância e, na sua opinião, insuficientemente fundamentada, de um princípio de responsabilidade da Comunidade, quando não haja actuação ilícita dos seus órgãos, enquanto princípio geral comum aos direitos dos Estados‑Membros. Muito menos de metade dos Estados‑Membros consagraram este princípio nas suas ordens jurídicas e o seu número é de apenas dois quando o acto gerador do dano é um acto legislativo. É verdade que o Tribunal de Primeira Instância, sem extrema preocupação de demonstração, se limitou a basear o princípio da responsabilidade da Comunidade, quando não haja actuação ilícita dos seus órgãos, na afirmação de que «os regimes jurídicos nacionais em matéria de responsabilidade extracontratual permitem aos particulares, ainda que em graus variáveis, em domínios específicos e segundo modalidades diferentes, obter em juízo a indemnização de determinados prejuízos, mesmo na inexistência de actuação ilícita por parte do autor do prejuízo» (58). Ora, o artigo 288.°, segundo parágrafo, CE exige que o ressarcimento, pela Comunidade, dos danos causados pelas suas instituições obedeça aos «princípios gerais comuns aos direitos dos Estados‑Membros».

55.      Mas será que devemos interpretar o artigo 288.°, segundo parágrafo, CE no sentido de que só autoriza a recepção, em direito comunitário, de uma solução em matéria de responsabilidade extracontratual dos poderes públicos, se esta for partilhada por todos os Estados‑Membros? A descoberta de um «princípio geral comum aos direitos dos Estados‑Membros» não resulta apenas de uma sobreposição quase mecânica do direito de cada Estado‑Membro que destes retém unicamente os elementos que coincidem exactamente? Não creio. Semelhante lógica matemática do mínimo denominador comum conduziria a instituir um regime de responsabilidade da Comunidade em que as possibilidades de as vítimas de um dano imputável às instituições obterem ressarcimento seriam singularmente reduzidas (59). Embora o Tribunal de Justiça deva, certamente, inspirar‑se nas disposições mais características dos sistemas de direito interno, terá, antes de mais, de assegurar a adopção de uma solução que seja adaptada às necessidades e particularidades da ordem jurídica comunitária. Por outras palavras, compete ao Tribunal de Justiça beber nas tradições jurídicas dos Estados‑Membros para encontrar uma resposta às questões jurídicas análogas que se colocam no direito comunitário, que ao mesmo tempo respeite estas tradições e se adapte ao contexto próprio da ordem jurídica comunitária. Nesta óptica, pode até ser privilegiada uma solução minoritária, desde que seja a que melhor corresponde às exigências do sistema comunitário. Basta recordar o exemplo do «Vertrauensschutzprinzip» consagrado no direito comunitário, quando apenas o direito alemão o conhecia. Por conseguinte, o facto de apenas os direitos espanhol e francês preverem uma responsabilidade dos poderes públicos resultante de um acto legislativo lícito não pode constituir um obstáculo ao seu reconhecimento no direito comunitário.

56.      O que é determinante é saber se esta solução é a que melhor satisfaz as necessidades específicas da ordem jurídica comunitária. Isto não quer dizer que o princípio da responsabilidade dos poderes públicos resultante de um acto legislativo lícito devesse ser consagrado na ordem jurídica comunitária por se revelar ser a melhor solução jurídica, que, como tal, deveria ser adoptada nesta ordem jurídica. A sua consagração no direito comunitário só pode ser o resultado de uma comparação do disposto na matéria pelos diferentes sistemas jurídicos nacionais com o fim de elaborar a solução mais bem adaptada às exigências próprias da ordem jurídica comunitária (60).

57.      Ora, parece‑me ser esse exactamente o caso. A consagração de um princípio da responsabilidade objectiva da Comunidade permitiria, com uma preocupação de justiça, compensar o rigor dos pressupostos de constituição da responsabilidade por acto ilícito da Comunidade, vinculada, em particular, à exigência de uma violação suficientemente caracterizada de uma norma jurídica que protege os particulares (61), a fim de dar às vítimas de um prejuízo particularmente grave, sofrido em resultado da actuação das instituições comunitárias, a possibilidade de obterem ressarcimento dele. A adequação desta solução explica, sem dúvida, que o Tribunal de Justiça nunca tenha afastado a possibilidade de a consagrar (62). Além disso, ainda que esta solução jurídica só se encontre em algumas ordens jurídicas nacionais, a preocupação que exprime e a protecção dos interesses jurídicos que garante são igualmente tidas em conta noutras ordens jurídicas, mesmo se, como veremos (63), através de mecanismos jurídicos diferentes.

58.      No contexto particular dos casos em apreço, a referida solução mostra‑se ser ainda mais adaptada. Por falta de invocabilidade das regras da OMC, os particulares que se poderiam queixar de uma actuação das instituições da Comunidade contrária aos acordos OMC não podem, com efeito, como se viu, invocar a sua ilegalidade. Tanto a via do recurso de anulação como a do processo de reenvio prejudicial para apreciação da validade ou a da acção de indemnização com base na culpa lhes estão, consequentemente, vedadas. Não estando consagrado o princípio de uma responsabilidade objectiva da Comunidade, mesmo os que tiverem sofrido, em resultado dessa ilegalidade, um dano particularmente grave, serão privados de qualquer tutela jurisdicional. Nesta mesma ordem de ideias, sublinhamos que a consagração, pelo Conseil d’État francês, de uma responsabilidade objectiva por actos legislativos é frequentemente apresentada como uma compensação pelo facto de ser impossível a um tribunal administrativo francês erigir‑se em juiz da lei através do exercício de uma fiscalização da constitucionalidade.

59.      Por outro lado, a recepção de um princípio de responsabilidade objectiva serviria igualmente as exigências de uma boa governação. Forçaria o poder político, quando pretende manter uma regulamentação comunitária apesar do termo do prazo razoável fixado para cumprir uma decisão do ORL que a declarou incompatível com as regras da OMC, a avaliar melhor os custos que daí poderiam decorrer para os cidadãos da União Europeia e a proceder a uma ponderação destes com as vantagens para o sector ou sectores económicos afectados pela manutenção da regulamentação comunitária. Daí resultaria, não a redução do poder discricionário das instituições no âmbito da OMC mas a garantia de um exercício prudente do referido poder discricionário.

60.      Por último, o reconhecimento de um princípio da responsabilidade objectiva levaria a deixar a cargo da ordem jurídica a repartição interna das consequências da liberdade de actuação das instituições no âmbito da OMC. Já não competiria aos parceiros comerciais escolherem discricionariamente, através da adopção de medidas de retaliação, a categoria de operadores económicos comunitários sobre a qual deve recair o custo da referida liberdade, mas incumbiria à Comunidade decidir se este custo deve ser unicamente suportado pelas empresas afectadas pelas medidas de retaliação ou se o mesmo deve ser distribuído por toda a sociedade.

61.      Pelas razões que acabei de indicar, parece‑me que os processos em causa oferecem a ocasião ou impõem mesmo que a jurisprudência do Tribunal de Justiça dê mais um passo. Ao consagrar‑se o princípio da responsabilidade objectiva da Comunidade, trata‑se de fazer com que a referida jurisprudência transite do estádio do eventual para o do estabelecido, do tempo das incertezas para o das soluções (64).

62.      A consagração de um princípio da responsabilidade objectiva da Comunidade poderia inspirar‑se na ideia de igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos, na qual o direito administrativo francês baseou a responsabilidade por actos legislativos. O raciocínio pode ser apresentado sumariamente da seguinte forma: uma vez que se presume que qualquer actividade pública beneficia toda a colectividade, é normal que os cidadãos devam suportar sem compensação os encargos daí resultantes; mas se, no interesse geral, os poderes públicos causarem um dano particularmente grave a determinados indivíduos, que só é sofrido por estes, daí resulta um ónus que normalmente não lhes incumbe e que deve dar direito a indemnização; esta, sendo suportada pela colectividade através do pagamento do imposto, restabelece a igualdade desfeita.

63.      Esta ideia não se afasta muito da «Sonderopfertheorie» do direito alemão, segundo a qual os indivíduos que, em razão de uma intervenção pública lícita, sofram um «sacrifício especial», isto é, um prejuízo equivalente a uma expropriação, devem obter o ressarcimento. Assim apresentada, a responsabilidade objectiva da Comunidade poderá também encontrar fundamento no direito de propriedade que, em conformidade com as tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros, é protegido na ordem jurídica comunitária enquanto princípio geral de direito. Traduziria a ideia de que não poderia haver violação equivalente a uma expropriação resultante de uma intervenção, mesmo lícita, do poder normativo comunitário, sem indemnização (65).

2.      O âmbito de aplicação da responsabilidade objectiva da Comunidade

64.      Quanto ao âmbito de aplicação deste princípio da responsabilidade objectiva, a Comissão, designadamente, critica o Tribunal de Primeira Instância por, depois de ter reconhecido que este apenas pode actuar «em domínios específicos»(66), não ter julgado dever precisar de que domínios se tratava. No entanto, tal não era necessário para fins de decisão dos processos em causa. Ao Tribunal de Primeira Instância bastaria assegurar‑se de que a responsabilidade objectiva se podia aplicar nos referidos processos, como reconheceu implicitamente, na medida em que verificou que os seus pressupostos de aplicação estavam preenchidos. Mas é por isso que tanto a Comissão como o Conselho também o criticam. Importa, portanto, fazer a este respeito as observações que se seguem.

65.      Em primeiro lugar, ao contrário da apresentação que a Comissão e o Conselho tendem a fazer, não está tanto em causa um princípio da responsabilidade por acto lícito, que o Tribunal de Primeira Instância consagrou, na nossa opinião acertadamente, nos acórdãos recorridos. Trata‑se mais genericamente de uma responsabilidade objectiva, mesmo sem culpa. Por outras palavras, a responsabilidade constitui‑se independentemente da exigência de culpa na origem do prejuízo cuja existência cabe ao recorrente fazer prova. A responsabilidade pode mesmo abranger casos de actos ilícitos que, contudo, não são constitutivos de uma violação suficientemente caracterizada.

66.      Em segundo lugar, diferentemente do Conselho, não vejo por que razão este regime de responsabilidade objectiva não se poderia aplicar igualmente aos casos de omissão normativa. O paralelismo estabelecido pelo Conselho com a acção por omissão prevista no artigo 232.° CE não é relevante no caso da responsabilidade objectiva. De qualquer modo, nos presentes processos, não está em causa uma falta de acção normativa. Tanto o Conselho como a Comissão adoptaram, no prazo razoável fixado, diversas iniciativas (adaptação do regime comunitário de importação de bananas, negociações), de resto, assinaladas pelo próprio Conselho no seu articulado, mas estas iniciativas revelaram‑se inadequadas para assegurar uma execução correcta da decisão do ORL.

67.      Em terceiro lugar, não há nenhuma razão válida para limitar, como sustenta a Comissão, a responsabilidade objectiva da Comunidade, unicamente, aos casos em que na origem do prejuízo se encontra um acto não legislativo. O artigo 288.°, segundo parágrafo, CE impõe à Comunidade a obrigação de indemnizar «os danos causados pelas suas instituições», sem distinguir segundo a natureza, administrativa ou legislativa, da sua actividade. Além disso, um prejuízo particularmente grave pode, no interesse geral, ser imposto a determinados operadores tanto pelo poder legislativo como pelo poder executivo. De resto, no caso em apreço, a adaptação, considerada insuficiente, do regime comunitário de importação de bananas foi efectuada quer por um regulamento de base do Conselho quer por um regulamento de execução da Comissão. Por último, e acessoriamente, esta limitação parece‑me pouco apropriada, atendendo à insuficiente distinção entre actos legislativos e actos administrativos no estado actual do direito comunitário. Em suma, apenas um prejuízo causado pela aplicação de uma disposição de direito primário não pode dar lugar a ressarcimento (67).

68.      Por último, no contexto particular do respeito dos acordos OMC, que é o dos processos em causa, apenas os cidadãos da União poderiam invocar este regime de responsabilidade objectiva para exigir o ressarcimento de um prejuízo particularmente grave que lhes tenha sido causado, no interesse geral, pelas instituições comunitárias. Efectivamente, para efeitos de exercício da sua liberdade de actuação no âmbito da OMC, não seria exigível ao poder político nem lhe seria possível avaliar também os custos que as escolhas efectuadas implicam para os operadores de países terceiros. No contexto das competências comunitárias exercidas pelas instituições no domínio da política comercial externa, a ideia de ruptura da igualdade perante os encargos públicos apenas se pode, portanto, conceber entre os cidadãos da União. Por conseguinte, não se pode validamente argumentar, à semelhança do Conselho, que o reconhecimento de uma responsabilidade objectiva no contexto da aplicação do direito da OMC desrespeita o princípio da reciprocidade, na medida em que os principais parceiros comerciais da Comunidade não conhecem esta responsabilidade.

69.      Assim exposta, fundamentada e delimitada, surge claramente a função do princípio da responsabilidade objectiva da Comunidade. Não se trata de forma alguma de obrigar as instituições comunitárias a cumprirem as regras da OMC, restringindo a sua liberdade política. Trata‑se unicamente de garantir que os custos resultantes das escolhas políticas não afectem a igualdade dos cidadãos da União face aos encargos públicos.

70.      São compreensíveis as reticências do Conselho e da Comissão em relação à consagração do princípio da responsabilidade objectiva da Comunidade. Não se deve, por meio de um mecanismo de responsabilidade demasiado generoso, fazer pesar sobre o exercício da actividade legislativa e administrativa uma ameaça susceptível de inibir o próprio exercício dessa actividade. No entanto, por mais legítima que esta preocupação seja, ela não pode obstar ao reconhecimento de um princípio da responsabilidade objectiva da Comunidade. A sua consideração assim como a sua ponderação com a preocupação de uma distribuição equilibrada dos encargos públicos devem reflectir‑se no alcance e nos requisitos impostos a essa responsabilidade.

3.      Os pressupostos da responsabilidade objectiva da Comunidade

71.      O Conselho e a Comissão contestam, desde logo, o bem‑fundado das apreciações do Tribunal de Primeira Instância relativas ao preenchimento dos pressupostos inerentes a qualquer mecanismo de responsabilidade, que não são, portanto, próprios do regime de responsabilidade objectiva. Alegam que o conceito de prejuízo real e certo e as regras relativas ao ónus da prova não foram tidos em conta. No entanto, o Tribunal de Primeira Instância considerou correctamente que os recorridos não contestaram a realidade do prejuízo comercial sofrido pelas recorrentes devido ao encarecimento dos seus produtos provocado pelo direito aduaneiro extraordinário, criticando‑as unicamente por não terem sabido fazer‑lhe face através de medidas adequadas. E o Tribunal de Primeira Instância, para ter em conta a realidade comprovada do dano, baseou‑se nas estatísticas elaboradas pela Comissão que revelam uma descida do volume total das importações de acumuladores estacionários e de estojos para óculos, nos Estados Unidos, durante o período de aplicação do referido direito aduaneiro extraordinário (68).

72.      Os recorridos também criticam mais seriamente o Tribunal de Primeira Instância por não ter tido em conta a necessidade de o prejuízo resultar de modo suficientemente directo da actuação da instituição em causa (69). Não há, efectivamente, nenhum automatismo entre a inexecução pela Comunidade da decisão de condenação do ORL e a instituição do direito aduaneiro extraordinário, tendo a conduta das autoridades americanas quebrado o nexo de causa e efeito entre a actuação das instituições comunitárias e o dano invocado. Por um lado, essas autoridades recusaram as compensações que lhes tinham sido oferecidas pela Comunidade em aplicação do artigo 22.°, n.os 1 e 2, do MRL. Por outro, escolheram livremente solicitar ao ORL autorização para adoptar medidas de retaliação, utilizar a autorização obtida e, nessa óptica, elaboraram discricionariamente a lista dos produtos afectados e o montante dos direitos. É assim verdade que os Estados Unidos de modo nenhum eram obrigados a reagir, como fizeram, à inexecução pela Comunidade, no prazo razoável fixado, da decisão do ORL. Tal não obsta a que a reacção das autoridades americanas constitua uma das opções abertas pelo MRL em caso de inexecução de uma decisão ou de uma recomendação do ORL, e que fosse, portanto, previsível. Como o Tribunal de Primeira Instância declarou, pertinentemente, «a retirada das concessões relativamente à Comunidade sob a forma de direito aduaneiro extraordinário sobre as importações deve considerar‑se uma consequência que decorre objectivamente, segundo o desenrolar normal e previsível do sistema de resolução de litígios da OMC aceite pela Comunidade, da manutenção em vigor pelas instituições demandadas de um regime de importação de bananas incompatível com os acordos OMC» (70). Por conseguinte, longe de quebrar a cadeia de causalidade entre a actuação da Comunidade e o prejuízo alegado, as iniciativas adoptadas pelas autoridades americanas revelam‑se antes elos da referida cadeia. O Tribunal de Primeira Instância considerou, portanto, correctamente a actuação da Comunidade como a «causa determinante» (71) do prejuízo sofrido pelas recorrentes.

73.      Debrucemo‑nos agora sobre os pressupostos específicos do regime da responsabilidade objectiva. Segundo as ora recorrentes, o Tribunal de Primeira Instância considerou e aplicou um conceito errado de prejuízo anormal. Ao invés, os recorridos, aderindo completamente ao conceito de prejuízo anormal desenvolvido pelo Tribunal de Primeira Instância, entendem ser insuficientes os requisitos de constituição da responsabilidade objectiva por ele enunciados e pedem, assim, ao Tribunal de Primeira Instância que complete os fundamentos dos acórdãos recorridos, acrescentando‑lhes um requisito suplementar relativo à inexistência de interesse inteiramente geral prosseguido pela actuação das instituições que causou o dano.

74.      A apreciação do mérito respectivo destas diferentes alegações requer que se precise quais devem ser os requisitos a que a responsabilidade objectiva da Comunidade está subordinada. A meu ver, estes devem ser ditados pelos próprios fundamentos em que assenta este regime de responsabilidade. Como tentei demonstrar, o princípio da responsabilidade objectiva pode basear‑se, simultaneamente, na ideia de ruptura da igualdade dos cidadãos face aos encargos públicos e na protecção devida ao direito fundamental de propriedade. Consequentemente, os únicos prejuízos a que a responsabilidade objectiva dá direito a ressarcimento são os que apresentam carácter anormal e especial.

75.      Com efeito, todos os indivíduos devem suportar sem compensação os inconvenientes normais que resultam da organização da vida em sociedade e da intervenção dos poderes públicos para esse fim, da mesma maneira que beneficiam das vantagens daí decorrentes. Trata‑se, de certa maneira, de encargos públicos que devem ser vistos como uma obrigação normal dos interessados. Ainda que estes encargos não onerem de modo uniforme todos os cidadãos, o juiz não pode restabelecer uma igualdade perfeita. Seria confiar‑lhe uma tarefa desmesurada e inapropriada. Mesmo sendo assimétricos, os encargos públicos devem, portanto, em princípio, ser considerados uma obrigação normal dos indivíduos, que não dá direito a ressarcimento. No entanto, o mesmo não acontece quando a intervenção pública origina um dano anormal e especial.

76.      Um dano deve ser qualificado de anormal quando se apresenta como tal, simultaneamente, pelas condições que lhe deram origem e pelas suas características intrínsecas. O prejuízo anormal é, antes de mais, aquele que ultrapassa os limites dos riscos económicos inerentes às actividades no sector em causa, isto é, que decorre da realização de um risco que a vítima não podia razoavelmente prever, contra o qual não se podia precaver. Mas isso não é suficiente. É ainda necessário que revista um carácter grave. Caso contrário, o encargo não pode ser considerado anormal ou o dano não pode ser comparado a uma expropriação que a protecção devida ao direito de propriedade não pode deixar sem indemnização. Isso não significa que o prejuízo deva equivaler a uma privação total e definitiva da propriedade. Contudo, deve originar uma violação suficientemente grave dos elementos do direito de propriedade (usus, fructus e abusus). Além disso, é necessário insistir que é indiferente que essa violação do direito de propriedade seja legal ou ilegal quando nos situamos no âmbito de uma responsabilidade que não assenta na culpa.

77.      Em contrapartida, num regime de responsabilidade assente na igualdade perante os encargos públicos, ainda que o dano possa ser qualificado de anormal no sentido que acabei de definir, só dá direito ao ressarcimento se apresentar também carácter especial. Isso só acontece se afectar unicamente um pequeno número de indivíduos ou, mais concretamente, uma categoria particular de operadores económicos, de forma desproporcionada em relação aos outros operadores. Com efeito, só nesta hipótese é que será desfeita a igualdade perante os encargos públicos.

78.      Desta forma enunciados e definidos, os requisitos da anormalidade e da especialidade do dano são suficientemente restritivos para que, contrariamente ao sustentado pela Comissão, a aplicabilidade deste regime da responsabilidade objectiva nos processos em causa não afecte a liberdade política das instituições no âmbito da OMC, que levou o Tribunal de Justiça a concluir pelo princípio da não invocabilidade das regras da OMC. O número de vítimas que poderá queixar‑se de um prejuízo que preencha estes requisitos será, seja como for, sempre muito limitado, de modo que o peso de uma eventual indemnização para o orçamento da União Europeia nunca será susceptível de condicionar a actuação dos órgãos políticos comunitários no âmbito da OMC.

79.      A constituição da responsabilidade objectiva da Comunidade deverá estar subordinada ao preenchimento de um pressuposto suplementar relacionado com a inexistência de um interesse económico geral prosseguido pelo acto ou pela actuação na origem do dano? Isso é o que o Conselho e a Comissão exigem ao Tribunal de Primeira Instância e o acusam de não ter feito nos acórdãos recorridos. Para esse efeito, podem encontrar apoio em determinadas decisões do tribunal comunitário que, afastando‑se da linha jurisprudencial geral, acrescentaram este requisito (72). Por outras palavras, se o acto ou a actuação geradora do dano foram adoptados no interesse de toda a colectividade e não para favorecer certos interesses, é excluído qualquer ressarcimento. Em minha opinião, este pressuposto suplementar, exigido por uma orientação jurisprudencial minoritária, não deve ser aceite. Não me parece oportuno, dado que a igualdade perante os encargos públicos e a protecção devida ao direito de propriedade ditam que os operadores que tenham sofrido um dano anormal e especial obtenham uma indemnização, ainda que a medida que causou o referido dano se justifique por um interesse económico geral. O pressuposto em causa também não me parece necessário, na medida em que os pressupostos da anormalidade e da especialidade do dano são suficientemente restritivos para que o receio de uma eventual responsabilidade não afecte a liberdade de acção do poder político na prossecução de um interesse económico geral.

80.      Os pressupostos que acabo de precisar são os que a jurisprudência maioritária, ainda que não se pronunciando expressamente sobre a existência de um princípio da responsabilidade objectiva da Comunidade, enunciou e definiu como devendo, em todo o caso, estar preenchidos. O Tribunal de Justiça subordinou, assim, expressamente, a responsabilidade objectiva da Comunidade à realização de um dano anormal e especial (73). Rejeitou igualmente a existência de uma responsabilidade objectiva, porque o dano invocado era apenas o resultado do risco comercial normal que corre o operador económico no sector em causa (74) ou ainda porque o dano alegado não ultrapassava «os limites dos riscos económicos inerentes às actividades do sector em causa» (75). Do mesmo modo, o Tribunal de Primeira Instância, nos acórdãos recorridos, subordinou a responsabilidade objectiva da Comunidade à exigência de um dano anormal e especial que definiu da seguinte maneira: «o prejuízo é, por um lado, anormal quando ultrapassa os limites dos riscos económicos inerentes às actividades do sector em causa e, por outro, especial quando afecta uma categoria específica de operadores económicos de modo desproporcionado em relação aos restantes operadores» (76). Ao decidir desta forma, situou‑se na jurisprudência assente que desenvolveu (77).

81.      Contudo, a FIAMM e a FEDON não põem em causa a exigência do carácter anormal e especial do dano nem a definição que lhe foi dada nos acórdãos recorridos. Invocam o significado juridicamente errado da definição de dano anormal que o Tribunal de Primeira Instância seguiu e aplicou. Com efeito, o Tribunal de Primeira Instância declarou que o dano sofrido pelas recorrentes não tinha ultrapassado os limites dos riscos económicos inerentes à sua actividade de exportação, na medida em que a eventualidade de serem impostas medidas de retaliação, que estava prevista pelo MRL, não pode ser considerada estranha às contingências normais do comércio internacional, no estado actual da sua organização, pelo que as consequências prejudiciais que daí possam resultar devem ser obrigatoriamente suportadas por todo o operador que decida comercializar a sua produção no mercado de um dos membros da OMC. Dito de outra forma, por serem juridicamente previstas por um instrumento que regulamenta o comércio internacional, as medidas de retaliação são forçosamente previsíveis por qualquer empresa exportadora. Trata‑se de um risco inerente à actividade de exportação.

82.      Ao decidir neste sentido, o Tribunal de Primeira Instância, como alegam com razão as ora recorrentes, não teve em conta que a anormalidade do dano se avalia em relação aos riscos económicos inerentes às actividades no sector em causa, isto é, que o dano reveste um carácter anormal (78), desde que não seja a concretização de um risco inerente às actividades no sector em causa. É o que ocorre quando não existe nexo entre o acto ou a actuação geradora do dano e o sector económico em que se insere a actividade das empresas vítimas do referido dano. Com efeito, na ausência deste nexo, não se pode considerar o dano como a concretização de um risco comercial normal em relação ao qual um operador prudente se poderia e deveria ter precavido. Foi neste sentido que a jurisprudência se orientou. Foram, assim, considerados normais o dano sofrido por uma companhia de transportes marítimos, na sequência da alteração do regime transitório de isenção fiscal dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo e vendidos nos navios nas travessias entre os Estados‑Membros (79), e o prejuízo sofrido por um produtor de alimentos de base para leitões e aves de capoeira fabricados a partir de soro de leite, na sequência da entrada em vigor de determinados regulamentos comunitários relativos à venda de leite em pó destinado à alimentação de leitões e de aves de capoeira (80).

83.      Ora, no caso em apreço, não existe nexo nenhum entre a adopção e a manutenção da regulamentação relativa ao regime de importação comunitária de bananas e o dano sofrido pelos exportadores comunitários de estojos para óculos e de acumuladores industriais, na sequência da introdução de medidas de retaliação. Este dano não podia, portanto, ser considerado normal para esses operadores, tanto mais que, por força do artigo 22.°, n.° 3, do MRL, as medidas de retaliação devem incidir prioritariamente sobre o mesmo sector onde foi verificada uma violação do direito da OMC. Por este motivo, os acórdãos recorridos devem ser anulados por estarem feridos de erro de direito. Competirá ao Tribunal de Primeira Instância, depois de ter solicitado às recorrentes as informações necessárias, apreciar se o prejuízo invocado apresenta também carácter anormal na medida em que constitua uma violação de gravidade suficiente dos elementos do direito de propriedade e decidir quanto à especialidade do referido dano.

C –    A duração desrazoável do processo

84.      As ora recorrentes pedem, por último, a concessão de uma indemnização equitativa pela duração desrazoável do processo em primeira instância. O pedido da FEDON poderá ser facilmente rejeitado, nos termos do artigo 112.°, alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, por inadmissibilidade, uma vez que é desprovido de qualquer fundamentação.

85.      Resta o pedido apresentado pela FIAMM que, afirmando que o Tribunal de Primeira Instância demorou cerca de cinco anos e nove meses para proferir uma decisão no seu processo, alega uma violação do direito a ser julgado num prazo razoável, que integra o direito a um processo equitativo consagrado pelo artigo 6.°, n.° 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e garantido na ordem jurídica comunitária enquanto princípio geral do direito. A ora recorrente baseia‑se, para esse efeito, no acórdão Baustahlgewebe (81), no qual o Tribunal de Justiça reconheceu a aplicabilidade do referido direito aos processos no Tribunal de Primeira Instância e, consequentemente, aceitou conhecer em recurso um fundamento relativo à irregularidade do processo que correu no Tribunal de Primeira Instância, em razão da sua duração alegadamente desrazoável. Entende que o prazo de decisão é excessivo, atendendo à clareza das questões de facto, à circunstância de a actuação de nenhuma das partes ter contribuído para prolongar o processo e ao facto de o Tribunal de Primeira Instância não ter deparado com situações excepcionais. Desta irregularidade processual resultou um prejuízo para os seus interesses, na medida em que, na sequência dos empréstimos contraídos para pagar os direitos aduaneiros extraordinários, ficou gravemente endividada e foi forçada a negociar a cessão da maioria do capital a um fundo de investimento em troca da assunção da dívida para com os bancos.

86.      Por seu turno, a Comissão pede, também quanto a este ponto, que o fundamento seja julgado inadmissível e, para este efeito, afirma, designadamente, que a alegada irregularidade processual não teve nenhuma influência na decisão da causa. No entanto, o artigo 58.° do Estatuto do Tribunal de Justiça não exige que as irregularidades processuais no Tribunal de Primeira Instância, para poderem ser invocadas, devam ter esse alcance, exigindo simplesmente que «prejudiquem os interesses do recorrente». Ora, esse parece ser precisamente o caso, uma vez que a duração prolongada do processo contribuiu para agravar a dívida da recorrente. E embora, em relação à irregularidade processual assente na duração excessiva do processo no Tribunal de Primeira Instância, o requisito relativo ao prejuízo dos interesses do recorrente tenha sido por vezes interpretado no sentido de que exige que a referida irregularidade pese na decisão da causa, tal ocorreu, em todo o caso, unicamente na medida em que o fundamento assente nessa irregularidade foi invocado em apoio de pedidos de anulação do acórdão do Tribunal de Primeira Instância (82). Ora, no caso em apreço, este fundamento apenas foi invocado para fins de obtenção de uma indemnização equitativa.

87.      Ao invés, os pedidos para obtenção de uma indemnização equitativa devem ser analisados como a exigência de ressarcimento do prejuízo causado pela duração desrazoável do processo perante o Tribunal de Primeira Instância. Foi, de resto, também como pedido de indemnização que se analisou a reivindicação da recorrente no processo Baustahlgewebe, relativa à redução do montante da coima aplicada pela Comissão e confirmada pelo Tribunal de Primeira Instância, pedido esse fundado na duração desrazoável da decisão da causa por esse Tribunal (83). E se, «por razões de economia processual e para garantir uma reparação imediata e efectiva desta irregularidade processual» (84), o Tribunal de Justiça, não obstante, julgou procedentes os pedidos da recorrente e aceitou deduzir da coima o montante do ressarcimento, basta observar que, em todo o caso, esta lógica de compensação não é possível no caso em apreço.

88.      Os pedidos para obtenção de uma indemnização equitativa deveriam, portanto, ser apresentados ao Tribunal de Justiça (85) no âmbito de uma acção por responsabilidade extracontratual com base nos artigos 235.° CE e 288.° CE, a qual deve ser intentada contra a instituição ou as instituições cuja actuação originou o prejuízo. Com efeito, como o Tribunal de Justiça declarou com razão, «é do interesse de uma boa administração da justiça que, quando a Comunidade é responsabilizada por um acto de uma das suas instituições, esta seja representada perante o Tribunal de Justiça pela ou pelas instituições a que é imputado o facto gerador da responsabilidade» (86). Ora, como a Comissão observa correctamente, o presente processo tem como recorridos o Conselho e a Comissão, não obstante a duração excessiva do processo objecto de acusação ser imputável ao Tribunal de Primeira Instância que integra a instituição Tribunal de Justiça. Tanto ratione materiæ como ratione personæ, o pedido de indemnização equitativa deve ser julgado inadmissível.

III – Conclusão

89.      Atendendo a todas as considerações expostas, proponho ao Tribunal de Justiça que:

«–      Anule os acórdãos do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias de 14 de Dezembro de 2005, FIAMM e FIAMM Technologies/Conselho e Comissão (T‑69/01) e Fedon & Figli e o./Conselho e Comissão (T‑135/01), por estarem feridos de erro de direito que consiste numa interpretação errada do conceito de prejuízo anormal, e ordene que os processos baixem ao Tribunal de Primeira Instância; e

–      julgue inadmissíveis os pedidos apresentados pela Fabbrica italiana accumulatori motocarri Montecchio SpA (FIAMM), a Fabbrica italiana accumulatori motocarri Montecchio Technologies Inc. (FIAMM Technologies) e pela Georgio Fedon & Figli SpA e a Fedon América, Inc., com o fim de obterem uma indemnização equitativa.»


1 – Língua original: francês.


2 – T‑69/00, Colect., p. II‑5393, a seguir «acórdão Fiamm».


3 – T‑135/01, não publicado na Colectânea, a seguir «acórdão Fedon».


4 – JO L 47, p. 1.


5 – Acórdãos, já referidos, Fiamm (n.° 108) e Fedon (n.° 101).


6 – Na acepção da jurisprudência Nakajima/Conselho (acórdão de 7 de Maio de 1991, C‑69/89, Colect., p. I‑2069).


7 – Na acepção da jurisprudência Fediol/Comissão (acórdão de 22 de Junho de 1989, 70/87, Colect., p. 1781).


8 – Acórdãos Fiamm (n.° 157) e Fedon (n.° 150).


9 – Acórdãos Fiamm (n.° 159) e Fedon (n.° 152).


10 – Acórdãos de 11 de Setembro de 2003, Bélgica/Comissão (C‑197/99 P, Colect., p. I‑8461, n.° 81), e de 11 de Janeiro de 2007, Technische Glaswerke Ilmenau/Comissão (C‑404/04 P, não publicado na Colectânea, n.° 90).


11 – Acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão (C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, Colect., p. I‑123).


12 – V. acórdãos Fiamm (n.° 113) e Fedon (n.° 108).


13 – V. acórdãos de 30 de Abril de 1974, Haegeman (181/73, Colect., p. 251, n.° 5); de 30 de Setembro de 1987, Demirel (12/86, Colect., p. 3719, n.° 7); parecer 1/91, de 14 de Dezembro de 1991 (Colect., p. I‑6079, n.° 37); e acórdão de 16 de Junho de 1998, Racke (C‑162/96, Colect., p. I‑3655, n.° 41). Para os acordos OMC, v., em especial, acórdãos de 10 de Janeiro de 2006, International Air Transport Association e o. (C‑344/04, Colect., p. I‑403, n.° 36); de 30 de Maio de 2006, Comissão/Irlanda (C‑459/03, Colect., p. I‑4635, n.° 82); e de 11 de Setembro de 2007, Merck Genéricos Produtos Farmacêuticos (C‑431/05, ainda não publicado na Colectânea, n.° 31).


14 – V. acórdãos de 14 de Novembro de 1989, Grécia/Comissão (30/88, Colect., p. 3711, n.° 13); de 20 de Setembro de 1990, Sevince (C‑192/89, Colect., p. I‑3461, n.° 9); e de 21 de Janeiro de 1993, Deutsche Shell (C‑188/91, Colect., p. I‑363, n.° 17).


15 – Para relembrar este requisito, v. as minhas conclusões de 16 de Janeiro de 2008 no processo Kadi/Conselho e Comissão (C‑402/05 P, ainda pendente no Tribunal de Justiça, n.° 23).


16 – V., ainda recentemente, acórdão de 1 de Abril de 2004, Bellio F.lli (C‑286/02, Colect., p. I‑3465, n.° 33). A propósito dos acordos GATT ou OMC, v. acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Setembro de 1996, Comissão/Alemanha (C‑61/94, Colect., p. I‑3989, n.° 52 ), e acórdão International Air Transport Association e o., já referido (n.° 35).


17 – V. acórdão de 12 de Dezembro de 1972, International Fruit Company e o. (21/72 a 24/72, Colect., p. 407, n.os 6 e 7).


18 – Acórdãos de 23 de Novembro de 1999, Portugal/Conselho (C‑149/96, Colect., p. I‑8395, n.° 47); de 9 de Janeiro de 2003, Petrotub e Republica (C‑76/00 P, Colect., p. I‑79, n.° 53); de 30 de Setembro de 2003, Biret International/Conselho (C‑93/02 P, Colect., p. I‑10497, n.° 52); de 1 de Março de 2005, Van Parys (C‑377/02, Colect., p. I‑1465, n.° 39); e de 27 de Setembro de 2007, Ikea Wholesale (C‑351/04, ainda não publicado na Colectânea, n.° 29); bem como, acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Março de 2001, Cordis/Comissão (T‑18/99, Colect., p. II‑913, n.° 50), e de 3 de Fevereiro de 2005, Chiquita Brands e o./Comissão (T‑19/01, Colect., p. II‑315, n.° 114).


19 – Acórdão International Fruit Company e o., já referido (n.° 8); v. também, no mesmo sentido, acórdão de 14 de Dezembro de 2000, Dior e o. (C‑300/98 e C‑392/98, Colect., p. I‑11307, n.° 44); e acórdãos do Tribunal de Primeira Instância, já referidos, Cordis/Comissão (n.° 46) e Chiquita Brands e o./Comissão (n.° 114).


20 – Acórdão Dior e o., já referido (n.° 45).


21 – Acórdão International Fruit Company e o., já referido (n.° 8).


22 – Como recordou, nomeadamente, Rideau, J. – «Les accords internationaux dans la jurisprudence de la Cour de justice des Communautés européennes», Revue générale du droit international public, 1990, p. 289, em particular, p. 357).


23 – V. acórdão de 5 de Fevereiro de 1963, van Gend & Loos (26/62, Colect., p. 205).


24 – Acórdão Portugal/Conselho, já referido (n.° 34); v., desde logo, acórdão de 26 de Outubro de 1982, Kupferberg (104/81, Recueil, p. 3641, n.° 17).


25 – Ibidem.


26 – V. acórdão de 29 de Abril de 1982, Pabst & Richarz (17/81, Recueil, p. 1331, n.° 27); acórdãos, já referidos, Kupferberg (n.os 22 e 23), Demirel (n.° 14), bem como as conclusões do advogado‑geral M. Darmon neste mesmo processo, que sintetizam toda a jurisprudência sobre este assunto (n.° 18); acórdãos, já referidos, Racke (n.° 31), Dior e o. (n.° 42), International Air Transport Association (n.° 39); v., também, as conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo The International Association of Independent Tanker Owners e o. (C‑308/06, pendente no Tribunal de Justiça, n.° 48).


27 – Acórdão de 5 de Outubro de 1994 (C‑280/93, Colect., p. I‑4973, n.os 103 a 112).


28 – V. acórdão Van Parys, já referido; v., desde logo, a propósito do GATT, acórdão International Fruit Company e o., já referido.


29 – V. acórdão Portugal/Conselho, já referido.


30 – V., por exemplo, acórdão Cordis/Comissão, já referido (n.os 44 a 60).


31 – Como alguma doutrina (v. Kovar, R. – «Les accords liant les Communautés européennes et l’ordre juridique communautaire», RMC 1974, p. 352, em particular, pp. 358‑359) ou alguns membros do Tribunal de Justiça (Joliet, R. – Le droit institutionnel des Communautés européennes – Les institutions – Les sources – Les rapports entre ordres juridiques, Liege, 1983, em particular, pp. 256‑257) tinham perfeitamente compreendido de forma premonitória.


32 – V. acórdão International Fruit Company e o., já referido.


33 – V. acórdão Alemanha/Conselho, já referido (n.° 110).


34 – No acórdão Portugal/Conselho, já referido.


35 – Dentre uma literatura extremamente abundante, salientamos, nomeadamente, Eeckhout, P. – «The domestic legal status of the WTO Agreement: interconnecting legal systems», CMLR 1997, p. 11; Kuijper, P. J., e Bronckers, M. – «WTO law in the European Court of justice» CMLR 2005, p. 1313; Peers, S. – «Fundamental Right or political Whim? WTO Law and the European Court of Justice», in G. de Burca/Scott, The EU and WTO, 2001, p. 111.


36 – V., nomeadamente, conclusões do advogado‑geral A. Saggio no processo Portugal/Conselho, já referido, e conclusões do advogado‑geral G. Tesauro no processo Hermès (acórdão de 16 de Junho de 1998, C‑53/96, Colect., pp. I‑3603, I‑3606, n.os 28 a 37).


37 – É suficiente comparar este raciocínio com a análise efectuada pelo Tribunal de Justiça no acórdão Kupferberg a propósito de outro acordo internacional (já referido, n.os 17 a 22).


38 – Acórdãos, já referidos, Portugal/Conselho (n.os 46 e 47) e Van Parys (n.° 53).


39 – V. acórdãos Comissão/Alemanha, já referido (n.° 52); de 7 de Junho de 2007, Řízení Letového Provozu (C‑335/05, Colect., p. I‑4307, n.° 16); e Merck Genéricos Produtos Farmacêuticos, já referido (n.° 35).


40 – V. acórdãos, já referidos, Hermès (n.° 28) e Dior e o. (n.° 47).


41 – V. acórdão Comissão/Alemanha, já referido.


42 – Recordados, nomeadamente, no acórdão Portugal/Conselho, já referido (n.° 49).


43 – É o caso Nakajima. Para uma aplicação, v. acórdão de 9 de Janeiro de 2003, Petrotub e Republica, já referido (n.os 52 a 56).


44 – É o caso Fediol.


45 – V. acórdão Portugal/Conselho, já referido (n.° 35).


46 – Acórdãos Fiamm (n.° 108) e Fedon (n.° 101).


47 – O Tribunal de Justiça já teve, efectivamente, ocasião de precisar que o facto de um particular invocar o desrespeito da obrigatoriedade, para a Comunidade, de uma decisão do ORL equivale a alegar a violação do efeito obrigatório do acordo OMC, o que apenas é possível caso este tenha efeito directo (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Outubro de 1999, Atlanta/Comunidade Europeia, C‑104/97 P, Colect., p. I‑6983, n.os 17 a 23).


48 – Acórdão Biret International/Conselho, já referido (n.° 57).


49 – V. acórdão Van Parys, já referido.


50 – V. acórdão do Tribunal de Primeira Instância, Chiquita Brands e o./Comissão, já referido.


51 – Acórdão Biret International/Conselho, já referido (n.° 62).


52 – Ainda que encontrem apoio nas conclusões de alguns advogados‑gerais (v. conclusões do advogado‑geral S. Alber no processo Biret International/Conselho, já referido, e conclusões do advogado‑geral A. Tizzano no processo Van Parys, já referido).


53 – V. acórdão Portugal/Conselho, já referido (n.° 41).


54 – V. acórdão Van Parys, já referido (n.os 42 a 51). V. também acórdão do Tribunal de Primeira Instância, Chiquita Brands e o./Comissão, já referido (n.° 164).


55 – V. acórdãos Fiamm (n.os 125 a 129) e Fedon (n.os 118 a 123).


56 – V., neste sentido, as conclusões do advogado‑geral S. Alber no processo Biret International/Conselho, já referido (n.os 74 a 88), e conclusões do advogado‑geral A. Tizzano no processo Van Parys, já referido (n.os 56 e 57).


57 – V. acórdãos Fiamm (n.os 130 a 135) e Fedon (n.os 123 a 128).


58 – Acórdãos Fiamm (n.° 159) e Fedon (n.° 152). Para a reprodução desta solução e dos fundamentos idênticos, v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Maio de 2006, Galileo International Technology e o./Comissão (T‑279/03, Colect., p. II‑1291, n.os 144 a 147).


59 – Do mesmo modo, o advogado‑geral K. Roemer rejeitava a aplicação do «princípio do limite inferior» que resulta da escolha de apenas se considerarem regras existentes em todos os Estados‑Membros (conclusões no processo Zuckerfabrik Schöppenstedt/Conselho, acórdão de 2 de Dezembro de 1971, 5/71, Recueil p. 975, em especial p. 991, Colect., p. 375). Roemer assinalava que o importante «não é a concordância das ordens jurídicas de todos os Estados‑Membros, nem mesmo uma espécie de escrutínio seguido da verificação de uma maioria, mas sim […] o estudo ponderado do direito comparado» (conclusões no processo Werhahn Hansamühle e o./Conselho e Comissão, acórdão de 13 de Novembro de 1973, 63/72 a 69/72, Recueil, p. 1253, em especial, p. 1258, Colect., p. 477). Este evocava mesmo a possibilidade de se inspirar na «regulamentação nacional elaborada da forma mais judiciosa (‘überlegenst’)» (conclusões no processo 5/71, já referido; v., em especial, p. 991, Colect., p. 375), «de estabelecer que ordem jurídica se apresenta como sendo a melhor» (conclusões nos processos 63/72 a 69/72, já referidos, em especial, p. 1258). Do meu ponto de vista, não se trata de procurar a melhor solução jurídica, mas de elaborar a que se revele ser mais adequada ao contexto e às necessidades da ordem jurídica comunitária.


60 – Para uma ilustração deste método à luz do direito de greve, que visa confrontar uma solução recebida nos direitos nacionais com as exigências próprias da ordem jurídica comunitária, v. as minhas conclusões no processo International Transport Workers’ Federation e Finnish Seamen’s Union (acórdão de 11 de Setembro de 2007, C‑438/05, ainda não publicado na Colectânea, n.° 60 das conclusões).


61 – V. acórdão de 4 de Julho de 2000, Bergaderm e Goupil/Comissão (C‑352/98 P, Colect., p. I‑5291, n.os 41 e 42).


62 – V. acórdãos de 13 de Junho de 1972, Compagnie d’approvisionnement, de transport et de crédit e Grands Moulins de Paris/Comissão (9/71 e 11/71, Recueil, p. 391, n.° 46, Colect., p. 131); de 31 de Março de 1977, Compagnie industrielle et agricole du comté de Loheac e o./Conselho e Comissão (54/76 a 60/76, Recueil, p. 645, n.° 19, Colect., p. 223); de 6 de Dezembro de 1984, Biovilac/CEE (59/83, Recueil, p. 4057, n.° 29); de 24 de Junho de 1986, Développement e Clemessy/Comissão (267/82, Colect., p. 1907, n.° 33); de 15 de Junho de 2000, Dorsch Consult/Conselho e Comissão (C‑237/98 P, Colect., p. I‑4549, n.° 18); acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Dezembro de 2001, Area Cova e o./Conselho e Comissão (T‑196/99, Colect., p. II‑3597, n.° 171); de 20 de Fevereiro de 2002, Förde‑Reederei/Conselho e Comissão (T‑170/00, Colect., p. II‑515, n.° 56); de 10 de Abril de 2003, Travelex Global and Financial Services e Interpayment Services/Comissão (T‑195/00, Colect., p. II‑1677, n.° 161); de 2 de Julho de 2003, Hameico Stuttgart e o./Conselho e Comissão (T‑99/98, Colect., p. II‑2195, n.° 60); e de 10 de Fevereiro de 2004, Afrikanische Frucht‑Compagnie/Conselho e Comissão (T‑64/01 e T‑65/01, Colect., p. II‑521, n.os 150 e 151).


63 – V., infra, n.° 63 das presentes conclusões.


64 – Para utilizar uma fórmula adoptada por Picod, F., e Coutron, L. – «La responsabilité de la Communauté européenne du fait de son activité administrative», in Auby, J. B., e Dutheil de la Rochère, J. – Droit administratif européen, Bruylant 2007, p. 171, v., em especial, pp. 204 a 208.


65 – V., já a favor desta intuição, conclusões do advogado‑geral Sir Gordon Slynn no processo Biovilac/CEE, já referido, em especial p. 4091. Esta é, de facto, a forma como a questão é tratada em muitos ordenamentos jurídicos (v. Amaral, M. L. – Responsabilidade do Estado e dever de indemnizar do legislador, Coimbra Editora, 1998, pp. 474 e segs.).


66 – Acórdãos Fiamm (n.° 159) e Fedon (n.° 152).


67 – V. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 29 de Janeiro de 1998, Dubois et Fils/Conselho e Comissão (T‑113/96, Colect., p. II‑125, n.os 40 a 48).


68 – V. acórdãos Fiamm (n.os 166 a 170) e Fedon (n.os 159 a 162).


69 – V. acórdão do Tribunal de Justiça de 4 de Outubro de 1979, Dumortier Frères/Conselho (64/76, 113/76, 167/78, 239/78, 27/79, 28/79 e 45/79, Recueil, p. 3091, n.° 21). V., também, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 24 de Outubro de 2000, Fresh Marine/Comissão (T‑178/98, Colect., p. II‑3331, n.° 118).


70 – Acórdãos Fiamm (n.° 183) e Fedon (n.° 177).


71 – Acórdãos Fiamm (n.° 185) e Fedon (n.° 179).


72 – V. acórdão Compagnie d’approvisionnement, de transport et de crédit e Grands Moulins de Paris/Comissão, já referido (n.os 45 e 46); acórdãos do Tribunal de Primeira Instância, já referidos, Förde‑Reederei/Conselho e Comissão (n.° 56) e Afrikanische Frucht‑Compagnie/Conselho e Comissão (n.° 151).


73 – V. acórdão Dorsch Consult/Conselho e Comissão, já referido (n.os 18 e 53).


74 – V. acórdão Développement e Clemessy/Comissão, já referido (n.° 33).


75 – Acórdão Biovilac/CEE, já referido (n.os 28 e 29).


76 – Acórdãos Fiamm (n.° 202) e Fedon (n.° 191).


77 – V., em primeiro lugar, designadamente, o acórdão do Tribunal de Primeira Instância, já referido, Afrikanische Frucht‑Compagnie/Conselho e Comissão (n.os 150 e 151); v., a seguir, acórdão Galileo International Technology e o./Comissão (n.os 147 e 148).


78 – Se apresentar, além disso, também uma gravidade suficiente.


79 – V. acórdão Förde‑Reederei/Conselho e Comissão, já referido (n.os 58 a 60).


80 – V. acórdão Biovilac/CEE, já referido (n.os 27 a 30).


81 – Acórdão de 17 de Dezembro de 1998 (C‑185/95 P, Colect., p. I‑8417).


82 – V. acórdão Baustahlgewebe/Comissão, já referido (n.° 49); despacho de 13 de Dezembro de 2000, SGA/Comissão (C‑39/00 P, Colect., p. I‑11201, n.° 46).


83 – V. a análise do advogado‑geral P. Léger nas suas conclusões no processo Baustahlgewebe/Comissão, já referido (n.os 46 a 76).


84 – Acórdão Baustahlgewebe/Comissão, já referido (n.° 48)


85 – Quanto à competência do Tribunal de Justiça e não do Tribunal de Primeira Instância para conhecer desta acção, adiro aos argumentos apresentados pelo advogado‑geral P. Léger (conclusões no processo Baustahlgewebe/Comissão, já referido, n.os 66 a 71).


86 – V. acórdão Werhahn Hansamühle e o./Conselho e Comissão, já referido (n.° 7).