Language of document : ECLI:EU:F:2010:140

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA FUNÇÃO PÚBLICA DA UNIÃO EUROPEIA (Segunda Secção)

28 de Outubro de 2010 (*)

«Função pública — Funcionários — Decisão de demissão — Dever de solicitude — Insuficiência profissional — Razões médicas»

No processo F‑92/09,

que tem por objecto um recurso interposto nos termos dos artigos 236.° CE e 152.° EA,

U, antigo funcionário do Parlamento Europeu, residente no Luxemburgo (Luxemburgo), representado por F. Moyse e A. Salerno, advogados,

recorrente,

contra

Parlamento Europeu, representado por S. Seyr, K. Zejdová e J. F. de Wachter, na qualidade de agentes,

recorrido,

O TRIBUNAL DA FUNÇÃO PÚBLICA (Segunda Secção),

composto por: H. Tagaras, presidente, S. Van Raepenbusch (relator) e M. I. Rofes i Pujol, juízes,

secretário: R. Schiano, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 8 de Julho de 2010,

profere o presente

Acórdão

1        Por petição entrada na Secretaria do Tribunal em 6 de Novembro de 2009, o recorrente pediu a anulação da decisão de 6 de Julho de 2009 pela qual o Parlamento Europeu o demitiu com efeitos a partir de 1 de Setembro de 2009 (a seguir «decisão impugnada») e o pagamento de um montante de 15 000 euros, sob todas as reservas, em reparação do prejuízo moral que considera ter sofrido.

 Quadro jurídico

2        O artigo 9.°, n.° 6, do Estatuto dos Funcionários da União Europeia (a seguir «Estatuto») dispõe:

«A Comissão Consultiva Paritária para a insuficiência profissional será chamada a emitir parecer sobre a aplicação do artigo 51.°».

3        O artigo 24.° do Estatuto dispõe:

«A [União] presta[…] assistência ao funcionário, nomeadamente em procedimentos contra autores de ameaças, ultrajes, injúrias, difamações ou atentados contra pessoas e bens de que sejam alvo o funcionário ou membros da sua família, por causa da sua qualidade e das suas funções.

Repara[…] solidariamente os prejuízos sofridos, em consequência de tais factos, pelo funcionário, na medida em que este não esteja, intencionalmente ou por negligência grave, na origem dos referidos prejuízos e não tenha podido obter reparação dos responsáveis.»

4        O artigo 51.° do Estatuto dispõe:

«1. Cada instituição definirá os procedimentos que permitam identificar, gerir e resolver os casos de insuficiência profissional de modo tempestivo e apropriado. Depois de esgotados estes procedimentos, um funcionário que, com base em consecutivos relatórios periódicos a que se refere o artigo 43.°, continue a dar provas de insuficiência profissional no exercício das suas funções, pode ser demitido, ser classificado num grau inferior ou num grupo de funções inferior no mesmo grau ou num grau inferior.

2. Qualquer proposta de demissão, de classificação num grau inferior ou num grupo de funções inferior, deve expor os respectivos fundamentos e ser comunicada ao funcionário interessado. A proposta da [autoridade investida do poder de nomeação] será submetida à Comissão Consultiva Paritária a que se refere o n.° 6 do artigo 9.°

3. O funcionário tem o direito de obter a comunicação integral do seu processo individual e de fazer cópias de todos os documentos relativos ao procedimento. Para preparar a sua defesa, o interessado disporá de um prazo de, pelo menos, quinze dias a contar da data da recepção da proposta. Pode fazer‑se assistir por uma pessoa da sua escolha. O funcionário pode apresentar observações por escrito. Pode ser ouvido pela Comissão Consultiva Paritária. Pode igualmente apresentar testemunhas.

4. A instituição será representada perante a Comissão Consultiva Paritária por um funcionário mandatado para o efeito pela [autoridade investida do poder de nomeação]. Dispõe dos mesmos direitos que o funcionário interessado.

5. À luz da proposta a que se refere o n.° 2 e de qualquer declaração escrita e oral do interessado e das testemunhas, a Comissão Consultiva Paritária emitirá, por maioria, parecer fundamentado, do qual constará a medida que considera adequada tendo em conta os factos estabelecidos a seu pedido. A Comissão Consultiva Paritária transmitirá esse parecer à [autoridade investida do poder de nomeação] e ao interessado, no prazo de dois meses a contar da data em que o caso lhe tenha sido submetido. O presidente não participa nas decisões da Comissão Consultiva Paritária, excepto quando se trate de questões processuais, ou em caso de empate na votação.

A [autoridade investida do poder de nomeação] tomará a sua decisão no prazo de dois meses a contar da recepção do parecer da Comissão Consultiva Paritária, após ter ouvido o interessado. Essa decisão deve ser fundamentada e fixará a data a partir da qual produz efeitos.

6. O funcionário demitido por insuficiência profissional terá direito a um subsídio mensal igual ao vencimento de base mensal de um funcionário do primeiro escalão do grau 1, durante o período definido no n.° 7. O funcionário tem igualmente direito, durante o mesmo período, às prestações familiares previstas no artigo 67.° O abono de lar será calculado com base no vencimento de base mensal de um funcionário de grau 1, de acordo com o disposto no artigo 1.° do anexo VII.

O referido subsídio não será pago quando o funcionário p[eça] a exoneração após o início do procedimento referido nos n.os 1 a 3 ou se tiver direito ao pagamento imediato da pensão completa. Se o funcionário tiver adquirido o direito a prestações de desemprego no âmbito de um regime nacional, o montante dessa prestação será deduzido do subsídio em causa.

7. O período durante o qual os pagamentos referidos no n.° 6 serão efectuados é calculado do seguinte modo:

a)      Três meses, quando o interessado tenha cumprido menos de cinco anos de serviço na data em que a decisão de demissão é tomada;

b)      Seis meses, quando o interessado tenha cumprido cinco ou mais anos de serviço, mas menos de dez anos;

c)      Nove meses, quando o interessado tenha cumprido dez anos de serviço ou mais, mas menos de vinte anos;

d)      Doze meses, quando o interessado tenha cumprido mais de vinte anos de serviço.

8. Um funcionário que seja classificado num grau inferior ou num grupo de funções inferior por insuficiência profissional, pode, após um período de seis anos, solicitar que qualquer menção a essa medida seja eliminada do seu processo pessoal.

9. O funcionário tem direito ao reembolso de despesas razoáveis que tenha suportado por sua iniciativa no decurso do procedimento, nomeadamente os honorários devidos a um defensor não pertencente à instituição, quando o procedimento previsto no presente artigo chegue ao seu termo sem que tenha sido tomada uma decisão de demissão, de classificação num grau inferior ou num grupo de funções inferior.»

5        O artigo 59.° do Estatuto dispõe:

«1. O funcionário que prove estar impedido de exercer as suas funções em consequência de doença ou acidente tem o direito de faltar justificadamente por doença.

[…]

4. A [autoridade investida do poder de nomeação] pode submeter à Comissão de Invalidez o caso de um funcionário cujas faltas por doença acumuladas excedam doze meses num período de três anos.

5. O funcionário pode ser colocado na situação de interrupção de serviço em sequência de exame pelo médico assistente da instituição, se o seu estado de saúde o exigir ou se, em sua casa, uma pessoa sofrer de doença contagiosa.

[…]»

6        O artigo 1.° da Regulamentação interna relativa ao procedimento de aperfeiçoamento aplicado no quadro da identificação, gestão e resolução dos potenciais casos de insuficiência profissional dos funcionários, adoptada pela Mesa do Parlamento em 3 de Julho de 2006 (a seguir «regulamentação interna»), dispõe:

«O procedimento de tratamento da insuficiência profissional estabelecido pela presente regulamentação interna em conformidade com o artigo 51.°, n.° 1, do Estatuto (a seguir ‘procedimento de aperfeiçoamento’) destina‑se a assegurar que cada caso seja tratado numa fase precoce e de modo sistemático para ajudar o funcionário em causa a voltar a atingir o nível de prestação exigido para cumprir as tarefas descritas no relatório de classificação, de acordo com a descrição do lugar, e a evitar assim a adopção, a seu respeito, das medidas previstas no artigo 51.° do Estatuto (demissão, classificação num grau inferior ou num grupo de funções inferior com manutenção do grau ou num grau inferior).»

7        O artigo 3.°, n.° 1, da regulamentação interna prevê:

«O procedimento de aperfeiçoamento é aplicado paralelamente ao procedimento de classificação precisado nas disposições gerais de execução relativas aos relatórios de classificação […] (a seguir ‘DGE Relcla’).»

8        O artigo 7.° da regulamentação interna dispõe:

«1. Identificados sinais de insuficiência profissional, o primeiro notador convoca através de uma nota o funcionário, precisando‑lhe o objecto da reunião. Nessa nota, informa o funcionário dos seus direitos tal como precisados no artigo 14.° da presente regulamentação. Após a reunião, o primeiro notador informa o notador final por carta devidamente fundamentada. O funcionário recebe cópia desta carta.

2. O notador final recorre, sendo caso disso, à [D]irecção da [E]stratégia dos Recursos Humanos, [Direcção‑Geral (DG) ‘Pessoal’], a fim de que esta designe um conselheiro. O notador final convoca imediatamente o funcionário para uma reunião. O primeiro notador e o conselheiro também dela participam.

3. Na reunião, o notador final identifica as razões das inadequações verificadas, decide, sendo caso disso, o início do procedimento de aperfeiçoamento e fixa ao funcionário um programa de apoio (a seguir ‘plano de aperfeiçoamento’). Informa o funcionário de tudo o que o procedimento de aperfeiçoamento implica.

[…]»

9        O artigo 8.° da regulamentação interna prevê:

«1. Se, na reunião prevista no artigo 7.° […], o notador final conclui que os sinais observados no funcionário podem ser imputáveis a dificuldades de ordem médica ou se o funcionário evoca dificuldades desse tipo, informa‑se imediatamente no [S]erviço médico. Nesse caso a eventual decisão de início do procedimento de aperfeiçoamento e a fixação do plano de aperfeiçoamento são diferidos até à recepção da resposta do [S]erviço médico.

3. Se o [S]erviço médico responder que a situação do funcionário deve ser tratada exclusivamente em aplicação das disposições estatutárias relativas ao estado de saúde dos funcionários, o notador final não poderá dar início ao procedimento de aperfeiçoamento a seu respeito. O funcionário, o primeiro notador e o conselheiro são mantidos informados.

4. No caso contrário, o notador final convoca novamente o funcionário, o primeiro notador e o conselheiro a fim de iniciar o procedimento de aperfeiçoamento e fixar o plano de aperfeiçoamento.

5. O [S]erviço médico pode intervir, posteriormente, em qualquer momento, ao comunicar, por escrito, ao notador final e ao funcionário a sua apreciação sobre o estado de saúde do funcionário, e as conclusões que daí retirou. O primeiro notador, o conselheiro e o funcionário em causa são mantidos informados. Com base nestas conclusões, o notador final pode, segundo o caso, decidir iniciar o procedimento de aperfeiçoamento ou encerrar um procedimento de aperfeiçoamento já iniciado».

10      O artigo 12.° da regulamentação interna dispõe:

«1. No decurso do mês de Julho, o relatório intermédio previsto no artigo 17.°, segundo parágrafo, das DGE Relcla é elaborado após reunião dos dois notadores com o funcionário, na presença do conselheiro. O relatório intermédio é datado e assinado pelos dois notadores e o funcionário, que pode, sendo caso disso, acrescentar os seus comentários. O conselheiro recebe uma cópia.

2. Se o relatório intermédio concluir que já não existem sinais de insuficiência profissional por parte do funcionário, o notador final procede ao encerramento do procedimento de aperfeiçoamento, não sendo aplicável o artigo 13.° […]. No caso contrário, o notador final, após parecer do conselheiro, confirma a continuação do procedimento de aperfeiçoamento até ao fim do ano de referência. Nos dois casos, o funcionário é informado por escrito.

[…]»

 Factos na origem do litígio

11      O recorrente foi nomeado funcionário do Parlamento em 1 de Maio de 2005 na qualidade de secretário, de grau C*1 (actual AST 1). Foi titularizado após o seu período de estágio que decorreu de 1 de Maio de 2005 a 31 de Janeiro de 2006, na Unidade «Planeamento e gestão dos pedidos» da DG «Tradução e edição».

12      No relatório de classificação relativo ao ano de 2005, o primeiro notador do recorrente mencionava que este último era um novo colega apreciado. Nesse mesmo relatório de classificação, foi considerado um funcionário meritório.

13      No relatório de classificação do recorrente relativo ao ano de 2006, ainda que continuasse a ser considerado um funcionário meritório, era indicado, nomeadamente, que devia melhorar as suas competências em matéria de comunicação, que a falta de comunicação estava por vezes na origem de problemas em matéria de relações humanas e que, «ainda que o seu rendimento fosse satisfatório, [a sua] vontade de comunicar com os membros da equipa [tinha] esmorec[ido]».

14      Por carta de 10 de Julho de 2007, o chefe da Unidade «Planeamento e gestão dos pedidos» da DG «Tradução e edição» (a seguir «chefe de unidade») convidou o director‑geral da referida DG (a seguir «director‑geral») a «tomar em consideração a possibilidade de início do procedimento de aperfeiçoamento» relativamente ao recorrente. Nesta carta o chefe de unidade mencionava a reunião que tivera com ele em 9 de Julho de 2007, em aplicação das disposições do artigo 7.°, n.° 1, da regulamentação interna.

15      O chefe de unidade enviou também ao director‑geral uma carta datada de 8 de Agosto de 2007 em que constatava, nomeadamente, um tratamento inadequado, pelo recorrente, dos pedidos de tradução, a sua incapacidade para comunicar com os colegas, as suas ausências irregulares, e o seu comportamento indelicado e não profissional. Indicava, além disso, nessa carta:

«[O recorrente] é uma pessoa com formação universitária, que provavelmente se sente frustrado pelo facto de ter de desempenhar tarefas de assistente. Tenho a nítida impressão de qu[e o recorrente] menospreza o trabalho e considera‑o inútil. Importa também observar que o seu desempenho e a sua conduta mudaram radicalmente após a titularização.»

16      Nos termos do artigo 7.°, n.° 2, da regulamentação interna, o recorrente participou em 17 e 20 de Setembro de 2007 em duas reuniões. Na sequência destas reuniões foi iniciado, em 24 de Setembro de 2007, um procedimento de aperfeiçoamento, com um plano de aperfeiçoamento a aplicar até 31 de Dezembro de 2007. No âmbito deste procedimento, o chefe de unidade era o primeiro notador e o director‑geral o notador final.

17      Na sequência de uma nova reunião com o recorrente, que teve lugar em 3 de Dezembro de 2007, o director‑geral decidiu, por carta de 10 de Dezembro de 2007, prolongar o procedimento de aperfeiçoamento. Nessa carta constatava, todavia, a existência, desde o início do procedimento de aperfeiçoamento, de progressos quanto à qualidade do desempenho e ao comportamento do recorrente.

18      No relatório de classificação relativo ao ano de 2007, elaborado nos meses de Março e Abril de 2008, era indicado, nomeadamente, que apesar de varias advertências o desempenho do recorrente se tinha deteriorado muito ao longo de 2007. O recorrente não era, aliás, considerado nesse relatório um funcionário meritório.

19      Nos termos do artigo 12.° da regulamentação interna, foi elaborado um relatório intermédio em Julho de 2008. Nesse relatório, relativo ao período que decorreu entre 1 de Janeiro e 30 de Junho de 2008, era indicado, nomeadamente, que o recorrente tinha melhorado parcialmente a sua conduta em relação aos serviços e aos colegas com os quais estava em contacto. Embora o relatório não concluísse por uma insuficiência profissional, era precisado que os melhoramentos verificados deviam ser confirmados por um progresso sustentado e a longo prazo do desempenho global.

20      Por carta de 9 de Julho de 2008, o chefe de unidade informou o recorrente de que o procedimento de aperfeiçoamento continuaria até ao fim de 2008.

21      Em 12 de Agosto de 2008, o recorrente foi convidado a apresentar‑se a 14 de Agosto no serviço médico.

22      Em 4 de Setembro de 2008, a pedido do responsável pelos Recursos Humanos da DG «Tradução e edição», preocupado com o facto de o recorrente não ter respondido ao convite do serviço médico referido no número anterior, uma assistente social do Parlamento deslocou‑se ao local de trabalho daquele. Segundo essa assistente social, o recorrente afirmou, nesse encontro, que a sua hierarquia não devia «preocupar‑se» com ele.

23      Em 13 de Outubro de 2008, no âmbito do procedimento de aperfeiçoamento, e no decurso de uma reunião na presença do chefe de unidade, foi proposto ao recorrente a transferência para a Unidade «X» da DG «Tradução e edição». O recorrente acolheu favoravelmente esta proposta, e foi integrado na referida unidade durante o mês de Outubro de 2008. Nessa reunião foi decidido que, devido às férias anuais do recorrente em Dezembro de 2008, a reunião final relativa ao procedimento de aperfeiçoamento seria antecipada para 26 de Novembro de 2008.

24      Em 19 de Novembro de 2008, o chefe de unidade e o director‑geral receberam uma carta enviada por um administrador da Unidade «X», acompanhada da acta de uma reunião que tivera lugar em 5 de Novembro, entre este administrador e o chefe da referida unidade, tendo por objecto a integração do recorrente nessa unidade. Nessa acta era indicado, nomeadamente, que o recorrente manifestava boa vontade, mas que tinha problemas de comunicação com os seus colegas, que estava isolado no serviço devido ao seu comportamento e que o chefe da unidade em causa receava que esse comportamento deteriorasse, a longo prazo, a atmosfera no serviço. Era também indicado que tinham sido desenvolvidos todos os esforços para oferecer ao recorrente assistência psicológica — por parte de um médico ou de um assistente social — caso fosse necessária, mas que aquele negara ter problemas e declinara qualquer ajuda.

25      Em 20 de Novembro de 2008, o recorrente, respondendo esta vez ao convite do médico assistente do Parlamento, foi recebido por este último, na presença, durante parte do tempo, da assistente social do Parlamento.

26      Na reunião referida no n.° 23 do presente acórdão, o recorrente foi informado de que o seu desempenho na Unidade «X» não tinha sido julgado satisfatório e que as suas dificuldades tinham provavelmente por origem o seu próprio comportamento. O chefe do serviço indicou também ao recorrente que ia propor à autoridade investida do poder de nomeação (a seguir «AIPN») a sua demissão.

27      Nos termos do artigo 13.° da regulamentação interna, o relatório especial foi elaborado em 18 de Dezembro de 2008. Nesse relatório foi indicado, nomeadamente, que a circunstância de o trabalho e o comportamento do recorrente não terem melhorado na Unidade «X» revelava que as dificuldades que este tinha se deviam unicamente ao seu próprio comportamento e não aos seus colegas ou ao facto de trabalhar num ambiente multicultural. Em conclusão, a demissão do recorrente era proposta à AIPN pelo chefe do seu serviço e pelo chefe do serviço «Gestão do pedido» devido à persistência das suas insuficiências em matéria de comunicação, de resolução de conflitos e das suas reticências em compreender ou seguir instruções, assim como em assumir a responsabilidade pelos seus actos.

28      No relatório de classificação relativo ao ano de 2008, elaborado no mês de Fevereiro de 2009, constatavam‑se os mesmos problemas mencionados na conclusão do relatório especial elaborado em 18 de Dezembro de 2008.

29      Foi então pedido à Comissão Paritária Consultiva para a insuficiência profissional (a seguir «comissão») que desse o seu parecer sobre a proposta de demissão do recorrente.

30      Num parecer unânime de 14 de Maio de 2009 (a seguir «parecer»), a comissão indicava não apenas que um certo número de pessoas que tinham trabalhado com o recorrente lhe tinham feito saber que tinham dúvidas quanto ao seu estado mental, mas também que a própria comissão tinha a nítida impressão, ao ouvi‑lo, que ele se encontrava num estado mental instável ou perturbado.

31      A comissão assinalava também que as audições a que tinha procedido tinham revelado uma opinião convergente dos superiores hierárquicos do recorrente, opinião segundo a qual este tinha, pouco tempo depois da sua titularização, começado a manifestar comportamentos inabituais, incluindo, nomeadamente, crises periódicas de atitude anti‑social relativamente aos seus colegas e recusa de executar as tarefas que lhe incumbiam, sem razões aparentes ou por motivos excêntricos, ou ainda surtos de riso inconvenientes. Além disso, constatou‑se, nos trabalhos da comissão, que a DG «Tradução e edição» tinha contactado o serviço médico do Parlamento em Agosto de 2008 e que este tinha proposto uma consulta ao recorrente para reexaminar os «sinais de uma eventual depressão» que ele já tinha revelado em Dezembro de 2006, mas que o recorrente não tinha respondido a esse convite; a DG «Tradução e edição» tinha então pedido aos serviços sociais do Parlamento que interviessem, mas estes tinham‑se deparado com uma recusa por parte do recorrente.

32      No parecer, a comissão concluía que o recorrente não estava em condições de exercer de modo satisfatório as tarefas profissionais que lhe estavam atribuídas e de trabalhar num ambiente multicultural como o do Parlamento. Concluía também que a administração devia investigar se a insuficiência profissional do recorrente se devia a razões médicas. Por fim, aprovava a proposta de demissão na medida em que se demonstrasse que a insuficiência profissional do recorrente não era imputável a razões médicas ou na medida em que este último recusasse realizar os exames médicos necessários para afastar a origem médica das suas dificuldades profissionais.

33      O recorrente, que foi ouvido em 25 de Junho de 2009 pela administração, foi demitido através da decisão impugnada que lhe foi notificada em 7 de Julho de 2009.

34      Em 7 de Agosto de 2009, o médico assistente do Parlamento, no Luxemburgo, pediu a um médico especializado em Psiquiatria que examinasse o recorrente. Aquele, no seu parecer enviado por correio de 18 de Agosto de 2009, diagnosticava uma «perturbação da personalidade de tipo frágil» após ter indicado:

«O exame psiquiátrico não revela sinais de confusão mental: [o recorrente] está bem orientad[o] no tempo e no espaço. Não há sintomas psicóticos evidentes. [O recorrente] não exprime intenções suicidas. Em contrapartida, no seu discurso observo ideias persecutórias latentes. A impressão de ter sido lesad[o] está presente assim como a impressão de que ninguém gosta dele[,] que os seus colegas não [o] compreendem e que as pessoas não tê[m] em conta a sua diferença cultural. [O recorrente] descreve relações conflituosas com os seus superiores hierárquicos que puseram em dúvida a sua competência para executar o seu trabalho. No seu discurso, de observar qu[e o recorrente] tem tendência para interpretar os acontecimentos de modo paranóico. Pode‑se admitir a hipótese de uma perturbação da personalidade de tipo frágil.»

35      O parecer médico de 18 de Agosto de 2009 foi levado ao conhecimento do recorrente, o qual, por carta dos seus advogados de 26 de Agosto de 2009, pediu, nomeadamente, perante este parecer, à AIPN, a suspensão da execução da decisão impugnada enquanto se esperavam exames médicos complementares. Este pedido foi indeferido por decisão da AIPN de 2 de Setembro de 2009.

36      Em 1 de Outubro de 2009, o recorrente apresentou, ao abrigo do artigo 90.°, n.° 2, do Estatuto, uma reclamação contra a decisão impugnada.

 Tramitação processual e pedidos das partes

37      Por requerimento de medidas provisórias apresentado na Secretaria do Tribunal em 6 de Novembro de 2009 e registado sob a referência F‑92/09 R, o recorrente pediu, por um lado, a suspensão da decisão impugnada e, por outro, a concessão de medidas provisórias.

38      Por carta de 19 de Novembro de 2009, a Secretaria informou as partes da decisão adoptada pelo Tribunal de deferir o pedido de anonimato do recorrente.

39      Por despacho de 18 de Dezembro de 2009, U/Parlamento (F‑92/09 R, ColectFP, pp. I‑A‑1‑511 e II‑A‑1‑2771), o presidente do Tribunal ordenou a suspensão da execução da decisão impugnada até à prolação da decisão do Tribunal que ponha fim à instância.

40      Dando provimento ao recurso interposto pelo Parlamento, o presidente do Tribunal Geral da União Europeia, por despacho de 27 de Abril de 2010, Parlamento/U [T‑103/10 P(R)] anulou o referido despacho do presidente do Tribunal da Função Pública por ter erradamente considerado que a condição relativa à urgência estava preenchida no caso em apreço e, decidindo ele próprio sobre o litígio, indeferiu o pedido de medidas provisórias.

41      De acordo com o artigo 91.°, n.° 4, do Estatuto, o processo principal foi suspenso até à decisão de 5 de Fevereiro de 2010, notificada no mesmo dia, através da qual a AIPN indeferiu a reclamação.

42      O recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

¾        anular a decisão impugnada;

¾        condenar o Parlamento no pagamento de uma indemnização pelo prejuízo moral, avaliada, sob todas as reservas, em 15 000 euros;

¾        condenar o Parlamento nas despesas.

43      O Parlamento conclui pedindo que o Tribunal se digne:

¾        negar provimento ao recurso;

¾        condenar o recorrente na totalidade das despesas.

 Questão de direito

44      Em apoio do seu recurso, o recorrente invoca três fundamentos relativos, o primeiro, à não observância do dever de solicitude previsto no artigo 24.° do Estatuto e no artigo 8.° da regulamentação interna, o segundo, à violação do artigo 59.°, n.° 5, do Estatuto, e o terceiro, à violação do artigo 12.°, n.° 2, da regulamentação interna.

 No que respeita ao primeiro fundamento, relativo à não observância do dever de solicitude, previsto no artigo 24.° do Estatuto e no artigo 8.° da regulamentação interna

 Argumentos das partes

45      O recorrente observa que a partir de 2006 começou a ter problemas de comunicação com os seus colegas, mesmo se, nessa época, o seu rendimento profissional continuava a ser suficiente. Em 2007, foi iniciado a seu respeito o procedimento de aperfeiçoamento. Ainda que admita que no momento do início desse procedimento o seu chefe de unidade não podia considerar que as insuficiências profissionais observadas podiam ser imputáveis a razões de ordem médica, indicações muito precisas nesse sentido surgiram após a sua transferência para a Unidade «X». O recorrente invoca, a este propósito, a acta da reunião de 5 de Novembro de 2008 entre o seu chefe de unidade e um administrador do serviço.

46      O recorrente reconhece que esteve reticente em aceitar a existência de problemas de ordem psicológica e recusou qualquer ajuda. No entanto, é muito difícil para uma pessoa que sofra de uma perturbação da personalidade, como a diagnosticada pelo médico psiquiatra consultado pelo serviço médico do Parlamento, reconhecer a existência de uma patologia, considerando o interessado os comportamentos a ela ligados naturais e inevitáveis.

47      Ora, o primeiro notador propôs, apesar disso, a sua demissão. O recorrente acrescenta que a hipótese segundo a qual as dificuldades profissionais que tinha podiam ter uma origem médica foi sublinhada pela comissão no seu parecer e que esta convidou precisamente a administração a verificar o seu fundamento.

48      O recorrente observa que, de acordo com o artigo 24.° do Estatuto, a administração tem um dever de solicitude face aos seus agentes. Segundo jurisprudência constante, este dever, assim como o princípio da boa administração, implica que, quando a administração decide a propósito da situação de um funcionário, deve tomar em consideração todos os elementos susceptíveis de determinar a sua decisão e, ao fazê‑lo, deve ter em conta não apenas o interesse do serviço, como também o do funcionário. Perante uma decisão tão grave quanto uma demissão por insuficiência profissional, a intensidade do dever de solicitude que incumbe à administração é acrescida.

49      Ao decidir, no caso em apreço, não informar imediatamente o serviço médico do Parlamento dos problemas de ordem psicológica de que suspeitava no recorrente após a sua transferência para a Unidade «X», o notador violou o seu dever de solicitude previsto no artigo 24.° do Estatuto e no artigo 8.° da regulamentação interna, especialmente no seu n.° 5. Ainda que não quisesse reconhecer a existência desses problemas, nem colaborar, incumbia à administração, a título do seu dever de solicitude, perante uma dúvida quanto à origem médica possível das dificuldades que tinha no exercício das suas funções, encerrar ou pelo menos suspender o procedimento de insuficiência profissional e pedir ao serviço médico investigações complementares. O médico psiquiatra consultado pelo serviço médico diagnostica no seu parecer uma «perturbação da personalidade de tipo frágil», o que devia, por maioria de razão, levar a administração a proceder desse modo.

50      Por carta de 27 de Abril de 2010, o recorrente fez chegar à Secretaria do Tribunal o relatório do Dr. H., médico psiquiatra, o qual, após ter examinado o recorrente em 21 de Abril de 2010, concluiu pela presença de uma perturbação da personalidade característica e pela suspeita de uma descompensação psicótica muito manifesta. O recorrente justificou o atraso na apresentação desta nova prova com a circunstância de o Dr. H., a quem tinha sido pedida uma consulta em Janeiro de 2010, só ter tido disponibilidade em 21 de Abril seguinte.

51      O Parlamento afirma, a título liminar, que a referência ao artigo 24.° do Estatuto é irrelevante no caso em apreço, uma vez que esta disposição não respeita ao dever de solicitude mas ao dever de assistência que incumbe às instituições. O Parlamento considera só ter de responder, por isso, aos argumentos do recorrente relacionados com a alegada violação do artigo 8.° da regulamentação interna.

52      A este respeito, o Parlamento observa que a deterioração das prestações do recorrente, devido nomeadamente à sua falta de motivação e de vontade de cumprir correctamente as tarefas que lhe eram confiadas, começou a manifestar‑se após a sua titularização.

53      A assistente social, que, a pedido do responsável dos Recursos Humanos da DG «Tradução e edição», foi ao local de trabalho do recorrente, em Setembro de 2008, não observou anomalias particulares. Além disso, o recorrente não reagiu de forma positiva ou construtiva perante a ajuda que lhe foi oferecida pela assistente social.

54      Do mesmo modo, o médico assistente do Parlamento, que o recorrente finalmente consultou em 20 de Novembro de 2008, também não observou anomalias do ponto de vista médico e orientou‑o para a assistência social.

55      O Parlamento salienta que, apesar de todos esses esforços da instituição para o ajudar, o recorrente se queixava ainda de que os seus superiores não compreendiam a sua mentalidade. O Parlamento acrescenta que não estava à vontade num ambiente multicultural e internacional e que tinha manifestado por diversas vezes um certo desprezo pelo Parlamento, pela União e pelo seu trabalho, chegando mesmo a exprimir a vontade de se demitir das suas funções.

56      O Parlamento considera que o artigo 8.° da regulamentação interna foi correctamente aplicado no caso em apreço. Com efeito, no momento do início do procedimento de aperfeiçoamento, ou seja, durante a reunião inicial prevista no artigo 7.° da regulamentação interna, que decorreu em 9 de Julho de 2007, o notador final concluiu que não era necessário informar‑se junto do serviço médico, uma vez que não tinha observado no recorrente sinais de insuficiência profissional que pudessem ser imputados a razões de ordem médica. O próprio recorrente, aliás, não invocara a existência de tais razões. O notador final agiu, pois, em plena conformidade com o artigo 8.°, n.° 1, da regulamentação interna.

57      Por outro lado, o médico psiquiatra consultado pelo serviço médico em Agosto de 2009 concluiu claramente, após ter examinado o recorrente, pela ausência de qualquer confusão mental. Nessas condições, um tal diagnóstico não excluiu de modo algum que a administração tenha podido considerar correctamente que as insuficiências profissionais do recorrente não tinham uma origem médica. De qualquer forma, o relatório desse médico não demonstrou a existência de uma ligação entre a perturbação da personalidade que observou no recorrente e as suas insuficiências profissionais. O Parlamento considera poder daí deduzir que, mesmo na presença da perturbação da personalidade diagnosticada, o recorrente estava em condições de exercer correctamente o seu trabalho.

58      O Parlamento acrescenta que os erros cometidos pelo recorrente no exercício das suas funções eram de uma gravidade e de uma frequência tais que dificultavam o bom funcionamento do serviço. A sua conduta ofensiva no serviço e, em particular, a sua recusa categórica de trabalhar com os seus colegas de uma certa nacionalidade ou origem étnica impossibilitaram toda e qualquer colaboração.

59      O Parlamento contesta a interpretação feita da acta da reunião de 5 de Novembro de 2008, referida no n.° 24, supra. Apenas foi sugerido, nessa reunião, que se seguisse de muito perto o trabalho e o comportamento do recorrente no serviço, e que se tomasse nota de todos os pormenores que pudessem ajudar o notador final na tomada da sua decisão sobre o futuro profissional do recorrente. Foi também salientado que tinham sido feitos todos os esforços possíveis para oferecer, caso necessário, ajuda psicológica ao recorrente, mas que este negara sempre ter tais problemas e recusara qualquer ajuda. Segundo o Parlamento, de modo nenhum resulta da acta que nessa reunião se tenha afirmado que razões de ordem médica podiam estar na origem das dificuldades profissionais observadas no recorrente desde a sua titularização e que ele «tinha necessidade de ajuda psicológica».

60      O Parlamento tem dúvidas quanto à afirmação do recorrente segundo a qual estivera reticente em reconhecer que tinha problemas de ordem psicológica, uma vez que segundo o médico assistente do Parlamento, seguia um tratamento, junto de um médico psiquiatra, pelo que devia necessariamente estar consciente do facto de ter problemas de ordem psiquiátrica que podia ter mencionado no procedimento de aperfeiçoamento.

61      O Parlamento contesta, por fim, a relevância do parecer da comissão. Salienta que a comissão não é composta por médicos e que o seu parecer foi emitido em 14 de Maio de 2009. Ora, em Maio de 2009, a AIPN podia basear‑se nas conclusões do médico assistente do Parlamento formuladas alguns meses antes, em Novembro de 2008, após exame nessa mesma altura do recorrente, e segundo as quais não existia qualquer anomalia do ponto de vista médico.

 Apreciação do Tribunal

62      O recorrente defende, no essencial, que, ao continuar o procedimento de tratamento da insuficiência profissional até à adopção da decisão impugnada, quando vários sinais permitiam detectar, ao longo do procedimento, que os seus problemas profissionais podiam ser de origem médica, o Parlamento não observou o dever de solicitude previsto no artigo 24.° do Estatuto e no artigo 8.° da regulamentação interna. O recorrente precisa que o dever de solicitude impõe à administração, no caso dos funcionários nos quais foram detectados sinais de perturbações psicológicas, uma obrigação positiva de contactar um médico.

63      A este propósito, há que entender o primeiro fundamento suscitado pelo recorrente como sendo relativo, essencialmente, à não observância do dever de solicitude, como concretizado nomeadamente no artigo 8.° da regulamentação interna, sem que haja necessariamente que interrogar‑se sobre o alcance da obrigação de assistência nos termos do artigo 24.° do Estatuto propriamente dito.

64      Importa lembrar, a título liminar, que o conceito de dever de solicitude da administração, como desenvolvido pela jurisprudência, reflecte o equilíbrio dos direitos e obrigações recíprocos que o Estatuto criou nas relações entre a autoridade pública e os agentes do serviço público. Este equilíbrio implica nomeadamente que, quando decide a propósito da situação de um funcionário, a administração tome em consideração todos os elementos que são susceptíveis de determinar a sua decisão e que, ao fazê‑lo, tenha em conta não apenas o interesse do serviço mas também o do funcionário em causa (acórdãos do Tribunal de Justiça de 28 de Maio de 1980, Kuhner/Comissão, 33/79 e 75/79, Recueil, p. 1677, n.° 22, e de 29 de Junho de 1994, Klinke/Tribunal de Justiça, C‑298/93 P, Colect., p. I‑3009, n.° 38).

65      O dever de solicitude impõe à administração, quando existam dúvidas quanto à origem médica das dificuldades experimentadas por um funcionário no exercício das tarefas que lhe incumbem, desenvolver todas as diligências para dissipar essas dúvidas antes da adopção de uma decisão de demissão do referido funcionário (v., por analogia, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 26 de Fevereiro de 2003, Latino/Comissão, T‑145/01, ColectFP, pp. I‑A‑59 e II‑337, n.° 93).

66      Esta exigência reflecte‑se na própria regulamentação interna uma vez que o artigo 8.° da referida regulamentação prevê que incumbe ao notador final, em certas circunstâncias, recorrer ao serviço médico do Parlamento se tem conhecimento de factos susceptíveis de revelar que o comportamento censurado ao funcionário podia ter origem médica.

67      Além disso, as obrigações que o dever de solicitude impõe à administração são substancialmente reforçadas quando está em causa a situação particular de um funcionário cuja saúde mental suscita dúvidas que, por conseguinte, são extensivas à sua capacidade para defender, de modo adequado, os seus próprios interesses (v., neste sentido, acórdão do Tribunal da Função Pública de 13 de Dezembro de 2006, de Brito Sequeira Carvalho/Comissão, F‑17/05, ColectFP, pp. I‑A‑1‑149 e II‑A‑1‑577, n.° 72). Assim acontece, por maioria de razão, quando, como no caso em apreço, o funcionário interessado está sob ameaça de demissão e, portanto, numa situação de vulnerabilidade.

68      No caso em apreço, resulta da acta da reunião de 5 de Novembro de 2008 relativa à integração do recorrente na Unidade «X», de que o chefe de unidade e o director‑geral foram destinatários, que o recorrente manifestava boa vontade, mas que tinha problemas de comunicação com os seus colegas, que estava isolado no serviço devido ao seu comportamento e que o chefe da unidade em causa receava que esse comportamento deteriorasse, a longo prazo, a atmosfera no serviço. Era também indicado nessa acta que tinham sido desenvolvidos todos os esforços para oferecer ao recorrente assistência psicológica — por parte de um médico ou de um assistente social — caso fosse necessária, mas que este negara ter problemas e declinara qualquer ajuda.

69      Além disso, a comissão tinha sido consultada sobre a proposta de demissão do recorrente. No parecer que emitiu em 14 de Maio de 2009, a comissão concluía que o recorrente não estava em condições de exercer de modo satisfatório as tarefas profissionais que lhe estavam atribuídas e de trabalhar num ambiente multicultural como o do Parlamento. Concluía também que a administração devia investigar se a inadaptação profissional do recorrente se devia a razões médicas. Por fim, aprovava a proposta de demissão na medida em que se demonstrasse que a inadaptação profissional do recorrente não era imputável a razões médicas ou na medida em que o recorrente recusasse realizar os exames médicos necessários para afastar a origem médica das suas dificuldades profissionais.

70      Importa observar que uma grande parte do conteúdo do parecer era consagrado à questão da ligação eventual entre as dificuldades profissionais do recorrente e o seu estado de saúde mental.

71      Assim, a comissão indicava no parecer que um certo número de pessoas que tinham trabalhado com o recorrente lhe tinham feito saber que alimentavam dúvidas quanto ao seu estado mental, tendo a própria comissão tido a nítida impressão, ao ouvi‑lo, que ele se encontrava num estado mental instável ou perturbado.

72      A comissão indicava também no parecer que as audições a que tinha procedido tinham revelado uma opinião convergente dos superiores hierárquicos do recorrente, opinião segundo a qual este tinha, pouco tempo depois da sua titularização, começado a manifestar comportamentos inabituais, incluindo, nomeadamente, crises periódicas de atitude anti‑social relativamente aos seus colegas e recusa de executar as tarefas que lhe incumbiam, sem razões aparentes ou por motivos excêntricos, ou ainda surtos de riso inconvenientes.

73      Além disso, o parecer da comissão pôs em evidência vários factos: a DG «Tradução e edição» tinha contactado o serviço médico do Parlamento em Agosto de 2008 e este tinha proposto uma consulta ao recorrente para examinar os «sinais de uma eventual depressão» que ele já tinha revelado em Dezembro de 2006, mas o recorrente não respondeu a esse convite; a DG «Tradução e edição» tinha então pedido aos serviços sociais do Parlamento que interviessem, mas estes tinham‑se deparado com uma recusa por parte do recorrente. Resulta também dos autos que tinha sido proposta ao recorrente, quando trabalhava, em fins de 2008, na Unidade «X», assistência psicológica por parte, nomeadamente, de um médico, mas que ele tinha recusado qualquer ajuda.

74      Na verdade, incumbe à administração velar para que os funcionários ou agentes não se aproveitem abusiva ou fraudulentamente dos direitos que retiram do Estatuto, em particular, a título da cobertura do risco de invalidez.

75      Todavia, perante o exposto, há que concluir que a administração dispunha, desde finais de 2008 e, pelo menos, em Maio de 2009, quando a comissão emitiu o parecer, de elementos suficientes que permitiam admitir que o comportamento censurado ao recorrente podia ser imputado a razões de ordem médica. Incumbia‑lhe, nessas circunstâncias, antes da adopção da decisão impugnada, desenvolver todas as diligências para se assegurar de que não era esse o caso.

76      Ora, o Parlamento limitou‑se a afirmar, em sua defesa, que, no momento em que a decisão impugnada foi adoptada, a administração dispunha de elementos que lhe permitiam considerar que as dificuldades profissionais do recorrente não tinham origem médica.

77      No máximo, o Parlamento socorre‑se da apreciação da sua assistente social, após a visita efectuada em Setembro de 2008 ao local de trabalho do recorrente, e do seu médico assistente que, na consulta de 20 de Novembro de 2008, não observou qualquer anomalia de ordem médica.

78      No entanto, a apreciação de uma assistente social, que não dispõe das competências médicas necessárias, não pode permitir à administração afastar todas as dúvidas quanto à origem médica das dificuldades profissionais experimentadas por um dos seus agentes.

79      Quanto ao «exame» do médico assistente do Parlamento em 20 de Novembro de 2008, o único elemento apresentado nos autos relativo a este «exame» é uma carta de 27 de Outubro de 2009 em que é indicado:

«Tive esta reunião com [o recorrente] na presença da assistente social para estender a investigação também aos aspectos sociais com que [o recorrente] se podia deparar. [Não] se passou nada de particular na reunião.»

80      Ora, não resulta desta carta que o médico assistente do Parlamento, que não é, aliás, psiquiatra, tenha feito um diagnóstico na sequência da reunião, ou tenha retirado conclusões, depois da entrevista, sobre a eventual origem médica das dificuldades profissionais experimentadas pelo recorrente ; com efeito, o médico assistente limita‑se a referir o desenrolar da reunião e a ausência de incidentes nessa ocasião.

81      Os elementos que o Parlamento alega não parecem, portanto, suficientemente convincentes.

82      Sobretudo, o Parlamento não refere qualquer diligência da administração entre o momento em que teve conhecimento do parecer da comissão e a adopção da decisão impugnada.

83      Ora, impunham‑se diligências destinadas a determinar se as dificuldades profissionais do recorrente eram de origem médica particularmente nesta fase do procedimento, na medida em que era recomendado pela comissão e esta, que tinha podido examinar de forma aprofundada a situação do recorrente, mencionava expressamente a possibilidade de uma ligação entre as suas dificuldades profissionais e as sua saúde mental.

84      Além disso, à luz do parecer, as reiteradas recusas opostas pelo recorrente a qualquer oferta de assistência podiam razoavelmente ser interpretadas no caso em apreço, pela administração, como uma possível negação do reconhecimento de que sofria de perturbações mentais e, portanto, como o sinal de que não era capaz, devido à sua saúde, de defender os seus próprios interesses de forma adequada. A circunstância de ser seguido por um psiquiatra, longe de demonstrar que estava em condições de reconhecer a existência das suas perturbações metais, era antes susceptível de justificar que o Parlamento fizesse prova de maior circunspecção.

85      Como foi atrás referido, quando um funcionário não é capaz de agir por sua própria conta e de apreciar a própria existência da sua doença, essa situação pode implicar, sendo caso disso, uma obrigação positiva da instituição, sobretudo quando, como no caso em apreço, o funcionário em causa se encontra sob a ameaça de demissão e, portanto, em situação de vulnerabilidade. Por conseguinte, neste contexto particular, incumbia à administração insistir junto do recorrente para que este aceitasse realizar um exame médico complementar, nomeadamente recorrendo ao direito da instituição de fazer examinar o funcionário pelo médico assistente, com base no artigo 59.°, n.° 5, do Estatuto, que permite a colocação em situação de interrupção de serviço do funcionário quando o seu estado de saúde o exige.

86      Ora, o Parlamento não demonstra, nem sequer alega, que, no contexto particular recordado no número anterior, tenham sido feitos esforços específicos — depois de ter tido conhecimento do parecer da comissão — para convencer o recorrente a fazer‑se examinar por um médico. A decisão impugnada, aliás, nada diz a este respeito, apesar do parecer, e não contém qualquer razão que justifique a falta de investigação de ordem médica.

87      Esta falta de diligências relativamente ao recorrente é tanto mais inexplicável quanto, uma vez que a decisão impugnada já tinha sido tomada, o Parlamento, por intermédio do seu serviço médico, não hesitou, depois de o recorrente se ter apresentado nesse mesmo serviço, em encarregar, em Agosto de 2009, um médico psiquiatra de o examinar. Esta última decisão do Parlamento, tomada apenas um mês depois da decisão impugnada, confirma a necessidade que tinha de fazer examinar o recorrente por um médico especialista e, por conseguinte, demonstra as lacunas do procedimento que conduziram à demissão controvertida.

88      Ora, tal exame médico do recorrente devia ter tido lugar antes da adopção da decisão de demissão em causa, que podia, sendo caso disso, ter sido justificada se o médico assim consultado tivesse efectivamente afastado qualquer razão médica susceptível de estar na origem do comportamento censurado ao recorrente.

89      Tendo em conta o exposto e sem que tenha havido que decidir sobre a admissibilidade da prova apresentada em 27 de Abril de 2010 pelo recorrente, há que declarar que o Parlamento não desenvolveu todas as diligências para afastar a dúvida que existia quanto à origem médica das dificuldades profissionais do recorrente, não observando assim o dever de solicitude e, logo, o artigo 8.° da regulamentação interna.

90      Assim, e sem que haja que analisar os outros fundamentos invocados pelo recorrente, há que considerar procedente o primeiro fundamento e, por conseguinte, anular a decisão impugnada.

 Quanto ao pedido de indemnização

91      O recorrente pede, a título de reparação do prejuízo moral que considera ter sofrido, o pagamento do montante de 15 000 euros.

92      O Parlamento salienta que o recorrente não precisa, de modo nenhum, em que consiste o dano que terá sofrido e considera, por conseguinte, o seu pedido inadmissível.

93      A título subsidiário, considera que o recorrente não demonstrou a ilegalidade dos comportamentos censurados.

94      A este propósito, é dificilmente contestável que o comportamento ilegal do Parlamento, declarado no n.° 87, supra, tenha causado um prejuízo moral ao recorrente.

95      No entanto, a anulação de um acto ferido de ilegalidade, que opera ab initio, pode constituir, em si mesma, reparação adequada e, em princípio, suficiente da totalidade do prejuízo moral que esse acto pode ter causado (acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de Julho de 1987, Hochbaum e Rawes/Comissão, 44/85, 77/85, 294/85 e 295/85, Colect., p. 3259, n.° 22; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 9 de Novembro de 2004, Montalto/Conselho, T‑116/03, ColectFP, pp. I‑A‑339 e II‑1541, n.° 127, e de 6 de Junho de 2006, Girardot/Comissão, T‑10/02, ColectFP, pp. I‑A‑2‑129 e II‑A‑2‑609, n.° 131; acórdão do Tribunal da Função Pública de 8 de Maio de 2008, Suvikas/Conselho, F‑6/07, ColectFP, pp. I‑A‑1‑151 e II‑A‑1‑819, n.° 151), a menos que o recorrente demonstre ter sofrido um prejuízo moral destacável da ilegalidade que fundamenta a anulação e insusceptível de ser integralmente reparado por essa anulação (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Fevereiro de 1990, Culin/Comissão, C‑343/87, Colect., pp. I‑225, n.os 27 e 28).

96      No caso em apreço, o recorrente pôde experimentar sentimentos de injustiça, de frustração ou de insegurança, mas esse prejuízo foi reparado de modo adequado e suficiente através da anulação da decisão impugnada que o causou.

97      Importa, por conseguinte, negar provimento ao pedido de indemnização.

 Quanto às despesas

98      Nos termos do artigo 87.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, sem prejuízo de outras disposições do Capítulo VIII, Título II, do referido regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas, se a parte vencedora o tiver requerido. Por força do disposto no n.° 2 do mesmo artigo, o Tribunal pode decidir, quando razões de equidade o exijam, que uma parte vencida seja condenada apenas parcialmente nas despesas, ou mesmo que não seja condenada nas despesas.

99      Resulta dos fundamentos do presente acórdão que o Parlamento é a parte vencida. Por outro lado, o recorrente pediu expressamente que o Parlamento fosse condenado nas despesas. Não justificando as circunstâncias do caso em apreço a aplicação das disposições do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, deve, por conseguinte, condenar‑se o Parlamento nas despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DA FUNÇÃO PÚBLICA (Segunda Secção)

decide:

1)      A decisão do Parlamento Europeu, de 6 de Julho de 2009, de demissão de U, é anulada.

2)      É negado provimento ao recurso quanto ao restante.

3)      O Parlamento é condenado na totalidade das despesas.

Tagaras

Van Raepenbusch

Rofes i Pujol

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 28 de Outubro de 2010.

O secretário

 

       O presidente

W. Hakenberg

 

       H. Tagaras

O texto da presente decisão bem como das decisões das jurisdições da União Europeia nela citadas estão disponíveis no sítio internet www.curia.europa.eu


* Língua do processo: francês.