Language of document : ECLI:EU:T:2018:787

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Nona Secção Alargada)

15 de novembro de 2018 (*)

«Auxílios de Estado — Disposições relativas ao imposto sobre as sociedades que permitem às empresas com domicílio fiscal em Espanha amortizar o goodwill resultante de aquisições de participações em sociedades com domicílio fiscal no estrangeiro — Decisão que declara o auxílio incompatível com o mercado interno e ordena a sua recuperação — Conceito de auxílio de Estado — Seletividade — Sistema de referência — Derrogação — Diferença de tratamento — Justificação da diferença de tratamento — Empresas beneficiárias da medida — Confiança legítima»

No processo T‑399/11 RENV,

Banco Santander, SA, com sede em Santander (Espanha),

Santusa Holding, SL, com sede em Boadilla del Monte (Espanha),

representadas por J. Buendía Sierra, E. Abad Valdenebro, R. Calvo Salinero e A. Lamadrid de Pablo, advogados,

recorrentes,

apoiadas por:

República Federal da Alemanha, representada por T. Henze, na qualidade de agente,

por

Irlanda, representada inicialmente por G. Hodge e E. Creedon e, em seguida, por G. Hodge e M. Browne, na qualidade de agentes,

e por

Reino de Espanha, representado por M. Sampol Pucurull, na qualidade de agente,

intervenientes,

contra

Comissão Europeia, representada por R. Lyal, B. Stromsky, C. Urraca Caviedes e P. Němečková, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objeto, com base no artigo 263.o TFUE, um pedido de anulação do artigo 1.o, n.o 1, e do artigo 4.o da Decisão 2011/282/UE da Comissão, de 12 de janeiro de 2011, relativa à amortização para efeitos fiscais do goodwill financeiro, em caso de aquisição de participações em empresas estrangeiras n.o C 45/07 (ex NN 51/07, ex CP 9/07) aplicada pela Espanha (JO 2011, L 135, p. 1),

O TRIBUNAL GERAL (Nona Secção Alargada),

composto por: S. Gervasoni (relator), presidente, L. Madise, R. da Silva Passos, K. Kowalik‑Bańczyk e C. Mac Eochaidh, juízes,

secretário: X. Lopez Bancalari, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 31 de janeiro de 2018,

profere o presente

Acórdão

I.      Antecedentes do litígio

1        Em 10 de outubro de 2007, no seguimento de várias perguntas escritas que lhe tinham sido colocadas ao longo de 2005 e 2006 por membros do Parlamento Europeu e no seguimento de uma denúncia de um operador privado de que tinha sido destinatária em 2007, a Comissão das Comunidades Europeias decidiu dar abertura ao procedimento formal de investigação, previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE, a respeito do normativo do artigo 12.o, n.o 5, introduzido na Ley del Impuesto sobre Sociedades (Lei do imposto sobre as sociedades) pela Ley 24/2001, de Medidas Fiscales, Administrativas y del Orden Social (Lei 24/2001, que aprova medidas fiscais, administrativas e de ordem social), de 27 de dezembro de 2001 (BOE n.o 313, de 31 de dezembro de 2001, p. 50493), e reproduzido pelo Real Decreto Legislativo 4/2004, por el que se aprueba el texto refundido da Ley del Impuesto sobre Sociedades (Real Decreto Legislativo 4/2004, que aprova o texto codificado da Lei do imposto sobre as sociedades), de 5 de março de 2004 (BOE n.o 61, de 11 de março de 2004, p. 10951, a seguir «medida controvertida» ou «regime controvertido»).

2        A medida controvertida dispõe que, nos casos de aquisição de participações de uma empresa tributada em Espanha numa «sociedade estrangeira», quando essa aquisição de participações seja pelo menos de 5 % e a participação em causa seja detida de forma ininterrupta pelo menos durante um ano, o goodwill financeiro (v., adiante, n.os 65 e 67) daí resultante pode ser deduzido, sob a forma de amortização, da matéria coletável do imposto sobre as sociedades devido pela empresa. A medida controvertida precisa que, para ser qualificada de «sociedade estrangeira», uma sociedade deve estar sujeita a um imposto idêntico ao imposto aplicável em Espanha e os seus rendimentos têm que provir essencialmente do exercício de atividades no estrangeiro.

3        Por ofício de 5 de dezembro de 2007, a Comissão recebeu as observações do Reino de Espanha sobre a decisão de abertura do procedimento formal de investigação (a seguir «decisão de abertura»). Entre 18 de janeiro de e 16 de junho de 2008, a Comissão recebeu igualmente as observações de 32 terceiros interessados. Por ofícios de 30 de junho de 2008 e 22 de abril de 2009, o Reino de Espanha apresentou os seus comentários às observações dos terceiros interessados.

4        Em 18 de fevereiro de 2008, 12 de maio e 8 de junho de 2009, realizaram‑se reuniões técnicas com as autoridades espanholas. Realizaram‑se igualmente reuniões técnicas com alguns dos 32 terceiros interessados.

5        Por ofício de 14 de julho de 2008 e por correio eletrónico de 16 de junho de 2009, o Reino de Espanha enviou informações adicionais à Comissão.

6        A Comissão encerrou o procedimento, no que se refere às aquisições de participações ocorridas no interior da União Europeia, com a sua Decisão 2011/5/CE, de 28 de outubro de 2009, relativa à amortização para efeitos fiscais da diferença relativamente ao valor do património (financial goodwill), em caso de aquisição de participações em empresas estrangeiras Processo C‑45/07 (ex NN 51/07, ex CP 9/07) aplicada pela Espanha (JO 2011, L 7, p. 48, a seguir «decisão de 28 de outubro de 2009»).

7        A Comissão declarou incompatível com o mercado interno o regime controvertido, que consiste numa vantagem fiscal que permite às sociedades espanholas amortizar o goodwill resultante da aquisição de participações em empresas estrangeiras, quando aplicado a aquisições de participações em sociedades estabelecidas na União.

8        A Comissão manteve, porém, aberto o procedimento no que respeita às aquisições de participações realizadas fora da União, uma vez que as autoridades espanholas se comprometeram a apresentar elementos adicionais relativos aos obstáculos às fusões transfronteiriças existentes fora da União por elas referidos.

9        O Reino de Espanha comunicou à Comissão informações relativas aos investimentos diretos efetuados por sociedades espanholas fora da União em 12, 16 e 20 de novembro de 2009 e em 3 de janeiro de 2010. A Comissão recebeu também as observações de vários terceiros interessados.

10      Em 27 de novembro de 2009, bem como em 16 e 29 de junho de 2010, realizaram‑se reuniões técnicas entre os serviços da Comissão e as autoridades espanholas.

11      Em 12 de janeiro de 2011, a Comissão adotou a Decisão 2011/282/UE, relativa à amortização para efeitos fiscais do goodwill financeiro, em caso de aquisição de participações em empresas estrangeiras n.o C 45/07 (ex NN 51/07, ex CP 9/07) aplicada pela Espanha (JO 2011, L 135, p. 1, a seguir «decisão recorrida»). Essa decisão, na sua versão publicada a 21 de maio de 2011 no Jornal Oficial da União Europeia, foi objeto de retificação em 3 de março de 2011. Foi objeto de segunda retificação, publicada no Jornal Oficial em 26 de novembro de 2011.

12      A decisão recorrida declara o regime controvertido incompatível com o mercado interno, no que respeita às aquisições de participações no exterior da União (artigo 1.o, n.o 1, da decisão recorrida). O artigo 4.o da mesma decisão prevê, designadamente, a recuperação dos auxílios concedidos pelo Reino de Espanha.

II.    Tramitação do processo e pedidos das partes

13      Por petição entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 29 de julho de 2011, as recorrentes, Banco Santander, SA, e Santusa Holding, SL, interpuseram recurso de anulação da decisão recorrida.

14      Por Acórdão de 7 de novembro de 2014, Banco Santander e Santusa/Comissão (T‑399/11, EU:T:2014:938), o Tribunal Geral deu provimento a esse recurso com base no facto de a Comissão ter feito uma aplicação errada do pressuposto da seletividade previsto no artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

15      Por outro lado, a Decisão de 28 de outubro de 2009 foi igualmente anulada pelo Tribunal Geral no seu Acórdão de 7 de novembro de 2014, Autogrill España/Comissão (T‑219/10, EU:T:2014:939).

16      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 19 de janeiro de 2015, a Comissão interpôs recurso do Acórdão de 7 de novembro de 2014, Banco Santander e Santusa/Comissão (T‑399/11, EU:T:2014:938). Esse recurso, registado sob o número C‑21/15 P, foi apensado ao recurso registado sob o número C‑20/15 P, que a Comissão tinha interposto do Acórdão de 7 novembro de 2014, Autogrill España/Comissão (T‑219/10, EU:T:2014:939).

17      As recorrentes, apoiadas pela República Federal da Alemanha, pela Irlanda e pelo Reino de Espanha, concluíram pela negação de provimento aos recursos de segunda instância.

18      Por Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o. (C‑20/15 P e C‑21/15 P, a seguir «Acórdão World Duty Free», EU:C:2016:981), o Tribunal de Justiça anulou o Acórdão de 7 de novembro de 2014, Banco Santander e Santusa/Comissão (T‑399/11, EU:T:2014:938), devolveu o processo ao Tribunal Geral e reservou para final a decisão quanto às despesas. O Tribunal de Justiça anulou igualmente o Acórdão de 7 de novembro de 2014, Autogrill España/Comissão (T‑219/10, EU:T:2014:939).

19      De acordo com o artigo 217.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, as partes principais apresentaram observações escritas em 2 de março de 2017 e o Reino de Espanha em 3 de março de 2017.

20      De acordo com o artigo 217.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, as partes principais e o Reino de Espanha apresentaram o seu articulado complementar de observações escritas em 24 de abril de 2017.

21      Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal Geral deu início à fase oral do processo.

22      Por decisão do presidente da Nona Secção Alargada do Tribunal Geral de 8 de dezembro de 2017, ouvidas as partes, o presente processo e o processo T‑219/10 RENV, World Duty Free Group/Comissão, foram apensados para efeitos da fase oral do processo, nos termos do artigo 68.o do Regulamento de Processo.

23      Na audiência de 31 de janeiro de 2018, foram ouvidas as alegações das partes.

24      As recorrentes concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular o artigo 1.o, n.o 1, da decisão recorrida, na parte em que declara que o regime controvertido comporta elementos de auxílio de Estado;

–        a título subsidiário, anular o artigo 1.o, n.o 1, da decisão recorrida, na parte em que declara que o regime controvertido comporta elementos de auxílio de Estado quando é aplicado a aquisições de participações que impliquem aquisição de controlo;

–        a título subsidiário, anular o artigo 4.o da decisão recorrida, na parte em que prevê a recuperação dos auxílios às operações efetuadas anteriormente à publicação da decisão recorrida no Jornal Oficial da União Europeia;

–        a título subsidiário, anular o artigo 1.o, n.o 1, da decisão recorrida e, ainda mais subsidiariamente, o seu artigo 4.o, na parte em que tenham por objeto operações realizadas nos Estados Unidos, México e Brasil;

–        condenar a Comissão nas despesas.

25      As recorrentes requerem igualmente que o Tribunal Geral ordene medidas de organização do processo para obter a comunicação de documentos por parte da Comissão.

26      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar as recorrentes nas despesas.

27      O Reino de Espanha conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        dar provimento ao recurso de anulação;

–        condenar a Comissão nas despesas.

III. Questão de direito

28      As recorrentes invocam três fundamentos de recurso, sendo o primeiro relativo à falta de seletividade da medida controvertida, o segundo a erro na identificação do beneficiário da medida controvertida e, o terceiro, a uma violação do princípio da proteção da confiança legítima.

A.      Quanto ao primeiro fundamento, relativo à falta de seletividade da medida controvertida

1.      Argumentos das partes

29      No primeiro fundamento, as recorrentes apresentam três alegações, a primeira, relativa à falta de seletividade prima facie da medida controvertida, a segunda, relativa a erro na identificação do sistema de referência (ou quadro de referência ou ainda regime comum ou normal) e, a terceira, relativa ao caráter justificado da medida controvertida à luz da natureza e do conjunto do sistema em que se insere.

30      No âmbito da primeira alegação, as recorrentes alegam, em substância, que o regime controvertido não tem caráter seletivo na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, pois o benefício que prevê é acessível a qualquer empresa. Indicam que a seletividade tida em consideração na decisão recorrida se baseia num raciocínio circular e tautológico segundo o qual só as empresas que beneficiam da medida controvertida podem dele beneficiar.

31      As recorrentes baseiam‑se igualmente a existência de dados estatísticos que permitem demonstrar o facto de a medida controvertida poder beneficiar empresas de diferentes dimensões e pertencentes a diferentes setores. Por último, baseiam‑se numa incoerência da Comissão à luz da sua própria prática.

32      No âmbito da segunda alegação, as recorrentes afirmam que, apesar de as empresas espanholas poderem sem dificuldade proceder a uma concentração com sociedades residentes, o que lhes permitiria então beneficiar de uma amortização do goodwill, deparam‑se com dificuldades que as impedem de proceder a uma concentração e, portanto, de beneficiar dessa amortização, nas operações respeitantes às sociedades não residentes, em particular nos Estados que não são membros da União. Consoante o tipo de operações em causa, as empresas estarão, portanto, em situações jurídicas e factuais diferentes. Entendem, assim, que não é possível considerar que a medida controvertida, que só é aplicável às aquisições de participações em sociedades não residentes, introduz uma derrogação a um regime fiscal comum ou normal, isto é, uma diferenciação entre operações que, à luz do objetivo prosseguido por esse regime, estão numa situação factual e jurídica comparável.

33      As recorrentes invocam a este respeito um certo número de acórdãos do Tribunal de Justiça. Alegam igualmente que a Comissão não explicou suficientemente por que razão não se poderia ter em conta um sistema de referência distinto, específico das aquisições de participações em sociedades não residentes.

34      Segundo as recorrentes, apesar de a Comissão ter admitido na Decisão de 28 de outubro de 2009 uma diferença de situações entre as aquisições de participações em sociedades residentes e as aquisições de participações em sociedades não residentes, já não a reconheceu na decisão recorrida. As recorrentes salientam a incoerência da Comissão e invocam assim, em substância, a inobservância do princípio da proteção da confiança legítima. As recorrentes pedem a esse respeito que se proceda a uma troca de correspondência entre a Comissão e o Reino de Espanha.

35      As recorrentes afirmam estar demonstrada a existência de obstáculos jurídicos às concentrações de empresas com sociedades não residentes. A esse respeito, criticam as apreciações feitas pela Comissão sobre a situação das fusões nos Estados Unidos, no Brasil, no México e no Japão. Afirmam que a conclusão a que chega a Comissão a esse respeito não está suficientemente fundamentada.

36      Criticam a Comissão por só ter tido em conta os obstáculos jurídicos expressos.

37      Acusam igualmente a Comissão de só ter analisado a situação de certos países, mesmo apesar de o Reino de Espanha ter pedido expressamente à Comissão que examinasse a situação de cada um dos países referidos nos estudos apresentados no procedimento formal de investigação.

38      No âmbito da terceira alegação, as recorrentes afirmam, a título subsidiário, que a derrogação introduzida pela medida controvertida é, de qualquer forma, justificada pela lógica do sistema fiscal espanhol. Com efeito, a medida controvertida permite assegurar uma neutralidade fiscal entre as operações de aquisições de participações em sociedades residentes e as operações de aquisições de participações em sociedades não residentes.

39      A esse respeito, as recorrentes invocam a prática decisória da Comissão.

40      As recorrentes criticam igualmente o raciocínio da Comissão de que a medida controvertida apresenta um caráter desproporcionado e demasiado impreciso. Segundo as recorrentes, a medida controvertida era aplicada, corretamente, quando se atingia o limiar de 5 % de participação. De qualquer forma, a Comissão deveria ter declarado, como expressamente lhe tinha pedido o Reino de Espanha, que a medida controvertida não era seletiva quanto às aquisições de participações maioritárias. Invocam a esse respeito vários acórdãos e uma carta do membro da Comissão responsável pela concorrência na qual este dava o seu parecer sobre a possibilidade de manter o regime controvertido.

41      O Reino de Espanha indica que o objetivo da medida controvertida é assegurar o respeito do princípio da neutralidade fiscal. Segundo esse princípio, os efeitos fiscais de um mesmo investimento devem ser idênticos.

42      O Reino de Espanha entende que a medida controvertida não tem nenhuma relação com o «princípio da competitividade».

43      Salienta igualmente que a vantagem conferida pela medida controvertida é acessível a qualquer empresa, qualquer que seja a sua atividade.

44      Acrescenta que a medida controvertida se limita a assegurar a recuperação de um investimento ao permitir que o custo desse investimento seja deduzido no momento da avaliação do montante sujeito a imposto.

45      O Reino de Espanha afirma que a Comissão não teve em conta os obstáculos jurídicos e práticos às concentrações transfronteiriças, mesmo apesar de ele lhe ter assinalado essas dificuldades no procedimento formal de investigação. Acrescenta que os obstáculos em causa existiam no momento em que a medida controvertida entrou em vigor e que não foram removidos, mesmo no interior da União, apesar da posterior aprovação de regulamentação na matéria.

46      O Reino de Espanha alega que a Comissão não procedeu a um exame rigoroso da situação jurídica e factual quanto aos obstáculos às fusões transfronteiriças. Indica que a Comissão dispunha de abundante documentação que lhe tinha fornecido. Afirma que a existência de obstáculos foi admitida pelo membro da Comissão responsável pela concorrência no âmbito de uma troca de correspondência com a Administração nacional espanhola. Esses obstáculos não podem ser limitados aos obstáculos jurídicos expressos.

47      O Reino de Espanha alega que está demonstrada a existência de obstáculos jurídicos, mas igualmente económicos e práticos às concentrações transfronteiriças. Critica em particular o raciocínio seguido pela Comissão no respeitante aos Estados Unidos, ao México e ao Brasil.

48      A Comissão contrapõe que a análise do caráter seletivo efetuada na decisão recorrida é conforme com a jurisprudência, dado que parte da definição do quadro de referência pertinente e prossegue observando que existe uma exceção criada pela medida controvertida. A Comissão entende, nas suas observações apresentadas sobre o Acórdão World Duty Free, que a sua análise foi confirmada por esse acórdão.

49      Segundo a Comissão, mesmo embora o sistema de referência tido em conta se limitasse unicamente às aquisições de participações em sociedades não residentes, certas situações sem nenhuma semelhança significativa não deixariam de beneficiar da vantagem prevista na medida controvertida, uma vez que esse sistema de referência se aplicaria também a aquisições de participações minoritárias.

50      A Comissão acrescenta que a medida controvertida se aplica às participações minoritárias que não têm relação com as concentrações de empresas.

51      Por outro lado, a medida controvertida não tem nenhuma relação com a possibilidade de agrupar empresas, em particular no que respeita às empresas que adquirem participações minoritárias em sociedades não residentes.

52      Acresce que, segundo a Comissão, basta não se demonstrar a presença de obstáculos à concentração transfronteiriça em certos países para se poder conformar a legalidade da decisão recorrida.

53      A Comissão indica, por outro lado, que as recorrentes não podem invocar a inobservância do princípio da proteção da confiança legítima.

54      A Comissão indica igualmente que a medida controvertida não é justificada pela lógica do sistema fiscal espanhol. Em particular, baseia‑se no facto de, para amortizar o goodwill nos casos de operações nacionais, ter que existir necessariamente uma concentração de empresas, ao passo que, nas operações transfronteiriças, a medida controvertida se aplica a partir de uma simples aquisição de participações de 5 % na empresa não residente.

55      A Comissão lembra igualmente que, no regime normal, a amortização do goodwill em aquisições de participações de apenas 5 % só é possível se essas aquisições de participações forem acompanhadas de uma concentração de empresas. Isso tem a consequência de uma empresa que realiza uma aquisição de participações pelo menos de 5 % numa sociedade residente, mas que não se pode fundir com ela (por exemplo, por não ter suficientes participações), não poderá beneficiar da amortização do goodwill. Pelo contrário, uma empresa que, de forma análoga, adquira participações numa sociedade não residente e também não se possa fundir com ela (por não ter suficientes participações) poderá beneficiar da medida controvertida e assim amortizar o goodwill.

56      A Comissão precisa que, contrariamente ao que, em seu entender, se afirma na petição, as autoridades espanholas não pediram à Comissão que declarasse que não existe auxílio nos casos em que a medida controvertida foi aplicada a participações maioritárias.

2.      Apreciação do Tribunal Geral

57      A título preliminar, há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a qualificação de uma medida nacional de «auxílio de Estado», na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, exige que estejam preenchidos todos os seguintes pressupostos. Primeiro, deve tratar‑se de uma intervenção do Estado ou com recursos estatais. Segundo, essa intervenção deve ser suscetível de afetar as trocas comerciais entre os Estados‑Membros. Terceiro, deve conceder uma vantagem seletiva ao seu beneficiário. Quarto, deve falsear ou ameaçar falsear a concorrência (v. Acórdão World Duty Free, n.o 53 e jurisprudência aí referida).

58      No que respeita ao pressuposto da seletividade da vantagem, que é constitutivo do conceito de «auxílio de Estado», na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, resulta de jurisprudência igualmente constante do Tribunal de Justiça que a apreciação desse pressuposto impõe que se determine se, no âmbito de um dado regime jurídico, a medida nacional em causa é suscetível de favorecer «certas empresas ou certas produções» face a outras, que, face ao objetivo prosseguido por esse regime, estão numa situação factual e jurídica comparável e que desse modo sofrem um tratamento diferenciado que, em substância, pode ser qualificado de discriminatório (v. Acórdão World Duty Free, n.o 54 e jurisprudência aí referida).

59      Além disso, quando a medida em causa é encarada como um regime de auxílio e não como um auxílio individual, cabe à Comissão demonstrar que essa medida, ainda que preveja uma vantagem de alcance geral, confere o seu benefício exclusivo a certas empresas ou a certos setores de atividade (v. Acórdão World Duty Free, n.o 55 e jurisprudência aí referida).

60      No tocante, em especial, a medidas nacionais que conferem um benefício fiscal, há que recordar que uma medida desta natureza que, embora não inclua uma transferência de recursos do Estado, coloca os beneficiários numa situação mais favorável do que a dos outros contribuintes é suscetível de proporcionar uma vantagem seletiva aos beneficiários e constitui, por conseguinte, um auxílio de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE. Em contrapartida, não constitui tal auxílio na aceção dessa disposição um benefício fiscal que resulta de uma medida geral indistintamente aplicável a todos os operadores económicos (v. Acórdão World Duty Free, n.o 56 e jurisprudência aí referida).

61      Neste contexto, para qualificar uma medida fiscal nacional de «seletiva», a Comissão deve, numa primeira fase, identificar o regime fiscal «comum ou normal» aplicável no Estado‑Membro em causa e, numa segunda fase, demonstrar que a medida fiscal em causa constitui uma derrogação ao referido regime comum, na medida em que introduz diferenciações entre operadores económicos que, à luz do objetivo prosseguido por esse regime comum, se encontram numa situação factual e jurídica comparável (v. Acórdão World Duty Free, n.o 57 e jurisprudência aí referida).

62      O conceito de «auxílio de Estado» não visa, porém, as medidas que introduzem uma diferenciação entre empresas que, à luz do objetivo prosseguido pelo regime jurídico em causa, se encontram numa situação factual e jurídica comparável e, por conseguinte, sejam, a priori, seletivas, quando o Estado‑Membro em causa conseguir demonstrar que essa diferenciação é justificada por resultar da natureza ou da estrutura do sistema em que as referidas medidas se inserem (v. Acórdão World Duty Free, n.o 58 e jurisprudência aí referida).

63      É, pois, no termo de um método em três etapas, conforme acima apresentado nos n.os 61 e 62, que é possível concluir que uma medida fiscal nacional tem caráter seletivo.

64      Ainda a título preliminar, há que retomar igualmente os fundamentos da decisão recorrida com base nos quais a Comissão concluiu pelo caráter seletivo da medida controvertida.

65      Antes de mais, há que precisar que o goodwill é definido na decisão recorrida como o valor do bom nome comercial, das boas relações com os clientes, das qualificações dos trabalhadores e de outros fatores semelhantes que venham a traduzir‑se, no futuro, em receitas superiores às aparentemente previsíveis (considerando 27 da decisão recorrida). Traduz‑se na diferença contabilística entre o custo de aquisição e o valor de mercado dos ativos que constituem a atividade adquirida ou detida pela empresa resultante da concentração (considerando 123 da decisão recorrida). Quando a aquisição de uma sociedade se faz por meio da aquisição das suas ações, o goodwill corresponde à diferença entre o preço pago pela aquisição de participações numa sociedade e o valor de mercado dos ativos que fazem parte dessa sociedade, diferença essa que deve ser na contabilidade da empresa adquirente como ativo incorpóreo distinto, logo que essa empresa assuma o controlo da empresa adquirida (considerando 27 da decisão recorrida).

66      No considerando 28 da decisão recorrida, indica‑se que, de acordo com os princípios fiscais espanhóis, com exceção da medida controvertida, o goodwill só pode ser amortizado no caso de «concentração de empresas», isto é, segundo uma aceção lata dessa expressão, tanto no seguimento de uma aquisição ou de uma contribuição através dos ativos detidos por empresas independentes, ou ainda de uma operação de fusão ou cisão.

67      O goodwill financeiro é definido na decisão recorrida como equivalente ao goodwill que teria sido lançado na contabilidade da empresa adquirente em caso de concentração dessa empresa adquirente e da empresa adquirida. Assim, segundo a Comissão, o conceito de goodwill financeiro a que se refere a medida controvertida introduz, no domínio das aquisições de participações, um conceito geralmente utilizado nas operações de concentração de empresas (considerando 29 da decisão recorrida).

68      Na decisão recorrida, a Comissão considerou que o quadro ou sistema de referência relevante era o regime geral espanhol do imposto sobre as sociedades, em particular, as regras relativas ao tratamento fiscal do goodwill financeiro definidas nesse regime fiscal (considerando 118 da decisão recorrida). Acrescentou que confirmava assim o sistema de referência tido em conta na Decisão de 28 de outubro de 2009. Ora, no considerando 89 desta última decisão, tinha esclarecido que «a medida em questão dev[ia] ser avaliada à luz das disposições gerais do sistema de tributação das sociedades aplicáveis às situações em que a existência de goodwill d[esse] origem a um benefício fiscal […] porque […] considera[va] que as situações em que a diferença relativamente ao valor do património (financial goodwill) pod[ia] ser amortizada não abrang[iam] todos os tipos de contribuintes numa situação factual e jurídica semelhante». A Comissão entendeu assim que o quadro de referência não se podia limitar ao tratamento fiscal do goodwill financeiro instituído pela medida controvertida, uma vez que essa medida só beneficiava as aquisições de participações em sociedades não residentes, e que, portanto, eram as disposições gerais do regime do imposto sobre as sociedades relativas à amortização fiscal do goodwill (a seguir «tratamento fiscal do goodwill») que constituíam o quadro de referência.

69      A Comissão indicou igualmente que, ao permitir que o goodwill que teria sido contabilizado se as empresas se tivessem agrupado surgisse mesmo sem concentração de empresas, a medida controvertida constituía uma exceção ao sistema de referência (considerando 124 da decisão recorrida), uma vez que este, por razões contabilísticas, só previa a amortização do goodwill no caso dessas concentrações (considerandos 28, 29 e 123 da decisão recorrida).

70      A Comissão acrescentou que a medida controvertida não podia ser considerada totalmente uma nova regra geral, uma vez que a amortização do goodwill resultante da simples aquisição de participações só era autorizada nos casos de aquisições de participações transfronteiriças e não nos casos de aquisições de participações nacionais. A medida controvertida introduzia assim, segundo a Comissão, uma diferença de tratamento entre as operações nacionais e as operações transfronteiriças (considerando 124 da decisão recorrida).

71      A Comissão prosseguiu referindo, no considerando 136 da decisão recorrida, que a medida controvertida não era necessária tendo em conta a lógica do sistema fiscal. Acrescentou que era igualmente desproporcionada. Refira‑se que a Comissão, no considerando 106 da decisão recorrida, já tinha salientado o caráter simultaneamente vago e impreciso, mas igualmente discriminatório, da medida controvertida.

72      A Comissão precisou que a medida controvertida levava a impor uma tributação diferente a empresas que se encontravam em situações comparáveis, pela única razão de algumas delas participarem em investimentos no estrangeiro (considerando 136 da decisão recorrida) e que levava também, pela sua aplicação inclusivamente a aquisições de participações minoritárias, a tratar situações diferentes de forma idêntica (considerando 139 da decisão recorrida).

73      A Comissão concluiu que o caráter de vantagem seletiva do regime fiscal em causa não era justificado pela natureza do sistema fiscal (considerando 140 da decisão recorrida).

74      Há que acrescentar que a Comissão verificou igualmente se existiam obstáculos jurídicos expressos às concentrações transfronteiriças em Estados que não eram membros da União (considerandos 113 a 120 da decisão recorrida).

75      A Comissão precisou que examinava a lei desses Estados terceiros unicamente com a finalidade de verificar as alegações das autoridades espanholas a respeito da existência de obstáculos às concentrações transfronteiriças. Salientou que esse exame de nenhuma forma constituía um reconhecimento de que esses obstáculos podiam justificar um sistema de referência diferente daquele que ela tinha tido em conta (considerando 113 da decisão recorrida).

76      Baseando‑se nesse exame, a Comissão concluiu que não havia nenhuma «razão para [se] desviar […] do sistema de referência da decisão de início do procedimento e da decisão [de 28 de outubro de 2009]» (considerando 118 da decisão recorrida).

77      Há que verificar se, em face de cada uma das três alegações das recorrentes, a Comissão podia concluir, com base na jurisprudência lembrada e nos fundamentos acima expostos, que a medida controvertida era seletiva.

a)      Quanto à falta de seletividade prima facie

78      No Acórdão de 7 de novembro de 2014, Banco Santander e Santusa/Comissão (T‑399/11, EU:T:2014:938), o Tribunal Geral, em substância, considerou que não era possível declarar que uma medida constitutiva de uma vantagem fiscal falseava a concorrência por favorecer certas empresas ou certas produções se essa vantagem fosse acessível a todas as empresas tributadas em imposto sobre as sociedades no Estado‑Membro que adotou a medida em causa. O Tribunal Geral entendeu que a vantagem conferida por uma medida fiscal nacional de alcance geral era acessível a qualquer empresa quando fosse impossível identificar uma categoria de empresas excluída do benefício da medida ou, seu corolário, uma categoria de empresas às quais estivesse reservado o benefício da medida (n.os 38 a 49, 56 e 83 a 85).

79      Ora, o Tribunal Geral considerou que a vantagem conferida pela medida controvertida era acessível a qualquer empresa sujeita a imposto sobre as sociedades em Espanha que optasse por adquirir participações em sociedades não residentes. Com efeito, o Tribunal Geral referiu que qualquer empresa podia proceder livremente a essa opção sem que, nomeadamente, o setor de atividade da empresa ou a sua dimensão a condicionassem a esse respeito e que uma mesma empresa podia, de forma sucessiva ou mesmo concomitante adquirir títulos de participação em sociedades residentes e em sociedades não residentes (Acórdão de 7 de novembro de 2014, Banco Santander e Santusa/Comissão, T‑399/11, EU:T:2014:938, n.os 57 a 65).

80      Com base nessa acessibilidade da medida controvertida, o Tribunal Geral, aplicando o raciocínio acima exposto no n.o 78, concluiu que a Comissão, para declarar que a medida controvertida era seletiva, não se podia limitar a referir que constituía uma exceção a um sistema de referência, que só tinha beneficiado as empresas que realizavam as operações nela previstas e que «visa[va] favorecer a exportação de capital».

81      No Acórdão World Duty Free, o Tribunal de Justiça invalidou o raciocínio acima exposto no n.o 78, entendendo que introduzia um pressuposto adicional, relativo à identificação de uma categoria particular de empresas que podiam ser distinguidas com base em propriedades específicas, que não podia ser deduzido da jurisprudência (v. n.os 69 a 71 e 78 do acórdão).

82      Com efeito, o Tribunal de Justiça considerou que um pressuposto de aplicação ou de obtenção de um auxílio fiscal podia estar na base do caráter seletivo desse auxílio se esse pressuposto levasse a fazer uma diferenciação entre empresas que, em face do objetivo prosseguido pelo regime comum que serve de quadro de referência, se encontrassem em situação factual e jurídica comparável e se, portanto, revelasse uma discriminação das empresas dele excluídas (Acórdão World Duty Free, n.o 86). O Tribunal de Justiça referiu igualmente que o facto de as empresas residentes, quando efetuam aquisições de participações em sociedades com domicílio fiscal em Espanha, não poderem obter a vantagem prevista na medida controvertida, podia permitir que se concluísse pelo caráter seletivo dessa medida (Acórdão World Duty Free, n.o 87).

83      Assim, a verificação da seletividade não resulta necessariamente de uma impossibilidade de certas empresas beneficiarem da vantagem prevista na medida em causa por causa de condicionalismos jurídicos, económicos ou práticos que as impedem de realizar a operação que condiciona a concessão dessa vantagem, podendo resultar apenas da verificação de que existe uma operação que, apesar de comparável àquela que condiciona a concessão da vantagem em causa, não dá direito a esta. Daí resulta que uma medida fiscal pode ser seletiva mesmo apesar de qualquer empresa poder livremente fazer a escolha de realizar a operação que condiciona a concessão da vantagem prevista nessa medida.

84      Deste modo se deu o destaque a um conceito de seletividade baseado na distinção entre empresas que optam por realizar certas operações e outras que optam por não as realizar, e não à distinção entre empresas tendo em conta as suas características específicas.

85      Deve, pois, o Tribunal Geral aplicar este raciocínio à medida controvertida.

86      Ora, não se pode deixar de observar que a medida controvertida dá vantagem às empresas tributadas em Espanha que optaram por adquirir participações em sociedades não residentes face às empresas tributadas em Espanha que optaram por adquirir participações em sociedades residentes.

87      Com efeito, as empresas tributadas em Espanha não podem, quando efetuam uma operação de aquisição de participações numa sociedade residente, obter, com base nessa operação, a vantagem prevista na medida controvertida.

88      Assim, quando uma empresa tributada em Espanha optou por adquirir participações numa sociedade não residente, está, então — no âmbito delimitado por essa operação — favorecida face a qualquer outra empresa, incluindo ela própria (v. n.o 79, supra), que optasse por proceder à aquisição de participações numa sociedade residente.

89      Resulta do exposto que uma medida fiscal nacional como a medida controvertida, que concede uma vantagem sujeita à realização de uma operação económica, pode ser seletiva incluindo quando, em face das características dessa operação, qualquer empresa pode livremente optar por realizar essa operação.

90      Improcede, pois, a primeira alegação das recorrentes, assente, em substância, no facto de qualquer empresa poder beneficiar da vantagem conferida pela medida controvertida, sem que seja necessário deferir os requerimentos de medidas de organização do processo apresentados pelas recorrentes a esse título, uma vez que essas medidas de destinam a permitir demonstrar que qualquer empresa pode beneficiar da vantagem conferida pela medida controvertida.

b)      Quanto à existência de uma derrogação

91      Com a sua segunda alegação, as recorrentes criticam a aplicação que a Comissão fez no caso presente das duas primeiras etapas do método acima referido nos n.os 61 e 62, no termo das quais é possível determinar se existe uma derrogação a um regime fiscal comum ou normal, isto é, uma diferenciação entre operações que, em face do objetivo prosseguido por esse regime, se encontram em situação factual e jurídica comparável. Contestam, em substância, os termos de comparação tidos em conta pela Comissão no âmbito dessas duas etapas.

92      Cabe, pois, ao Tribunal Geral apreciar se a Comissão aplicou corretamente as duas primeiras etapas do método de análise acima referido nos n.os 61 e 62, a saber, a identificação de um regime fiscal nacional comum (primeira etapa) e a verificação de uma derrogação desse regime fiscal (segunda etapa).

1)      Quanto à primeira fase.

93      Conforme acima referido no n.o 68, a Comissão tomou como quadro de referência na sua análise da seletividade o tratamento fiscal do goodwill e não circunscreveu esse quadro unicamente ao tratamento fiscal do goodwill financeiro. Com efeito, entendeu que as situações em que o goodwill financeiro podia ser amortizado não abrangiam toda a categoria dos contribuintes que se encontravam em situação jurídica e factual semelhante. Assim, não limitou na decisão recorrida o exame do critério de seletividade apenas às aquisições de participações em sociedades não residentes.

94      No entanto, segundo as recorrentes, apesar de as empresas espanholas poderem sem dificuldade proceder a uma concentração com sociedades residentes, o que lhes permite beneficiar de uma amortização do goodwill, deparam‑se com dificuldades que as impedem de proceder a uma concentração e, portanto, de beneficiar dessa amortização nas operações com sociedades não residentes, em particular nos Estados que não são membros da União. Consoante o tipo de operações em causa, as empresas encontram‑se, portanto, em situações jurídicas e factuais diferentes que justificam um tratamento fiscal diferente. Não se pode, pois, considerar que a medida controvertida, que só se aplica às aquisições de participações em sociedades não residentes, introduz uma diferenciação entre operações que se encontram em situação factual e jurídica comparável.

95      A argumentação das recorrentes leva o Tribunal Geral a interrogar‑se sobre a relevância do quadro de referência escolhido pela Comissão no caso presente, uma vez que este deve, segundo estas, limitar‑se, em razão de obstáculos às concentrações transfronteiriças, à medida controvertida, que só se aplica às aquisições de participações em sociedades não residentes.

96      Está aqui em causa a identificação de um regime fiscal nacional comum, isto é, a primeira das três etapas do método cuja aplicação o Tribunal de Justiça prevê para se examinar o caráter seletivo ou não de uma medida fiscal nacional (v. n.os 61 e 62, supra).

97      Refira‑se antes de mais que essa primeira etapa é mencionada no n.o 16 da Comunicação da Comissão sobre a aplicação das regras relativas aos auxílios estatais às medidas que respeitam à fiscalidade direta das empresas (JO 1998, C 384, p. 3, a seguir «Comunicação de 1998»). Aí se precisa que se deve determinar primeiro o regime comum aplicável.

98      De resto, na Comunicação da Comissão sobre a noção de auxílio estatal nos termos do artigo 107.o, n.o 1, [TFUE] (JO 2016, C 262, p. 1, a seguir «Comunicação de 2016»), a Comissão assinala que o sistema de referência constitui o elemento em função do qual se deve apreciar a seletividade de uma medida (n.o 132).

99      Segundo, há que salientar que, embora a jurisprudência do Tribunal de Justiça tenha dado precisões que permitem delimitar o alcance geográfico do quadro de referência previamente à análise das relações que este tem com a medida considerada possivelmente constitutiva de um auxílio (v., neste sentido, Acórdão de 6 de setembro de 2006, Portugal/Comissão, C‑88/03, EU:C:2006:511, n.os 64 a 66; v. ainda, no que respeita a uma entidade administrativa com poder normativo autónomo face ao do Estado‑Membro em causa, Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/Hansestadt Lübeck, C‑524/14 P, EU:C:2016:971, n.os 61 e 62), a delimitação material desse quadro de referência, pelo contrário, é feita, em princípio, em ligação com essa medida.

100    Assim, no Acórdão de 8 de setembro de 2011, Paint Graphos e o. (C‑78/08 a C‑80/08, EU:C:2011:550, n.o 50), a respeito de uma medida que consistia numa isenção do imposto sobre as sociedades de que beneficiavam as sociedades cooperativas de produção e de trabalho, o Tribunal de Justiça considerou que esse imposto, no seu conjunto, constituía o quadro de referência, tendo em conta que, para efeitos do cálculo do imposto sobre o rendimento das sociedades, a base tributável dos beneficiários dessa medida era determinada da mesma forma que a dos outros tipos de sociedades, isto é, em função do montante do lucro líquido resultante do exercício da atividade da empresa no termo do ano fiscal. Assim, o quadro de referência foi definido tendo em consideração, por um lado, o objeto da medida, que tinha uma ligação evidente com o do quadro de referência, e, por outro, a situação dos beneficiários dessa medida, que era comparável à de outras pessoas a quem se aplicava o quadro de referência.

101    No Acórdão de 8 de setembro de 2011, Comissão/Países Baixos (C‑279/08 P, EU:C:2011:551, n.os 63 a 67), apesar de a medida em causa reservar uma vantagem a certas empresas por lhes permitir acompanhar o valor económico das reduções das emissões de óxidos de azoto que efetuavam, o Tribunal de Justiça admitiu que o quadro de referência fosse essencialmente definido pelo facto de não haver menção dessa medida nos textos normativos que, contudo, tinham um objeto ambiental análogo ao seu. Indicou, assim, que esse quadro de referência era constituído pelas «leis relativas à gestão do ambiente e à poluição atmosférica que não preveem a medida em causa».

102    Nesses dois processos, o Tribunal de Justiça entendeu que existia um regime cujo objeto apresentava uma ligação com o da medida em causa e que, apesar de ser menos favorável do que essa medida, se aplicava a operadores que se encontravam em situações comparáveis à dos seus beneficiários. No processo que deu origem ao Acórdão de 8 de setembro de 2011, Paint Graphos e o. (C‑78/08 a C‑80/08, EU:C:2011:550, n.o 50), esses operadores eram as outras sociedades sujeitas a imposto sobre as sociedades cuja matéria coletável era determinada da mesma forma que a das sociedades cooperativas de produção e de trabalho. No processo que deu origem ao Acórdão de 8 de setembro de 2011, Comissão/Países Baixos (C‑279/08 P, EU:C:2011:551, n.o 64), tratava‑se de empresas emissoras de óxidos de azoto às quais não se aplicava a medida em causa, mas às quais, porém, tal como às empresas às quais se aplicava essa medida, eram impostas obrigações em matéria de limitação ou de redução das emissões de óxidos de azoto.

103    Resulta, pois, da jurisprudência que, para além da existência de uma relação entre o objeto da medida em causa e o do regime normal, o exame do caráter comparável das situações abrangidas por essa medida e das situações abrangidas por esse regime permite igualmente delimitar materialmente o alcance desse regime.

104    É, aliás, a comparabilidade dessas situações que permite também concluir pela existência de uma derrogação (v. n.o 61, supra), quando as situações abrangidas pela medida controvertida são tratadas de forma diferente das que estão abrangidas pelo regime normal não obstante serem comparáveis com elas.

105    Assim, um raciocínio de conjunto sobre as duas primeiras etapas do método acima mencionado nos n.os 61 e 62 pode, em certos casos, levar a determinar simultaneamente o regime normal e a existência de uma derrogação.

106    Há que precisar, porém, que, no Acórdão de 8 de setembro de 2011, Paint Graphos e o. (C‑78/08 a C‑80/08, EU:C:2011:550, n.os 54 a 61), o Tribunal de Justiça prosseguiu a análise examinando as características específicas das sociedades cooperativas de produção e de trabalho e concluiu, no termo dessa de análise, que se assemelhava à que tinha sido feita na segunda etapa do método acima mencionado nos n.os 61 e 62, que essas sociedades não podiam, em princípio, ser consideradas em situação jurídica e factual comparável à das sociedades comerciais.

107    Terceiro, ainda segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o caráter comparável das situações que permite, no âmbito da primeira etapa do método acima mencionado nos n.os 61 e 62, delimitar materialmente o regime normal, deve ser apreciado à luz do objetivo prosseguido por esse regime.

108    Assim, no processo que deu origem ao Acórdão de 8 de setembro de 2011, Paint Graphos e o. (C‑78/08 a C‑80/08, EU:C:2011:550, n.o 50), foi ao examinar a situação dos operadores face ao objetivo do imposto sobre as sociedades que o Tribunal de Justiça concluiu pela comparabilidade entre a situação das sociedades cooperativas de produção e de trabalho e das outras sociedades. Com efeito, enquanto o objetivo desse imposto é a tributação dos lucros das sociedades (n.o 54), a determinação da matéria coletável das sociedades cooperativas e das outras sociedades, que é uma primeira etapa necessária para se apurar o imposto, era feita de forma idêntica (n.o 50).

109    No processo que deu origem ao Acórdão de 8 de setembro de 2011, Comissão/Países Baixos (C‑279/08 P, EU:C:2011:551, n.os 63, 64 e 67), a certas sociedades não beneficiárias da medida controvertida, que emitiam igualmente óxidos de azoto, foram impostas, pelas «leis relativas à gestão do ambiente e à poluição atmosférica» (v. n.o 101, supra) as mesmas obrigações em matéria de limitação ou de redução das emissões de óxidos de azoto. Assim, à luz do objetivo de proteção do ambiente prosseguido não só pela medida controvertida mas principalmente por essas leis, que constituíam o regime normal, essas outras sociedades estavam numa situação comparável à das sociedades beneficiárias da medida controvertida.

110    Em face destas considerações, há que determinar se, no caso, tendo em conta o objetivo do regime normal identificado pela Comissão, cujo objeto tem de estar em relação com o da medida controvertida, as empresas que adquirem participações em sociedades residentes e as que adquirem participações em sociedades não residentes estão, como alegam as recorrentes, em situações jurídicas e factuais que não são comparáveis e que são tão diferentes que o quadro de referência deveria ter‑se limitado à medida controvertida.

111    A esse respeito, refira‑se que a medida controvertida permite a amortização para efeitos fiscais do goodwill resultante de aquisições de participações em sociedades não residentes.

112    No sistema fiscal espanhol, o rendimento tributável é determinado a partir do resultado contabilístico, ao qual são seguidamente introduzidas correções em aplicação de regras fiscais (considerandos 49 e 121 da decisão recorrida).

113    Ora, uma dessas regras fiscais, cujo objeto apresenta uma ligação com o da medida controvertida, prevê a amortização do goodwill.

114    Segundo essa regra, a amortização do goodwill é possível nos casos de «concentração de empresas», isto é, numa aceção lata dessa expressão, tanto no seguimento de uma aquisição ou de uma contribuição dos ativos detidos por empresas independentes como após uma operação de fusão ou de cisão (considerandos 28 e 123 da decisão recorrida).

115    Há que precisar que não se pode inferir das disposições do artigo 89.o, n.o 3, da Lei do imposto sobre as sociedades que, sem ser nos casos em que se aplica a medida controvertida, as empresas poderiam beneficiar da amortização do goodwill por simples aquisições de participações. Com efeito, conforme indica o próprio Reino de Espanha nas suas observações, de acordo com essas disposições, quando uma empresa adquire participações numa sociedade, só lhe é permitido amortizar o goodwill relativo a essa aquisição de participações se seguidamente se fundir com a sociedade adquirida. A fusão, que é uma forma de concentração de empresas — a única, aliás, a ser tida em conta pela Comissão numa aceção estrita dessa expressão (considerando 32 da decisão recorrida) que utiliza quando se limita ao caso das aquisições de participações (considerandos 29 e 36 da decisão recorrida) —, é, portanto, uma condição necessária à amortização do goodwill.

116    Resulta do exposto que só uma concentração de empresas permite a amortização do goodwill para efeitos fiscais. Há que salientar igualmente que este tratamento fiscal dado ao goodwill se aplica de forma indiferente às operações transfronteiriças e às operações internas no Reino de Espanha.

117    Ora, é em relação com uma lógica contabilística que o tratamento fiscal do goodwill é organizado com base no critério da existência ou não de uma concentração de empresas.

118    Com efeito, uma concentração de empresas resulta de uma aquisição ou de uma contribuição dos ativos detidos por empresas independentes ou ainda de uma fusão ou de uma cisão (v. n.o 114, supra). No seguimento dessas operações, o goodwill, que resulta da diferença entre o custo de aquisição e o valor de mercado dos ativos adquiridos, surge como ativo incorpóreo distinto na contabilidade da empresa resultante da concentração (considerandos 28 e 123 da decisão recorrida).

119    Assim, em face das técnicas e dos princípios contabilísticos que o tratamento fiscal do goodwill visa respeitar, é pertinente a verificação da existência de uma concentração de empresas, que leva a contabilizar esse goodwill, o que permite seguidamente amortizá‑lo.

120    É certo que, por força dos princípios contabilísticos espanhóis, o diferencial entre o preço pago por uma aquisição de participações numa sociedade e o valor de mercado dos ativos que fazem parte dessa sociedade pode, mesmo no caso de inexistência de concentração de empresas, ser registado na contabilidade da empresa adquirente como ativo incorpóreo distinto quando esta assuma o controlo da empresa adquirida. Apresenta‑se então, no âmbito de uma consolidação das contas, a situação global de um grupo de sociedades sujeitas a um controlo único (considerandos 27 e 121 da decisão recorrida).

121    No entanto, o facto de uma empresa ter adquirido participações numa sociedade residente ou numa sociedade não residente não tem nenhuma relação com o registo do goodwill na contabilidade da empresa nem, portanto, com o objetivo do tratamento fiscal do goodwill.

122    A esse respeito, é indiferente que possam existir obstáculos à concentração transfronteiriça. Com efeito, o objetivo do tratamento fiscal do goodwill é o de assegurar uma certa coerência entre o tratamento fiscal do goodwill e o seu tratamento contabilístico, o que justifica amortizar o goodwill quando resulta de uma concentração de empresas (v. n.os 117 e 119, supra). O tratamento fiscal do goodwill não visa, pois, compensar a existência de obstáculos à concentração transfronteiriça ou assegurar um tratamento igualitário dos diferentes tipos de aquisições de participações.

123    Por conseguinte, as empresas que adquirem participações em sociedades não residentes estão, em face do objetivo prosseguido pelo tratamento fiscal do goodwill, numa situação jurídica e factual comparável à das empresas que adquirem participações em sociedades residentes.

124    Foi, pois, com razão que, no âmbito da primeira etapa do método acima referido nos n.os 61 e 62, a Comissão não limitou o exame do critério de seletividade unicamente às aquisições de participações em sociedades não residentes e teve assim em conta, no âmbito do regime normal, o tratamento fiscal do goodwill e não o tratamento fiscal do financial goodwill instituído pela medida controvertida (v. n.o 68, supra).

125    Acresce que a medida controvertida, ao permitir a amortização do goodwill em aquisições de participações em sociedades não residentes sem que tenha havido concentração de empresas, dá a essas operações um tratamento diferente daquele que se aplica às aquisições de participações em sociedades residentes, apesar de esses dois tipos de operações se encontrarem, à luz do objetivo prosseguido pelo regime normal, em situações jurídicas e factuais comparáveis. Pode‑se, pois, dizer, já nesta fase da análise, que decidiu bem a Comissão ao considerar, no âmbito da segunda etapa do método acima referido nos n.os 61 e 62, que a medida controvertida derrogava o regime normal (Acórdão World Duty Free, n.o 57).

126    Resulta do exposto que improcede a alegação das recorrentes, não só na parte respeitante à primeira etapa do método acima referido nos n.os 61 e 62 mas também na parte respeitante à sua segunda etapa, o que confirma a existência de relações entre essas duas etapas, ou mesmo por vezes, como no caso, de um raciocínio comum (v. n.o 105, supra).

127    No entanto, não obstante a existência de um regime fiscal, em relação com a medida controvertida e à luz de cujo objetivo as operações que não beneficiam dessa medida se encontram em situação comparável às operações que dele beneficiam, há que verificar ainda se a medida controvertida poderá, tendo em conta as suas características próprias e, portanto, independentemente de qualquer análise comparativa, constituir, só por si, um quadro de referência autónomo, como alegam as recorrentes.

128    A esse respeito, refira‑se que uma medida pode constituir o seu próprio quadro de referência quando institui um regime fiscal claramente delimitado, que prossegue objetivos específicos e que se distingue, assim, de qualquer outro regime fiscal aplicado nesse Estado‑Membro. Nesse caso, para se apreciar o pressuposto da seletividade, há que determinar, então, se certos operadores estão excluídos do âmbito de aplicação da medida apesar de, à luz do objetivo que prossegue, esses operadores estarem em situação factual e jurídica comparável à dos operadores a que se aplica (v., neste sentido, Acórdão de 7 de março de 2012, British Aggregates/Comissão, T‑210/02 RENV, EU:T:2012:110, n.os 51, 63, 67 e 71 a 75).

129    No caso de uma medida que não institui um regime fiscal claramente delimitado e que antes pertence a um conjunto jurídico mais amplo, o advogado‑geral J. P. Warner, nas suas Conclusões apresentadas no processo Itália/Comissão (173/73, EU:C:1974:52, p. 728), forneceu precisões que, mesmo apesar de serem relativas a um sistema de segurança social nacional, podem ser utilmente aplicados em matéria fiscal a fim de se identificar se essa medida pode, por si própria, ser considerada constitutiva de um quadro de referência autónomo.

130    Segundo o advogado‑geral J. P. Warner, uma reforma geral do sistema de segurança social num Estado‑Membro, que tenha o efeito incidental de reduzir a taxa das quotizações patronais, poderá enquanto tal ser alheia ao domínio de aplicação das disposições relativas aos auxílios de Estado. No entanto, em seu entender, a medida em causa nesse processo não constituía uma reforma desse tipo nem um elemento de uma reforma dessa natureza, antes tinha unicamente por objetivo resolver um problema particular. Estava abrangida, portanto, como confirmou o Tribunal de Justiça no Acórdão de 2 de julho de 1974, Itália/Comissão (173/73, EU:C:1974:71), pelas disposições relativas aos auxílios de Estado.

131    O critério apresentado pelo advogado‑geral J. P. Warner nas suas Conclusões no processo Itália/Comissão (173/73, EU:C:1974:52, p. 728) leva a tomar como base o caráter sistemático e geral de uma medida para a excluir do âmbito de aplicação das disposições relativas aos auxílios de Estado.

132    Na falta de maiores precisões na jurisprudência quanto ao método que permite identificar, no interior de um conjunto mais vasto, um regime autónomo suscetível de constituir um quadro de referência, é útil tomar como referência, a título indicativo, as comunicações adotadas pela Comissão na matéria.

133    Aliás, é um critério semelhante ao seguido pelo advogado‑geral J. P. Warner e apresentado no n.o 133 da Comunicação de 2016, do qual resulta que o sistema de referência é constituído por um conjunto coerente de regras que são aplicadas de forma geral com base em critérios objetivos a todas as empresas que se integrem no seu âmbito de aplicação, conforme definido pelo seu objetivo.

134    Pode‑se referir ainda que, para distinguir os auxílios de Estado das medidas gerais, o n.o 13 da Comunicação de 1998 prevê duas categorias de medidas gerais, a saber, por um lado, «as medidas de pura técnica fiscal (por exemplo, fixação das taxas de tributação, regras de depreciação e amortização e regras em matéria de reporte de prejuízos; disposições destinadas a evitar a dupla tributação ou a evasão fiscal)» e, por outro, «as medidas que têm um objetivo de política económica geral, reduzindo a carga fiscal que onera certos custos de produção».

135    No caso, a medida controvertida é apenas uma modalidade particular de aplicação de um imposto mais vasto, o imposto sobre as sociedades, pelo que não institui um regime fiscal claramente delimitado (v. n.o 128, supra). São de aplicar, portanto, as considerações acima expostas nos n.os 129 a 134.

136    A esse respeito, refira‑se que a medida controvertida não introduziu, como acertadamente afirma a Comissão no considerando 124 da decisão recorrida, uma nova regra geral de pleno direito relativa à amortização do goodwill, mas sim uma exceção à regra geral de que só as concentrações de empresas podem levar à amortização do goodwill, uma vez que essa exceção se destina a combater, segundo o Reino de Espanha, os efeitos desfavoráveis para as aquisições de participações em sociedades não residentes que a aplicação da regra geral causaria.

137    Assim, primeiro, a medida controvertida reserva o benefício da amortização do goodwill apenas às aquisições de participações em sociedades não residentes. Não converte, portanto, a operação de aquisição de participações num novo critério geral que organize o tratamento fiscal do goodwill, o que permitiria considerar que a medida controvertida era uma «medida de pura técnica fiscal» na aceção do n.o 13 da Comunicação de 1998.

138    Segundo, nas suas observações expostas na decisão recorrida, o Reino de Espanha declarou que a medida controvertida tinha sido adotada por existirem obstáculos, nomeadamente jurídicos, que impediam os investidores espanhóis de efetuar concentrações transfronteiriças de empresas e, portanto, de beneficiar da amortização do goodwill que permite o direito fiscal espanhol no caso de uma concentração desse tipo, quando poderiam proceder sem dificuldade a concentrações num contexto nacional (considerandos 60 e 94 da decisão recorrida). Assim, a medida controvertida visa unicamente, segundo o seu autor, remediar uma situação, considerada insatisfatória, criada pelo regime relativo ao tratamento fiscal do goodwill. Não constitui, portanto, uma reforma autónoma do imposto sobre as sociedades face a esse regime.

139    Acresce que, na medida em que tem por objetivo resolver um problema particular, o dos supostos efeitos dos obstáculos às concentrações transfronteiriças no tratamento fiscal do goodwill, não se pode considerar que a medida controvertida prossegue um objetivo de política económica geral, na aceção do n.o 13 da Comunicação de 1998.

140    Por conseguinte, retomando os termos utilizados pelo advogado‑geral J. P. Warner nas suas Conclusões no processo Itália/Comissão (173/73, EU:C:1974:52, p. 728), a medida controvertida, que tem unicamente por objetivo resolver um problema particular, não é uma reforma geral.

141    Resulta do exposto que o sistema de referência não se pode limitar unicamente à medida controvertida. Isso confirma que o tratamento fiscal do goodwill constitui, como acertadamente declarou a Comissão na decisão recorrida, o sistema de referência relevante para o caso presente (v. n.o 124, supra).

142    Em face destas considerações e, em particular, das que acima constam dos n.os 122 e 139, improcede a alegação das recorrentes de existência de obstáculos às concentrações transfronteiriças, na parte em que se destina a pôr em causa o quadro de referência tido em conta pela Comissão.

2)      Quanto à segunda etapa

143    As recorrentes alegam que a Comissão, que, em seu entender, tinha que demonstrar que as aquisições de participações em sociedades residentes e em sociedades não residentes eram comparáveis à luz do objetivo de neutralidade fiscal prosseguido pela medida controvertida, não cumpriu essa obrigação.

144    Quanto à segunda etapa do método acima referido nos n.os 61 e 62, embora o Tribunal de Justiça, no Acórdão de 8 de novembro de 2001, Adria‑Wien Pipeline e Wietersdorfer & Peggauer Zementwerke (C‑143/99, EU:C:2001:598, n.o 41), tenha feito referência ao objetivo prosseguido pela «medida em causa», fez referência, seguidamente, ao objetivo prosseguido pelo «regime jurídico» em que se insere essa medida (Acórdãos de 29 de abril de 2004, GIL Insurance e o., C‑308/01, EU:C:2004:252, n.o 68; de 3 de março de 2005, Heiser, C‑172/03, EU:C:2005:130, n.o 40; de 6 de setembro de 2006, Portugal/Comissão, C‑88/03, EU:C:2006:511, n.o 54; e de 21 de dezembro de 2016, Comissão/Hansestadt Lübeck, C‑524/14 P, EU:C:2016:971, n.o 54). No Acórdão World Duty Free, proferido em Grande Secção, o Tribunal de Justiça, de forma ainda mais expressa, fez referência ao objetivo prosseguido pelo regime fiscal comum ou normal aplicável no Estado‑Membro em causa (n.o 57).

145    Refira‑se que, por causa dessa jurisprudência, o exercício de comparação que se aplica para levar a cabo a segunda etapa do método acima referido nos n.os 61 e 62 passa a assemelhar‑se, em grande medida, ao que o Tribunal de Justiça utiliza também para definir o âmbito de aplicação material do quadro de referência (v. n.os 103 a 109 e 126, supra).

146    Aplicando a jurisprudência acima referida no n.o 144, em particular o Acórdão World Duty Free, sobre o qual as partes, de acordo com o princípio do contraditório, tiveram a ocasião de apresentar observações, há que tomar em conta o objetivo do regime comum no seu conjunto.

147    Ora, há que observar que o objetivo prosseguido pelo regime normal não é permitir que as empresas beneficiem da vantagem fiscal constituída pela amortização do goodwill quando se deparam com dificuldades que as impedem de proceder a uma concentração de empresas (v. n.os 117 a 122, supra).

148    É antes a medida controvertida que visa fazê‑lo removendo a existência de obstáculos à concentração transfronteiriça e assim permitindo, segundo o Reino de Espanha, garantir o respeito do princípio da neutralidade fiscal (v. n.o 138, supra).

149    O argumento das recorrentes da existência de obstáculos às concentrações transfronteiriças, que se baseia, ao contrário do que esta alega, no objetivo da medida controvertida e não no objetivo do regime normal, deve, pois, ser julgado irrelevante na fase do exame da segunda etapa do método acima mencionado nos n.os 61 e 62. Em contrapartida, será novamente analisado no âmbito da terceira alegação, relativa à terceira etapa desse método.

150    De resto, há que recordar que o regime normal só prevê a amortização do goodwill no caso de concentração de empresas e que a medida controvertida, ao permitir essa amortização por aquisições de participações em sociedades não residentes, aplica a essas operações um tratamento diferente daquele que se aplica às aquisições de participações em sociedades residentes, apesar de esses dois tipos de operações se encontrarem, face ao objetivo prosseguido pelo regime normal, em situações jurídicas e factuais comparáveis. A medida controvertida introduz, portanto, uma derrogação a esse regime, como acertadamente entendeu a Comissão (v. n.o 125, supra).

151    Improcede, pois, a alegação das recorrentes.

152    A conclusão acima exposta no n.o 151 não é posta em causa pela jurisprudência invocada pelas recorrentes.

153    Com efeito, primeiro, quanto ao Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/Hansestadt Lübeck (C‑524/14 P, EU:C:2016:971, n.os 61 e 62), o regulamento das taxas aeroportuárias, em causa nesse processo, tinha sido adotado por um aeroporto, no âmbito do seu poder autónomo de regulamentação, pelo que não podia ser considerado derrogatório de um regime aplicável a todos os aeroportos. Assim sendo, o contexto do processo que deu origem a esse acórdão não tem nenhuma relação com o do caso presente.

154    Segundo, no processo que deu origem ao Acórdão de 14 de janeiro de 2015, Eventech (C‑518/13, EU:C:2015:9), a vantagem conferida consistia num direito de acesso preferencial às faixas reservadas aos transportes públicos de que beneficiavam os táxis e não os veículos de turismo com condutor (n.o 63). Tendo em conta o objetivo da medida em causa, a saber, assegurar um sistema de transportes seguro e eficaz (n.o 50), o facto de só os táxis poderem solicitar ou esperar passageiros sem reserva prévia (n.o 5) e de só a eles serem impostas certas obrigações, nomeadamente o facto de terem que ser reconhecíveis e terem as condições para transportar pessoas em cadeira de rodas (n.o 60), permitiu ao Tribunal de Justiça concluir que os táxis não se encontravam em situação comparável à dos veículos de turismo com condutor (n.o 61).

155    Do mesmo modo, quanto ao Acórdão de 29 de março de 2012, 3M Italia (C‑417/10, EU:C:2012:184), a medida em causa nesse processo era aplicável a certos contribuintes que, face ao objetivo prosseguido por essa medida, que tinha sido instituída para assegurar um tratamento dos processos judiciais em matéria fiscal mais antigos dentro do respeito do princípio do prazo razoável, não se encontravam na mesma situação que outros contribuintes que eram partes em procedimentos mais recentes com a Administração Fiscal (n.os 40 a 42).

156    Assim, é verdade que, nesses dois acórdãos, o Tribunal de Justiça teve em conta o objetivo da medida destinada a conferir a vantagem em causa e não, de forma mais ampla, o do regime em que essa medida se inseria, mesmo apesar de, no Acórdão de 14 de janeiro de 2015, Eventech (C‑518/13, EU:C:2015:9, n.o 55), o Tribunal de Justiça ter lembrado que resultava de jurisprudência constante que o artigo 107.o, n.o 1, TFUE impunha que se determinasse se, no âmbito de um dado regime jurídico, uma medida nacional era suscetível de favorecer «certas empresas ou certas produções» face a outras que, em face do objetivo prosseguido por esse regime, se encontrassem em situação factual e jurídica comparável.

157    No entanto, na sua jurisprudência mais recente, o Tribunal de Justiça precisou que se devia ter em conta o objetivo do regime em que se insere a medida que confere uma vantagem e não o objetivo dessa medida (v. n.o 144, supra).

158    Terceiro, no Acórdão de 9 de dezembro de 1997, Tiercé Ladbroke/Comissão (C‑353/95 P, EU:C:1997:596), o Tribunal de Justiça considerou que o legislador nacional tinha tratado de modo diferente as apostas organizadas em França sobre as corridas francesas e as organizadas em França sobre corridas estrangeiras ao prever que estas estavam sujeitas às retenções legais e fiscais em vigor nos países onde essas corridas eram organizadas (n.os 2, 3 e 36).

159    É certo que o Tribunal de Justiça referiu que as duas categorias de apostas não eram idênticas (Acórdão de 9 de dezembro de 1997, Tiercé Ladbroke/Comissão, C‑353/95 P, EU:C:1997:596, n.o 33), o que pode remeter para um raciocínio no âmbito da segunda etapa do método acima mencionado nos n.os 61 e 62.

160    No entanto, para justificar essa observação, o Tribunal de Justiça salientou, nomeadamente, que a aposta mútua se caracterizava pelo facto de os montantes globais das apostas constituírem uma massa comum que, após retirada de diversos encargos, era distribuída aos ganhadores de forma igual, qualquer que fosse a origem das apostas, o que implicava que a parte do montante global das apostas reservada aos ganhadores não pudesse variar consoante os Estados onde eram feitas as apostas. Concluiu então que o bom funcionamento desse sistema só podia ser assegurado se a taxa dos tributos que poderiam recair sobre os montantes globais das apostas numa dada corrida fosse a do Estado onde decorria essa corrida (n.o 34).

161    Desse modo, o Tribunal de Justiça adotou nesse processo um critério que faz parte, na realidade, da terceira etapa do método acima referido nos n.os 61 e 62, no qual assenta o exame da justificação da diferença de tratamento verificada.

162    O Acórdão de 9 de dezembro de 1997, Tiercé Ladbroke/Comissão (C‑353/95 P, EU:C:1997:596), não pode, pois, ser utilmente invocado para contestar a forma pela qual a Comissão procedeu no caso presente quanto às duas primeiras etapas do método acima referido nos n.os 61 e 62.

163    Por outro lado, as circunstâncias específicas do processo que deu origem a esse acórdão distinguem‑se das do presente processo. Sem maiores explicações por parte das recorrentes, não se pode, pois, do reconhecimento pelo Tribunal de Justiça de uma diferença de situações entre as apostas organizadas em França sobre as corridas belgas e as apostas organizadas em França sobre as corridas francesas (v. n.o 159, supra), inferir a existência de uma diferença de situações entre as aquisições de participações em sociedades residentes e as aquisições de participações em sociedades não residentes.

164    De qualquer forma, a conclusão a que chega o Tribunal Geral no n.o 151, supra, baseia‑se na jurisprudência mais recente do Tribunal de Justiça acima exposta no n.o 144.

165    Resulta do exposto que improcede a presente alegação.

c)      Quanto ao caráter justificado da medida controvertida face à natureza e ao conjunto do sistema em que se insere (terceira etapa)

166    A título subsidiário, as recorrentes afirmam que a derrogação introduzida pela medida controvertida é justificada à luz da natureza e do conjunto do sistema em que se insere. Referem‑se assim à terceira etapa do método de análise acima referido nos n.os 61 e 62.

167    Conforme acima se refere no n.o 62, o Tribunal de Justiça considerou, no âmbito da terceira etapa do método de análise acima referido nos n.os 61 e 62, que o conceito de «auxílio de Estado» não visava as medidas que introduziam uma diferenciação entre empresas que se encontrassem, face ao objetivo prosseguido pelo regime normal, em situação factual e jurídica comparável e, portanto, a priori, seletivas, quando o Estado‑Membro em causa consegue demonstrar que essa diferenciação é justificada por resultar da natureza ou do conjunto do sistema em que se inserem.

168    A esse respeito, há que recordar que se deve estabelecer uma distinção entre, por um lado, os objetivos atribuídos a uma medida fiscal ou a um dado regime fiscal, que lhe são exteriores, e, por outro, os mecanismos inerentes ao próprio sistema fiscal, que são necessários para a realização de tais objetivos. Consequentemente, as isenções fiscais que resultam de um objetivo alheio ao sistema de tributação em que se inserem não se podem subtrair às exigências decorrentes do artigo 107.o, n.o 1, TFUE. (Acórdão de 8 de setembro de 2011, Paint Graphos e o., C‑78/08 a C‑80/08, EU:C:2011:550, n.os 69 e 70).

169    De resto, no n.o 138 da Comunicação de 2016, a Comissão remete para princípios fundadores ou diretores intrínsecos ao sistema fiscal em causa ou ainda para mecanismos inerentes ao sistema e necessários ao seu funcionamento e à sua eficácia que, só por si, são suscetíveis de justificar uma derrogação.

170    No caso, a diferença de tratamento entre as aquisições de participações em sociedades residentes e as aquisições de participações em sociedades não residentes introduzida pela medida controvertida permite, segundo o Reino de Espanha, neutralizar a diferença de tratamento instituída pelo regime fiscal espanhol do goodwill a favor das primeiras e em detrimento das segundas.

171    A diferenciação introduzida pela medida controvertida seria, pois, justificada por resultar do princípio da neutralidade fiscal.

172    Ora, o princípio da neutralidade, que é reconhecido no direito fiscal espanhol (considerando 138 da decisão recorrida), faz parte dos mecanismos inerentes a um sistema fiscal, conforme resulta, aliás, do n.o 139 da Comunicação de 2016, segundo o qual o princípio da neutralidade fiscal pode constituir uma justificação possível de uma derrogação do regime normal.

173    O Reino de Espanha pode, pois, basear‑se utilmente no princípio da neutralidade fiscal para justificar a diferenciação introduzida pela medida controvertida.

174    Refira‑se que é só num caso particular como este que o objetivo da medida em causa pode ser utilmente invocado na terceira etapa do método de análise acima referido nos n.os 61 e 62.

175    Tendo sido aceite a relevância da justificação do Reino de Espanha quanto à diferenciação introduzida pela medida controvertida, a saber, o princípio da neutralidade fiscal, falta ainda determinar se a medida controvertida é efetivamente capaz de garantir a neutralidade fiscal.

176    Segundo jurisprudência constante, o artigo 107.o, n.o 1, TFUE não distingue as intervenções estatais em função das suas causas ou objetivos, definindo‑as em função dos seus efeitos (v. Acórdão de 15 de novembro de 2011, Comissão e Espanha/Government of Gibraltar e Reino Unido, C‑106/09 P e C‑107/09 P, EU:C:2011:732, n.o 87, e jurisprudência aí referida).

177    Em primeiro lugar, há que recordar que, quando a Comissão identifica uma derrogação, cabe ao Estado‑Membro em causa demonstrar que essa derrogação é justificada por resultar da natureza ou do conjunto do sistema em que se insere (v. n.o 62, supra).

178    Há que determinar, portanto, se, no caso, os elementos fornecidos pelo Reino de Espanha e invocados pelas recorrentes são suficientes para justificar, ao contrário do entendimento da Comissão, a derrogação acima observada no n.o 150.

179    As recorrentes baseiam‑se no facto de, segundo o Reino de Espanha, a medida controvertida visar restabelecer uma situação de neutralidade fiscal pondo fim a uma diferença de tratamento injustificada entre as empresas que podem facilmente proceder a uma fusão com uma sociedade residente, que lhes permite beneficiar da amortização do goodwill, por um lado, e, por outro, as empresas que se deparam com dificuldades de ordem jurídica, que as impedem de proceder a uma fusão com uma sociedade não residente e, portanto, de beneficiar da amortização do goodwill.

180    Refira‑se que a medida controvertida, a fim de neutralizar a diferença de tratamento injustificada que assim resultaria do regime normal, dá o benefício da amortização do goodwill às empresas que adquirem participações em sociedades não residentes.

181    A medida controvertida baseia‑se, assim, necessariamente na premissa de que as empresas que pretendam proceder a fusões transfronteiriças e que não possam fazê‑lo por causa de obstáculos, nomeadamente jurídicos, à concentração, adquirem subsidiariamente participações em sociedades não residentes ou, pelo menos, conservam as participações de que já dispõem.

182    Com efeito, sem essa premissa, não se poderia considerar que a medida controvertida beneficiava as empresas que, segundo o Reino de Espanha, são objeto de um tratamento desfavorável injustificado resultante da aplicação do regime normal. Não poderia, pois, ter um efeito neutralizador.

183    Ora, a premissa acima referida no n.o 181 não está demonstrada.

184    É certo que as recorrentes alegam que, quando as fusões transfronteiriças são impossíveis por causa de obstáculos levantados pela lei e pelas práticas administrativas dos Estados em causa, essas operações devem, na grande maioria dos casos, ser organizadas por intermédio da aquisição de participações em sociedades estrangeiras.

185    No entanto, uma aquisição de participações, contrariamente a uma fusão, não leva à dissolução da sociedade adquirida. Tendo em conta essa diferença e as suas implicações jurídicas e económicas, não é garantido que esses dois tipos de operação visem atingir os mesmos objetivos ou que correspondam a estratégias económicas idênticas. Isso é tanto mais assim nos casos de aquisições de participações minoritárias mas que, ao atingirem o limiar de 5 %, passam a integrar o âmbito de aplicação da medida controvertida. Por conseguinte, não se pode presumir que uma empresa que não pode proceder a uma fusão com uma sociedade adquire subsidiariamente participações nessa sociedade.

186    É mesmo plausível que as empresas que pretendem proceder a uma fusão com uma sociedade não residente e estejam impossibilitadas de o fazer por causa de obstáculos, nomeadamente jurídicos, à concentração renunciem a adquirir ou a conservar participações na sociedade em causa. Assim, essas empresas, que, não obstante serem as que são suscetíveis de sofrer um tratamento desfavorável, não beneficiam da vantagem conferida pela medida controvertida.

187    Ora, não resulta dos autos que o Reino de Espanha, a quem cabe demonstrar que a derrogação é justificada (v. n.o 177, supra), tenha demonstrado que as empresas que pretendem proceder a fusões transfronteiriças e não o possam fazer por causa de obstáculos, nomeadamente jurídicos, à concentração, adquiram subsidiariamente participações em sociedades não residentes ou, pelo menos, conservem as participações de que já dispõem.

188    De resto, as recorrentes também não procederam a essa demonstração.

189    Resulta do exposto que não se demonstrou que a vantagem resultante da medida controvertida beneficiaria as empresas sujeitas à diferença de tratamento que essa medida se destinava a sanar. Não se demonstraram, pois, os efeitos neutralizadores da medida controvertida.

190    A esse respeito, pode‑se referir que a Comissão indicou, no considerando 106 da decisão recorrida, que a medida controvertida era demasiado imprecisa e vaga, no sentido de que a sua aplicação não estava sujeita à existência de situações específicas e legalmente delimitadas que justificassem um tratamento fiscal diferente.

191    Em segundo lugar, mesmo admitindo que a medida controvertida tivesse a consequência de neutralizar os efeitos supostamente penalizadores do regime normal, o que não se demonstrou, apresenta, como acertadamente refere a Comissão (considerandos 136, 138 e 139 da decisão recorrida), um caráter desproporcionado e, logo, injustificado.

192    Com efeito, nem todas as empresas que adquirem participações de pelo menos 5 % em sociedades residentes têm necessariamente vocação para proceder a uma fusão com essas sociedades e, desse modo, ser‑lhes conferido o benefício da amortização do goodwill.

193    Desde logo, essa fusão nem sempre é possível. É esse o caso, por exemplo, quando a empresa em causa não dispõe de uma participação que lhe confere o controlo da sociedade com a qual se pretende fundir e os outros acionistas dessa sociedade se opõem à concentração.

194    Acresce que, mesmo admitindo que essa fusão fosse possível, a amortização do goodwill só aproveitaria às empresas que pretendessem proceder a essa operação. Ora, não é certo que todas as empresas que adquiriram participações, incluindo maioritárias, numa sociedade residente pretendam proceder a uma fusão com essa sociedade, tendo em conta, nomeadamente, o facto de não ser garantido que uma aquisição de participação e uma fusão visam atingir os mesmos objetivos ou que correspondam a estratégias económicas idênticas (v. n.o 185, supra).

195    No entanto, todas as empresas que adquiram participações em sociedades não residentes, apesar de não terem necessariamente por objetivo proceder a uma fusão, beneficiarão da amortização do goodwill.

196    A esse respeito, a Comissão referiu, acertadamente, no considerando 106 da decisão recorrida, que a medida controvertida abrangia «uma vasta categoria de transações de uma forma discriminatória, que não pode ser justificada com base em diferenças objetivas entre os contribuintes».

197    Há que salientar ainda que o facto de as empresas que adquirem títulos de participação em sociedades residentes poderem mais facilmente, caso o desejem, beneficiar da amortização do goodwill procedendo a uma fusão não as coloca numa posição tão vantajosa como as empresas que adquirem títulos de participação em sociedades não residentes e que por isso, beneficiam automaticamente da amortização do goodwill.

198    Resulta do exposto que a aplicação da medida controvertida leva a tratar de forma diferente empresas que se encontram em situações comparáveis.

199    Assim, mesmo admitindo que a medida controvertida permite restabelecer uma certa neutralidade fiscal posta em causa pelo regime normal, o que não foi demonstrado (v. n.o 189, supra), os efeitos que produz têm, de qualquer forma, a consequência de não poder ser considerada justificada em face do princípio da neutralidade fiscal, conforme considerou acertadamente a Comissão na decisão recorrida (v. n.o 191, supra).

200    Em conclusão, conforme resulta de cada um dos dois fundamentos autónomos expostos nas considerações que acima constam dos n.os 177 a 199, não resulta dos autos que a derrogação introduzida pela medida controvertida seja justificada à luz do princípio da neutralidade fiscal.

201    Embora o sistema de referência a ter em conta na análise do caráter seletivo da medida controvertida seja o tratamento fiscal do goodwill (v. n.o 141, supra) e a medida controvertida introduza uma derrogação face a esse sistema (v. n.o 150, supra), a eventual existência de obstáculos às fusões transfronteiriças não é, em face destas considerações, suscetível de poder justificar a derrogação introduzida pela medida controvertida.

202    A tese das recorrentes de que a medida controvertida é justificada face ao objetivo de neutralidade fiscal deve, portanto, ser rejeitada, sem que seja necessário examinar a sua argumentação relativa à existência de obstáculos que impossibilitam ou dificultam as fusões transfronteiriças.

203    Por conseguinte, também não há que deferir os requerimentos de medidas de organização do processo apresentados pelas recorrentes a esse respeito, uma vez que essas medidas se destinam a permitir demonstrar a existência de obstáculos que impossibilitam ou dificultam as fusões transfronteiriças.

204    A conclusão acima exposta no n.o 202 não pode ser posta em causa pelos outros argumentos das recorrentes.

205    Em primeiro lugar, segundo as recorrentes, cabe à Comissão fazer uma distinção entre as aquisições de participações em sociedades não residentes que impliquem a tomada de controlo e as outras aquisições de participações, para efeitos de declaração de que a aplicação da medida controvertida às primeiras não leva à qualificação de auxílio de Estado.

206    No entanto, como acima se refere no n.o 194, certas empresas adquirem participações maioritárias em sociedades residentes sem com isso pretender proceder a uma fusão. Assim, por causa da medida controvertida, essas empresas são sujeitas a um tratamento desfavorável face às empresas que adquirem participações em sociedades não residentes, não obstante estarem numa situação comparável à delas. Este tratamento desfavorável revela a incoerência introduzida pela medida controvertida no tratamento fiscal do goodwill e que introduziria mesmo que só beneficiasse as aquisições de participações maioritárias em sociedades não residentes.

207    Refira‑se, por acréscimo, mesmo admitindo que a medida controvertida pudesse ser considerada justificada quanto a aquisições de participações maioritárias, que, de qualquer forma, não cabe à Comissão fixar na decisão recorrida condições de aplicação da medida controvertida que, em certos casos, lhe permitiriam não a qualificar de auxílio. Com efeito, essa questão faz parte do diálogo entre as autoridades espanholas e a Comissão, no âmbito da notificação do regime em causa, que deveria ter ocorrido antes da sua execução (Acórdão de 9 de setembro de 2009, Diputación Foral de Álava e o./Comissão, T‑227/01 a T‑229/01, T‑265/01, T‑266/01 e T‑270/01, EU:T:2009:315, n.o 381).

208    A esse respeito, nos considerandos 107 e 118 da decisão recorrida, a Comissão baseou‑se, acertadamente, na jurisprudência acima referida no n.o 207.

209    Há que acrescentar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, no caso de um regime de auxílio, a Comissão pode limitar‑se a estudar as características gerais do regime em causa, sem ter que analisar cada caso particular de aplicação, a fim de verificar se esse regime contém elementos de auxílio (Acórdãos de 29 de abril de 2004, Grécia/Comissão, C‑278/00, EU:C:2004:239, n.o 24; de 15 de dezembro de 2005, Itália/Comissão, C‑66/02, EU:C:2005:768, n.o 91; e de 15 de novembro de 2011, Comissão e Espanha/Government of Gibraltar e Reino Unido, C‑106/09 P e C‑107/09 P, EU:C:2011:732, n.o 122).

210    A esse respeito, as recorrentes invocam o Acórdão de 22 de novembro de 2001, Mitteldeutsche Erdöl Raffinerie/Comissão (T‑9/98, EU:T:2001:271, n.o 117). Embora seja certo que o Tribunal Geral considerou nesse processo que a Comissão não se podia limitar a proceder a uma análise geral e abstrata da medida em causa no caso presente e que devia ter igualmente analisado o caso específico do recorrente em causa nesse processo, essa solução foi adotada em circunstâncias muito particulares, diferentes das da presente lide, uma vez que, primeiro, a adoção da medida em causa tinha sido motivada nomeadamente pelas especificidades da situação do recorrente, segundo, durante o procedimento administrativo, essa situação particular tinha sido objeto não só de observações escritas do Governo alemão e da sociedade‑mãe do recorrente nesse processo, mas igualmente de discussões aprofundadas entre esse Governo e a Comissão e, terceiro, o Governo alemão tinha‑lhe proposto que só aplicasse a medida em causa ao recorrente nesse processo e que notificasse individualmente todos os outros eventuais casos de aplicação dessa medida (n.os 80 a 82).

211    Quanto à invocação do Acórdão de 9 de junho de 2011, Comitato «Venezia vuole vivere» e o./Comissão (C‑71/09 P, C‑73/09 P e C‑76/09 P, EU:C:2011:368), refira‑se que esse acórdão é anterior ao Acórdão de 15 de novembro de 2011, Comissão e Espanha/Government of Gibraltar e Reino Unido (C‑106/09 P e C‑107/09 P, EU:C:2011:732), que confirmou a jurisprudência segundo a qual, no caso de um regime de auxílio, a Comissão pode limitar‑se a estudar as características gerais do regime em causa, sem ter de analisar cada caso particular de aplicação, a fim de verificar se esse regime contém elementos de auxílio (v. n.o 209, supra).

212    Além disso, nos processos que deram origem aos Acórdãos de 9 de junho de 2011, Comitato «Venezia vuole vivere» e o./Comissão (C‑71/09 P, C‑73/09 P e C‑76/09 P, EU:C:2011:368), e de 28 de novembro de 2008, Hotel Cipriani e o./Comissão (T‑254/00, T‑270/00 e T‑277/00, EU:T:2008:537), igualmente referidos pelas recorrentes, era invocada uma inobservância do princípio da não‑discriminação, por ter a Comissão, no tocante a um regime de auxílio, analisado a situação individual de certas empresas, as empresas municipais, sem proceder da mesma forma com as empresas privadas que se encontravam em situações análogas. Ora, as recorrentes não invocam uma violação do princípio da não‑discriminação com base no facto de a situação de certas empresas ter sido objeto de exame individual. Assim, é irrelevante para o caso presente a solução aplicada pelo Tribunal Geral (e validada pelo Tribunal de Justiça nos n.os 128 e 160 do seu acórdão), de que, na falta de informações específicas a respeito das empresas recorrentes e dos setores em que operam, a Comissão não tinha que, por força do princípio da não‑discriminação, derrogar o seu critério baseado num exame do regime de auxílio em causa segundo as suas características gerais e proceder a uma análise da sua situação individual.

213    Acima de tudo, é irrelevante a jurisprudência acima referida nos n.os 210 a 212, pois não se trata aqui de delimitar, consoante os setores, as empresas às quais se poderia não aplicar a qualificação de auxílio de Estado, mas sim de determinar, consoante as operações económicas a que se aplica a vantagem em causa, as empresas às quais essa qualificação poderia não ser aplicada. Se se pudesse impor à Comissão uma obrigação de exame das diferentes operações económicas às quais se pudesse validamente aplicar a vantagem em causa sem que se pudesse declarar a existência de um auxílio, isso levá‑la‑ia a alterar o conteúdo ou as condições de aplicação da medida analisada e não a delimitar o seu alcance geográfico ou setorial. Ora, essa obrigação levaria a Comissão a ir além das competências que lhe são conferidas pelas disposições do Tratado FUE e do Regulamento (CE) n.o 659/1999 do Conselho, de 22 de março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo [108.o TFUE] (JO 1999, L 83, p. 1).

214    Acresce que, quanto à justificação da diferenciação feita na medida em causa, há que recordar que é ao Estado‑Membro em causa que cabe demonstrá‑la (v. n.os 62 e 177, supra). É a ele, portanto, que cabe igualmente adaptar o conteúdo ou as condições de aplicação dessa medida se se verificar que esta só é parcialmente justificável.

215    Por último, devido ao conhecimento que tem da natureza e do conjunto do sistema em que se insere a medida em causa, o Estado‑Membro é também quem está em melhores condições para definir o conteúdo ou os pressupostos de aplicação da medida, em particular quando, como no caso, a avaliação dos seus efeitos, que é suposto justificarem a derrogação que introduz, é complexa (v. n.os 179 a 199, supra).

216    Assim, mesmo admitindo que o exame da Comissão, no âmbito do procedimento formal de investigação, quanto aos das aquisições de participações maioritárias tivesse sido objeto de discussão específica entre a Comissão e o Reino de Espanha com base em pedidos documentados por este apresentados, resulta das considerações acima expostas nos n.os 205 a 215 que a presente alegação, de qualquer forma, é improcedente, incluindo quanto às aquisições de participações maioritárias, sem que seja necessário analisar a argumentação relativa à existência de obstáculos que impossibilitem ou dificultem as fusões transfronteiriças.

217    Por conseguinte, também não há que deferir os requerimentos de medidas de organização do processo apresentados pelas recorrentes a esse respeito, uma vez que essas medidas se destinam a permitir demonstrar a existência de obstáculos que impossibilitam ou dificultam as fusões transfronteiriças.

218    Por outro lado, as recorrentes alegam que a Comissão se baseia igualmente no fundamento de a medida controvertida ser desproporcionada por se aplicar igualmente às aquisições de participações minoritárias que não envolvem a tomada de controlo. Com essa crítica, poderá entender‑se que pedem, a título subsidiário, a anulação da decisão recorrida na parte que declara ilegal a aplicação da medida controvertida às aquisições de participações maioritárias.

219    Há que julgar improcedente esse pedido.

220    Com efeito, primeiro, a Comissão podia com razão considerar que o Reino de Espanha não tinha demonstrado o caráter justificado da medida controvertida sem sequer se basear no seu caráter desproporcionado (v. n.os 177 a 189, supra).

221    Acresce que, mesmo que só beneficiasse as aquisições de participações maioritárias em sociedades não residentes, a medida controvertida introduziria uma incoerência no tratamento fiscal do goodwill que punha em causa a sua justificação pelo princípio da neutralidade fiscal (v. n.o 206, supra).

222    Segundo, em face das considerações acima feitas nos n.os 207 a 215, a Comissão, mesmo apesar de, segundo as recorrentes, o Reino de Espanha lhe ter pedido, não tinha que declarar que não havia auxílio no caso das aquisições de participações maioritárias.

223    Terceiro, e por último, a esse respeito, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, a anulação parcial de um ato da União só é possível se os elementos cuja anulação é pedida forem destacáveis do resto do ato (v. Acórdão de 24 de maio de 2005, França/Parlamento e Conselho, C‑244/03, EU:C:2005:299, n.o 12, e jurisprudência aí referida). Não está preenchido esse pressuposto de possibilidade de separação quando a anulação parcial de um ato tiver por efeito modificar a sua essência (Acórdão de 24 de maio de 2005, França/Parlamento e Conselho, C‑244/03, EU:C:2005:299, n.o 13). Ora, no caso, a anulação da decisão recorrida, na parte que declara a existência de um auxílio de Estado incluindo as aquisições de participações maioritárias, teria o efeito de modificar a essência dessa decisão.

224    Há que rejeitar, pois, o argumento acima referido no n.o 218 e julgar improcedente o pedido subsidiário nele baseado.

225    Em segundo lugar, quanto à invocação da prática decisória da Comissão, há que rejeitar esse argumento.

226    A esse respeito, basta salientar que, segundo a jurisprudência, o caráter de auxílio de Estado de uma determinada medida só deve ser apreciado no âmbito do artigo 107.o, n.o 1, TFUE e não à luz de uma alegada prática decisória anterior da Comissão (Acórdão de 15 de novembro de 2011, Comissão e Espanha/Government of Gibraltar e Reino Unido, C‑106/09 P e C–107/09 P, EU:C:2011:732, n.o 136).

227    Resulta destas considerações que, de qualquer forma (v. n.o 202, supra), improcede a presente alegação de caráter justificado da medida controvertida face à natureza e ao conjunto do sistema em que se insere.

228    Por outro lado, não colhe o argumento de falta de fundamentação da decisão recorrida quanto à declaração de caráter seletivo da medida controvertida. Com efeito, resulta das considerações acima apresentadas nos n.os 64 a 73, que a Comissão fundamentou suficientemente a sua decisão nesse ponto.

229    Por último, quanto ao argumento relativo ao princípio da proteção da confiança legítima (v. n.o 34, supra), há que recordar que o conceito de auxílio de Estado corresponde a uma situação objetiva e não depende do comportamento ou das declarações das instituições. Essas circunstâncias não podem obstar à qualificação de auxílio de Estado, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, caso estejam preenchidos os pressupostos da existência de um auxílio de Estado. Em contrapartida, são de ter em consideração no que respeita à obrigação de recuperar o auxílio incompatível com o mercado interno, em face dos princípios da proteção da confiança legítima e da segurança jurídica (Acórdão de 10 de dezembro de 2013, Comissão/Irlanda e o., C‑272/12 P, EU:C:2013:812, n.o 53).

230    Há que rejeitar, portanto, o argumento relativo ao princípio da proteção da confiança legítima, que é irrelevante para a qualificação de uma medida como auxílio de Estado. Contudo, será examinado na análise do terceiro fundamento.

231    Tendo em conta o fundamento desta solução, a saber, a irrelevância do argumento em causa, há que indeferir os requerimentos de medidas de organização do processo apresentados pelas recorrentes a esse título, uma vez que essas medidas se destinam a demonstrar mérito desse argumento.

232    Resulta de todas estas considerações que improcede na íntegra o primeiro fundamento, relativo à falta de seletividade da medida controvertida.

B.      Quanto ao segundo fundamento, relativo a um erro na identificação do beneficiário da medida controvertida

1.      Argumentos das partes

233    As recorrentes impugnam, em substância, o facto de a vantagem concedida pela medida controvertida beneficiar as empresas tributadas em Espanha que adquirem participações em sociedades não residentes. Afirmam que, na realidade, os beneficiários da medida controvertida são essas sociedades e os seus acionistas, que podem ceder as suas participações a um preço melhor.

234    As recorrentes afirmam que a Comissão apresentou, na decisão recorrida, uma resposta incoerente e errada ao argumento apresentado por algumas das partes interessadas, relativo ao facto de os beneficiários reais do auxílio serem os acionistas de sociedades não residentes que vendem as suas ações a empresas tributadas em Espanha.

235    As recorrentes invocam igualmente a prática anterior da Comissão.

236    A Comissão afirma não existir a incoerência invocada pelas recorrentes.

237    De qualquer forma, segundo a Comissão, as empresas às quais se aplica a medida controvertida beneficiam de uma vantagem.

2.      Apreciação do Tribunal Geral

238    Há que recordar desde logo que, por causa da medida controvertida, as empresas tributadas em Espanha que adquirem participações em sociedades não residentes podem reduzir, se preencherem os outros requisitos previstos na medida, a matéria tributável do seu imposto sobre as sociedades.

239    Segundo as recorrentes, a vantagem conferida pela medida controvertida, cujos destinatários imediatos são as empresas que adquirem participações em sociedades não residentes, é, na realidade, repercutida no preço de venda das ações. Por conseguinte, não são essas empresas quem beneficia da medida controvertida, mas sim os vendedores dessas participações.

240    Este argumento deve ser rejeitado com base em cada um dos três fundamentos autónomos que seguem.

241    Em primeiro lugar, não se pode presumir que a vantagem conferida pela medida controvertida é necessariamente repercutida no preço de venda das ações das sociedades adquiridas. Ora, esse facto não foi demonstrado no caso presente. Por conseguinte, o presente argumento não tem suporte nos factos.

242    Em segundo lugar, mesmo admitindo que as empresas tributadas em Espanha que pretendam adquirir ações de sociedades não residentes aumentam o preço oferecido levando em conta a redução da matéria tributável do imposto sobre as sociedades de que beneficiam por causa dessa aquisição, isso aumenta as suas possibilidades de realizar as transações em causa. Essas empresas dispõem, assim, de «uma vantagem económica que não teria[m] obtido em condições normais de mercado», segundo a fórmula empregue pelo Tribunal de Justiça no seu Acórdão de 11 de julho de 1996, SFEI e o. (C‑39/94, EU:C:1996:285, n.o 60).

243    A situação analisada no caso presente é diferente, portanto, daquela em que o destinatário da vantagem é obrigado a transferi‑la para um terceiro sem contrapartida (v., neste sentido, Acórdão de 3 de julho de 2003, Bélgica/Comissão, C‑457/00, EU:C:2003:387, n.o 58). Com efeito, as empresas adquirentes, mesmo admitindo que repercutem integralmente a vantagem fiscal resultante da medida controvertida no preço de compra das ações das sociedades adquiridas, têm a sua capacidade de negociação aumentada, o que constitui, enquanto tal, uma vantagem evidente, como acertadamente salienta a Comissão.

244    Em terceiro lugar, o Tribunal de Justiça considerou que o facto de o benefício realizado com a exploração de uma vantagem, em particular de uma vantagem fiscal, não ser idêntico a essa vantagem, ou mesmo de ser inexistente, é irrelevante para a recuperação do auxílio junto dos destinatários dessa vantagem (v., neste sentido, Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/Aer Lingus e Ryanair Designated Activity, C‑164/15 P e C‑165/15 P, EU:C:2016:990, n.os 92, 93, 100 e 102).

245    Por conseguinte, esse facto é igualmente irrelevante para a qualidade de beneficiário do auxílio das pessoas destinatárias dessa vantagem.

246    Com efeito, se se admitisse, na presença desse facto, que os destinatários da vantagem prevista por uma medida não são os reais beneficiários dessa medida, isso teria o efeito de impedir qualquer medida de recuperação a seu respeito, o que iria contra a solução decidida pelo Tribunal de Justiça.

247    No caso presente, as recorrentes invocam, em substância, uma diminuição ou mesmo o desaparecimento do benefício realizado pela exploração da vantagem que lhes é conferida pela medida controvertida.

248    De acordo com a jurisprudência acima referida no n.o 244, conforme acima interpretada no n.o 245, o facto, admitindo‑o demonstrado, de a vantagem fiscal resultante da medida controvertida ser, no caso, integralmente repercutida pelas empresas adquirentes no preço das ações das sociedades adquiridas e de o benefício resultante da medida controvertida realizado pelas empresas adquirentes na operação de compra se revelar, por isso, inexistente, não permite concluir que essas empresas não são os beneficiários da medida controvertida.

249    Resulta de cada um dos três fundamentos acima expostos nos n.os 241 a 248, que as empresas tributadas em Espanha e que adquirem participações em sociedades não residentes não só são os destinatários imediatos do auxílio em causa, mas também os seus reais beneficiários.

250    É o que afirma sem ambiguidade a Comissão na decisão recorrida, cuja fundamentação, suficientemente detalhada nesse ponto, em nada é incoerente.

251    A esse respeito, pode‑se referir que a Comissão indicou, no considerando 130 da decisão recorrida, que considerava que os beneficiários do auxílio eram as empresas que podiam aplicar a amortização fiscal do goodwill. Referiu, nomeadamente, que nenhum mecanismo garantia que a vantagem fosse total ou parcialmente transferida para os vendedores das participações em causa e que, mesmo que fosse esse o caso, a medida controvertida reforçaria a capacidade de o adquirente oferecer um preço mais alto, «o que assum[ia] uma importância primordial no caso de uma operação de aquisição concorrencial».

252    Por outro lado, há que rejeitar o argumento das recorrentes baseado numa alegada incoerência da prática da Comissão em matéria de identificação do beneficiário do auxílio.

253    Com efeito, de acordo com a jurisprudência, é unicamente no âmbito do artigo 107.o, n.o 1, TFUE que se deve apreciar o caráter de auxílio de Estado de uma dada medida e não à luz de uma alegada prática decisória anterior da Comissão (v. Acórdão de 15 de novembro de 2011, Comissão e Espanha/Government of Gibraltar e Reino Unido, C‑106/09 P e C‑107/09 P, EU:C:2011:732, n.o 136, e jurisprudência aí referida). Ora, a determinação do beneficiário do auxílio é uma das componentes da declaração da sua existência, que corresponde a uma situação objetiva e não pode depender do comportamento das instituições (v., neste sentido, Acórdão de 10 de dezembro de 2013, Comissão/Irlanda e o., C 272/12 P, EU:C:2013:812, n.o 53).

254    Resulta do exposto que improcede o segundo fundamento.

C.      Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação do princípio da proteção da confiança legítima

1.      Argumentos das partes

255    As recorrentes invocam, em substância, um erro de direito na fixação da data de referência tida em conta pela Comissão para determinar os auxílios a sujeitar a uma medida de recuperação. Entendem, assim, que a Comissão violou o princípio da proteção da confiança legítima, ao não tomar como data de referência a da publicação da decisão recorrida.

256    As recorrentes baseiam‑se, em particular, na jurisprudência dos tribunais da União e na prática decisória da Comissão, com base na qual invocam uma violação do princípio da igualdade de tratamento.

257    As recorrentes criticam a tese da Comissão de que, após a publicação da decisão de abertura, um operador diligente deveria evitar aplicar a medida controvertida até publicação da decisão final.

258    A título subsidiário, as recorrentes apresentam uma segunda alegação. Contestam as condições impostas pela Comissão para, em certos casos, ser tida em consideração como data de referência para a determinação dos auxílios a ser objeto de uma medida de recuperação a data da publicação da decisão recorrida. Segundo as recorrentes, a solução aplicada pela Comissão na decisão recorrida no âmbito do regime transitório era imprevisível para um operador diligente.

259    As recorrentes alegam também falta de fundamentação da decisão recorrida.

260    A Comissão alega que, em face da jurisprudência, o princípio da proteção da confiança legítima não foi violado.

261    Alega igualmente que o argumento relativo à sua prática anterior é irrelevante e, de qualquer forma, improcedente.

262    Alega, por último, que nenhuma inobservância do princípio da proteção da confiança legítima pode ser identificada nos casos em que a data de referência para a recuperação do auxílio é a data da publicação da decisão recorrida.

2.      Apreciação do Tribunal Geral

263    Há que recordar que decorre da jurisprudência constante que o direito de reclamar a proteção da confiança legítima exige a reunião de três pressupostos cumulativos. Em primeiro lugar, é necessário que a Administração tenha dado ao interessado garantias precisas, incondicionais e concordantes, emanadas de fontes autorizadas e fiáveis. Em segundo lugar, essas garantias devem ser capazes de criar uma expectativa legítima no espírito daquele a quem se dirigem. Em terceiro lugar, as garantias dadas devem estar em conformidade com as normas aplicáveis [v. Acórdãos de 16 de dezembro de 2008, Masdar (UK)/Comissão, C‑47/07 P, EU:C:2008:726, n.o 81, e jurisprudência aí referida, e de 23 de fevereiro de 2006, Cementbouw Handel & Industrie/Comissão, T‑282/02, EU:T:2006:64, n.o 77 e jurisprudência aí referida].

264    Há que recordar igualmente que o fundamento relativo à violação do princípio da proteção da confiança legítima não pode ser utilmente invocado para impugnar uma decisão da Comissão que qualifica uma medida nacional de auxílio de Estado, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, uma vez que o conceito de auxílio de Estado corresponde a uma situação objetiva e não pode depender do comportamento ou das declarações das instituições (v. n.o 229, supra). Assim, quando uma medida nacional pode ser devidamente qualificada de auxílio de Estado, as garantias anteriores relativas ao facto de essa medida não constituir um auxílio não podem respeitar o artigo 107.o, n.o 1, TFUE. Visto não estar preenchido o terceiro pressuposto acima indicado no n.o 263, está excluída qualquer violação do princípio da proteção da confiança legítima invocada contra a decisão da Comissão que qualifica essa medida de auxílio de Estado.

265    No entanto, o fundamento relativo à violação do princípio da proteção da confiança legítima pode ser utilmente invocado contra uma decisão em que a Comissão decide, por força do artigo 108.o, n.o 2, TFUE, que o Estado‑Membro em causa deve suprimir uma medida nacional ou modificá‑la no prazo que ela determinar (v., neste sentido, Acórdão de 10 de dezembro de 2013, Comissão/Irlanda e o., C‑272/12 P, EU:C:2013:812, n.o 53).

266    Pode ser, por exemplo, o caso de a Comissão obrigar o Estado‑Membro em causa a pôr fim, de forma progressiva, a um regime de auxílio existente que tenha passado a ser incompatível com o mercado interno (v. decisão em causa no Acórdão de 22 de junho de 2006, Bélgica e Forum 187/Comissão, C‑182/03 e C‑217/03, EU:C:2006:416), ou ainda de ordenar a recuperação de um auxílio novo pago sem notificação prévia à Comissão e por ela considerada incompatível com o mercado interno.

267    No caso deste último exemplo, aqui em causa, há que salientar que, se existisse uma norma ou um princípio que obrigassem a Comissão a ordenar a recuperação de qualquer auxílio ilegal e incompatível com o mercado interno, as garantias dadas quanto à inexistência de recuperação desse auxílio, que podem resultar de garantias dadas quanto à inexistência de qualificação da medida em causa como auxílio, seriam necessariamente contrárias a esse princípio ou a essa norma.

268    Assim, o terceiro dos pressupostos cumulativos de aplicação do princípio da proteção da confiança legítima (v. n.o 263, supra), o de as garantias dadas respeitarem as normas aplicáveis (Acórdãos de 16 de novembro de 1983, Thyssen/Comissão, 188/82, EU:C:1983:329, n.o 11; de 6 de fevereiro de 1986, Vlachou/Tribunal de Contas, 162/84, EU:C:1986:56, n.o 6; de 27 de março de 1990, Chomel/Comissão, T‑123/89, EU:T:1990:24, n.o 28; de 6 de julho de 1999, Forvass/Comissão, T‑203/97, EU:T:1999:135, n.o 70; de 18 de junho de 2014, Espanha/Comissão, T‑260/11, EU:T:2014:555, n.o 84; e de 22 de abril de 2016, Irlanda e Aughinish Alumina/Comissão, T‑50/06 RENV II e T 69/06 RENV II, EU:T:2016:227, n.o 213), nunca poderia estar preenchido.

269    A esse respeito, há que recordar que o Tribunal de Justiça, já no Acórdão de 21 de março de 1990, Bélgica/Comissão (C‑142/87, EU:C:1990:125, n.o 66), considerou que a eliminação de um auxílio ilegal incompatível com o mercado interno através da recuperação era a consequência lógica da declaração da sua ilegalidade.

270    Contudo, este nexo lógico estabelecido pela jurisprudência do Tribunal de Justiça entre a ilegalidade de um auxílio e a sua recuperação não leva a uma obrigação de a Comissão ordenar a recuperação de todo e qualquer auxílio ilegal e incompatível com o mercado interno.

271    Com efeito, como lembra a Comissão na Comunicação de 2007 intitulada «Para uma aplicação efetiva das decisões da Comissão que exigem que os Estados‑Membros procedam à recuperação de auxílios estatais ilegais e incompatíveis [com o mercado comum]» (JO 2007, C 272, p. 4), foi só na segunda metade dos anos 80 e nos anos 90 que ela começou a ordenar mais sistematicamente a recuperação dos auxílios ilegais e incompatíveis com o mercado interno e foi a adoção do Regulamento n.o 659/1999 que «instituiu a obrigação de a Comissão exigir a recuperação desse tipo de auxílios».

272    Essa obrigação resulta do primeiro período do artigo 14, n.o 1, do Regulamento n.o 659/1999, que dispõe que, nas decisões negativas relativas a auxílios ilegais, a Comissão «decidirá que o Estado‑Membro em causa deve tomar todas as medidas necessárias para recuperar o auxílio junto do beneficiário […]».

273    Não obstante a adoção dessa disposição, que parece impor à Comissão que ordene a recuperação de todo e qualquer auxílio ilegal e incompatível com o mercado interno, o fundamento relativo à violação do princípio da proteção da confiança legítima continua a ser utilmente oponível a uma decisão que ordena a recuperação de um auxílio novo pago sem notificação prévia da Comissão e por ela considerado incompatível com o mercado interno.

274    Com efeito, primeiro, uma exceção à obrigação de ordenar a recuperação de um auxílio ilegal e incompatível com o mercado interno está prevista logo no segundo período do artigo 14.o, n.o 1, do Regulamento n.o 659/1999, que dispõe que a Comissão não deve exigir a recuperação do auxílio se isso colidir com um princípio geral do direito da União.

275    Ora, o princípio da proteção da confiança legítima é reconhecido como um princípio geral do direito da União (Acórdão de 19 de maio de 1992, Mulder e o./Conselho e Comissão, C‑104/89 e C‑37/90, EU:C:1992:217, n.o 15; v. igualmente, neste sentido, Acórdão de 28 de abril de 1988, Mulder, 120/86, EU:C:1988:213, n.os 26 e 27).

276    Segundo, o artigo 14.o, n.o 1, do Regulamento n.o 659/1999, em particular o seu primeiro período, não pode ser interpretado no sentido de que tem o efeito de impedir que esteja preenchido o terceiro dos pressupostos cumulativos de aplicação do princípio da proteção da confiança legítima e de, assim, levar a que esteja excluída a aplicação desse princípio (v. n.os 263, 267 e 268, supra).

277    Com efeito, o segundo período do artigo 14.o, n.o 1, do Regulamento n.o 659/1999 visa precisamente assegurar a proteção da confiança legítima, conforme resulta da declaração 29/99 inscrita na ata da sessão do Conselho em que foi formalmente aprovado esse regulamento (Listas mensais dos atos do Conselho (atos) de março de 1999), declaração segundo a qual a «Comissão continua vinculada pelos princípios gerais de direito [da União], nomeadamente pelo princípio da confiança legítima, que prevalecem sobre o direito […] derivado».

278    Resulta do exposto que, para impugnar a legalidade da decisão recorrida na parte em que prevê a recuperação do auxílio concedido, as recorrentes podem invocar utilmente no Tribunal Geral um fundamento relativo à violação do princípio da proteção da confiança legítima e, a esse respeito, invocar garantias que possam ter‑lhes sido dadas pela Comissão quanto à inexistência de uma qualificação da medida controvertida como auxílio, o que implicava necessariamente que a vantagem que lhes era conferida por essa medida não seria objeto de recuperação (v. n.o 267, supra) ou apenas de uma recuperação respeitadora dessas garantias.

279    Há que verificar, portanto, se é procedente alguma das duas alegações invocadas pelas recorrentes em apoio do terceiro fundamento (v. n.os 255 e 258, supra).

a)      Quanto à primeira alegação, invocada a título principal

280    As recorrentes contestam o regime transitório aplicado pela Comissão na medida em que toma como data de referência a data de publicação da decisão de abertura. Entendem que a Comissão deveria ter tido em conta a data de publicação da decisão recorrida.

281    A título preliminar, refira‑se que, no considerando 184 da decisão recorrida, a Comissão entendeu que a medida controvertida constituía um auxílio de Estado ilegal, isto é, um auxílio novo executado em violação do artigo 108.o, n.o 3, TFUE.

282    É pacífico que o regime controvertido não foi notificado pelo Reino de Espanha à Comissão nos termos do artigo 108.o, n.o 3, TFUE.

283    Segundo as recorrentes, é certo que a medida não é seletiva fora da União e só passou a sê-lo dentro da mesma com o desaparecimento dos obstáculos às fusões transfronteiriças, que, segundo as recorrentes, não poderia ser declarado antes da entrada em vigor da Diretiva 2005/56/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de outubro de 2005, relativa às fusões transfronteiriças das sociedades de responsabilidade limitada (JO 2005, L 310, p. 1). Assim, a medida controvertida não constituía um auxílio no momento da sua entrada em vigor, pelo que poderia ser considerada um auxílio existente na aceção das disposições do artigo 1.o, alínea b), v), do Regulamento n.o 659/1999.

284    No entanto, com este raciocínio, as recorrentes baseiam‑se no postulado de que a existência de obstáculos às concentrações transfronteiriças permitiria considerar não seletiva essa medida.

285    Ora, a irrelevância desse postulado já foi acima declarada, nomeadamente nos n.os 201, 202 e 216.

286    Por conseguinte, pode‑se concluir que as recorrentes não demonstraram que a medida controvertida constituía um auxílio existente. Teve razão, pois, a Comissão ao qualificá‑la de auxílio ilegal.

287    Ora, quando um auxílio é executado sem notificação prévia à Comissão, sendo, por isso, ilegal nos termos do artigo 108.o, n.o 3, TFUE, o beneficiário do auxílio não pode, nesse momento, ter confiança legítima na regularidade da sua concessão, salvo em circunstâncias excecionais (v., neste sentido, Acórdãos de 24 de novembro de 1987, RSV/Comissão, 223/85, EU:C:1987:502, n.os 16 e 17; de 20 de setembro de 1990, Comissão/Alemanha, C‑5/89, EU:C:1990:320, n.os 14 e 16; de 13 de junho de 2013, HGA e o./Comissão, C‑630/11 P a C‑633/11 P, EU:C:2013:387, n.o 134; de 27 de janeiro de 1998, Ladbroke Racing/Comissão, T‑67/94, EU:T:1998:7, n.o 182; de 16 de outubro de 2014, Alcoa Trasformazioni/Comissão, T‑177/10, EU:T:2014:897, n.o 61; e de 22 de abril de 2016, Irlanda e Aughinish Alumina/Comissão, T‑50/06 RENV II e T‑69/06 RENV II, EU:T:2016:227, n.o 214).

288    Na decisão recorrida, a Comissão, entendendo que estava em presença dessas circunstâncias (considerandos 38 e 210 da decisão recorrida), não ordenou a recuperação do auxílio em causa, nomeadamente, quanto aos beneficiários da medida controvertida que tinham adquirido participações numa empresa estrangeira até 21 de dezembro de 2007, data de publicação da decisão de abertura.

289    A aplicação desse regime transitório justificava‑se, segundo a Comissão, pelo facto de esta ter dado garantias específicas, incondicionais e concordantes de uma natureza tal que os beneficiários da medida controvertida tinham alimentado esperanças justificadas de que o regime de amortização do goodwill era legal, no sentido de que não integrava o âmbito de aplicação das regras relativas aos auxílios de Estado, e que, por conseguinte, nenhuma das vantagens resultantes desse regime poderia posteriormente ser objeto de um procedimento de recuperação (considerando 192 da decisão recorrida).

290    Assim, em 19 de janeiro de 2006, em resposta à pergunta de um deputado do Parlamento, um membro da Comissão, em nome desta, declarou o seguinte:

«A Comissão não está em condições de confirmar se as elevadas ofertas das empresas espanholas se devem à legislação fiscal espanhola, que permite que as empresas amortizem [o goodwill financeiro] mais rapidamente do que as homólogas francesas ou italianas. A Comissão pode, contudo, confirmar que as referidas legislações nacionais não são abrangidas pelo âmbito de aplicação das regras relativas aos auxílios estatais, pois constituem regras gerais de depreciação que são aplicáveis a todas as empresas com sede em território espanhol.»

291    Do mesmo modo, em 17 de fevereiro de 2006, em resposta à pergunta de um deputado do Parlamento, um membro da Comissão declarou o seguinte, ainda em nome da instituição:

«Segundo as informações de que a Comissão dispõe, tudo indica que as regras (fiscais) espanholas relativas à amortização de goodwill são aplicáveis a todas as empresas espanholas, públicas ou privadas, independentemente da sua dimensão, setor ou forma jurídica, pois constituem regras gerais de depreciação. Por conseguinte, não parecem estar abrangidas pelo âmbito de aplicação das regras relativas aos auxílios estatais.»

292    Embora as respostas da Comissão não tenham sido objeto de publicação integral no Jornal Oficial da União Europeia, o número das perguntas, o seu autor, o seu objeto, a instituição destinatária e a menção da existência e da data das respostas foram objeto dessa publicação (JO 2006, C 327, pp. 164 e 192).

293    No caso presente, não se contesta que os elementos referidos nos números anteriores tenham podido gerar confiança legítima nas recorrentes.

294    O diferendo entre as partes é relativo às consequências a extrair da adoção em 10 de outubro de 2007 da decisão de abertura, que foi publicada, antecedida do seu resumo, no Jornal Oficial da União Europeia em 21 de dezembro de 2007 (v. n.o 280, supra).

295    A esse respeito, a jurisprudência do Tribunal de Justiça, baseada na redação do artigo 108.o, n.o 3, TFUE, prevê que, no caso de a Comissão abrir o procedimento formal de investigação, o último período do artigo 108.o , n.o 3, TFUE proíbe o Estado‑Membro interessado de executar as medidas projetadas antes de esse procedimento ter chegado a uma decisão final. Os auxílios novos estão, pois, sujeitos a um controlo preventivo exercido pela Comissão e, em princípio, não podem ser executados pelo Estado‑Membro em causa enquanto essa instituição não os tiver declarado compatíveis com o Tratado (Acórdão de 30 de junho de 1992, Espanha/Comissão, C‑312/90, EU:C:1992:282, n.o 16).

296    Além disso, o Tribunal de Justiça já decidiu no sentido de que, quando a Comissão tiver aberto o procedimento formal de investigação de uma medida nacional nova em execução, o efeito suspensivo dessa decisão impõe‑se, incluindo aos tribunais nacionais, que são obrigados, sendo caso disso, a adotar todas as medidas necessárias para extrair as consequências de uma eventual violação da obrigação de suspensão da execução dessa medida (Acórdão de 21 de novembro de 2013, Deutsche Lufthansa, C‑284/12, EU:C:2013:755, n.o 42).

297    Por último, já se decidiu no sentido de que, no caso de uma decisão de abrir o procedimento formal de investigação de uma medida em execução qualificada de auxílio novo pela Comissão, existia, depois da sua adoção, pelo menos uma dúvida significativa sobre a legalidade da medida em causa que, sem prejuízo da faculdade de requerer medidas cautelares no foro das medidas provisórias, devia levar o Estado‑Membro a suspender o seu pagamento, uma vez que a abertura do procedimento previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE excluía uma decisão imediata que concluísse pela compatibilidade com o mercado interno e permitisse prosseguir regularmente a execução dessa medida. Essa dúvida sobre a legalidade da medida em causa devia igualmente levar as empresas beneficiárias da medida a recusar de qualquer forma novos pagamentos ou a provisionar as quantias necessárias a eventuais reembolsos posteriores (Acórdão de 9 de outubro de 2001, Itália/Comissão, C‑400/99, EU:C:2001:528, n.o 59).

298    Assim, tendo em conta o efeito suspensivo de uma decisão de abertura de procedimento formal de investigação quanto a uma medida nacional nova em execução, os beneficiários dessa medida não podem, como no caso presente, invocar circunstâncias excecionais que possam justificar a manutenção de uma confiança legítima depois dessa decisão (v., neste sentido, Acórdão de 22 de abril de 2016, França/Comissão, T‑56/06 RENV II, EU:T:2016:228, n.os 50 a 56).

299    Por outro lado, o regime transitório adotado pela Comissão permitiu aos beneficiários do auxílio que adquiriram participações (ou que se tinham obrigado irrevogavelmente a adquirir participações) antes da data de publicação da decisão de abertura, continuarem a estar sujeitos a essa medida durante todo o período de amortização previsto. As empresas em causa podiam, assim, depois dessa data, adaptar o seu comportamento de forma imediata, não contraindo uma obrigação de aquisição de participações numa empresa estrangeira se entendessem que, dado o risco de não poderem beneficiar a prazo da vantagem fiscal prevista pela medida controvertida, essa obrigação não apresentava suficiente interesse económico.

300    Acrescente‑se, por último, que, no resumo da decisão de abertura publicado, com essa decisão, no Jornal Oficial da União Europeia de 21 de dezembro de 2007, a Comissão indicou que o regime fiscal em causa lhe parecia preencher todos os critérios em vigor para ser considerado auxílio de Estado. Precisou igualmente o seguinte:

«[[…] A] medida constitui uma derrogação ao sistema fiscal espanhol, dado ser prevista a amortização da diferença relativamente ao valor do património (financial goodwill), mesmo se tal não for inscrito nas contas da empresa adquirente devido à ausência de qualquer conjugação de atividades entre a empresa adquirente e a empresa adquirida. Confere, por conseguinte, uma vantagem económica que consiste na redução da carga fiscal das empresas que adquirem uma participação significativa em empresas estrangeiras. A medida parece envolver recursos estatais e ser específica, uma vez que favorece as empresas que realizam determinados tipos de investimentos.

A medida parece afetar as trocas comerciais entre os Estados‑Membros porque reforça as condições comerciais dos seus beneficiários que realizam certas atividades no domínio da gestão de participações sociais e a concorrência é suscetível de ser afetada na medida em que, ao subvencionar as empresas espanholas que apresentam ofertas de aquisição de empresas no estrangeiro, coloca os concorrentes não espanhóis numa situação de desvantagem relativa em termos de apresentação de ofertas comparáveis nos mercados relevantes.

Nenhuma das derrogações previstas nos n.os 2 e 3 do artigo [107.o] parece ser aplicável e o auxílio afigura‑se incompatível com o mercado [interno]. A Comissão considera consequentemente que, mediante a aplicação da medida em causa, as Autoridades espanholas podem ter concedido um auxílio estatal na aceção do n.o 1 do artigo [107.o] do Tratado.»

301    Tendo em conta os elementos acima referidos no n.o 300, à data da publicação da decisão de abertura, as empresas às quais se aplicava ou era suscetível de aplicar o regime controvertido podiam ter tomado conhecimento dos fundamentos precisos pelos quais a Comissão entendia que as medidas previstas por esse regime lhe pareciam preencher cada um dos pressupostos previstos no artigo 107.o TFUE e podiam ser consideradas incompatíveis com o mercado interno.

302    Além disso, não resulta do resumo da decisão de abertura ou da cronologia que consta dos considerandos 1 a 7 dessa decisão que o regime controvertido pudesse respeitar a um auxílio existente. Em particular, as empresas em causa podiam compreender que esse regime, que tinha sido executado antes da abertura do procedimento formal de investigação, não tinha sido objeto de autorização da Comissão.

303    Resulta do exposto que, no caso, bastava a adoção da decisão de abertura para pôr fim à confiança legítima que as declarações acima referidas nos n.os 290 e 291 pudessem ter gerado nos beneficiários da medida controvertida.

304    Os outros argumentos das recorrentes não são suscetíveis de pôr esta conclusão em causa.

305    Em primeiro lugar, é certo que, no processo que deu origem ao Acórdão de 24 de novembro de 1987, RSV/Comissão (223/85, EU:C:1987:502, n.o 6), tinha sido pago um auxílio novo antes da sua notificação à Comissão.

306    No entanto, as quantias cuja recuperação a Comissão pedia tinham sido pagas antes da adoção de qualquer decisão de abertura do procedimento formal de investigação (v., a esse respeito, relatório para audiência publicado na Coletânea, pp. 4621 e 4622).

307    Assim, a solução dada no Acórdão de 24 de novembro de 1987, RSV/Comissão (223/85, EU:C:1987:502), não é transponível, uma vez que, no caso, o auxílio cuja recuperação a Comissão ordenou ainda não tinha sido concedido à data de publicação da decisão de abertura e dizia mesmo respeito a uma vantagem concedida com base em comportamentos adotados pelos beneficiários do auxílio depois da publicação dessa decisão (v. n.o 299, supra).

308    Em segundo lugar, as recorrentes invocam o Acórdão de 22 de junho de 2006, Bélgica e Forum 187/Comissão (C‑182/03 e C‑217/03, EU:C:2006:416), relativo ao regime fiscal belga dos centros de coordenação.

309    No entanto, existem diferenças substanciais entre os contextos da presente lide e do processo que deu origem ao Acórdão de 22 de junho de 2006, Bélgica e Forum 187/Comissão (C‑182/03 e C‑217/03, EU:C:2006:416).

310    Com efeito, primeiro, a Comissão, por duas decisões sucessivas (n.o 16), tinha declarado nesse processo que o regime em causa não continha elementos de auxílio. Era, pois, um regime de auxílio existente ao qual não era aplicável a jurisprudência relativa à recuperação dos auxílios ilegais incompatíveis com o mercado interno, que só leva em conta o princípio da proteção da confiança legítima em circunstâncias excecionais (v. n.o 287, supra).

311    Do mesmo modo, não eram aplicáveis as disposições do Tratado relativas aos efeitos da adoção de uma decisão de abertura do procedimento formal de investigação nem a jurisprudência que extrai as consequências da aplicação dessas disposições quando um auxílio foi pago ilegalmente (v. n.os 295 a 298, supra), as quais limitam igualmente a aplicação do princípio da proteção da confiança legítima.

312    De resto, nas suas Conclusões nos processos anexos Bélgica e Forum 187/Comissão (C‑182/03 e C‑217/03, EU:C:2006:89, n.os 404 e 405), o advogado‑geral P. Léger insistia na especificidade de uma situação em que a confiança era gerada pela adoção de decisões anteriores da Comissão e que devia, portanto, ser objeto de proteção particular.

313    Com efeito, nesse caso, as decisões da Comissão que declaram a inexistência de elementos de auxílio reforçam a situação jurídica das pessoas a quem se aplica a medida em causa, ao admitirem a sua conformidade com as disposições do artigo 107.o TFUE até à adoção de uma eventual decisão em sentido contrário.

314    A esse respeito, há que recordar que os atos das instituições da União gozam da presunção de legalidade enquanto não forem revogados ou anulados (Acórdão de 15 de junho de 1994, Comissão/BASF e o., C‑137/92 P, EU:C:1994:247, n.o 48).

315    Segundo, no processo que deu origem ao Acórdão de 22 de junho de 2006, Bélgica e Forum 187/Comissão (C‑182/03 e C‑217/03, EU:C:2006:416), estava em causa a possibilidade de ser ou não prorrogado o período em que os beneficiários de um regime de auxílio estavam abrangidos por esse regime.

316    Nesse processo, o benefício do regime em causa estava sujeito à obtenção de um reconhecimento concedido por dez anos e renovável. A decisão aí impugnada previa que a partir da data da sua notificação, os beneficiários desse reconhecimento não podiam, chegado o seu termo, obter a sua renovação (v., neste sentido, Acórdão de 22 de junho de 2006, Bélgica e Forum 187/Comissão, C‑182/03 e C‑217/03, EU:C:2006:416, n.os 32 a 34).

317    O Tribunal de Justiça considerou que o prazo de cerca de oito meses decorrido entre a publicação da decisão de abertura do procedimento formal de investigação e a decisão impugnada era insuficiente para permitir aos beneficiários do auxílio tomar em consideração a eventualidade de uma decisão que pusesse termo fim ao regime em causa. Baseou‑se, nomeadamente, no facto de esse regime envolver medidas contabilísticas e decisões financeiras e económicas que não podiam ser tomadas num prazo tão curto para um operador económico sensato (Acórdão de 22 de junho de 2006, Bélgica e Forum 187/Comissão, C–182/03 e C–217/03, EU:C:2006:416, n.o 162).

318    No seu Acórdão de 17 de setembro de 2009, Comissão/Koninklijke FrieslandCampina (C‑519/07 P, EU:C:2009:556), o Tribunal de Justiça salientou que, no processo que deu origem ao Acórdão de 22 de junho de 2006, Bélgica e Forum 187/Comissão (C‑182/03 e C‑217/03, EU:C:2006:416), os beneficiários do reconhecimento, que não podiam obter a sua renovação por causa da decisão da Comissão, tinham, devido a esse reconhecimento, procedido a grandes investimentos e contraído obrigações a longo prazo (n.o 91).

319    Nas suas Conclusões nos processos Bélgica e Forum 187/Comissão (C‑182/03 e C‑217/03, EU:C:2006:89), o advogado‑geral P. Léger declarou que o regime em causa nesse processo constituía um regime fiscal derrogatório do direito comum, que continha várias isenções e um modo particular de determinação da base tributável e que a eventualidade da eliminação de medidas desse tipo era muito mais difícil de ser tida em conta por uma empresa do que a da eliminação de uma subvenção, pois necessitava não só de ter em consideração as consequências económicas dessa eliminação mas também de proceder a uma grande reorganização, nomeadamente no plano da contabilidade (n.o 418).

320    Pelo contrário, no caso presente, como acima se considerou no n.o 299, as empresas às quais se aplicava ou era suscetível de aplicar o regime controvertido estavam em condições, logo na data de publicação da decisão de abertura, de adaptar o seu comportamento de forma imediata, não contraindo nenhuma obrigação relativa a uma aquisição de participação numa empresa estrangeira se entendessem que, dado o risco de não poderem beneficiar a prazo da vantagem fiscal prevista no regime controvertido, essa obrigação não tinha suficiente interesse económico.

321    Por conseguinte, o conjunto das circunstâncias específicas do processo que deram origem ao Acórdão de 22 de junho de 2006, Bélgica e Forum 187/Comissão (C‑182/03 e C‑217/03, EU:C:2006:416), que acabam de ser acima expostas nos n.os 308 a 320, não se verificam no caso presente, quer se trate de o auxílio em causa nesse processo ser um auxílio existente quer se trate da necessidade de os beneficiários desse auxílio, na sequência da sua proibição, adotarem medidas que não o pudessem ser a curto prazo. Por conseguinte, as recorrentes não podem invocar esse acórdão.

322    Em terceiro lugar, as recorrentes invocam uma violação do princípio da igualdade de tratamento. Invocam decisões da Comissão tomadas relativamente a regimes fiscais que apresentavam, como indicam as próprias recorrentes, semelhanças com o regime fiscal belga dos centros de coordenação, isto é, o regime analisado no processo que deu origem ao Acórdão de 22 de junho de 2006, Bélgica e Forum 187/Comissão (C‑182/03 e C‑217/03, EU:C:2006:416, n.o 16). Ora, conforme acima se referiu no n.o 321, as características desse regime distinguem‑se das do regime controvertido.

323    As situações invocadas pelas recorrentes a esse respeito não são, pois, comparáveis à situação do caso presente.

324    Por outro lado, na medida em que as recorrentes se referem tanto às decisões da Comissão tomadas quanto a regimes fiscais que, em seu entender, apresentam semelhanças com o regime fiscal belga dos centros de coordenação como a várias outras decisões da Comissão relativas a medidas fiscais não demonstra que a Comissão tivesse dado o benefício da confiança legítima num contexto caracterizado pela concessão, mesmo depois da decisão de abertura, de uma vantagem resultante de um auxílio novo não notificado à Comissão.

325    Também não se demonstrou, ou sequer alegou, que os beneficiários das vantagens em causa nas decisões invocadas pelas recorrentes podiam adaptar o seu comportamento de forma imediata (v. n.o 320, supra).

326    Na falta de prova ou, a fortiori, de alegação de circunstâncias que pudessem eventualmente permitir justificar a concessão de um regime transitório cujos efeitos prosseguissem para além da data de publicação da decisão de abertura, há que rejeitar o argumento das recorrentes baseado na prática decisória da Comissão em matéria de proteção da confiança legítima.

327    No que respeita à Decisão da Comissão, de 31 de outubro de 2000, relativa à legislação espanhola sobre o imposto sobre as sociedades [notificada com o número C(2000) 3269] (JO 2001, L 60, p. 57), a única decisão resultante da prática decisória da Comissão invocada pelas recorrentes relativamente à qual juntam suficientes elementos que permitam ao Tribunal Geral analisar de forma detalhada se o contexto desse processo era comparável ao do caso presente, trata‑se, como acertadamente salienta a Comissão, de uma decisão adotada em aplicação do Tratado CECA, no âmbito do qual as condições de controlo dos auxílios não eram comparáveis às previstas pelo Tratado CE e, depois, pelo Tratado FUE. Em particular, não existiam no Tratado CECA disposições semelhantes à do artigo 108.o, n.o 3, TFUE, no qual se baseia a jurisprudência acima referida no n.o 295.

328    Quanto ao resto, essa decisão é anterior ao Acórdão de 9 de outubro de 2001, Itália/Comissão (C‑400/99, EU:C:2001:528), acima referido no n.o 297, segundo o qual, depois da adoção de uma decisão de abertura do procedimento formal de investigação, existe pelo menos uma grande dúvida quanto à conformidade da medida em causa com as regras da União em matéria de auxílios de Estado.

329    Essa decisão não pode, pois, levar a concluir pela existência de uma confiança legítima que as recorrentes possam invocar.

330    Resulta do exposto que, mesmo admitindo que o argumento relativo à prática decisória anterior da Comissão quanto às modalidades de recuperação de um auxílio e ao seu caráter contrário ou não ao princípio da proteção da confiança legítima fosse relevante para efeitos de se poder invocar esse princípio, esse argumento é, de qualquer forma, improcedente.

331    Em face de todas estas considerações, improcede a primeira alegação das recorrentes.

b)      Quanto à segunda alegação, invocada a título subsidiário

332    A título preliminar, refira‑se que a Comissão, para além de não ordenar a recuperação do auxílio em causa, nomeadamente quanto a beneficiários da medida controvertida que tivessem adquirido participações numa sociedade estrangeira até 21 de dezembro de 2007, data de publicação da decisão de abertura (v. n.o 280, supra), também não ordenou a recuperação desse auxílio quanto aos beneficiários da medida controvertida que tivessem adquirido, até 25 de maio de 2011, data de publicação da decisão recorrida, participações maioritárias em sociedades estrangeiras estabelecidas na China, na Índia ou noutros países em que se tivesse demonstrado ou pudesse demonstrar a existência de obstáculos jurídicos expressos às concentrações transfronteiriças de empresas.

333    A Comissão justificou a aplicação desse regime transitório indicando que, no considerando 117 da Decisão de 28 de outubro de 2009, podia ter incutido esperanças fundadas quanto à inexistência de auxílio de Estado no respeitante «às transações de empresas espanholas naqueles países terceiros em que existem “obstáculos jurídicos” expressos às concentrações transfronteiras de empresas e em que a empresa espanhola em causa havia adquirido a “maioria do capital social”» (considerando 197 da decisão recorrida).

334    As recorrentes contestam as condições impostas pela Comissão para, em certos casos, ser tida em consideração, como data de referência na determinação dos auxílios que devem ser sujeitos a uma medida de recuperação, a data de publicação da decisão recorrida. Entendem que essa data deveria ter sido tida em consideração para todas as operações realizadas nos países terceiros, pois entendem que a confiança legítima gerada, nomeadamente pelo considerando 117 da Decisão de 28 de outubro de 2009, não se limitava apenas aos casos que acabaram por ser tidos em conta pela Comissão na decisão recorrida.

335    A esse respeito, há que recordar que, no caso de um auxílio novo, a adoção de uma decisão de abertura do procedimento formal de investigação dá origem a efeitos suspensivos e põe termo à confiança legítima que anteriormente pudesse ter sido gerada nos seus beneficiários (v. n.os 295 a 298, supra).

336    Ora, na medida em que, na Decisão de 28 de outubro de 2009, a Comissão não concluiu, no respeitante às operações transfronteiriças, pela inexistência de auxílio ou pela existência de um auxílio compatível com o mercado interno, tendo‑se limitado a decidir prosseguir com o procedimento formal de investigação, persistiam os efeitos da decisão de abertura, que tinham posto termo à confiança legítima que pudesse ter sido gerada antes da sua publicação.

337    Há que recordar igualmente que, no processo que deu origem ao Acórdão de 24 de novembro de 1987, RSV/Comissão (223/85, EU:C:1987:502), a invocação do princípio da proteção da confiança legítima levou à anulação de uma decisão da Comissão que ordenou a recuperação de um auxílio ilegal no caso de, ao contrário do que acontece no caso presente, as quantias cuja recuperação a Comissão pedia terem sido pagas antes da adoção de qualquer decisão de abertura do procedimento formal de investigação (v. n.os 306 e 307, supra).

338    Por conseguinte, as recorrentes não podem invocar uma inobservância do princípio da proteção da confiança legítima com base em garantias que a Comissão pudesse ter dado na Decisão de 28 de outubro de 2009 ou noutros documentos posteriores.

339    Acresce que o facto, admitindo‑o demonstrado, de o regime transitório impugnado apresentar incoerências ou não respeitar o princípio da segurança jurídica não é suscetível de demonstrar que a Comissão teria incutido — antes da adoção da decisão recorrida — esperanças fundadas nas recorrentes, uma vez que esse regime só foi instituído pela Comissão na fase da adoção dessa decisão. Há que rejeitar, portanto, o argumento em causa, que só é apresentado em apoio do fundamento relativo à inobservância do princípio da proteção da confiança legítima.

340    De qualquer forma, há que recordar que o direito de invocar o princípio da proteção da confiança legítima exige a reunião de três pressupostos cumulativos (v. n.o 263, supra).

341    Ora, nenhum elemento dos autos invocado pelas recorrentes permite demonstrar o preenchimento dos três pressupostos cumulativos acima mencionados no n.o 340.

342    Assim, primeiro, na Decisão de 28 de outubro de 2009 e, em particular, no seu considerando 117, é certo que a Comissão manteve em aberto a possibilidade de se justificar a aplicação de um tratamento fiscal diferenciado às operações transfronteiriças realizadas fora da União. Afirmou, nomeadamente, que não podia «a priori excluir por completo esta diferenciação» no respeitante a essas operações e decidiu prosseguir com o respetivo procedimento formal de investigação. Ao proceder deste modo, a Comissão não forneceu, no entanto, garantias suficientemente precisas e incondicionais para gerar novamente uma confiança legítima num contexto em que, estando em causa um auxílio ilegal, tinha sido adotada uma decisão de abertura do procedimento formal de investigação mesmo antes de ocorrer a atuação que levou à concessão da vantagem cuja recuperação se pedia (v. n.os 299, 307 e 320, supra).

343    Segundo, as recorrentes invocam uma carta, com data de 16 de outubro de 2009, do membro da Comissão encarregue da concorrência, cuja apresentação requerem que seja ordenada pelo Tribunal Geral.

344    A esse respeito, refira‑se que se trata de uma carta dirigida ao ministro espanhol da Economia e das Finanças e não às recorrentes. Acresce que não resulta dos autos que essa carta se destinasse a ser publicada ou divulgada. Por último, o simples facto de as recorrentes requererem ao Tribunal Geral que obtenha da Comissão a comunicação dessa carta demonstra que não tinham conhecimento do seu conteúdo.

345    Neste contexto, as recorrentes não referem qualquer circunstância que permita concluir, de acordo com os primeiro e segundo pressupostos cumulativos acima mencionados no n.o 263, que, pelo ofício de 16 de outubro de 2009, a Comissão lhes deu garantias precisas e concordantes capazes de gerar uma expectativa legítima no seu espírito.

346    A esse respeito, há que acrescentar que devem ser indeferidos os requerimentos de medidas de organização do processo apresentados pelas recorrentes na medida em que pedem a comunicação da carta de 16 de outubro de 2009, uma vez que essa carta foi comunicada ao Tribunal Geral pelo Reino de Espanha.

347    Resulta do exposto que há que rejeitar a segunda alegação e, com ela, todo o terceiro fundamento.

348    Quanto à falta de fundamentação da decisão recorrida, mesmo admitindo que essa falta fosse invocada pelas recorrentes, há que observar que a Comissão, conforme resulta da análise de mérito que o Tribunal Geral acima teve a possibilidade de fazer, explicou e justificou de forma suficientemente precisa e coerente na decisão recorrida as modalidades de recuperação do auxílio para permitir às recorrentes impugnar a validade dessa decisão e ao juiz da União exercer a fiscalização da sua legalidade (v., neste sentido, Acórdão de 18 de setembro de 1995, Tiercé Ladbroke/Comissão, T‑471/93, EU:T:1995:167, n.o 29). A esse respeito, é possível remeter, em particular, para os n.os 281, 289 e 333, supra, onde se faz referência expressa a certas passagens da decisão recorrida.

349    Assim, mesmo admitindo que o terceiro fundamento visava igualmente impugnar a legalidade formal da decisão recorrida, teria de ser, de qualquer forma, julgado improcedente.

350    Resulta do exposto que improcedem na íntegra os fundamentos do presente recurso.

351    Há, portanto, que negar integralmente provimento ao recurso.

IV.    Quanto às despesas

352    Em conformidade com o artigo 219.o do Regulamento de Processo, nas decisões do Tribunal Geral proferidas após anulação e remessa, este decide das despesas relativas, por um lado, aos processos que nele correram e, por outro, ao processo de recurso para o Tribunal de Justiça. Na medida em que, no Acórdão World Duty Free, o Tribunal de Justiça reservou para final as despesas das recorrentes e da Comissão, cabe ao Tribunal Geral decidir igualmente, no presente acórdão, das suas despesas relativas ao processo C‑21/15 P (v. n.o 18, supra).

353    Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo as recorrentes sido vencidas, há que condená‑las a suportar as suas próprias despesas e as despesas da Comissão, de acordo com o pedido por esta formulado.

354    Quanto aos intervenientes, na medida em que, no Acórdão World Duty Free, o Tribunal de Justiça decidiu das suas despesas, não há que conhecer das suas despesas relativas ao presente processo.

355    De acordo com o artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, segundo o qual os Estados‑Membros e as instituições intervenientes no litígio suportam as suas próprias despesas, há que decidir que a República Federal da Alemanha, a Irlanda e o Reino de Espanha suportarão as respetivas despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Nona Secção Alargada)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Banco Santander, SA, e a Santusa Holding, SL, suportarão as suas próprias despesas e as despesas da Comissão Europeia.

3)      A República Federal da Alemanha, a Irlanda e o Reino de Espanha suportarão as respetivas despesas.

Gervasoni

Madise

da Silva Passos

Kowalik‑Bańczyk

 

      Mac Eochaidh

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 15 de novembro de 2018.

Assinaturas


Índice


I. Antecedentes do litígio

II. Tramitação do processo e pedidos das partes

III. Questão de direito

A. Quanto ao primeiro fundamento, relativo à falta de seletividade da medida controvertida

1. Argumentos das partes

2. Apreciação do Tribunal Geral

a) Quanto à falta de seletividade prima facie

b) Quanto à existência de uma derrogação

1) Quanto à primeira fase.

2) Quanto à segunda etapa

c) Quanto ao caráter justificado da medida controvertida face à natureza e ao conjunto do sistema em que se insere (terceira etapa)

B. Quanto ao segundo fundamento, relativo a um erro na identificação do beneficiário da medida controvertida

1. Argumentos das partes

2. Apreciação do Tribunal Geral

C. Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação do princípio da proteção da confiança legítima

1. Argumentos das partes

2. Apreciação do Tribunal Geral

a) Quanto à primeira alegação, invocada a título principal

b) Quanto à segunda alegação, invocada a título subsidiário

IV. Quanto às despesas


*      Língua do processo: espanhol.