Language of document : ECLI:EU:C:2019:296

DESPACHO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)

10 de abril de 2019 (*)

«Reenvio prejudicial — Artigo 99.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça — Transportes rodoviários — Regulamento (CE) n.º 561/2006 — Artigo 4.º, alínea i) — Conceito de “semana” — Período de repouso semanal — Métodos de cálculo»

No processo C‑834/18,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo do Trabalho de Portimão – Juiz 1 (Portugal), por Decisão de 17 de dezembro de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 28 de dezembro de 2018, no processo

Rolibérica, Lda

contra

Autoridade para as Condições do Trabalho,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

composto por: C. Toader, presidente de secção, A. Rosas (relator) e L. Bay Larsen, juízes,

advogado‑geral: P. Pikamäe,

secretário: A. Calot Escobar,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de se pronunciar por meio de despacho fundamentado, nos termos do artigo 99.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça,

profere o presente

Despacho

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação das disposições relativas ao período de repouso semanal do Regulamento (CE) n.º 561/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março de 2006, relativo à harmonização de determinadas disposições em matéria social no domínio dos transportes rodoviários, que altera os Regulamentos (CEE) n.º 3821/85 e (CE) n.º 2135/98 do Conselho e revoga o Regulamento (CEE) n.º 3820/85 do Conselho (JO 2006, L 102, p. 1).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Rolibérica, Lda, à Autoridade para as Condições do Trabalho (Portugal) (a seguir «ACT») a respeito da aplicação das normas relativas aos períodos de repouso semanal dos condutores de veículos da Rolibérica no âmbito da sua atividade.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O considerando 13 do Regulamento n.º 561/2006 dispõe:

«São necessárias definições completas de todos os termos básicos, a fim de facilitar a interpretação do presente regulamento e assegurar a sua aplicação uniforme. Além disso, há que envidar esforços para assegurar uma interpretação e aplicação uniformes do presente regulamento pelas instâncias de controlo nacionais. A definição de “semana” constante do presente regulamento não deverá impedir o condutor de iniciar a sua semana de trabalho em qualquer dia da semana.»

4        O artigo 1.° do referido regulamento prevê:

«O presente regulamento estabelece regras em matéria de tempos de condução, pausas e períodos de repouso para os condutores envolvidos no transporte rodoviário de mercadorias e de passageiros, visando harmonizar as condições de concorrência entre modos de transporte terrestre, especialmente no setor rodoviário, e melhorar as condições de trabalho e a segurança rodoviária. O presente regulamento pretende igualmente promover uma melhoria das práticas de controlo e aplicação da lei pelos Estados‑Membros e das práticas laborais no setor dos transportes rodoviários.»

5        O artigo 4.° do referido regulamento tem a seguinte redação:

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

[...]

f)      “Repouso”: período ininterrupto durante o qual o condutor pode dispor livremente do seu tempo;

[...]

h)      “Período de repouso semanal”: período semanal durante o qual o condutor pode dispor livremente do seu tempo e que compreende um “período de repouso semanal regular” ou um “período de repouso semanal reduzido”:

–        “período de repouso semanal regular”: período de repouso de, pelo menos, 45 horas;

–        “período de repouso semanal reduzido”: período de repouso de menos de 45 horas, que pode, nas condições previstas no n.º 6 do artigo 8.º, ser reduzido para um mínimo de 24 horas consecutivas;

i)      “Semana”: período entre as 00h00 de segunda‑feira e as 24h00 de domingo;

[...]»

6        O artigo 8.° do mesmo regulamento enuncia:

«1.      O condutor deve gozar períodos de repouso diários e semanais.

2.      O condutor deve gozar um novo período de repouso diário dentro de cada período de 24 horas após o final do período de repouso diário ou semanal precedente.

Se a parte do período de repouso diário abrangida pelo período de 24 horas tiver pelo menos 9 horas mas menos de 11 horas, o período de repouso diário em questão será considerado como um período de repouso diário reduzido.

3.      O período de repouso diário pode ser alargado para perfazer um período de repouso semanal regular ou um período de repouso semanal reduzido.

4.      O condutor pode fazer, no máximo, três períodos de repouso diário reduzido entre cada dois períodos de repouso semanal.

5.      Não obstante o disposto no n.º 2, o condutor de um veículo com tripulação múltipla deve gozar um novo período de repouso diário de pelo menos 9 horas nas 30 horas que se sigam ao termo de um período de repouso diário ou semanal.

6.      Em cada período de duas semanas consecutivas, o condutor deve gozar pelo menos:

—      dois períodos de repouso semanal regular, ou

—      um período de repouso semanal regular e um período de repouso semanal reduzido de, no mínimo, 24 horas. Todavia, a redução deve ser compensada mediante um período de repouso equivalente, gozado de uma só vez, antes do final da terceira semana a contar da semana em questão.

O período de repouso semanal deve começar o mais tardar no fim de seis períodos de 24 horas a contar do fim do período de repouso semanal anterior.

7.      Qualquer período de repouso gozado a título de compensação de um período de repouso semanal reduzido deve ser ligado a outro período de repouso de, pelo menos, 9 horas.

8.      Caso o condutor assim o deseje, os períodos de repouso diário e os períodos de repouso semanal reduzido fora do local de afetação podem ser gozados no veículo, desde que este esteja equipado com instalações de dormida adequadas para cada condutor e não se encontre em andamento.

9.      Um período de repouso semanal que recaia sobre duas semanas pode ser contabilizado em qualquer uma delas, mas não em ambas.»

 Direito português

7        O artigo 20.º, n.º 5, da Lei n.º 27/2010, de 30 de agosto de 2010 (Diário da República, l.a série, n.º 168, de 30 de agosto de 2010), dispõe:

«O período de repouso semanal regular inferior ao previsto na regulamentação [da União] aplicável ou no AETR [Acordo Europeu relativo ao Trabalho das Tripulações dos Veículos que efetuam Transportes Internacionais Rodoviários] constitui uma contraordenação qualificada como:

a)      Leve, sendo igual ou superior a 42 horas e inferior a 45 horas;

b)      Grave, sendo igual ou superior a 36 horas e inferior a 42 horas;

c)      Muito grave, sendo inferior a 36 horas.»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

8        A recorrente no processo principal é uma sociedade de responsabilidade limitada de direito português, cuja atividade principal é o transporte rodoviário de mercadorias.

9        Em 5 de julho de 2017, ao efetuar um trajeto em Silves (Portugal), o condutor de um veículo pesado propriedade dessa sociedade foi fiscalizado por agentes da Guarda Nacional Republicana (GNR) de Faro.

10      Na sequência dessa fiscalização, o oficial da GNR levantou um auto no qual declarou, com base na análise dos discos de tacógrafo, uma infração às regras relativas aos períodos de repouso semanal estabelecidos no Regulamento n.º 561/2006.

11      Considerando que o período de repouso semanal deve ser gozado até ao final da semana cronológica ou de calendário, ou seja, até às 24h00 de domingo, em conformidade com o conceito de «semana», na aceção do artigo 4.º, alínea i), do Regulamento n.º 561/2006, tal como interpretado pelas autoridades competentes portuguesas, a ACT aplicou à Rolibérica uma coima de um montante de 2 142 euros.

12      Segundo a decisão de reenvio, esta interpretação das autoridades competentes portuguesas baseia‑se essencialmente no facto de a proposta inicial da Comissão de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à harmonização de determinadas disposições em matéria social no domínio dos transportes rodoviários [COM(2001) 573 final, de 12 de outubro de 2001 (JO 2002, C 51 E, p. 234)] prever, no seu artigo 4.º, n.º 9 — por oposição ao conceito fixo de «semana» previsto no artigo 4.º, alínea i), da versão final do Regulamento n.º 561/2006 —, que a semana seria definida de maneira flexível como sendo o período entre o final de um período de repouso semanal e o início do seguinte período de repouso semanal. Uma vez que, na versão final do Regulamento n.º 561/2006, foram suprimidas as referências à semana flexível, as autoridades competentes portuguesas defendem esta interpretação fixa do conceito de «semana», que consta do artigo 4.º, alínea i), do Regulamento n.º 561/2006, e aplicam este conceito na contabilização do período de repouso semanal.

13      A Rolibérica interpôs no Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo do Trabalho de Portimão – Juiz 1 (Portugal), um recurso de anulação da decisão da ACT. Sustenta que o facto de o período de repouso semanal ultrapassar o final da semana cronológica ou de calendário é irrelevante, desde que o período de descanso seja gozado total e ininterruptamente entre cada semana trabalhada. Assim, no processo principal, uma vez que o período de repouso semanal foi gozado até à tarde de segunda‑feira e não até às 24h00 de domingo, como considerado pelas autoridades competentes portuguesas, foi respeitado o período de repouso semanal regular previsto na regulamentação da União.

14      Tendo em conta o considerando 13 do Regulamento n.º 561/2006 e o artigo 8.º, n.º 6, segundo parágrafo, deste último, segundo o qual o período de repouso semanal deve começar o mais tardar no fim de seis períodos de 24 horas a contar do fim do período de repouso semanal anterior, o órgão jurisdicional de reenvio tende a considerar que o período de descanso semanal não terá de se conter, necessariamente, entre as 00h00 de segunda‑feira e as 24h00 de domingo. Reconhece, no entanto, que o conceito de «semana» previsto no artigo 4.º, alínea i), do Regulamento n.º 561/2006 e a supressão das referências à semana flexível na versão final desse regulamento permitem corroborar a posição das autoridades competentes portuguesas.

15      Nestas circunstâncias, o Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo do Trabalho de Portimão – Juiz 1, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O [Regulamento n.º 561/2006] pode ser interpretado no sentido de impor que o período de repouso semanal para os condutores envolvidos no transporte rodoviário de mercadorias e passageiros deve iniciar‑se e terminar entre as 00h00 de segunda‑feira e as 24h00 de domingo ou, pelo contrário, pode ser gozado total e ininterruptamente entre cada semana trabalhada?»

 Quanto à questão prejudicial

16      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o Regulamento n.º 561/2006 deve ser interpretado no sentido de que o «período de repouso semanal», na aceção do artigo 8.º deste regulamento, deve terminar durante a «semana», tal como definida no artigo 4.º, alínea i), desse regulamento.

17      Nos termos do artigo 99.° do seu Regulamento de Processo, quando a resposta a uma questão submetida a título prejudicial possa ser claramente deduzida da jurisprudência ou quando a resposta à questão submetida não suscite nenhuma dúvida razoável, o Tribunal pode, a qualquer momento, mediante proposta do juiz‑relator, ouvido o advogado‑geral, decidir pronunciar‑se por meio de despacho fundamentado.

18      Cabe aplicar esta disposição no âmbito do presente processo.

19      Segundo a decisão de reenvio, a tomada em consideração, pelas autoridades competentes portuguesas — para determinar o intervalo de tempo durante o qual o período de repouso semanal deve ser gozado —, do conceito de «semana» definido no artigo 4.º, alínea i), do Regulamento n.º 561/2006 como sendo o período entre as 00h00 de segunda‑feira e as 24h00 de domingo baseia‑se na supressão, aquando das discussões que tiveram lugar durante o processo legislativo, da expressão «semana flexível», utilizada na proposta inicial de regulamento [documento COM(2001) 573 final] apresentada pela Comissão Europeia em 15 de outubro de 2001.

20      A este respeito, cabe observar que a adoção do Regulamento n.º 561/2006 foi objeto de discussões e de alterações complexas durante o processo legislativo.

21      Resulta assim da Resolução legislativa do Parlamento Europeu sobre uma proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à harmonização de determinadas disposições em matéria social no domínio dos transportes rodoviários (JO 2004, C 38 E, p. 152), de 14 de fevereiro de 2003, que esta instituição propôs uma alteração que reproduzia o texto atual do conceito de «semana», a fim de assegurar uma maior coerência com o texto da Diretiva 2002/15/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de março de 2002, relativa à organização do tempo de trabalho das pessoas que exercem atividades móveis de transporte rodoviário (JO 2002, L 80, p. 35).

22      Esta alteração foi aceite pela Comissão, na sua proposta alterada de 11 de agosto de 2003 [COM(2003) 490 final], e pelo Conselho da União Europeia, na sua posição comum de 9 de dezembro de 2004 (documento 11337/04). No entanto, a fim de ter em conta as reservas relativas à terminologia e à utilização de semanas de calendário fixas (documento 6327/04, de 17 de fevereiro de 2004, p. 8), foi aditado um novo considerando, atual considerando 13 do Regulamento n.º 561/2006, para precisar que «[a] definição de “semana” prevista no texto não impede o condutor de iniciar a sua semana de trabalho em qualquer momento da semana» (documento 6526/04, de 24 de fevereiro de 2004, p. 2).

23      Por conseguinte, embora seja verdade que a expressão «semana flexível» foi abandonada, no decurso do processo legislativo, para retomar a definição constante do artigo 1.º, ponto 4, do Regulamento (CEE) n.º 3820/85 do Conselho, de 20 de dezembro de 1985, relativo à harmonização de determinadas disposições em matéria social no domínio dos transportes rodoviários (JO 1985, L 370, p. 1; EE 07 F4 p. 21), este elemento não pode, por si só, ser determinante para a interpretação das disposições relativas ao período de repouso semanal a que se refere o artigo 8.º do Regulamento n.º 561/2006, uma vez que a génese de uma regulamentação é um critério de interpretação entre outros.

24      Com efeito, em conformidade com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, para interpretar uma disposição do direito da União, deve ter‑se em conta não só os seus termos mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que a mesma faz parte e, nomeadamente, a génese dessa regulamentação (v., neste sentido, Acórdão de 17 de abril de 2018, Egenberger, C‑414/16, EU:C:2018:257, n.º 44).

25      No que se refere à sistemática do Regulamento n.º 561/2006, há que constatar que a definição de «semana» que figura no artigo 4.º, alínea i), deste regulamento é precedida, na alínea h) deste mesmo artigo, das definições de «período de repouso semanal regular» e de «período de repouso semanal reduzido». O período de repouso semanal regular é um período de repouso de, pelo menos, 45 horas, ao passo que o período de repouso semanal reduzido pode, em certas condições, ser um período inferior a 45 horas.

26      O artigo 4.º, alínea h), do Regulamento n.º 561/2006 não permite estabelecer se o conceito de «semana», na aceção do artigo 4.º, alínea i), desse regulamento, deve ser tomado em consideração para determinar o dia em que termina o período de repouso semanal.

27      A este respeito, há que salientar que, nos termos do considerando 13 do Regulamento n.º 561/2006, «[a] definição de “semana” constante do presente regulamento não deverá impedir o condutor de iniciar a sua semana de trabalho em qualquer dia da semana». Ora, nenhuma disposição desse regulamento se opõe a tal possibilidade para o condutor. Em conformidade com o artigo 8.°, n.º 6, segundo parágrafo, do Regulamento n.º 561/2006, o período de repouso semanal deve começar o mais tardar no fim de seis períodos de 24 horas a contar do fim do período de repouso semanal anterior. Resulta do que precede que o início e o fim do período de repouso semanal não terão de se conter, necessariamente, entre as 00h00 de segunda‑feira e as 24h00 de domingo.

28      Além disso, o artigo 8.º, n.º 9, do Regulamento n.º 561/2006 faz referência a um «período de repouso semanal que recaia sobre duas semanas», expressão que seria pouco coerente se significasse que o início e o fim do período de repouso semanal teriam de se conter entre as 00h00 de segunda‑feira e as 24h00 de domingo.

29      Por conseguinte, há que concluir que o conceito de «semana», na aceção do artigo 4.º, alínea i), do Regulamento n.º 561/2006, não deve ser tido em consideração para determinar o dia em que termina o período de repouso semanal.

30      Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à questão submetida que o Regulamento n.º 561/2006 deve ser interpretado no sentido de que o «período de repouso semanal», na aceção do artigo 8.º deste regulamento, não deve, necessariamente, terminar durante a «semana», tal como definida no artigo 4.º, alínea i), do referido regulamento.

 Quanto às despesas

31      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sexta Secção) declara:

O Regulamento (CE) n.º 561/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março de 2006, relativo à harmonização de determinadas disposições em matéria social no domínio dos transportes rodoviários, que altera os Regulamentos (CEE) n.º 3821/85 e (CE) n.º 2135/98 do Conselho e revoga o Regulamento (CEE) n.º 3820/85 do Conselho, deve ser interpretado no sentido de que o «período de repouso semanal», na aceção do artigo 8.º deste regulamento, não deve, necessariamente, terminar durante a «semana», tal como definida no artigo 4.º, alínea i), do referido regulamento.

Feito no Luxemburgo, em 10 de abril de 2019.


O Secretário

 

A Presidente da Sexta Secção

A. Calot Escobar

 

C. Toader


*      Língua do processo: português.