Language of document : ECLI:EU:C:2012:234

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

YVES BOT

apresentadas em 24 de abril de 2012 (1)

Processo C‑128/11

Axel W. Bierbach administrador da insolvência da UsedSoft GmbH

contra

Oracle International Corp.

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesgerichtshof (Alemanha)]

«Proteção jurídica dos programas de computador — Diretiva 2009/24/CE — Comercialização de programas ‘em segunda mão’ descarregados a partir da Internet — Esgotamento do direito de distribuição»





1.        O presente pedido de decisão prejudicial é relativo à interpretação dos artigos 4.°, n.° 2, e 5.°, n.° 1, da Diretiva 2009/24/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2009, relativa à proteção jurídica dos programas de computador (2).

2.        As questões foram apresentadas no âmbito de um litígio entre a UsedSoft GmbH representada por Axel W. Bierbach, na qualidade de administrador da insolvência desta sociedade (3) e a Oracle International Corp. (4), na sequência da comercialização, pela UsedSoft, de programas «em segunda mão» da Oracle.

I —    Quadro jurídico

A —    Direito internacional

3.        A Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) adotou em Genebra, em 20 de dezembro de 1996, o Tratado da OMPI sobre direito de autor. Este tratado foi aprovado em nome da Comunidade Europeia, pela Decisão 2000/278/CE do Conselho, de 16 de março de 2000 (5).

4.        Nos termos do artigo 4.° do referido tratado, os programas de computador são protegidos como obras literárias na aceção do artigo 2.° da Convenção de Berna. Essa proteção aplica‑se aos programas de computador, independentemente do seu modo ou forma de expressão.

5.        O artigo 6.° do Tratado da OMPI sobre o Direito de Autor, intitulado «Direito de distribuição», dispõe:

«1.      Os autores de obras literárias e artísticas gozam do direito exclusivo de autorizar a colocação à disposição do público do original e de cópias das suas obras, por meio da venda ou por outra forma de transferência de propriedade.

2.      Nenhuma das disposições do presente tratado afeta a liberdade das partes contratantes para determinar as eventuais condições em que o direito previsto no n.° 1 se esgota após a primeira venda do original ou de uma cópia da obra, ou outra forma de transferência de propriedade, realizada com o consentimento do autor.»

6.        As declarações comuns relativas ao Tratado da OMPI sobre o Direito de Autor, quanto aos artigos 6.° e 7.°, referem:

«As expressões ‘cópias’ e ‘original e cópias’ utilizadas nestes artigos para designar o objeto do direito de distribuição e do direito de aluguer neles previstos referem‑se exclusivamente a cópias fixadas que possam ser postas em circulação enquanto objetos materiais.»

B —    Direito da União

1.      Diretiva 2009/24

7.        A Diretiva 2009/24 codifica a Diretiva 91/250/CEE do Conselho, de 14 de maio de 1991, relativa à proteção jurídica dos programas de computador (6).

8.        Nos termos do artigo 1.°, n.° 1, da Diretiva 2009/24, «os Estados‑Membros estabelecem uma proteção jurídica dos programas de computador, mediante a concessão de direitos de autor, enquanto obras literárias, na aceção da Convenção de Berna para a Proteção das Obras Literárias e Artísticas».

9.        O artigo 4.° desta diretiva, intitulado «Atos sujeitos a autorização», dispõe:

«1.      Sem prejuízo do disposto nos artigos 5.° e 6.°, os direitos exclusivos do titular, na aceção do artigo 2.°, devem incluir o direito de efetuar ou autorizar:

a)      A reprodução permanente ou transitória de um programa de computador, seja por que meio for, e independentemente da forma de que se revestir, no todo ou em parte. Se operações como o carregamento, visualização, execução, transmissão ou armazenamento de um programa de computador carecerem dessa reprodução, essas operações devem ser submetidas a autorização do titular do direito;

b)      A tradução, adaptação, ajustamentos ou outras modificações do programa e a reprodução dos respetivos resultados, sem prejuízo dos direitos de autor da pessoa que altere o programa;

c)      Qualquer forma de distribuição ao público, incluindo a locação, do original ou de cópias de um programa de computador.

2.      A primeira comercialização na Comunidade de uma cópia de um programa efetuada pelo titular dos direitos ou realizada com o seu consentimento extinguirá o direito de distribuição na Comunidade dessa mesma cópia, com exceção do direito de controlar a locação ulterior do programa ou de uma sua cópia.»

10.      O artigo 5.° da referida diretiva, intitulado «Exceções aos atos sujeitos a autorização», no n.° 1, prevê:

«Salvo cláusula contratual específica em contrário, os atos previstos nas alíneas a) e b) do n.° 1 do artigo 4.° não se encontram sujeitos à autorização do titular sempre que sejam necessários para a utilização do programa de computador pelo seu legítimo adquirente de acordo com o fim a que esse programa se destina, bem como para a correção de erros.»

2.      Diretiva 2001/29

11.      O vigésimo oitavo e vigésimo nono considerandos da Diretiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação (7), dispõem:

«(28)      A proteção do direito de autor nos termos da presente diretiva inclui o direito exclusivo de controlar a distribuição de uma obra incorporada num produto tangível. A primeira venda na [União] do original de uma obra ou das suas cópias pelo titular do direito, ou com o seu consentimento, esgota o direito de controlar a revenda de tal objeto na [União]. Tal direito não se esgota em relação ao original ou cópias vendidas pelo titular do direito, ou com o seu consentimento, fora da Comunidade. A Diretiva 92/100/CEE [(8)] estabelece os direitos de aluguer e comodato dos autores. O direito de distribuição previsto na presente diretiva não prejudica as disposições relativas aos direitos de aluguer e comodato previstos no capítulo I dessa diretiva.

(29)      A questão do esgotamento não é pertinente no caso dos serviços, em especial dos serviços em linha. Tal vale igualmente para as cópias físicas de uma obra ou de outro material efetuadas por um utilizador de tal serviço com o consentimento do titular do direito. Por conseguinte, o mesmo vale para o aluguer e o comodato do original e cópias de obras ou outros materiais, que, pela sua natureza, são serviços. Ao contrário do que acontece com os CD‑ROM ou os CDI, em que a propriedade intelectual está incorporada num suporte material, isto é, uma mercadoria, cada serviço em linha constitui de facto um ato que deverá ser sujeito a autorização quando tal estiver previsto pelo direito de autor ou direitos conexos.

12.      O artigo 3.° da Diretiva 2001/29, intitulado «Direito de comunicação de obras ao público, incluindo o direito de colocar à sua disposição outro material», dispõe:

«1.      Os Estados‑Membros devem prever a favor dos autores o direito exclusivo de autorizar ou proibir qualquer comunicação ao público das suas obras, por fio ou sem fio, incluindo a sua colocação à disposição do público por forma a torná‑las acessíveis a qualquer pessoa a partir do local e no momento por ela escolhido.

[…]

3.      Os direitos referidos [no n.o] 1 […] 2 não se esgotam por qualquer ato de comunicação ao público ou de colocação à disposição do público, contemplado no presente artigo».

13.      O artigo 4.° desta diretiva, intitulado «Direito de distribuição», prevê:

«1.      Os Estados‑Membros devem prever a favor dos autores, em relação ao original das suas obras ou respetivas cópias, o direito exclusivo de autorizar ou proibir qualquer forma de distribuição ao público através de venda ou de qualquer outro meio.

2.      O direito de distribuição não se esgota, na Comunidade, relativamente ao original ou às cópias de uma obra, exceto quando a primeira venda ou qualquer outra forma de primeira transferência da propriedade desse objeto, na Comunidade, seja realizada pelo titular do direito ou com o seu consentimento.»

C —    Direito nacional

14.      Os artigos 69c e 69d da Lei do direito de autor e direitos conexos (Gesetz über Urheberrecht und verwandte Schutzrechte), de 9 de setembro de 1965 (9), na versão aplicável na ocasião dos factos do processo principal (a seguir «UrhG»), transpõem para o direito interno, o primeiro, o artigo 4.° da Diretiva 2009/24 e o artigo 3.° da Diretiva 2001/29, e, o segundo, o artigo 5.° da Diretiva 2009/24.

15.      O artigo 69c da UrhG dispõe:

«O titular do direito tem o direito exclusivo de efetuar ou autorizar:

1.      A reprodução permanente ou provisória de um programa de computador, no todo ou em parte, seja por que meio for, e independentemente da forma de que se revestir. Quando o carregamento, visualização, execução, transmissão ou armazenamento de um programa de computador carecerem dessa reprodução do programa, essas operações devem ser submetidas a autorização do titular do direito;

2.      A tradução, adaptação, ajustamentos ou quaisquer outras modificações dum programa de computador e a reprodução dos respetivos resultados, sem prejuízo dos direitos de autor da pessoa que altere o programa;

3.      Qualquer forma de distribuição ao público, incluindo a locação, do original ou de cópias de um programa de computador. Se uma cópia de um programa é colocada em circulação, mediante alienação, no território [da União] ou de um outro Estado parte no Acordo sobre o Espaço Económico Europeu [de 2 de maio de 1992 (10)] com o consentimento do seu titular, extinguir‑se‑á o direito de distribuição dessa mesma cópia, com exceção do direito de locação;

4.      Qualquer distribuição ao público de um programa de computador, com ou sem fio, incluindo a distribuição deste programa ao público de maneira que permita que qualquer pessoa tenha acesso ao mesmo no local e no momento que escolha individualmente.»

16.      O artigo 69d, n.° 1, da UrhG dispõe:

«Salvo cláusula contratual específica em contrário, os atos previstos nos n.os 1 e 2 do artigo 69c não se encontram sujeitos à autorização do titular sempre que sejam necessários para permitir a utilização do programa de computador por qualquer pessoa autorizada a utilizar uma cópia do programa o utilizar de acordo com o fim do mesmo, incluindo para a correção de erros.»

II — Matéria de facto e processo principal

17.      A Oracle desenvolve e comercializa programas de computador. É titular dos direitos de utilização exclusivos destes programas ao abrigo do direito de autor, bem como das marcas nominativas alemãs e comunitárias «Oracle», que estão registadas, designadamente, para programas de computador.

18.      A Oracle distribui os seus programas, em 85% dos casos, através de descarga a partir da Internet. O cliente descarrega diretamente os programas para o seu computador a partir de uma página Internet da Oracle. Os programas são software que funciona segundo o modo «cliente/servidor». O direito de utilização deste software inclui o direito de armazenar, de modo permanente, o software num servidor e de permitir o seu acesso a um certo número de utilizadores, que os descarregam para a memória central dos seus postos de trabalho. No âmbito de um contrato de manutenção, versões atualizadas do software (updates) e programas que permitem eliminar erros (patches) podem ser descarregados, a partir de uma página Internet da Oracle.

19.      Os contratos de licença da demandante contêm, sob o título «Concessão de direito», a seguinte disposição:

«O pagamento dos serviços concede‑lhe um direito de utilização, que se destina apenas ao seu próprio uso profissional, de duração indeterminada, que não é exclusivo, não pode ser cedido e é gratuito, para todos os produtos e serviços que a Oracle desenvolve e põe à sua disposição com base no presente contrato.»

20.      A UsedSoft, que comercializa licenças de software «em segunda mão», em outubro de 2005, ofereceu licenças da Oracle «já utilizadas», indicando que as referidas licenças eram atuais, dado que o contrato de manutenção subscrito pelo tomador inicial da licença ainda estava em vigor e que a legalidade da venda era confirmada por certificado notarial.

21.      Os clientes da UsedSoft, que ainda não possuam o software da Oracle em causa, após a compra de uma licença «em segunda mão», descarregam‑no diretamente a partir de uma página Internet da Oracle. Os clientes que já disponham deste software e que comprem licenças em complemento para utilizadores adicionais, descarregam‑no para a memória central dos postos de trabalho desses outros utilizadores.

22.      A Oracle intentou uma ação no Landgericht Münchem I, pedindo a cessação destas práticas, tendo o seu pedido sido acolhido. Tendo sido negado provimento ao recurso desta decisão interposto pela UsedSoft, esta interpôs um recurso de «Revision» para o Bundesgerichtshof (Alemanha).

III — Questões prejudiciais

23.      O Bundesgerichtshof decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça da União Europeia as seguintes questões prejudiciais:

«1)      A pessoa que pode invocar o esgotamento do direito de distribuição da cópia de um programa de computador é «adquirente legítimo» na aceção do artigo 5.°, n.° 1, da Diretiva 2009/24[…]?

2)      Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, o direito de distribuição da cópia de um programa de computador fica esgotado, na aceção da primeira parte do artigo 4.°, n.° 2, da Diretiva 2009/24[…], quando o adquirente tenha feito a cópia com o consentimento do titular do direito através de descarga do programa a partir da Internet para um suporte de dados?

3)      Caso seja dada à segunda questão igualmente resposta afirmativa, a pessoa que adquiriu uma licença de software «em segunda mão» pode também ela invocar, para fazer uma cópia do programa como «adquirente legítimo», nos termos do artigo 5.°, n.° 1 e da primeira parte do artigo 4.°, n.° 2, da Diretiva 2009/24[…], o esgotamento do direito de distribuição da cópia feita do programa de computador que o primeiro adquirente fez, com o consentimento do titular do direito, através de descarga do programa a partir da Internet para um suporte de dados, quando esse primeiro adquirente tiver apagado a sua cópia do programa ou já não a utilizar?»

IV — Análise

A —    Observações prévias

24.      O órgão jurisdicional de reenvio dá como adquirido que os clientes do UsedSoft, ao descarregarem software a partir de uma página Internet da Oracle ou a partir de um suporte de memória para a memória central de computadores complementares, efetuam atos de reprodução, na aceção do artigo 4.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva 2009/24, que infringem o direito exclusivo de reprodução da Oracle. Além disso, dado que as condições de licenciamento da Oracle especificam que o direito de utilização «não pode ser cedido», o Bundesgerichtshof salienta que os clientes da Oracle não podem transmitir validamente o direito de reprodução à UsedSoft que, consequentemente, não pode transmiti‑lo aos seus próprios clientes.

25.      O órgão jurisdicional de reenvio conclui daí que a resolução do litígio depende de saber se os clientes da UsedSoft podem invocar o artigo 69d, n.° 1, da UrhG, que transpõe o artigo 5.°, n.° 1, da Diretiva 2009/24 para o direito alemão, dispensando da autorização do titular do direito a reprodução necessária para permitir ao adquirente legítimo utilizar o programa de computador para o fim a que este se destina.

26.      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, esta questão divide‑se em três subquestões, a primeira relativa à qualidade de «adquirente legítimo», na aceção do artigo 5.°, n.° 1, da Diretiva 2009/24, da pessoa que pode invocar o esgotamento do direito de distribuição, a segunda relativa à questão de saber se há esgotamento do direito de distribuição quando o adquirente realizou esta cópia com o consentimento do titular do direito através da descarga do programa a partir da Internet, e, a terceira, relativa à possibilidade de o adquirente de uma licença «em segunda mão» invocar este esgotamento quando o primeiro adquirente tiver apagado a sua cópia ou já não a utilizar.

27.      Embora o órgão jurisdicional de reenvio tenha apresentado a segunda questão apenas em caso de resposta afirmativa à primeira, considero que há que lhe responder em primeiro lugar. Com efeito, antes de analisar se a pessoa que pode invocar o esgotamento do direito de distribuição pode ser qualificada como «adquirente legítimo», na aceção do artigo 5.°, n.° 1, da Diretiva 2009/24, cumpre saber se a descarga dos programas da Oracle por uma pessoa residente no território da União tem por efeito causar o esgotamento «comunitário» do direito de distribuição destes programas, nos termos do artigo 4.°, n.° 2, desta diretiva. Esta questão, que se prende com a aplicação ou não do princípio do esgotamento à descarga pela Internet, parece‑me prévia.

28.      Depois, examinarei conjuntamente a primeira e terceira questões, relativas à questão de saber se o adquirente de uma licença «em segunda mão», nos termos do artigo 4.°, n.° 2, conjugado com o artigo 5.°, n.° 1, da Diretiva 2009/24, pode invocar o esgotamento do direito de distribuição da cópia do programa de computador que o primeiro adquirente fez, para fazer, como «adquirente legítimo», uma nova cópia do programa quando esse primeiro adquirente tiver apagado a sua cópia do programa ou já não a utilizar.

B —    Quanto à segunda questão

29.      O órgão jurisdicional de reenvio procura, no essencial, saber se o direito de distribuição da cópia de um programa de computador fica esgotado, na aceção do artigo 4.°, n.° 2, da Diretiva 2009/24, quando o adquirente fez a cópia, com a autorização do titular do direito, descarregando o programa num suporte informático a partir da Internet.

1.      Observações das partes no processo principal, dos Governos e da Comissão Europeia

30.      A UsedSoft argumenta principalmente que o texto do artigo 4.°, n.° 2, da Diretiva 2009/24 permite aplicar a regra do esgotamento a transferências em linha de software, dado que, por um lado, a expressão «cópia de um programa» pode ser compreendida como abrangendo o procedimento que visa permitir ao adquirente registar o programa e que, por outro, a expressão «primeira comercialização» não pressupõe transmissão de propriedade sob a forma da entrega de um suporte, dado que o que importa é antes atingir o objetivo económico final da operação, que é tornar o programa utilizável de forma permanente. Sustentando que a venda se caraterizava, independentemente da entrega de um suporte, pela disponibilização de um direito de utilização por um período indeterminado e em troca de um preço pago numa única vez, a UsedSoft sustenta que resulta da redação da Diretiva 2009/24 que o esgotamento do direito de distribuição ocorre a partir do momento em que o cliente da Oracle efetua a cópia com o consentimento do titular do direito, descarregando o programa num suporte informático.

31.      A UsedSoft acrescenta que esta interpretação, fundada na redação do artigo 4.°, n.° 2, da Diretiva 2009/24, encontra apoio no objetivo da regra do esgotamento, que reside na obtenção de um equilíbrio entre os interesses económicos do autor quanto à exploração da sua obra e o interesse da livre circulação de mercadorias e de serviços. Considerando que o titular do direito, em caso de disponibilização a título permanente de software através do pagamento de um preço, tem a possibilidade de explorar comercialmente o seu trabalho criativo através de uma venda do objeto protegido, a UsedSoft considera que este autor não poderia decidir sobre a aplicação ou não do princípio do esgotamento ao escolher entre dois modos de distribuição que, no entanto, são estritamente equivalentes de um ponto de vista económico. Se assim fosse, daí resultaria um monopólio de distribuição que a regra do esgotamento tem precisamente por objetivo evitar. Supondo que a prestação deva ser qualificada como prestação de serviços, o princípio do esgotamento deveria continuar a ser aplicável, dado que a livre prestação de serviços faz igualmente parte dos princípios fundamentais da União.

32.      A UsedSoft especifica que o Tribunal de Justiça recusou a aplicação do princípio do esgotamento para as formas de exploração tipicamente imateriais, tais como os direitos de representação, de execução ou de emissão, não em razão da sua imaterialidade, mas porque estes direitos dão lugar ao pagamento de uma taxa por cada utilização e, consequentemente, os interesses económicos do autor não eram satisfeitos pela primeira colocação em circulação.

33.      A UsedSoft defende que não pode retirar‑se qualquer argumento em sentido contrário do artigo 3.°, n.° 3, ou do vigésimo nono considerando da Diretiva 2001/29, que só abrangem a hipótese específica de uma disponibilização de serviços para uma utilização pontual cuja duração é limitada à da conexão ao servidor do autor. Diversamente de uma disponibilização para utilização a título permanente através de um preço pago uma única vez, estes serviços concebidos para serem objeto de prestações repetidas a título oneroso não permitiriam satisfazer os interesses económicos do titular do direito a partir da primeira prestação.

34.      A Oracle considera que a descarga de cópias de programas de computador não constitui uma venda, porque a remuneração não é pedida pela simples descarga do programa, sendo paga com base no contrato de licença, em contrapartida do direito de utilização conferido por este contrato. Quando for celebrado um contrato de manutenção, o primeiro adquirente não tem, aliás, a possibilidade de revender a versão inicialmente descarregada, mas apenas uma versão diferente, completada e atualizada.

35.      Reportando‑se à jurisprudência do Tribunal de Justiça, designadamente ao acórdão de 9 de novembro de 2004, The British Horseracing e o. (11), às declarações comuns relativas ao Tratado da OMPI sobre direito de autor e ao Relatório da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu e ao Comité Económico e Social sobre a aplicação e os efeitos da Diretiva 91/250/CEE relativa à proteção jurídica dos programas de computador, de 10 de abril de 2000 (12), a Oracle acrescenta que só pode haver esgotamento do direito de distribuição em caso de transferência de propriedade de um objeto tangível, o que exclui a operação, totalmente imaterial, de descarga. Segundo esta sociedade, uma «cópia de um programa», na aceção do artigo 4.°, n.° 2, da Diretiva 2009/24, só pode ser um bem material, a saber «um produto». Esta conceção é conforme com o sentido e a finalidade do princípio do esgotamento, que tem por objeto assegurar a livre circulação de cópias físicas previamente postas em circulação com o consentimento do titular dos direitos, e não tornar aptas a circular cópias criadas pelo próprio utilizador.

36.      Em quaisquer circunstâncias, a Oracle observa que, ainda que esta questão devesse obter uma resposta positiva, o esgotamento do direito de distribuição resultante da descarga do programa não autorizava o primeiro adquirente a transmitir a cópia noutro suporte. Permitir‑lhe‑ia apenas transferir materialmente o próprio suporte, o que exigiria, por exemplo, que ele desmontasse o disco duro no qual descarregou o programa.

37.      A Oracle especifica que não há que distinguir consoante o programa de computador é obtido por aquisição de um CD‑ROM ou por descarga em linha dado que, em ambos os casos, a utilização da cópia do programa pressupõe a celebração de um contrato de licença.

38.      Os Governos espanhol e francês, a Irlanda e o Governo italiano defendem que o direito de distribuição de um programa de computador só se esgota quando a cópia deste programa é posta em circulação incorporada num suporte tangível. O Governo francês, a Irlanda e o Governo italiano baseiam‑se no contexto legislativo à luz do qual a Diretiva 2009/24 deve ser interpretada, designadamente na Diretiva 2001/29.

39.      A Irlanda salienta ainda que, mesmo que a licença atribuída pelo titular de um direito devesse ser qualificada como venda, as cópias para as quais a licença foi entregue não são as que são descarregadas ou transferidas pelos subadquirentes. Recorda que a regra do esgotamento, que se desenvolveu no quadro da livre circulação das mercadorias, não tem por efeito esgotar o direito de distribuição do titular de uma patente no que respeita a lotes distintos dos que foram comercializados com o seu consentimento. Reportando‑se ao acórdão de 9 de julho de 1985, Pharmon (13), a Irlanda considera que o caso do presente processo é semelhante à situação em que são comercializados produtos com base numa licença obrigatória. Acrescenta que autorizar a exploração de licenças sem o consentimento do titular do direito é passível de desencorajar a inovação e infringe os outros interesses legítimos do autor do programa.

40.      O Governo francês acrescenta aos argumentos retirados do contexto legislativo no direito da União considerações decorrentes do direito internacional e da jurisprudência do Tribunal de Justiça (14). Sustenta que não pode haver esgotamento em caso de descarga, dado que se trata de uma oferta através de um serviço em linha e salienta que o contrato de manutenção recai, de modo evidente, na prestação de serviços.

41.      O Governo italiano, que considera que importa distinguir a situação de proprietário de uma cópia do software do estatuto de utilizador habilitado a utilizar o software ao abrigo de uma licença, alega que, na medida em que, em caso de transmissão em linha de uma cópia eletrónica de um software, o direito de distribuição não é tido em consideração, o limite representado pelo esgotamento do direito de distribuição é inaplicável. Considera que uma abordagem diferente comprometeria a proteção do software pelo direito da União.

42.      A Comissão, que recorda que o litígio, no essencial, é relativo à questão de saber se a revenda de um programa de computador é autorizada e se os direitos do titular se esgotam quando o programa de computador é colocado à disposição para ser descarregado a partir de um servidor em condições que limitam os direitos do utilizador de transmitir o programa a outrem, considera que resulta não só do vigésimo oitavo considerando, mas também do artigo 4.° da Diretiva 2001/29, combinado com o artigo 8.° do Tratado da OMPI sobre direito de autor, e das declarações comuns relativas a este tratado, cuja transposição é um dos objetivos da Diretiva 2001/29, que o artigo 4.°, n.° 1, alínea c), da Diretiva 2009/24, apesar da sua redação, não abrange a distribuição de uma obra não incorporada num bem material, a qual é apenas abrangida pelo artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29. Ora, o artigo 3.°, n.° 3, desta diretiva refere que o direito de colocação à disposição do público referido no artigo 3.°, n.° 1, da referida diretiva não se esgota, confirmando, além disso, o vigésimo nono considerando da mesma que a questão do esgotamento não se coloca no caso dos serviços em geral e dos serviços em linha, em especial.

2.      Apreciação

43.      O princípio do esgotamento, oriundo dos direitos alemão e americano (15), visa alcançar um equilíbrio entre a necessária proteção dos direitos intelectuais, que, em princípio, conferem aos seus titulares um monopólio de exploração, e as exigências da livre circulação dos bens. Este princípio, que limita o direito exclusivo do titular da propriedade intelectual à primeira colocação em circulação do produto abrangido pelo direito considerado, é «a expressão […] da ideia jurídica […] segundo a qual [este] direito […] não permite impedir a distribuição de um produto autêntico, dado que foi comercializado» (16).

44.      O objetivo de regularização de um espaço sem fronteiras internas levou o Tribunal de Justiça a integrar esta regra na ordem jurídica da União. No seu acórdão de 8 de junho de 1971, Deutsche Grammophon (17), referiu que «o exercício por um fabricante de suportes de som do direito exclusivo de pôr em circulação os objetos protegidos decorrentes da legislação de um Estado‑Membro, para proibir a comercialização neste Estado de produtos que foram escoados por ele próprio ou com o seu consentimento num outro Estado‑Membro, pelo simples motivo de que esta colocação em circulação não teria tido lugar no território do primeiro Estado‑Membro, seria contrário às normas que preveem a livre circulação dos produtos no mercado comum».

45.      Por força da regra do esgotamento, o titular dos direitos intelectuais que colocou bens em circulação no território de um Estado‑Membro perde a possibilidade de invocar o seu monopólio de exploração para se opor à sua importação por outro Estado‑Membro. Esta regra é justificada, economicamente, pela consideração de que o titular de direitos paralelos não deve obter um benefício desproporcionado com a exploração do seu direito, o que aconteceria se, em cada passagem de uma fronteira no interior da União, pudesse beneficiar da vantagem económica conferida por este direito.

46.      De origem pretoriana, o princípio do esgotamento foi retomado pelo legislador da União, que o recusou em várias diretivas, designadamente quanto às marcas (18), às bases de dados (19), às obtenções vegetais (20), ao direito de aluguer e de comodato de obras protegidas (21), aos direitos de autor e direitos conexos na sociedade da informação e aos programas de computador. Se a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça na matéria constitui a «doutrina do esgotamento comunitário», é também certo que as condições de aplicação e o âmbito da regra podem variar sensivelmente em função das especificidades de cada direito de propriedade intelectual em causa e das disposições específicas que o regulam.

47.      Mais especificamente quanto aos programas de computador, a regra do esgotamento está prevista no artigo 4.° da Diretiva 2009/24, que retoma o texto do artigo 4.° da Diretiva 91/250, cindindo‑o em dois números distintos.

48.      Enquanto o artigo 4.°, n.° 1, da Diretiva 2009/24 distingue, entre os direitos exclusivos do autor do programa, o direito de reprodução permanente ou transitória, o direito de transformação e o direito de efetuar ou autorizar «[q]ualquer forma de distribuição ao público, incluindo a locação, do original ou de cópias de um programa de computador», o artigo 4.°, n.° 2, desta diretiva, especifica que o esgotamento só é aplicável ao direito de distribuição, com exceção do «direito de controlar a locação ulterior». Decorre destas disposições que só o direito de distribuição está sujeito ao esgotamento, e não o direito de reprodução ou de transformação. Além disso, ainda que o direito de distribuição seja amplamente definido, só uma forma de distribuição, a venda, desencadeia a regra do esgotamento, enquanto, após ter sido aplicada, esta regra produz efeitos sobre todas as formas de distribuição, exceto a locação.

49.      A questão de saber se a regra do esgotamento, tal como é formulada no artigo 4.°, n.° 2, da Diretiva 2009/24, é suscetível de englobar a comercialização de programas «em segunda mão» descarregados da Internet suscitou grande controvérsia nos Estados‑Membros, designadamente na Alemanha (22), a qual faz eco das discussões relativas à aplicação da «first sale doctrine» no ambiente numérico, nos Estados Unidos (23).

50.      Dado que o esgotamento está subordinado à primeira «comercialização […] de uma cópia de um programa» na União pelo titular do direito ou com o seu consentimento, há que determinar previamente se este conceito que, desde a adoção da Diretiva 2009/24, suscitou numerosas interrogações (24), requer uma interpretação uniforme.

51.      Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, decorre das exigências da aplicação uniforme do direito comunitário e do princípio da igualdade de tratamento que os termos de uma disposição do direito comunitário que não contenham qualquer remissão expressa para o direito dos Estados‑Membros para determinar o seu sentido e alcance devem ser, em toda a União, objeto de interpretação autónoma e uniforme (25). Dado que a Diretiva 2009/24 não efetua qualquer remissão para o direito nacional no que respeita ao significado a considerar do conceito «comercialização […] de uma cópia», este conceito deve ser definido, para efeitos da aplicação da referida diretiva, como designando um conceito autónomo do direito da União, que deve ser interpretado uniformemente no território de todos os Estados‑Membros, atendendo, designadamente, aos seus termos e ao contexto em que se insere, bem como aos objetivos prosseguidos tanto pela referida diretiva como pelo direito internacional (26).

52.      Resulta do quarto e quinto considerandos da Diretiva 2009/24 que esta tem por objetivo a supressão das diferenças entre as legislações dos Estados‑Membros que infringem notoriamente o mercado interno. Tal como o Tribunal de Justiça considerou, no acórdão de 20 de novembro de 2001, Zino Davidoff e Levi Strauss (27), que o consentimento, que constitui o elemento determinante da extinção do direito exclusivo, devia ser objeto de uma interpretação uniforme a fim de alcançar o objetivo de uma «mesma proteção de acordo com a legislação de todos os Estados‑Membros» (28), há também que considerar que a condição relativa à venda de uma cópia de programa não deve variar em função de interpretações divergentes nas diferentes ordens jurídicas nacionais.

53.      Consequentemente, cumpre averiguar se o conceito de «comercialização […] de uma cópia de um programa», na aceção do artigo 4.°, n.° 2, da Diretiva 2009/24, é aplicável em circunstâncias como as do processo principal.

54.      A Oracle considera que a remuneração é pedida ao cliente não pela simples descarga do programa nem pela colocação à disposição do código‑fonte, mas a título de contrapartida do contrato de utilização conferido pelo contrato de licença. Acrescenta que, a maioria das vezes, o cliente celebrou igualmente um contrato de manutenção que permite a atualização do programa e a correção dos erros, o qual constitui um contrato de prestação de serviços. Daí deduz que não há comercialização, na aceção do artigo 4.°, n.° 2, da Diretiva 2009/24.

55.      Esta análise parece‑me errada.

56.      Em minha opinião, decorre claramente da Diretiva 2009/24 que esta faz da distinção entre venda e locação a «summa divisio» de que dependem tanto a aplicação ou não da regra do esgotamento (29) como o âmbito desta regra (30). O décimo segundo considerando desta diretiva define a locação como a colocação à disposição para utilização, por um período determinado e com um intuito lucrativo, um programa de computador ou uma sua cópia. A contrario, a venda de um programa de computador ou de uma sua cópia deve ser considerada como caraterizada, na aceção do artigo 4.°, n.° 2, da referida diretiva, uma vez que, independentemente da qualificação feita pelas partes, a operação carateriza‑se pela transferência de propriedade de uma cópia do programa de computador, por tempo indeterminado, através do pagamento do preço uma vez. Esta distinção é aliás conforme com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, que exclui o esgotamento em caso de locação (31), quando o aplica em caso de transferência de propriedade (32).

57.      A emissão de uma licença que permita a colocação à disposição de uma cópia de um programa de computador através de uma descarga na Internet é uma operação complexa, que pode abranger simultaneamente um contrato de prestação de serviços relativo, designadamente, à colocação à disposição, execução e manutenção do programa de computador, e um contrato de venda da cópia necessária à execução destes serviços (33). O conteúdo da autorização de utilização atribuída deste modo pode variar.

58.      Este direito de uso apresenta as caraterísticas da locação quando foi conferido de modo temporário, mediante o pagamento de uma taxa periódica, e o fornecedor não renunciou à propriedade do programa de computador, que deve ser‑lhe restituída pelo titular do direito. Em contrapartida, parece‑me que apresenta as caraterísticas da venda quando o cliente adquire, de forma definitiva, a faculdade de se servir da cópia do programa de computador, a que o fornecedor renuncia em contrapartida do pagamento de um preço fixo.

59.      Com efeito, considero que, tendo em conta o objeto do esgotamento, que consiste em limitar o direito de exclusividade do direito de propriedade intelectual desde que a operação de comercialização tenha permitido ao titular do direito realizar o valor económico do seu direito, o termo «comercialização», na aceção do artigo 4.°, n.° 2, da Diretiva 2009/24, deve requerer uma interpretação ampla, que englobe todas as formas de comercialização de um produto que se caraterizam pela atribuição de um direito de utilização de uma cópia do programa de computador, com duração indeterminada, mediante o pagamento de um preço numa vez. Uma leitura demasiado restritiva deste termo comprometeria o efeito útil desta disposição, privando a regra do esgotamento de qualquer alcance, dado que a comercialização do software assume, a maior parte as vezes, a forma de licenças de utilização e que bastaria aos fornecedores qualificar o contrato como «licença» e não como «comercialização» para contornar esta regra.

60.      Daí se deduz que, mesmo quando o titular do direito, como fez a Oracle, procede a uma cisão, ainda que um pouco artificial, entre a colocação à disposição da cópia do programa de computador e a atribuição do direito de uso, a cessão de um direito de uso sobre uma cópia de programa de computador constitui efetivamente uma comercialização, na aceção do artigo 4.°, n.° 2, da Diretiva 2009/24.

61.      Qualificar a operação como «comercialização» não constitui, no entanto, um elemento bastante para chegar à conclusão de que o esgotamento do direito de distribuição pode ocorrer em circunstâncias como as do processo principal.

62.      A Oracle, os Governos espanhol e francês, a Irlanda, o Governo italiano e a Comissão sustentam que o esgotamento que pode resultar da venda da cópias do programa de computador tem necessariamente âmbito limitado, na medida em que afeta exclusivamente o direito de distribuição de uma cópia de programa de computador incorporada num suporte material.

63.      Diversos argumentos militam a favor desta interpretação.

64.      Defende‑se que a operação de descarga de um programa de computador na Internet não faz parte do ato de distribuição, na aceção do artigo 4.°, n.° 2, da Diretiva 2009/24 e do artigo 4.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29, mas do ato de comunicação da obra ao público, na aceção do artigo 3.°, n.° 1, desta última diretiva. Ora, o artigo 3.°, n.° 3, da Diretiva 2001/29 especifica que o direito de comunicação ao público não é objeto de esgotamento.

65.      Além disso, resulta claramente do relatório da Comissão, de 10 de abril de 2000, já referido, que o esgotamento do direito de autor só é aplicável à venda de cópias, ou seja, de mercadorias, estando excluído em caso de oferta através de serviços em linha (34).

66.      Encontra‑se a mesma conceção restritiva do conceito de esgotamento na Diretiva 2001/29, que apresenta indícios claros da vontade do legislador da União de limitar a regra a uma única forma de distribuição da obra, caraterizada pela venda de uma mercadoria que incorpore o programa de computador.

67.      Alega‑se, designadamente, que o artigo 4.°, n.° 2, da Diretiva 2001/29 apenas prevê o esgotamento do direito de distribuição em caso de primeira venda ou de outra primeira transferência da propriedade de um «objeto». Além disso, o vigésimo oitavo e vigésimo nono considerandos desta diretiva especificam, o primeiro, que a proteção do direito de autor nos termos da referida diretiva inclui «o direito exclusivo de controlar a distribuição de uma obra incorporada num produto tangível [(35)]» e, o segundo, que «[a] questão do esgotamento não é pertinente no caso dos serviços, em especial dos serviços em linha». Este último considerando acrescenta que «[t]al vale igualmente para as cópias físicas de uma obra ou de outro material efetuadas por um utilizador de tal serviço com o consentimento do titular do direito [e que] [a]o contrário do que acontece com os CD‑ROM ou os CDI, em que a propriedade intelectual está incorporada num suporte material, isto é, uma mercadoria, cada serviço em linha constitui de facto um ato que deverá ser sujeito a autorização quando tal estiver previsto pelo direito de autor ou direitos conexos».

68.      Além disso, o vigésimo nono considerando da Diretiva 2001/29 foi decalcado do trigésimo terceiro considerando da Diretiva 96/9, que marcava já claramente a vontade do legislador da União de apreender o esgotamento apenas na perspetiva da circulação de um produto, constituído por um conteúdo material e por um conteúdo intelectual. Esta vontade resultava também do quadragésimo terceiro considerando desta última diretiva, que especifica que, em caso de transmissão em linha, o direito de proibir a reutilização não se esgota relativamente à base de dados, nem a qualquer cópia material dessa mesma base ou de parte dela feita pelo destinatário da transmissão com o consentimento do titular do direito.

69.      Finalmente, o direito internacional reforça a conceção restritiva do esgotamento. A Diretiva 2001/29 tem, designadamente, por finalidade aplicar, nos Estados‑Membros, o Tratado da OMPI sobre o Direito de Autor. Ora, como recordou o Tribunal de Justiça no seu acórdão Peek Cloppenburg, já referido, os diplomas de direito da União devem ser interpretados, na medida do possível, à luz do direito internacional, em especial quando os referidos diplomas têm por objetivo, justamente, dar cumprimento a um acordo internacional celebrado pela União (36). Consequentemente, cumpre deduzir daí que a interpretação da Diretiva 2001/29, que visa dar execução a alguma das obrigações internacionais constantes do Tratado da OMPI sobre o Direito de Autor e do Tratado da OMPI sobre Prestações e Fonogramas, adotado em Genebra em 20 de dezembro de 1996 (37), deve ser efetuada à luz das declarações comuns relativas ao Tratado da OMPI sobre o Direito de Autor, segundo as quais o esgotamento do direito de distribuição mencionado no artigo 6.°, n.° 2, deste Tratado, se refere «exclusivamente a cópias fixadas que possam ser postas em circulação enquanto objetos materiais».

70.      Estes argumentos não me parecem inteiramente convincentes.

71.      Em primeiro lugar, contrariamente ao que alega a Comissão, não considero que a distribuição de um programa de computador por descarga da Internet possa escapar à qualificação de «direito de distribuição» para recair no âmbito da definição do direito de comunicação ao público, contemplado no artigo 3.°, n.° 3, da Diretiva 2001/29. Em minha opinião, esta interpretação defronta‑se com duas objeções fundamentais.

72.      Em primeiro lugar, admitindo que as disposições gerais da Diretiva 2001/29, que tem precisamente por objeto adaptar o direito de autor ao ambiente numérico, podem orientar a interpretação das disposições especiais da Diretiva 2009/24, que se limita a codificar a Diretiva 91/250, adotada antes do desenvolvimento da Internet, cumpre, no entanto, observar que o artigo 1.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2001/29 especifica que esta «[…] não afeta de modo algum as disposições [do direito da União] existentes em matéria de […] [p]roteção jurídica dos programas de computador». Na medida em que a Diretiva 2009/24 não faz qualquer referência ao conceito de direito de comunicação e define o direito de distribuição da forma mais ampla, como englobando «[q]ualquer forma de distribuição ao público […] do original ou de cópias de um programa de computador», parece‑me difícil considerar, em resultado de uma leitura conjugada destas duas diretivas, que o direito de colocação à disposição do público referido no artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29 é aplicável aos programas de computador. Aliás, não creio que o acórdão Bezpečnostní softwarová asociace, já referido, invocado pela Comissão em apoio do seu raciocínio, possa ser interpretado neste sentido (38).

73.      Em seguida, na ausência de qualquer definição, na Diretiva 2001/29, dos direitos de comunicação de obras ao público, de colocação à disposição do público e de distribuição, os artigos 3.° e 4.° desta diretiva devem ser interpretados, na medida do possível, à luz do Tratado da OMPI sobre o Direito de Autor (39). Ora, o artigo 6.°, n.° 1, deste tratado refere‑se ao direito de distribuição como sendo o direito de autorizar a colocação à disposição do público do original e de cópias das suas obras, «por meio da venda ou por outra forma de transferência de propriedade». O texto desta disposição é inequívoco. A existência de uma transferência de propriedade transforma manifestamente um simples ato de comunicação ao público num ato de distribuição.

74.      Em segundo lugar, as indicações constantes nos considerandos da Diretiva 2001/29 não são claras nem unívocas.

75.      Assim, uma leitura a contrario da primeira frase do vigésimo oitavo considerando desta diretiva, que dispõe que «[a] proteção do direito de autor nos termos da presente diretiva inclui [(40)] o direito exclusivo de controlar a distribuição de uma obra incorporada num produto tangível», implica que este direito inclua igualmente outras formas de distribuição. Ora, a segunda frase deste considerando, relativa ao esgotamento, não o limita a uma forma específica de distribuição.

76.      O vigésimo nono considerando da Diretiva 2001/29 também não é desprovido de ambiguidade. Embora pareça opor a venda de mercadorias, à qual é aplicável a regra do esgotamento, à prestação de serviços, à qual esta regra é inaplicável, também é verdade que o conceito de serviços em linha, tal como é definido pelo direito da União, engloba a venda de bens em linha (41). Assim, por exemplo, seguindo à letra este considerando, a regra do esgotamento não devia ser aplicável em caso de compra em linha de um CD‑ROM no qual está incorporada a cópia do programa de computador. Ora, a distinção consoante a venda tenha ou não lugar à distância não me parece pertinente para a aplicação desta regra.

77.      Em terceiro lugar, interpretar o artigo 4.°, n.° 2, da Diretiva 2009/24 no sentido de que a regra do esgotamento está excluída em caso de descarga na Internet, quando os programas de computador são maciçamente distribuídos segundo esta forma de comercialização, teria por efeito limitar muito significativamente o âmbito de aplicação desta regra e, concomitantemente, restringir a liberdade de circulação.

78.      Embora o artigo 36.° TFUE disponha que essas restrições podem ser justificadas por razões de proteção da propriedade industrial e comercial, é jurisprudência assente que as derrogações com esse fundamento só podem ser admitidas se forem justificadas para a salvaguarda dos direitos que são o objeto específico desta propriedade (42). Este princípio implica que se determinem, em relação a cada direito de propriedade intelectual em causa, as condições em que o exercício deste direito será considerado como compatível ou não com o direito da União.

79.      Ora, duvido que autorizar o titular do direito a impedir uma pessoa, que adquiriu de forma regular a propriedade de uma cópia de um programa de computador, de a revender, seja abrangido pela salvaguarda dos direitos que constituem o objeto específico do direito de autor.

80.      O Tribunal de Justiça, na sua apreciação da legalidade das derrogações à livre circulação justificadas pela proteção do direito de autor, averigua se o titular do direito de autor foi ou não privado da remuneração a que tinha legitimamente direito.

81.      No acórdão Football Association Premier League e o., já referido, o Tribunal de Justiça, depois de recordar que as derrogações ao princípio da livre circulação só podem ser admitidas se forem justificadas para a salvaguarda dos direitos que são o objeto específico da propriedade intelectual em causa e que esse objeto específico visa designadamente assegurar aos titulares dos direitos em causa a proteção da faculdade de explorar comercialmente a colocação em circulação ou a colocação à disposição dos objetos protegidos, concedendo licenças mediante o pagamento de uma remuneração, indicou que esse objeto específico não garante aos titulares dos direitos em causa a possibilidade de reivindicarem a remuneração mais elevada possível, mas apenas uma remuneração razoável, ou seja, que tenha uma relação razoável com o valor económico da prestação fornecida, por cada utilização dos objetos protegidos (43).

82.      Depois, observando que o suplemento pago pelos organismos de radiodifusão pela atribuição de uma exclusividade territorial absoluta é suscetível de levar à existência de diferenças artificiais de preços entre os mercados nacionais compartimentados, concluiu que esse pagamento vai para além do necessário para assegurar aos titulares de direitos uma remuneração adequada (44).

83.      Considero que, em circunstâncias como as do processo principal, o titular dos direitos recebeu uma remuneração adequada quando foi pago em contrapartida da atribuição do direito de uso de uma cópia do programa de computador. Admitir que ele poderia controlar a revenda desta cópia e exigir, nesta ocasião, uma nova remuneração, sob pretexto de que a cópia foi fixada num suporte informático pelo cliente, após descarregamento na Internet, em lugar de ter sido incorporada pelo titular dos direitos num suporte que foi colocado à venda, equivaleria não a proteger o objeto específico do direito de autor, mas a ampliar o monopólio de exploração deste último.

84.      Tendo em conta o que precede, há que responder à segunda questão apresentada pelo órgão jurisdicional de reenvio que o artigo 4.°, n.° 2, da Diretiva 2009/24 deve ser interpretado no sentido de que o direito de distribuição da cópia de um programa de computador se esgota se o titular do direito, que autorizou o descarregamento desta cópia num suporte informático a partir da Internet, tiver atribuído igualmente a título oneroso um direito de uso da referida cópia, sem limitação temporal. Com efeito, constitui uma venda, na aceção desta disposição, qualquer colocação à disposição na União, sob qualquer forma e independentemente do meio, de uma cópia de um programa de computador tendo em vista a sua utilização durante um período ilimitado e mediante o pagamento de um preço fixo.

C —    Quanto à primeira e terceira questões

85.      Com a primeira e terceira questões, o órgão jurisdicional de reenvio, no essencial, pergunta ao Tribunal de Justiça se, enquanto «adquirente legítimo», na aceção do artigo 5.°, n.° 1, da Diretiva 2009/24, o adquirente da licença de utilização pode invocar a regra do esgotamento prevista no artigo 4.°, n.° 2, desta diretiva para efetuar uma nova cópia do programa de computador, quando o primeiro adquirente tiver apagado a sua cópia ou já não a utilizar.

1.      Observações das partes no processo principal, dos Governos e da Comissão

86.      A UsedSoft alega que o princípio do esgotamento ficaria esvaziado do seu conteúdo se se considerasse que o titular do direito não poderia controlar a distribuição posterior de cópias de programas mas poderia continuar a controlar os atos de utilização que exigem uma reprodução do programa.

87.      A UsedSoft acrescenta que o facto de o primeiro adquirente apagar ou deixar de utilizar a sua cópia do programa de computador permite assegurar que o software transferido pelo fabricante não será objeto de dupla, ou mesmo, múltipla utilização.

88.      Segundo a Oracle, o conceito de «adquirente legítimo», referido no artigo 5.°, n.° 1, da Diretiva 2009/24, refere‑se apenas ao adquirente habilitado, ao abrigo de um contrato de licença, a utilizar o programa de computador, enquanto o conceito de «utilização […] de acordo com o fim a que [o programa de computador] se destina» se refere a uma utilização conforme com o direito de utilização conferido pelo titular do direito, de modo que a mesma deveria ser definida, se for o caso, com base nas disposições pertinentes do contrato de licença que define a natureza e o âmbito do direito de utilização.

89.      A Oracle acrescenta que o esgotamento incide apenas sobre o direito de distribuição da cópia do programa de computador posta em circulação e não pode afetar o direito de utilização, o qual abrange um direito de reprodução, no que respeita a programas de computador cuja utilização implique a reprodução.

90.      Segundo a Oracle, que raciocina por analogia com o direito das marcas, o sentido e a finalidade do princípio do esgotamento não consistem em conferir a outros que não o titular do direito o poder jurídico necessário para cindir e desmantelar o direito de utilização inicial, correspondente a um determinado número de utilizadores, em múltiplos direitos de utilização suplementares. A prática da revenda de licenças «em segunda mão» teria, ainda, o inconveniente de impossibilitar a comercialização de licenças a preço reduzido, facilitando a utilização dos programas por grupos de utilizadores financeiramente frágeis, como institutos de formação.

91.      A Oracle argumenta igualmente que nem o titular do direito nem o subadquirente podem verificar que o primeiro adquirente efetivamente apagou a sua cópia ou já não a utiliza.

92.      O Governo francês, a Irlanda e o Governo italiano, no essencial, alegam que só a pessoa que dispõe de um direito de utilização do programa de computador conferido pelo titular do direito pode ser considerada como um «adquirente legítimo» na aceção do artigo 5.°, n.° 1, da Diretiva 2009/24. O Governo francês e a Irlanda referem, além disso, que a pessoa que não adquiriu qualquer licença ao titular do direito e que, consequentemente, não é o seu adquirente legítimo, não pode invocar a regra do esgotamento.

93.      Embora considerando que a pessoa que pode invocar o esgotamento do direito de distribuição da cópia do programa de computador é um «adquirente legítimo» na aceção do artigo 5.°, n.° 1, da Diretiva 2009/24, o Governo espanhol e a Comissão consideram que não há que responder à terceira questão do órgão jurisdicional de reenvio, dado que respondem negativamente à segunda questão.

2.      Apreciação

94.      Em minha opinião, a resposta a esta questão infere‑se da distinção entre o direito de distribuição, que se esgota, e o direito de reprodução, que não se esgota.

95.      É facto assente, no presente processo, que a licença de utilização conferida pela Oracle permite reproduzir o programa de computador, conectando‑se ao sítio Internet da Oracle. Daí resulta, em minha opinião, que a cessão dos direitos de utilização conferidos por esta licença não é abrangida pelo direito de distribuição mas pelo de reprodução.

96.      Se a revenda da cópia descarregada pelo primeiro adquirente é abrangida pelo direito de distribuição, a cessão de uma licença de utilização como a atribuída pela Oracle aos seus clientes prende‑se com o direito exclusivo de reprodução, dado que permite a fixação de uma nova cópia de programa por cada descarga da Internet ou por cada reprodução a partir de uma cópia já detida pelo utilizador.

97.      Ora, resulta claramente dos termos do artigo 4.°, n.° 2, da Diretiva 2009/24 que o princípio do esgotamento abrange exclusivamente a distribuição de uma cópia do programa de computador e não poderia alterar o direito de reprodução, o qual não pode ser infringido sem alterar a própria substância do direito de autor.

98.      Além disso, o artigo 5.°, n.° 1, desta diretiva não me parece suscetível de permitir que se contorne este obstáculo. Em minha opinião, o objeto desta disposição limita‑se a permitir que aquele que já disponha de uma cópia do programa de computador efetue uma reprodução desta cópia para utilizar de acordo com o fim a que esse programa se destina. Em contrapartida, não poderia autorizar aquele que não disponha de uma cópia do programa a reproduzi‑lo não para utilizar de acordo com o fim a que esse programa se destina, mas simplesmente para utilizá‑lo. Além disso, a referida disposição, que reserva a aplicação de disposições contratuais específicas, em minha opinião, só é aplicável em relação a um adquirente contratualmente vinculado ao titular do direito.

99.      Não me parece possível, com a atual redação, alargar ao direito de reprodução a regra do esgotamento, consubstancialmente associada ao direito de distribuição. Estou consciente de que esta limitação da regra apenas à cópia materializada num suporte informático após ter sido descarregada, na prática, limitará singularmente o seu âmbito, mas, ainda que possa encontrar apoio na necessidade de preservar o efeito útil da regra do esgotamento e de fazer prevalecer as liberdades de circulação das mercadorias e dos serviços, a solução inversa, que levava ao alargamento da regra do esgotamento para além do âmbito previsto pelo legislador da União (45), não me parece que possa ser acolhida sem colocar em perigo o princípio da segurança jurídica, imposto pela previsibilidade da norma europeia.

100. Deduzo do que precede que os artigos 4.°, n.° 2, e 5.°, n.° 1, da Diretiva 2009/24 devem ser interpretados no sentido de que, em caso de revenda do direito de uso da cópia de um programa de computador, o segundo adquirente não pode invocar o esgotamento do direito de distribuição desta cópia para proceder à reprodução do programa criando uma nova cópia, ainda que o primeiro adquirente tenha apagado a sua cópia ou já não a utilize.

V —    Conclusão

101. Tendo em conta as considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda do seguinte modo ao Bundesgerichtshof:

«1)      O artigo 4.°, n.° 2, da Diretiva 2009/24/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2009, relativa à proteção jurídica dos programas de computador deve ser interpretado no sentido de que o direito de distribuição da cópia de um programa de computador se esgota se o titular do direito, que autorizou o descarregamento desta cópia num suporte informático a partir da Internet, tiver atribuído igualmente a título oneroso um direito de uso da referida cópia, sem limitação temporal.

Com efeito, constitui uma venda, na aceção desta disposição, qualquer colocação à disposição na União, sob qualquer forma e independentemente do meio, de uma cópia de um programa de computador tendo em vista a sua utilização durante um período ilimitado e mediante o pagamento de um preço fixo.

2)      Os artigos 4.°, n.° 2, e 5.°, n.° 1, da Diretiva 2009/24 devem ser interpretados no sentido de que, em caso de revenda do direito de uso da cópia de um programa de computador, o segundo adquirente não pode invocar o esgotamento do direito de distribuição desta cópia para proceder à reprodução do programa criando uma nova cópia, ainda que o primeiro adquirente tenha apagado a sua cópia ou já não a utilize.»


1 – Língua original: francês.


2 – JO L 111, p. 16.


3–      A seguir «UsedSoft».


4–      A seguir «Oracle».


5 – JO L 89, p. 6.


6 – JO L 122, p. 42.


7 – JO L 167, p. 10.


8 –      Diretiva do Conselho, de 19 de novembro de 1992, relativa ao direito de aluguer, ao direito de comodato e a certos direitos conexos aos direitos de autor em matéria de propriedade intelectual (JO L 346, p. 61).


9 – BGBl. 1965 I, p. 1273.


10 –      JO 1994, L 1, p. 3.


11 – Acórdão C‑302/02, Colet., p. I‑10415, n.os 58 e 59.


12 – COM(2000) 199 final.


13 – Acórdão 19/84, Recueil, p. 2281.


14 – Acórdão de 28 de abril de 1998, Metronome Musik (C‑200/96, Colet., p. I‑1953).


15 – Sobre a génese e as justificações do princípio, v. Castell, B., L’«épuisement» du droit intellectuel en droits allemand, français et communautaire, PUF, Paris, 1989.


16 – V. Beier, F.‑K., «La territorialité du droit des marques et les échanges internationaux», Journal du droit international, 1971, p. 5, especialmente p. 14.


17 – Acórdão 78/70. Colet., p. 183.


18 – Diretiva 2008/95/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2008, que aproxima as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas (JO L 299, p. 25). O artigo 7.° da Diretiva 2008/95 dispõe:


      «1. O direito conferido pela marca não permite ao seu titular proibir o uso desta para produtos comercializados na Comunidade sob essa marca pelo titular ou com o seu consentimento.


      2. O n.° 1 não é aplicável sempre que existam motivos legítimos que justifiquem que o titular se oponha à comercialização posterior dos produtos, nomeadamente sempre que o estado desses produtos seja modificado ou alterado após a sua colocação no mercado.»


19 – Diretiva 96/9/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de março de 1996, relativa à proteção jurídica das bases de dados (JO L 77, p. 20). O artigo 5.°, alínea c), segunda frase, da Diretiva 96/9, dispõe que «[a] primeira comercialização na Comunidade da cópia de uma base de dados efetuada pelo titular do direito, ou com o seu consentimento, esgotará o direito de controlar a revenda dessa mesma cópia na [União]».


20 – Regulamento (CE) n.° 2100/94 do Conselho, de 27 de julho de 1994, relativo ao regime comunitário de proteção das variedades vegetais (JO L 227, p. 1, e – retificação – JO 2001, L 111, p. 31). O artigo 16.° do Regulamento 2100/94 dispõe:


      «O direito comunitário de proteção das variedades vegetais não abrange os atos relativos a qualquer material da variedade protegida, ou de uma variedade abrangida pelo disposto no n.° 5 do artigo 13.°, que tenha sido cedido a terceiros pelo titular ou com o seu consentimento, em qualquer ponto da [União], ou qualquer material derivado do referido material, a menos que esses atos:


      a) Impliquem posterior multiplicação da variedade em questão, exceto se essa multiplicação constituir já o objetivo da cedência do material em questão;


      ou


      b) Impliquem uma exportação de constituintes varietais para um país terceiro que não proteja as variedades do género ou da espécie a que pertence a variedade vegetal, a não ser que o material exportado se destine ao consumo final.»


21 – O artigo 1.°, n.° 4, da Diretiva 92/100 dispõe que «[o]s direitos referidos no n.° 1 não se esgotam com a venda ou qualquer outro ato de distribuição dos originais ou cópias de obras protegidas por direitos de autor ou de outros objetos previstos no n.° 1 do artigo 2.°».


22 – V. Bräutigam, P., «Second‑hand software in Europe: thoughts on the three questions of the German Federal Court of Justice referred to the Court of Justice of the European Union», Computer Law Review International, 1/2012, p. 1, e Overdijk, T., van der Putt, P., de Vries, E., e Schafft, T., «Exhaustion and Software Resale Rights», Computer Law Review International, 2/2011, p. 33.


23 – V. Frankel, S., e Harvey, L., «Will the digital era sound the death knell for the first sale doctrine in US copyright law?», Intellectual Property Magazine, março de 2011, p. 40.


24 – V., designadamente, Strowel, A., e Derclaye, E., Droit d’auteur et numérique: logiciels, bases de données, multimédia –Droit belge, européen et comparé, Bruylant, Bruxelas, 2001. V., igualmente, Vivant, M., «Le programme d’ordinateur au pays des muses; observations sur la directive du 14 mai 1991», La semaine juridique –Édition entreprise, 1991, n.° 47, p. 479. Este autor denuncia «a incapacidade concetual dos redatores de distinguir a criação intelectual e o suporte» (ponto 16.2, p. 484).


25 – V., neste sentido, acórdão de 14 de junho de 2007, Häupl (C‑246/05, Colet., p. I‑4673, n.° 43 e jurisprudência aí referida).


26 – V., neste sentido, acórdão de 22 de dezembro de 2010, Bezpečnostní softwarová asociace (C‑393/09, Colet., p. I‑13971, n.° 30 e jurisprudência aí referida).


27 – Acórdão C‑414/99 a C‑416/99, Colet., p. I‑8691.


28 – N.os 41 a 43.


29 – No sentido de que o esgotamento só ocorre em caso de venda.


30 – No sentido de que o esgotamento que resulta da venda não autoriza a locação posterior da cópia. V. Czarnota, B., e Hart, R., Legal Protection of Computer Programs in Europe – A guide to the EC Directive, Butterworths, 1991, p. 60:


      «If sale is the first means of distribution which the rightholder chooses, he can now under the Directive not prevent the resale of the copy which he has sold. Property rights pass from the rightholder to the purchaser in the physical support of the copy of the program, and the purchaser is free to dispose of that tangible property in any way he chooses, except that he may not offer it for rental or licensing. He may, however, lend, give or otherwise dispose of the physical support.


      The intellectual property rights of the author in the program contained in that physical support remain unchanged by any of the above transactions. His interests in the intellectual property are only affected when the sold copy is offered for rental, because the act of rental is a form of distribution which would be in direct competition with other forms of exploitation, such as sale of copies, and would therefore prejudice the rightholder’s ability to control the normal exploitation of his work.»


31 – V. acórdão Metronome Musik (já referido na nota 14).


32 – V. acórdão de 17 de abril de 2008, Peek & Cloppenburg (C‑456/06, Colet., p. I‑2731).


33 – V., neste sentido, Dusollier, S., Droit d’auteur et protection des œuvres dans l’univers numérique –Droits et exceptions à la lumière des dispositifs de verrouillage des œuvres, Larcier, Bruxelas, 2007, n.os 529 e 530. Este autor qualifica a operação como «figura contratual […] complexa», que pode ser dissociada num contrato de compra e venda relativo ao suporte ou de prestação de serviços, caso se trate de uma descarga ou de uma utilização à distância, e num contrato de licença relativo aos direitos de autor sobre a obra incorporada no suporte ou transmitida pelo vetor informático.


34 – V. p. 18 deste relatório.


35 – O sublinhado é meu.


36 – N.° 30 e jurisprudência aí referida.


37 – V. décimo quinto considerando desta diretiva.


38 – Não vejo como se poderia deduzir desta decisão relativa às interfaces gráficas do utilizador que o direito de colocação à disposição referido no artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29 é aplicável aos programas de computador quando o Tribunal de Justiça referiu precisamente que a interface gráfica do utilizador não constitui uma forma de expressão de um programa de computador.


39 – V. n.° 69 das presentes conclusões.


40 – O sublinhado é meu.


41 – V., neste sentido, décimo oitavo considerando da Diretiva 2000/31/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2000, relativa a certos aspetos legais dos serviços da sociedade de informação, em especial do comércio eletrónico, no mercado interno («Diretiva sobre o comércio eletrónico») (JO L 178, p. 1).


42 – V. acórdãos de 23 de abril de 2002, Boehringer Ingelheim e o. (C‑143/00, Colet., p. I‑3759, n.° 28), e de 4 de outubro de 2011, Football Association Premier League e o. (C‑403/08 e C‑429/08, Colet., p. I‑9083, n.° 106 e jurisprudência aí referida).


43 – Acórdão Football Association Premier League (já referido na nota 42, n.os 106 a 109 e jurisprudência aí referida).


44Ibidem (n.os 115 e 116).


45 – Cumpre, aliás, observar que, na Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões, de 11 de janeiro de 2012, relativa a um enquadramento coerente para reforçar a confiança no mercado único digital do comércio eletrónico e dos serviços em linha [COM(2011) 942 final], a Comissão indica que empreenderá ações para «assegurar uma execução célere e ambiciosa da estratégia europeia em matéria de direitos de propriedade intelectual, nomeadamente através […] de uma nova análise da [Diretiva 2001/29]» (v. n.° 2 das ações principais, p. 8).