Language of document : ECLI:EU:C:2013:709

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

7 de novembro de 2013 (*)

«Redes e serviços de comunicações eletrónicas — Diretivas 97/66/CE, 2002/19/CE, 2002/20/CE, 2002/21/CE e 2002/22/CE — Âmbito de aplicação ratione materiae — Oferta de um pacote de base de programas de rádio e de televisão acessível por cabo — Cessão por um município da sua rede por cabo a uma empresa privada — Cláusula contratual relativa ao preço — Competências das autoridades reguladoras nacionais — Princípio da cooperação leal»

No processo C‑518/11,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pelo Gerechtshof te Amesterdão (Países Baixos), por decisão de 4 de outubro de 2011, entrado no Tribunal de Justiça em 10 de outubro de 2011, no processo

UPC Nederland BV

contra

Gemeente Hilversum,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: M. Ilešič, presidente de secção, C. G. Fernlund, A. Ó Caoimh, C. Toader e E. Jarašiūnas (relator), juízes,

advogado‑geral: P. Cruz Villalón,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 21 de novembro de 2012,

vistas as observações apresentadas:

¾        em representação da UPC Nederland BV, por P. Glazener e E. Besselink, advocaten,

¾        em representação da Gemeente Hilversum, por J. Doeleman e G. van der Wal, advocaten,

¾        em representação do Governo neerlandês, inicialmente por C. Wissels, e em seguida por M. Bulterman e B. Koopman, na qualidade de agentes,

¾        em representação da Comissão Europeia, por A. Nijenhuis, P. Van Nuffel e por L. Nicolae, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Órgão de Fiscalização da EFTA, por X. Lewis e M. Moustakali, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 30 de abril de 2013,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 101.° TFUE, da Diretiva 2002/21/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa a um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações eletrónicas (diretiva «quadro») (JO L 108, p. 33, a seguir «diretiva‑quadro»), da Diretiva 97/66/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de dezembro de 1997, relativa ao tratamento de dados pessoais e à proteção da privacidade no setor das telecomunicações (JO L 24, p. 1), da Diretiva 2002/19/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa ao acesso e interligação de redes de comunicações eletrónicas e recursos conexos (diretiva «acesso») (JO L 108, p. 7), da Diretiva 2002/20/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa à autorização de redes e serviços de comunicações eletrónicas (diretiva «autorização») (JO L 108, p. 21) e da Diretiva 2002/22/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa ao serviço universal e aos direitos dos utilizadores em matéria de redes e serviços de comunicações eletrónicas (diretiva «serviço universal») (JO L 108, p. 51).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a UPC Nederland BV (a seguir «UPC») ao Gemeente Hilversum [município de Hilversum, a seguir «município de Hilversum»], a propósito de um contrato de venda por este da empresa de teledistribuição por cabo que possuía.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 O novo quadro regulamentar aplicável aos serviços de comunicações eletrónicas

3        O novo quadro regulamentar aplicável aos serviços de comunicações eletrónicas (a seguir «NQR») é composto pela diretiva‑quadro e as quatro diretivas específicas que a acompanham, ou seja, a Diretiva 97/66, a diretiva «acesso», a diretiva «autorização» e a diretiva «serviço universal» (a seguir, estas quatro diretivas são denominadas conjuntamente, «diretivas específicas»).

4        As diretivas «autorização», «acesso», «serviço universal», bem como a diretiva‑quadro foram alteradas pela Diretiva 2009/140/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2009 (JO L 337, p. 37). Todavia, atendendo à data dos factos no processo principal, o presente litígio é regido por estas quatro diretivas na sua versão inicial.

—       Diretiva‑quadro

5        O quinto considerando da diretiva‑quadro estabelece o seguinte:

«A convergência dos setores das telecomunicações, meios de comunicação social e tecnologias da informação implica que todas as redes e serviços de transmissão sejam abrangidos por um único quadro regulamentar. Esse quadro regulamentar é formado pela presente diretiva e por quatro diretivas específicas: a diretiva [‘autorização’], a diretiva [‘acesso’], a diretiva [‘serviço universal’] e a Diretiva [97/66] [...]. É necessário separar a regulação da transmissão, da regulamentação dos conteúdos. Assim, este quadro não abrange os conteúdos dos serviços prestados através das redes de comunicações eletrónicas recorrendo a serviços de comunicações eletrónicas, como sejam conteúdos radiodifundidos, serviços financeiros, ou determinados serviços da sociedade da informação e, por conseguinte, não prejudica as medidas tomadas a nível comunitário ou nacional relativamente a esses serviços, em conformidade com o direito comunitário, a fim de promover a diversidade cultural e linguística e garantir a pluralidade dos meios de comunicação. Os conteúdos dos programas de televisão são abrangidos pela Diretiva 89/552/CEE do Conselho, de 3 de outubro de 1989, relativa à coordenação de certas disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas ao exercício de atividades de radiodifusão televisiva [(JO L 298, p. 23), com a redação que lhe foi dada pela Diretiva 97/36/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de junho de 1997 (JO L 202, p. 60)]. A separação entre a regulamentação da transmissão e a regulamentação dos conteúdos não impede que sejam tomadas em conta as ligações existentes entre elas, em especial para garantir o pluralismo dos meios de comunicação, a diversidade cultural e a proteção dos consumidores.»

6        O artigo 2.°, alíneas a), e c), da diretiva tem a seguinte redação:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

a)      ‘Rede de comunicações eletrónicas’, os sistemas de transmissão e, se for o caso, os equipamentos de comutação ou encaminhamento e os demais recursos, que permitem o envio de sinais por cabo, feixes hertzianos, meios óticos, ou por outros meios eletromagnéticos, incluindo as redes de satélites, as redes terrestres fixas (com comutação de circuitos ou de pacotes, incluindo a Internet) e móveis, os sistemas de cabos de eletricidade, na medida em que são utilizados para a transmissão de sinais, as redes utilizadas para a radiodifusão sonora e televisiva e as redes de televisão por cabo, independentemente do tipo de informação transmitida;

[...]

c)      ‘Serviço de comunicações eletrónicas’, o serviço oferecido em geral mediante remuneração, que consiste total ou principalmente no envio de sinais através de redes de comunicações eletrónicas, incluindo os serviços de telecomunicações e os serviços de transmissão em redes utilizadas para a radiodifusão, excluindo os serviços que prestem ou exerçam controlo editorial sobre conteúdos transmitidos através de redes e serviços de comunicações eletrónicas; excluem‑se igualmente os serviços da sociedade da informação, tal como definidos no artigo 1.° da Diretiva 98/34/CE [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de junho de 1998, relativa a um procedimento de informação no domínio das normas e regulamentações técnicas (JO L 204, p. 37)], tal como alterada pela Diretiva 98/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de julho de 1998 (JO L 217, p. 18)] que não consistam total ou principalmente no envio de sinais através de redes de comunicações eletrónicas.»

7        O artigo 3.° da referida diretiva dispõe:

«1.       Os Estados‑Membros deverão assegurar que cada uma das funções atribuídas às autoridades reguladoras nacionais [a seguir as ‘ARN’] pela presente diretiva e pelas diretivas específicas seja desempenhada por um organismo competente.

2      Os Estados‑Membros garantirão a independência das [ARN], providenciando para que sejam juridicamente distintas e funcionalmente independentes de todas as organizações que asseguram a oferta de redes, equipamentos ou serviços de comunicações eletrónicas. [...]

[...]

6.      Os Estados‑Membros notificarão à Comissão [Europeia] todas as [ARN] às quais foram atribuídas funções nos termos da presente diretiva e das diretivas específicas, bem como as respetivas responsabilidades».

8        O artigo 8.° da mesma diretiva está assim redigido:

«1.       Os Estados‑Membros deverão assegurar que, no desempenho das funções de regulação constante da presente diretiva e das diretivas específicas, as [ARN] tomem todas as medidas razoáveis para realizar os objetivos fixados nos n.os 2, 3 e 4. Tais medidas deverão ser proporcionais a esses objetivos.

[…]

2.      As [ARN] devem promover a concorrência na oferta de redes de comunicações eletrónicas, de serviços de comunicações eletrónicas e de recursos e serviços conexos, nomeadamente:

a)      Assegurando que os utilizadores, incluindo os utilizadores deficientes, obtenham o máximo benefício em termos de escolha, preço e qualidade;

b)       Assegurando que a concorrência no setor das comunicações eletrónicas não seja distorcida nem entravada;

[…]

3.      As [ARN] devem contribuir para o desenvolvimento do mercado interno, nomeadamente:

a)      Eliminando os obstáculos ainda existentes à oferta de redes de comunicações eletrónicas, de recursos e serviços conexos e de serviços de comunicações eletrónicas a nível europeu;

[…]

d)      Cooperando entre si e com a Comissão de modo transparente a fim de garantir o desenvolvimento de uma prática reguladora e uma aplicação coerente da presente diretiva e das diretivas específicas.

[…]»

9        Os artigos 9.° a 13.° da diretiva‑quadro acrescentam que as tarefas das ARN dizem respeito também à gestão das radiofrequências para serviços de comunicações eletrónicas, a numeração e a atribuição de nomes e endereços, os direitos de passagem, a partilha de locais e recursos, a separação contabilística e relatórios financeiros.

—       Diretiva «acesso»

10      O artigo 13.°, n.° 1, da diretiva «acesso» determina o seguinte:

«As [ARN] podem […] impor obrigações relacionadas com a amortização de custos e controlos de preços, incluindo a obrigação de orientação dos preços para os custos e a obrigação relativa a sistemas de contabilização dos custos, para fins de oferta de tipos específicos de interligação e/ou acesso, em situações em que uma análise do mercado indique que uma potencial falta de concorrência efetiva implica que o operador em causa poderá manter os preços a um nível excessivamente elevado ou aplicar uma compressão da margem em detrimento dos utilizadores finais. As [ARN] tomarão em conta o investimento realizado pelo operador, permitindo‑lhe uma taxa razoável de rentabilidade sobre o capital investido, tendo em conta os riscos a ele associados.»

—       Diretiva 2009/140

11      O quinto considerando da Diretiva 2009/140 enuncia:

«O objetivo consiste em reduzir progressivamente a regulamentação ex ante específica do setor para acompanhar a evolução da concorrência nos mercados e, em última análise, para que as comunicações eletrónicas sejam regidas exclusivamente pela lei da concorrência. Considerando que, nos últimos anos, os mercados das comunicações eletrónicas revelaram uma forte dinâmica competitiva, é essencial que só sejam impostas obrigações regulamentares ex ante nos casos em que não exista uma concorrência efetiva e sustentável.»

—       Outras diretivas aplicáveis

12      Nos termos do sétimo considerando da Diretiva 2002/77/CE da Comissão de 16 de setembro de 2002, relativa à concorrência nos mercados de redes e serviços de comunicações eletrónicas (JO L 249, p. 21, a seguir «diretiva ‘concorrência’»):

«A presente diretiva refere‑se a ‘serviços de comunicações eletrónicas’ e a ‘redes de comunicações eletrónicas’ sem retomar os termos anteriormente utilizados de ‘serviços de telecomunicações’ e ‘redes de telecomunicações’ Estas novas definições são indispensáveis para ter em conta o fenómeno de convergência, abarcando numa única definição todos os serviços e/ou redes de comunicações eletrónicas envolvidos na transmissão de sinais através de fios, radioligações, meios óticos ou ainda outros meios eletromagnéticos (isto é, redes fixas, sem fios, de televisão por cabo e de satélites). Assim, a transmissão e difusão de programas de rádio e de televisão deviam ser reconhecidas com um serviço de comunicação eletrónica e as redes utilizadas para essa transmissão e difusão deviam também ser reconhecidas como redes de comunicações eletrónicas. Por outro lado, deve ficar bem claro que a nova definição de redes de comunicações eletrónicas abrange igualmente as redes de fibras que permitem a terceiros, utilizando as suas próprias infraestruturas de comutação ou de encaminhamento, enviar sinais.»

13      O artigo 1.°, n.° 3, da diretiva «concorrência» está assim redigido:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[...]

3)      ‘Serviço de comunicações eletrónicas’, os serviços oferecidos em geral mediante remuneração, que consistem total ou principalmente no envio de sinais através de redes de comunicações eletrónicas, incluindo os serviços de telecomunicações e os serviços de transmissão em redes utilizadas para a radiodifusão, excluindo os serviços que prestem ou exerçam controlo editorial sobre conteúdos transmitidos através de redes e serviços de comunicações eletrónicas; excluem‑se os serviços da sociedade da informação, tal como definidos no artigo 1.° da Diretiva [98/34], que não consistam total ou principalmente no envio de sinais através de redes de comunicações eletrónicas.»

14      O artigo 1.°, n.° 1, alínea a), i) da Diretiva 2010/13/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 10 de março de 2010, relativa à coordenação de certas disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros respeitantes à oferta de serviços de comunicação social audiovisual (Diretiva «Serviços de Comunicação Social Audiovisual») (JO L 95, p. 1) prevê:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

a)      ‘Serviço de comunicação social audiovisual’:

i)      um serviço tal como definido pelos artigos 56.° e 57.° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, prestado sob a responsabilidade editorial de um fornecedor de serviços de comunicação social e cuja principal finalidade é a oferta ao público em geral de programas destinados a informar, distrair ou educar, através de redes de comunicações eletrónicas, na aceção da alínea a) do artigo 2.° da [diretiva‑quadro]. Esse serviço de comunicação social audiovisual é constituído por emissões televisivas, tal como definidas na alínea e) do presente número, ou por serviços de comunicação social audiovisual a pedido, tal como definidos na alínea g) do presente número».

 Direito neerlandês

15      O Reino dos Países Baixos transpôs o NQR para o direito nacional através da alteração da lei das telecomunicações (Telecommunicatiewet, Stb. 2004, n.° 189), que entrou em vigor em 19 de maio de 2004 (Stb. 2004, n.° 207).

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

16      À semelhança de outros municípios neerlandeses, o município de Hilversum confiou a instalação, manutenção e exploração de uma rede de distribuição de televisão por cabo, no seu território, a uma sociedade de teledistribuição que lhe pertencia. Esta operação era considerada um serviço de utilidade pública dado que os municípios têm por missão, tendo em conta os custos da empresa, disponibilizar aos munícipes o maior número possível de programas televisivos, assegurando as melhores condições de receção, ao mais baixo custo possível.

17      Por influência da evolução ocorrida ao nível da União, muitos municípios decidiram vender as respetivas empresas municipais de distribuição por cabo. Nos termos dos contratos de venda celebrados para o efeito, os municípios reservaram para eles competências relativas à composição e aos preços do pacote de base de programas de rádio e de televisão acessível por cabo (a seguir «pacote de base acessível por cabo») disponibilizado às famílias ligadas à rede.

18      Assim, por contrato de 1 de julho de 1996 relativo à futura exploração da rede de distribuição por cabo do município de Hilversum (a seguir «contrato»), este município vendeu à antecessora da UPC a sociedade de distribuição por cabo, incluindo a rede por cabo que este município tinha mandado instalar.

19      O município de Hilversum comprometia‑se contratualmente a colaborar para a obtenção pela compradora da autorização para instalar, manter e explorar uma rede de distribuição por cabo no território do município.

20      Por seu turno, a UPC comprometia‑se a realizar investimentos numa rede de cabo capaz de proporcionar uma melhor prestação de serviços aos subscritores médios do referido município e colocar à sua disposição, além dos programas de rádio e de televisão, um pacote interessante de serviços de telecomunicações aos particulares e aos profissionais.

21      Além disso, o contrato previa uma cláusula segundo a qual a UPC devia garantir um pacote de base acessível por cabo correspondente aos critérios de composição e preços que o contrato especificava (a seguir «cláusula de preços»). Este contrato indicava a esse propósito que o custo mensal para o pacote de base acessível por cabo seria atualizável anualmente em função do índice de preços no consumidor, de acordo com uma fórmula que consta do anexo ao contrato. Especificava‑se também que os aumentos dos custos externos seriam proporcionalmente repercutidos no preço quando a adaptação prevista nessa cláusula não fosse suficiente para cobrir esses aumentos.

22      Do mesmo modo, o contrato excluía a denúncia ou a rescisão total ou parcial do contrato sem o acordo escrito das partes e estipulava que só podia ser alterado com a autorização escrita das partes, entendendo‑se que estas voltarão a discutir novamente o seu conteúdo após dez anos.

23      Por carta de 28 de novembro de 2003, a UPC comunicou ao município de Hilversum que o pacote de base acessível por cabo para todas as famílias de Hilversum seria aumentado, a partir de 1 de janeiro de 2004 passando de 10,28 euros [imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA») incluído] por mês para 13,32 euros (IVA incluído), sabendo que a UPC faturava o seu pacote de base acessível por cabo a 16 euros nos outros municípios.

24      O município de Hilversum intentou uma ação em que pediu que a UPC fosse proibida de aumentar o preço anunciado. Por decisão de 23 de dezembro de 2003, o Rechtbank te Amsterdam (tribunal de Amesterdão) julgou o pedido procedente. A decisão foi confirmada, em sede de recurso, por acórdão do Gerechtshof te Amsterdam (Tribunal da Relação de Amesterdão), de 12 de agosto de 2004. Por acórdão do Hoge Raad der Nederlanden (Supremo Tribunal dos Países Baixos), de 8 de julho de 2005, foi negado provimento ao recurso de cassação interposto pela UPC.

25      Por outro lado, durante 2003, na sequência de queixas relativas aos aumentos de preços anunciados pela UPC, a Nederlandse Mededingingsautoriteit (Autoridade Neerlandesa da Concorrência, a seguir «NMA») abriu um inquérito para determinar se, ao faturar preços excessivos de subscrição, a UPC explorou abusivamente uma posição dominante, no sentido do artigo 24.° da lei da concorrência [Wet houdende nieuwe regels omtrent de economische mededinging (Mededingingswet)], de 22 de maio de 1997.

26      Por decisão de 27 de setembro de 2005, a NMA concluiu que os preços praticados pela UPC não eram excessivos e que esta empresa não explorou abusivamente uma posição dominante, no sentido do artigo 24.° da lei da concorrência.

27      Em 28 de setembro de 2005, a Onafhankelijke Post en Telecommunicatie Autoriteit (Autoridade independente dos Correios e Telecomunicações, a seguir «OPTA») adotou um projeto de decisão relativamente ao mercado de transmissão e distribuição de sinais audiovisuais no âmbito territorial da UPC, em que considerava que a UPC dispunha, no seu âmbito territorial, de um poder significativo no mercado de fornecimento de pacotes de base acessíveis por cabo e lhe impunha obrigações no que toca ao cálculo dos seus preços.

28      Em 3 de novembro de 2005, a Comissão, a quem foi submetido esse projeto de decisão da OPTA, em conformidade com o procedimento previsto na diretiva‑quadro, teve dúvidas quanto à compatibilidade desse projeto com a diretiva‑quadro, interpretada em conjugação com a Recomendação 2003/311/CE da Comissão, de 11 de fevereiro de 2003, relativa aos mercados relevantes de produtos e serviços no setor das comunicações eletrónicas suscetíveis de regulamentação ex ante, em conformidade com a Diretiva 2002/21 (JO L 114, p. 45). Na sua decisão definitiva, de 17 de março de 2006, a OPTA renunciou, finalmente, ao controlo dos preços preconizado.

29      Em 15 de maio de 2005, a UPC interpôs um recurso no Rechtbank te Amsterdam contra o município de Hilversum, em que pediu que a cláusula de preços fosse declarada nula e fosse ordenado ao município de Hilversum que autorizasse os aumentos de preços. A este propósito, a UPC invocou a incompatibilidade desta cláusula com o direito da União.

30      Tendo sido negado provimento ao recurso, a UPC recorreu para o órgão jurisdicional de reenvio, pedindo, por um lado, a anulação da cláusula de preços ou, a título subsidiário, que a declarasse inaplicável e, por outro, que declarasse que o município de Hilversum era responsável pelo prejuízo que a UPC considerava ter sofrido pelo facto de não poder aplicar aos seus subscritores estabelecidos no território do município de Hilversum o preço comum que praticava à escala nacional.

31      Na decisão de reenvio, o Gerechtshof te Amsterdam indicou, em primeiro lugar, que as partes no processo principal discordam, desde logo, quanto a saber se o serviço proposto pela UPC, ou seja, a oferta de um pacote de base acessível por cabo é abrangida pelo âmbito de aplicação material do NQR.

32      Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas, no caso de o serviço fornecido pela UPC ser abrangido pelo âmbito de aplicação do NQR, quanto às consequências da sua aplicação à cláusula dos preços. Neste contexto, coloca‑se, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a questão de saber se o município de Hilversum conservou o poder de defender o interesse público ao intervir na fixação desses preços, o que levanta também a questão de saber se o NQR tem por objetivo realizar uma harmonização completa e se uma intervenção complementar dos poderes públicos é ainda possível. Se esse poder de intervenção estava excluído, caberia então perguntar se a autoridade pública não está vinculada por um dever de cooperação leal no sentido do direito da União.

33      Em terceiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio questiona‑se se os efeitos de uma eventual invalidade da cláusula de preços são definidos pelo direito da União e, mais exatamente, pela sanção de nulidade prevista no artigo 101.°, n.° 2, TFUE.

34      Nestas circunstâncias, o Gerechtshof te Amsterdam decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Um serviço que consiste no fornecimento de pacotes de radiotelevisão de acesso livre por cabo, por cuja prestação são cobrados custos de transmissão e um montante correspondente ao pagamento (ou à sua repercussão) da divulgação dos respetivos conteúdos a organizações de radiodifusão e de gestão coletiva de direitos de autor, é abrangido pelo campo de aplicação material do NQR [novo quadro regulamentar]?

2)      

a)      No contexto da liberalização do setor das telecomunicações e dos objetivos do NQR, que prevê um regime rigoroso de coordenação e consulta antes de uma ARN [autoridade reguladora nacional] ser (exclusivamente) competente para intervir nos preços ao utilizador final através de uma medida como o controlo dos preços, o Município tem ainda a competência (ou o dever) de defender os interesses públicos dos seus habitantes, mediante a sua intervenção nos preços ao utilizador final através de uma cláusula de limitação dos preços?

b)      Em caso de resposta negativa, o NQR opõe‑se a que o Município aplique uma cláusula de limitação dos preços acordada no âmbito da venda da empresa de distribuição por cabo?

Em caso de resposta negativa às questões 2 a) e b), coloca‑se a seguinte questão:

3)      Um organismo público, como o Município, numa situação como a presente tem também o dever de cooperação leal com a União, se, na celebração e posterior aplicação da cláusula de limitação dos preços, não atuar no exercício de uma competência pública, mas no âmbito de uma competência de direito privado [v. também questão 6 a)]?

4)      Se o NQR for aplicável e se o Município tiver o dever de cooperação leal com a União:

a)      O dever de cooperação leal com a União em conjugação com o NQR (e os seus objetivos), que prevê um regime rigoroso de coordenação e consulta antes de uma ARN poder intervir nos preços de utilizador final através de uma medida como o controlo dos preços, opõe‑se a que o Município aplique a cláusula de limitação dos preços?

b)      Em caso de resposta negativa, a resposta à questão 4 a) será diferente relativamente ao período após a Comissão ter manifestado dúvidas na sua letter of serious doubt sobre a compatibilidade do controlo dos preços proposto pela OPTA [Onafhankelijke Post en Telecommunicatie Autoriteit] com os objetivos do NQR descritos no artigo 8.° da diretiva‑quadro, e de a OPTA ter renunciado a essa medida?

5)

a)      O artigo 101.° do TFUE é uma disposição de ordem pública que o juiz pode aplicar oficiosamente fora do objeto do litígio, no sentido dos artigos 24.° e 25.° Rv [Código de Processo Civil neerlandês]?

b)      Em caso afirmativo, relativamente a que factos alegados nos autos deverá o juiz proceder à análise da aplicabilidade do artigo 101.° do TFUE? O juiz também está obrigado a fazê‑lo se esta análise conduzir (eventualmente) a completar os factos, na aceção do artigo 149.° do Rv, depois de as partes terem sido convidadas a pronunciarem‑se a esse respeito?

6)      Se o artigo 101.° do TFUE tiver de ser aplicado fora do objeto do litígio tal como circunscrito pelas partes: no contexto do NQR (ou dos seus objetivos), da sua aplicação pela OPTA e pela Comissão Europeia, e da correspondência dos conceitos utilizados no NQR, tais como de ‘poder de mercado significativo’ (PMS) e de ‘delimitação dos mercados relevantes’, com os conceitos semelhantes do direito da concorrência da UE, suscitam‑se as seguintes questões na sequência dos factos alegados nos autos:

a)      para efeitos da venda da sua empresa de distribuição por cabo e da cláusula de limitação dos preços acordada nesse contexto, o Município deve ser considerado uma empresa na aceção do artigo 101.° do TFUE (v. também questão 3)?

b)      a cláusula de limitação dos preços deve ser considerada uma restrição grave no sentido do artigo 101.°, n.° 1, alínea a), do TFUE e conforme descrito de forma mais detalhada na comunicação da Comissão, de 22 de dezembro de 2001, relativa aos acordos de pequena importância que não restringem sensivelmente a concorrência na aceção do artigo 81.°, n.° 1, [CE] (de minimis) (JO 2001 C 368, p. 13, ponto 11) ? Em caso afirmativo, está em causa uma restrição sensível da concorrência na aceção do artigo 101.°, n.° 1, do TFUE? Em caso de resposta negativa, a resposta é afetada pelas circunstâncias referidas na questão 6 d), infra?

c)      Se a cláusula de limitação dos preços não é uma restrição grave, tem um alcance de restrição da concorrência (desde logo) porque:

¾        a NMA [Nederlandse Mededingingsautoriteit] decidiu que a UPC não explorou abusivamente a sua posição dominante com os preços (mais elevados) por si aplicados relativamente a uma prestação de serviços idêntica à distribuição do pacote básico por cabo no mesmo mercado;

¾        na sua letter of serious doubt, a Comissão manifestou dúvidas sobre a compatibilidade da intervenção ex ante, mediante o controlo dos preços ao utilizador final de serviços tais como a distribuição pela UPC do pacote básico por cabo com os objetivos descritos no artigo 8.° da diretiva‑quadro? A resposta é afetada pelo facto de a OPTA, na sequência da letter of serious doubt, ter renunciado ao controlo dos preços?

d)      Deve considerar‑se que o contrato, com a cláusula de limitação dos preços aí prevista, afeta sensivelmente a concorrência, na aceção do artigo 101.°, n.° 1, do TFUE (também) tomando em consideração que:

¾        ao abrigo do NQR, a UPC é considerada um PMS [poder de mercado significativo] (de minimis, ponto 7);

¾        praticamente todos os municípios neerlandeses que nos anos noventa venderam as respetivas empresas municipais de distribuição por cabo a operadores de cabo como a UPC reservaram nesses contratos competências relativamente aos preços do pacote básico (de minimis, ponto 8)?

e)      Deve considerar‑se que o contrato, com a cláusula de limitação de preços nele prevista, afeta (ou pode afetar) sensivelmente as relações comerciais entre os Estados‑Membros, na aceção do artigo 101.°, n.° 1, do TFUE, e conforme descrito de forma mais detalhada nas orientações sobre o conceito de afetação do comércio entre os Estados‑Membros previsto nos artigos 81.° e 82.° do Tratado (JO, C 101, p. 81), tomando em consideração que:

¾        ao abrigo do NQR, a UPC é considerada um PMS;

¾        a OPTA seguiu o procedimento de consulta europeu para decidir uma medida de controlo dos preços relativamente a serviços, como a distribuição do pacote básico por cabo por operadores de cabo com um PMS como a UPC, o qual deve ser seguido, nos termos do NQR, sempre que a medida pretendida afete o comércio entre os Estados‑Membros;

¾        que o contrato representava à data um valor de 51 milhões de florins neerlandeses (NLG), ou seja, mais de 23 milhões de euros;

¾        praticamente todos os municípios neerlandeses que nos anos noventa venderam as respetivas empresas municipais de distribuição por cabo a operadores de cabo como a UPC reservaram nesses contratos competências relativamente aos preços do pacote básico;

7)      O juiz tem também competência para afastar a aplicação da proibição prevista no artigo 101.°, n.° 1, do TFUE, relativamente à cláusula de limitação de preços, com base no artigo 101.°, n.° 3, do TFUE, no contexto do NQR e das dúvidas manifestadas pela Comissão na letter of serious doubt sobre a compatibilidade da intervenção (ex ante) nos preços ao utilizador final com os objetivos do direito da concorrência? A resposta é afetada pelo facto de a OPTA, na sequência da letter of serious doubt, ter renunciado ao projetado controlo dos preços?

8)      A sanção de nulidade do direito europeu prevista no artigo 101.°, n.° 2, do TFUE permite a relativização dos seus efeitos no tempo, à luz das circunstâncias à data da celebração do contrato (o período inicial da liberalização do setor das telecomunicações) e dos posteriores desenvolvimentos no setor das telecomunicações, incluindo a entrada em vigor do NQR e das objeções sérias manifestadas pela Comissão, na sequência dessa entrada em vigor, sobre a adoção de uma medida de controlo dos preços?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

35      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 2.°, alínea c), da diretiva‑quadro deve ser interpretado no sentido de que um serviço que consiste em oferecer um pacote de base acessível por cabo cuja faturação engloba os custos de transmissão e o pagamento da divulgação dos conteúdos a organismos de radiodifusão e de gestão coletiva dos direitos de autor é abrangido pelo conceito de «serviço de comunicações eletrónicas» e, assim, pelo âmbito de aplicação material tanto desta diretiva como das diretivas específicas que constituem o NCR aplicável aos serviços de comunicações eletrónicas.

36      A este respeito, importa recordar que, por força do artigo 2.°, alíneas a) e c), da diretiva‑quadro, entende‑se por «serviço de comunicações eletrónicas» um serviço oferecido em geral mediante remuneração que consiste total ou principalmente no envio de sinais através de redes de comunicações eletrónicas, incluindo os serviços de telecomunicações e os serviços de transmissão em redes utilizadas para a radiodifusão, mas excluindo os serviços que prestem ou exerçam controlo editorial sobre conteúdos transmitidos através de redes e serviços de comunicações eletrónicas. Este artigo da diretiva‑quadro especifica, além disso, que o conceito de «serviço de comunicações eletrónicas» exclui os serviços da sociedade da informação, tal como definidos no artigo 1.° da Diretiva 98/34 que não consistam total ou principalmente no envio de sinais através de redes de comunicações eletrónicas.

37      Esta definição do serviço de comunicações eletrónicas foi retomada em termos equivalentes no artigo 1.°, n.° 3, da diretiva «concorrência».

38      Assim, como resulta do quinto considerando da diretiva‑quadro, a convergência dos setores das telecomunicações, meios de comunicação social e tecnologias da informação implica que todas as redes e serviços de transmissão sejam abrangidos por um único quadro regulamentar e que, no contexto do estabelecimento do referido quadro, é necessário separar a regulação da transmissão da regulamentação dos seus conteúdos. De acordo com esse mesmo considerando, o NQR não abrange os conteúdos dos serviços prestados através das redes de comunicações eletrónicas recorrendo a serviços de comunicações eletrónicas, como sejam conteúdos radiodifundidos, serviços financeiros, ou determinados serviços da sociedade da informação e, por conseguinte, não prejudica as medidas tomadas ao nível da União ou [ao nível] nacional relativamente a esses serviços, em conformidade com o direito da União, a fim de promover a diversidade cultural e linguística e garantir a pluralidade dos meios de comunicação.

39      Na mesma linha, o sétimo considerando da diretiva «concorrência», que refere que sejam preferidos os conceitos de serviços e de redes de «comunicações eletrónicas» aos de serviços e redes de «telecomunicações» a fim, precisamente, de ter em conta o fenómeno de convergência, indica que essas definições abarcam todos os serviços e/ou redes de comunicações eletrónicas envolvidos na transmissão de sinais através de fios, radioligações, meios óticos ou ainda outros meios eletromagnéticos, para abranger redes fixas, sem fios, de televisão por cabo ou de satélites. Esse mesmo considerando esclarece que a transmissão e a difusão de programas de rádio e de televisão devem ser reconhecidas como um serviço de comunicações eletrónicas.

40      Por outro lado, o artigo 1.°, n.° 1, alínea a), i), da diretiva «serviços de comunicação social audiovisual» define o serviço de comunicação social audiovisual como um serviço tal como definido pelos artigos 56.° e 57.° TFUE, prestado sob a responsabilidade editorial de um fornecedor de serviços da comunicação social e cuja finalidade principal é a oferta ao público em geral de programas destinados a informar, distrair ou educar, através de redes de comunicações eletrónicas, na aceção da alínea a) do artigo 2.°, da diretiva‑quadro.

41      Decorre dos elementos precedentes que, como realçou aliás o advogado‑geral no n.° 33 das suas conclusões, as diretivas relevantes, em especial a diretiva‑quadro, a diretiva «concorrência» e a diretiva «serviços de comunicação social audiovisual», estabelecem uma distinção clara entre a produção dos conteúdos, que implicam uma responsabilidade editorial, e o encaminhamento dos conteúdos, isento de toda a responsabilidade editorial, sendo abrangidos os conteúdos e a sua transmissão por regulamentações separadas, prosseguindo objetivos que são específicos, não se referindo nem aos clientes dos serviços prestados, nem à estrutura dos custos de transmissão que lhes são faturados.

42      No caso vertente, resulta da decisão de reenvio, bem como das observações escritas e orais apresentadas ao Tribunal de Justiça, que a UPC exerce uma atividade que consiste essencialmente na transmissão de programas de rádio e de televisão por cabo aos seus clientes, titulares de uma subscrição. A UPC confirmou na audiência no Tribunal de Justiça que não produz ela própria os referidos programas e que não exerce qualquer responsabilidade editorial sobre o conteúdo dos mesmos.

43      Embora os clientes da UPC subscrevam uma assinatura para terem acesso ao pacote de base acessível por cabo proposto por esta sociedade, isso não implica que a sua atividade que consiste na difusão dos programas produzidos pelos editores de conteúdo, no caso vertente, os canais de rádio e de televisão, encaminhando esses programas até à conexão da sua rede por cabo situada no domicílio dos seus subscritores, deva ser excluída do conceito de «serviço de comunicações eletrónicas» na aceção do artigo 2.°, alínea c), da diretiva‑quadro e, portanto, do âmbito de aplicação do NQR.

44      Pelo contrário, decorre do que foi salientado nos n.os 36 a 41 do presente acórdão que a oferta de um pacote de base acessível por cabo entra no conceito de serviço de comunicações eletrónicas e, portanto, no âmbito de aplicação material do NQR, desde que esse serviço englobe a transmissão de sinais através da rede de teledistribuição por cabo.

45      Qualquer outra interpretação reduziria consideravelmente o alcance do NQR, prejudicaria o efeito útil das disposições que contém, e comprometeria consequentemente a realização dos objetivos que este quadro prossegue. Com efeito, sendo a finalidade do NQR, como resulta do quinto considerando da Diretiva 2009/140, estabelecer um verdadeiro mercado interno das comunicações eletrónicas, no âmbito do qual estas devem finalmente ser regidas unicamente pelo direito da concorrência, a exclusão das atividades de uma empresa como a UPC do seu âmbito de aplicação, com o pretexto de que não se limita a transmitir sinais, privaria esse âmbito de qualquer conteúdo.

46      Pelas mesmas razões, o facto de os custos de transmissão faturados aos subscritores incorporarem a remuneração devida aos canais de radiodifusão e os direitos pagos aos organismos de gestão coletiva dos direitos de autor a título da difusão do conteúdo das obras não obsta à qualificação do serviço prestado pela UPC como «serviço de comunicações eletrónicas», na aceção do NQR.

47      Atentas todas estas considerações, há que responder à primeira questão que o artigo 2.°, alínea c), da diretiva‑quadro deve ser interpretado no sentido de que um serviço que consiste em proporcionar um pacote de base acessível por cabo e cuja faturação engloba os custos de transmissão bem como a remuneração dos organismos de radiotelevisão e os direitos pagos aos organismos de gestão coletiva dos direitos de autor, a título da difusão do conteúdo das obras, é abrangido pelo conceito de «serviço de comunicações eletrónicas» e, portanto, pelo âmbito de aplicação material tanto desta diretiva como das diretivas específicas que constituem o NQR, aplicável aos serviços de comunicações eletrónicas, desde que esse serviço compreenda principalmente a transmissão dos conteúdos televisivos mediante a rede de teledistribuição por cabo até ao terminal de receção do utilizador final.

 Quanto à segunda questão, alínea a)

48      Com a sua segunda questão, alínea a), o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se as diretivas que compõem o NQR devem ser interpretadas no sentido de que, a contar do respetivo prazo de transposição, não permitem que uma entidade como a que está em causa no processo principal intervenha nos preços aplicados ao utilizador final para o fornecimento de um pacote de base acessível por cabo.

49      Importa desde já recordar que a abordagem feita pelo NQR se distingue da que tinha presidido ao quadro regulamentar anteriormente em vigor. Com efeito, no antigo quadro regulamentar, as regras aplicáveis num dado mercado eram definidas pelo próprio quadro regulamentar, ao passo que no NCR, são as ARN que têm competência para definir o mercado relevante para efeitos da aplicação das regras e dos instrumentos de intervenção regulamentares previstos pelo NCR. Para esse efeito, as ARN estão incumbidas de proceder a análises de mercado, designadamente, quando constatam que as empresas dispõem nesse mercado de um poder significativo, podendo impor‑lhes determinadas obrigações, inclusive em matéria de preços.

50      As regulamentações da ARN estão definidas nos artigos 8.° a 13.° da diretiva‑quadro. Importa recordar, a este respeito, que o artigo 8.°, da diretiva‑quadro impõe aos Estados‑Membros a obrigação de assegurarem que as ARN tomarão todas as medidas razoáveis a fim de promover a concorrência na oferta dos serviços de comunicações eletrónicas, velando por que a concorrência não seja falseada nem entravada no setor das comunicações eletrónicas, e eliminando os últimos obstáculos à oferta dos referidos serviços ao nível da União (v., neste sentido, acórdãos de 31 de janeiro de 2008, Centro Europa 7, C‑380/05, Colet., p. I‑349, n.° 81, e de 13 de novembro de 2008, Comissão/Polónia, C‑227/07, Colet., p. I‑8403, n.os 62 e 63).

51      Entre essas medidas, que devem, em determinados casos, ser previamente notificadas à Comissão, constam as ligadas à recuperação dos custos e ao controlo dos preços, incluindo as obrigações relativas à orientação dos preços em função dos custos, em especial com fundamento no artigo 13.° da diretiva «acesso».

52      Nos termos do artigo 3.° da diretiva‑quadro, os Estados‑Membros deverão assegurar que as funções atribuídas às ARN sejam desempenhadas por organismos competentes e independentes. Por outro lado, os Estados‑Membros devem notificar à Comissão os nomes das ARN, bem como as respetivas responsabilidades.

53      Ora, resulta sem ambiguidade dos documentos apresentados ao Tribunal de Justiça que o município de Hilversum não é uma ARN. Basta salientar a este propósito que o Reino dos Países Baixos não notificou à Comissão nenhuma decisão ou intenção de designar este município como ARN, tendo este Estado‑Membro designado, ao invés, a OPTA. A situação de Hilversum não se assemelha de modo nenhum à situação de um legislador nacional como a que foi referida pelo Tribunal de Justiça no n.° 30 do acórdão de 6 de outubro de 2010, Base e o. (C‑389/08, Colet., p. I‑9073).

54      Por conseguinte, o município de Hilversum não é, em princípio, competente para intervir diretamente nos preços que são aplicados ao utilizador final pelos serviços regidos pelo NQR. Entre esses serviços figura, como resulta da resposta à primeira questão, o serviço que consiste em proporcionar um pacote de base acessível por cabo. De qualquer modo, o município de Hilversum pode pedir à ARN, neste caso à OPTA, que tome as medidas adequadas.

55      Atentas todas as considerações precedentes, há que responder à segunda questão, alínea a), que as diretivas que constituem o NQR devem ser interpretadas no sentido de que, a partir do termo do respetivo prazo de transposição, não permitem que uma entidade como a que está em causa no processo principal, que não tem a qualidade de ARN, intervenha diretamente nos preços aplicados ao utilizador final pela oferta de um pacote de base acessível por cabo.

 Quanto à segunda questão, alínea b), e à quarta questão, alínea a)

56      Com a segunda questão, alínea b), e a quarta questão, alínea a), que importa apreciar conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se as diretivas que constituem o NQR devem ser interpretadas no sentido de que não permitem, em circunstâncias como as do caso principal e tendo em conta o princípio da cooperação leal, que uma entidade que não tem a qualidade de ARN invoque, perante um fornecedor de pacotes de base acessíveis por cabo, uma cláusula prevista num contrato celebrado anteriormente à adoção do NQR e que limita a liberdade preços desse fornecedor para fixar os preços.

57      A cláusula de preços em causa no processo principal foi estipulada no contrato de 1 de julho de 1996 pelo qual o município de Hilversum vendeu à antecessora da UPC a empresa de teledistribuição por cabo que até então controlava. Nem o órgão jurisdicional de reenvio nem nenhuma das partes que formularam observações no Tribunal de Justiça questionaram a validade dessa cláusula no momento em que foi objeto de acordo ou o facto de esta ter sido livremente negociada e celebrada entre o município de Hilversum e a antecessora da UPC, o que cabe, contudo, ao tribunal nacional verificar à luz das circunstâncias de facto e do direito nacional. Sem prejuízo dessa verificação, a segunda questão, alínea b), e a quarta questão, alínea a), devem ser consideradas como fazendo referência a um contrato validamente celebrado.

58      Embora, como observou o município de Hilversum, nada nas diretivas que compõem o NQR permita concluir que estas têm por efeito tornar automaticamente caduca uma cláusula de preços validamente celebrada anteriormente à adoção dessas diretivas, esta circunstância não dá uma resposta suficiente às questões submetidas. Com efeito, esta resposta deve permitir ao órgão jurisdicional de reenvio decidir não só do pedido da UPC que visa anular a referida cláusula de preços, mas também do pedido subsidiário da UPC que visa obter a declaração de que, em virtude do NQR, o município de Hilversum não pode continuar a invocar essa cláusula.

59      Importa recordar que, em matérias reguladas pelo direito da União, incluindo os serviços de comunicações eletrónicas, as autoridades públicas dos Estados‑Membros estão vinculadas pelo princípio da cooperação leal. Por força deste princípio, tomam todas as medidas gerais ou específicas adequadas para garantir a execução das obrigações decorrentes dos Tratados ou resultantes dos atos das instituições da União e abster‑se de qualquer medida suscetível de pôr em perigo a realização dos objetivos da União (v., neste sentido, designadamente, acórdãos de 18 de março de 1986, Comissão/Bélgica, 85/85, Colet., p. 1149, n.° 22; de 4 de março de 2004, Alemanha/Comissão, C‑344/01, Colet., p. I‑2081, n.° 79, e de 28 de abril de 2011, El Dridi, C‑61/11 PPU, Colet., p. I‑3015, n.° 56).

60      No contexto da prossecução dos interesses dos consumidores que residem no seu território, cabe por conseguinte ao município de Hilversum cooperar na eficácia do regime instaurado pelo NQR e evitar qualquer medida contrária ao mesmo.

61      No presente processo, é ponto assente que o contrato estipulava que as partes voltariam a discutir novamente o seu conteúdo após dez anos. Na audiência, o município de Hilversum confirmou que, com a preocupação de preservar para os seus habitantes preços que são válidos por força da cláusula de preços prevista nesse contrato, se opôs, no fim de dez anos, a uma adaptação dessa cláusula.

62      A referida cláusula fixava o preço mensal para o pacote de base acessível por cabo em 13,65 NLG, IVA não incluído, e não permitia à UPC adaptar esse preço em função do índice dos preços no consumidor e aumentos de «custos externos». Ao insistir sobre a aplicação contínua e inalterada desta limitação da liberdade da UPC de fixar os preços, quando o contrato convidava a uma concertação de modo a que esta cláusula fosse avaliada à luz das mudanças que ocorreram entre os anos de 1996 e 2006, o município de Hilversum contribuiu para uma violação, no seu território, das regras do NQR, que não impunham tal limitação aos fornecedores de serviços de comunicações eletrónicas, mas impunham, pelo contrário, a liberdade de preços através de restrições precisas que podem, com base numa análise de mercado e no quadro de procedimentos bem determinados, ser fixados pelas ARN.

63      Atentas todas as considerações precedentes, há que responder à segunda questão, alínea b), e à quarta questão, alínea a), que as diretivas que constituem o NQR devem ser interpretadas no sentido de que não permitem, em circunstâncias como as do processo principal e tendo em conta o princípio de cooperação leal, que uma entidade que não tem a qualidade de ARN invoque, perante um fornecedor de pacotes de base acessíveis por cabo, uma cláusula prevista num contrato celebrado anteriormente à adoção do NQR aplicável aos serviços de comunicações eletrónicas e que limita a liberdade desse fornecedor de fixar os preços.

 Quanto à terceira questão, à quarta questão, alínea b), e à quinta a oitava questões

64      Atendendo às respostas dadas à primeira questão, à segunda questão, alíneas a) e b), e à quarta questão, alínea a), não há necessidade de responder à terceira questão, à quarta questão, alínea b), bem como à quinta a oitava questões.

 Quanto às despesas

65      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

1)      O artigo 2.°, alínea c), da Diretiva 2002/21/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa a um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações eletrónicas (diretiva «quadro»), deve ser interpretado no sentido de que um serviço que consiste em proporcionar um pacote de base de programas de rádio e de televisão acessível por cabo e cuja faturação engloba os custos de transmissão bem como a remuneração dos organismos de radiodifusão e os direitos pagos aos organismos de gestão coletiva dos direitos de autor, a título da difusão do conteúdo das obras, é abrangido pelo conceito de «serviço de comunicações eletrónicas» e, portanto, pelo âmbito de aplicação material tanto desta diretiva como das Diretivas 97/66/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de dezembro de 1997, relativa ao tratamento de dados pessoais e à proteção da privacidade no setor das telecomunicações, 2002/19/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa ao acesso e interligação de redes de comunicações eletrónicas e recursos conexos (diretiva «acesso»), 2002/20/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa à autorização de redes e serviços de comunicações eletrónicas (diretiva «autorização») e 2002/22/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa ao serviço universal e aos direitos dos utilizadores em matéria de redes e serviços de comunicações eletrónicas (diretiva «serviço universal») que constituem o novo quadro regulamentar, desde que esse serviço compreenda principalmente a transmissão dos conteúdos televisivos mediante rede de teledistribuição por cabo até ao terminal de receção do utilizador final.

2)      Estas diretivas devem ser interpretadas no sentido de que, a partir do termo do respetivo prazo de transposição, não permitem que uma entidade como a que está em causa no processo principal, que não tem a qualidade de autoridade regulamentar nacional, intervenha diretamente nos preços aplicados ao utilizador final pela oferta de um pacote de base de programas de rádio e de televisão acessível por cabo.

3)      As mesmas diretivas devem ser interpretadas no sentido de que não permitem, em circunstâncias como as do processo principal e tendo em conta o princípio da cooperação leal, que uma entidade que não tem a qualidade de autoridade regulamentar nacional invoque, perante um fornecedor de pacotes de base de programas de rádio e de televisão acessíveis por cabo, uma cláusula prevista num contrato celebrado anteriormente à adoção do novo quadro regulamentar e que limita a liberdade desse fornecedor de fixar os preços.

Assinaturas


* Língua do processo: neerlandês.