Language of document : ECLI:EU:C:2017:668

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MANUEL CAMPOS SÁNCHEZ‑BORDONA

apresentadas em 12 de setembro de 2017 (1)

Processo C‑537/16

Garlsson Real Estate SA, em liquidação,

Stefano Ricucci,

Magiste International SA

contra

Commissione Nazionale per le Società e la Borsa (Consob)

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela Corte suprema di cassazione (Tribunal Supremo, Itália)]

«Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Diretiva 2003/6/CE — Condutas de manipulação de mercado — Legislação nacional que prevê uma sanção administrativa e uma sanção penal pelos mesmos factos — Violação do princípio ne bis in idem»






1.        Nas conclusões do processo Menci (2), que se leem em paralelo com estas, analiso em que medida o princípio ne bis in idem é aplicável quando as legislações de alguns Estados‑Membros permitem o cúmulo das sanções administrativas e das sanções penais para punir os não pagamentos do IVA. Este reenvio prejudicial diz respeito a esse problema, embora as condutas punidas por via dupla pertençam, aqui, ao âmbito do «abuso de mercado», que inclui o uso indevido de informação privilegiada e a manipulação dos mercados.

2.        A harmonização das sanções administrativas neste âmbito foi realizada pela Diretiva 2003/6/CE (3), posteriormente revogada pelo Regulamento (UE) n.o 596/2014 (4). Este último harmonizou completamente o regime administrativo sancionatório, enquanto a Diretiva 2014/57/UE (5) harmonizava também, mas apenas de modo parcial, as sanções penais aplicáveis pelos Estados‑Membros a estas condutas (6).

I.      Quadro jurídico

A.      Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais de 1950 (a seguir «CEDH»)

3.        O Protocolo n.o 7 anexo à CEDH, assinado em Estrasburgo, em 22 de novembro de 1984 (a seguir «Protocolo n.o 7»), regula no seu artigo 4.o o «direito a não ser julgado ou punido mais de uma vez», nos seguintes termos:

«1.      Ninguém pode ser penalmente julgado ou punido pelas jurisdições do mesmo Estado por motivo de uma infração pela qual já foi absolvido ou condenado por sentença definitiva, em conformidade com a lei e o processo penal desse Estado.

2.      As disposições do número anterior não impedem a reabertura do processo, nos termos da lei e do processo penal do Estado em causa, se factos novos ou recentemente revelados ou um vício fundamental no processo anterior puderem afetar o resultado do julgamento.

3.      Não é permitida qualquer derrogação ao presente artigo com fundamento no artigo 15.o da Convenção.»

B.      Direito da União

1.      Carta dos Direitos Fundamentais

4.        Nos termos do artigo 50.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»):

«Ninguém pode ser julgado ou punido penalmente por um delito do qual já tenha sido absolvido ou pelo qual já tenha sido condenado na União por sentença transitada em julgado, nos termos da lei.»

5.        O artigo 52.o determina o âmbito e a interpretação dos direitos e princípios consagrados na Carta:

«1.      Qualquer restrição ao exercício dos direitos e liberdades reconhecidos pela presente Carta deve ser prevista por lei e respeitar o conteúdo essencial desses direitos e liberdades. Na observância do princípio da proporcionalidade, essas restrições só podem ser introduzidas se forem necessárias e corresponderem efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União, ou à necessidade de proteção dos direitos e liberdades de terceiros.

[…]

3.      Na medida em que a presente Carta contenha direitos correspondentes aos direitos garantidos pela Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, o sentido e o âmbito desses direitos são iguais aos conferidos por essa Convenção. Esta disposição não obsta a que o direito da União confira uma proteção mais ampla.

4.      Na medida em que a presente Carta reconheça direitos fundamentais decorrentes das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros, tais direitos devem ser interpretados de harmonia com essas tradições.

[…]

6.      As legislações e práticas nacionais devem ser plenamente tidas em conta tal como precisado na presente Carta.

[…]»

2.      Direito derivado em matéria de abuso de mercado

a)      Diretiva 2003/6

6.        O considerando 38 afirma:

«A fim de garantir uma eficácia adequada ao enquadramento [na União] do abuso de mercado, qualquer infração às proibições ou requisitos estabelecidos por força da presente diretiva terá de ser rapidamente detetada, sendo‑lhe aplicada uma sanção. Para este efeito, as sanções devem ser suficientemente dissuasivas e proporcionadas à gravidade da infração e às mais‑valias realizadas e devem ser aplicadas de forma sistemática.»

7.        O artigo 5.o prevê:

«Os Estados‑Membros proíbem qualquer pessoa de efetuar manipulação de mercado.»

8.        Nos termos do artigo 14.o, n.o 1:

«Sem prejuízo do direito de imporem sanções penais, os Estados‑Membros asseguram, nos termos da respetiva legislação nacional, que possam ser tomadas medidas administrativas adequadas ou aplicadas sanções administrativas relativamente às pessoas responsáveis por qualquer incumprimento das disposições aprovadas por força da presente diretiva. Os Estados‑Membros asseguram que estas medidas sejam efetivas, proporcionadas e dissuasivas.»

b)      Regulamento n.o 596/2014

9.        Nos termos do seu considerando 71:

«[…] deverá assegurar‑se um conjunto de sanções e outras medidas administrativas para garantir uma abordagem comum nos Estados‑Membros e reforçar o seu efeito dissuasor. A autoridade competente deverá dispor da possibilidade de inibição do exercício de funções de gestão nas empresas de investimento. As sanções aplicadas a casos específicos deverão ser determinadas, tendo em conta, se for caso disso, fatores como a restituição de quaisquer benefícios financeiros identificados, a gravidade e duração da infração, quaisquer fatores agravantes ou atenuantes, a necessidade de as coimas terem um efeito dissuasor e, se for caso disso, serem atenuadas por motivos de colaboração com a autoridade competente. Em especial, o montante efetivo das coimas administrativas a impor num caso específico pode atingir o nível máximo previsto no presente regulamento, ou o nível mais elevado previsto na legislação nacional, para infrações muito graves, enquanto coimas significativamente mais baixas do que o nível máximo podem ser aplicadas a infrações menores ou em caso de acordo. O presente regulamento não limita os Estados‑Membros na sua capacidade de estabelecer sanções administrativas mais elevadas ou outras medidas administrativas.»

10.      No considerando 72 lê‑se:

«Embora nada obste a que os Estados‑Membros estabeleçam regras em matéria de sanções administrativas bem como penais para as mesmas infrações, não se deverá exigir aos Estados‑Membros que estabeleçam regras em matéria de sanções administrativas para as infrações ao presente regulamento que já estejam reguladas pelo Direito Penal nacional em 3 de julho de 2016. Em conformidade com a legislação nacional, os Estados‑Membros não têm a obrigação de impor sanções administrativas e penais para a mesma infração, mas podem fazê‑lo se a sua legislação nacional o permitir. No entanto, a manutenção de sanções penais em vez de sanções administrativas para as infrações ao presente regulamento ou à Diretiva 2014/57/UE não deverá reduzir nem de qualquer outro modo afetar a capacidade das autoridades competentes em termos de cooperação, acesso e intercâmbio de informações, em tempo útil, com as autoridades competentes de outros Estados‑Membros para efeitos do presente regulamento, nomeadamente depois de terem sido remetidos às autoridades judiciais competentes os dados relativos às infrações em causa para efeitos de ação penal.»

11.      Nos termos do considerando 77:

«O presente regulamento respeita os direitos fundamentais e observa os princípios reconhecidos na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (Carta). Assim, o presente regulamento deverá ser interpretado e aplicado no respeito por esses direitos e princípios […]»

12.      O artigo 15.o dispõe:

«É proibida a manipulação de mercado ou a tentativa de manipulação de mercado.»

13.      O artigo 12.o determina as condutas constitutivas de manipulação de mercado nos seguintes termos.

«1.      Para efeitos do presente regulamento, manipulação de mercado engloba as seguintes atividades:

a)      Realizar operações, colocar uma ordem ou qualquer outra conduta que:

i)      dê ou seja idónea para dar indicações falsas ou enganosas no que respeita à oferta, à procura ou ao preço de instrumentos financeiros, de um contrato de mercadorias à vista com eles relacionado ou de um produto leiloado baseado em licenças de emissão, ou

ii)      assegure ou seja idónea para assegurar o preço de um ou mais instrumentos financeiros de contratos de mercadorias à vista com eles relacionados ou de um produto leiloado baseado em licenças de emissão a um nível anormal ou artificial;

[…]

b)      Realizar operações, colocar uma ordem ou qualquer outra atividade ou conduta que afete, ou seja idónea para afetar, o preço de um ou mais instrumentos financeiros, um contrato de mercadorias à vista com eles relacionado ou um produto leiloado baseado em licenças de emissão, recorrendo a procedimentos fictícios ou quaisquer outras formas de engano ou artifício;

c)      Divulgar informações através dos meios de comunicação social, incluindo a Internet, ou através de outros meios, que deem ou sejam idóneas para dar indicações falsas ou enganosas quanto à procura ou preço de um instrumento financeiro, um contrato de mercadorias à vista com ele relacionado ou um produto leiloado baseado em licenças de emissão, ou fixem ou sejam idóneas para fixar o preço de um ou vários instrumentos financeiros, contratos de mercadorias à vista com eles relacionados ou um produto leiloado baseado em licenças de emissão a um nível anormal ou artificial, incluindo a divulgação de rumores, quando a pessoa que procedeu à divulgação sabia ou devia saber que essas informações eram falsas ou enganosas;

d)      Transmitir informações falsas ou enganosas ou facultar dados falsos ou enganosos relativamente a um índice de referência, quando a pessoa que transmitiu a informação ou facultou os dados sabia ou devia saber que eram falsos ou enganosos, ou qualquer outra conduta que manipule o cálculo de um índice de referência.»

14.      O artigo 30.o regula as sanções e outras medidas administrativas nestes termos:

«1.      Sem prejuízo de quaisquer sanções penais e sem prejuízo dos poderes de supervisão das autoridades competentes, em conformidade com o artigo 23.o, os Estados‑Membros devem, em conformidade com a legislação nacional, atribuir às autoridades competentes os poderes para aplicarem sanções e outras medidas administrativas adequadas, pelo menos, no caso das seguintes infrações:

a)      Violação dos deveres previstos nos artigos 14.o e 15.o, artigo 16.o, n.os 1 e 2, artigo 17.o, n.os 1, 2, 4, 5 e 8, artigo 18.o, n.os 1 a 6, artigo 19.o, n.os 1, 2, 3, 5, 6, 7 e 11, e artigo 20.o, n.o 1, do presente regulamento; e

b)      Falta de cooperação ou incumprimento numa investigação ou inspeção ou incumprimento de pedido abrangidos pelo artigo 23.o, n.o 2.

Os Estados‑Membros podem decidir não prever regras em matéria de sanções administrativas nos termos do primeiro parágrafo se essas infrações referidas no primeiro parágrafo, alíneas a) e b), já se encontrarem sujeitas a sanções penais de acordo com a sua legislação nacional até 3 de julho de 2016. Neste caso, os Estados‑Membros devem notificar, detalhadamente, à Comissão e à ESMA as regras penais relevantes aplicáveis.

Até 3 de julho de 2016, os Estados‑Membros devem notificar detalhadamente a Comissão e a ESMA as regras a que se referem o primeiro e o segundo parágrafos. Devem notificar, de imediato, a Comissão e a ESMA sobre qualquer alteração subsequente às mesmas.

2.      Os Estados‑Membros devem, em conformidade com a legislação nacional, atribuir às autoridades competentes poderes para aplicarem as seguintes sanções administrativas e adotarem pelo menos as seguintes medidas administrativas, no caso de uma infração referida no n.o 1, primeiro parágrafo, alínea a):

[…]»

c)      Diretiva 2014/57

15.      Nos termos dos considerandos 22, 23 e 27:

«(22)      As obrigações previstas na presente diretiva de prever sanções na respetiva legislação nacional para as pessoas singulares ou coletivas não isentam os Estados‑Membros da obrigação de preverem na legislação nacional sanções e outras medidas pelas infrações constantes do Regulamento (UE) n.o 596/2014, salvo se tiverem decidido, em conformidade com o disposto no Regulamento (UE) n.o 596/2014, prever apenas sanções penais para tais infrações na respetiva legislação nacional.

(23)      O âmbito de aplicação da presente diretiva está definido de modo a completar e assegurar a execução efetiva do disposto no Regulamento (UE) n.o 596/2014. Ainda que as infrações devam ser punidas de acordo com os termos da presente diretiva, quando cometidas intencionalmente e, pelo menos, nos casos mais graves, sanções por violação do disposto no Regulamento (UE) n.o 596/2014 não exigem que a intenção seja provada ou que as infrações sejam qualificadas como graves. Ao aplicarem a lei nacional que transporá a presente diretiva, os Estados‑Membros deverão certificar‑se de que a imposição de sanções penais por infrações nos termos da presente diretiva e a imposição de sanções administrativas ao abrigo do Regulamento (UE) n.o 596/2014 não viole o princípio do ne bis in idem.

[…]

(27)      A presente diretiva respeita os direitos fundamentais e observa os princípios reconhecidos na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (Carta), tal como reconhecidos no TUE. Mais concretamente, deverá ser aplicada no devido respeito pelo direito […] a não ser julgado ou punido penalmente mais do que uma vez pelo mesmo delito (artigo 50.o).»

16.      Nos termos do artigo 5.o:

«1.      Os Estados‑Membros devem tomar as medidas necessárias para assegurar que a manipulação de mercado, referida no n.o 2, constitui uma infração penal, pelo menos, em casos graves e quando cometida com dolo.

2.      Para efeitos da presente diretiva, a manipulação de mercado abrange as seguintes atividades:

a)      Realizar uma operação, colocar uma ordem ou praticar qualquer outra atividade ou conduta que:

i)      dê indicações falsas ou enganosas no que respeita à oferta, à procura ou ao preço de um instrumento financeiro ou de um contrato de mercadorias à vista que com ele esteja relacionado, ou

ii)      fixe a um nível anormal ou artificial o preço de um ou mais instrumentos financeiros ou de um contrato de mercadorias à vista que com eles esteja relacionado,

[…]

b)      Efetuar uma operação, colocar uma ordem, ou praticar qualquer outra atividade ou conduta que afete o preço de um ou mais instrumentos financeiros ou de um contrato de mercadorias à vista que com eles esteja relacionado, recorrendo a procedimentos fictícios ou a quaisquer outras formas de engano ou artifício;

c)      Divulgar informações nos meios de comunicação social, incluindo a Internet, ou por quaisquer outros meios, com indicações falsas ou enganosas no que respeita à oferta, à procura ou ao preço de um instrumento financeiro ou de um contrato de mercadorias à vista que com eles esteja relacionado, ou que fixem o preço de um ou vários instrumentos financeiros ou de um contrato de mercadorias à vista a um nível anormal ou artificial, quando as pessoas que fizerem a divulgação obtiverem, para si próprias ou para outrem, uma vantagem ou um benefício da divulgação das informações em questão; ou

d)      Transmitir informações falsas ou enganosas, fornecer dados falsos ou enganosos, ou praticar qualquer conduta que manipule o cálculo de um índice de referência.»

17.      Para o artigo 7.o:

«1.      Os Estados‑Membros devem tomar as medidas necessárias para garantir que as infrações referidas nos artigos 3.o a 6.o sejam puníveis com sanções penais efetivas, proporcionais e dissuasoras.

2.      Os Estados‑Membros devem tomar as medidas necessárias para garantir que os crimes referidos nos artigos 3.o e 5.o sejam puníveis com uma pena máxima de prisão não inferior a quatro anos.

3.      Os Estados‑Membros devem tomar as medidas necessárias para garantir que os crimes referidos no artigo 4.o sejam puníveis com uma pena máxima de prisão não inferior a dois anos.»

C.      Direito italiano

18.      O Decreto Legislativo n.o 58/1998, Testo unico delle disposizioni in materia di intermediazione finanziaria (Texto Único em matéria de intermediação financeira; a seguir «TUF») prescreve no seu artigo 185.o, n.os 1 e 2, o seguinte:

«1.      É punido com pena de prisão de 1 a 6 anos e com multa de vinte mil a cinco milhões de euros quem difundir notícias falsas ou realizar operações simuladas ou outros artifícios efetivamente suscetíveis de provocar uma alteração sensível do preço dos instrumentos financeiros.

2.      O juiz pode aumentar o valor da multa até ao triplo do seu montante ou até um montante dez vezes superior ao produto ou à mais‑valia obtida em resultado da infração, quando a multa seja insuficiente, mesmo quando tenha sido aplicado o montante máximo, tendo em consideração a gravidade da conduta ilícita, das qualidades pessoais do autor da infração ou do montante do produto ou da mais‑valia obtida.»

19.      O artigo 187.o‑B, n.o 1, do TUF (7) dispõe:

«Sem prejuízo das sanções penais quando o facto constitua crime, é punido com coima de cem mil a vinte e cinco milhões de euros quem, através dos meios de comunicação, incluindo a Internet ou quaisquer outros meios, difundir informações, rumores ou notícias falsas ou enganosas, que deem ou sejam suscetíveis de dar indicações falsas ou enganosas no que respeita a instrumentos financeiros.»

20.      O artigo 187.o‑B, n.o 3, alínea c), do TUF prevê que, sem prejuízo das sanções penais quando o facto constitua crime, são aplicáveis as mesmas sanções administrativas pecuniárias a quem realizar «operações ou ordens de compra e venda recorrendo a procedimentos fictícios ou a quaisquer outras formas de engano ou artifício».

21.      Nos termos do artigo 187.o‑K, n.o 1, do TUF:

«O processo administrativo declarativo e o processo de oposição previstos no artigo 187.o‑F não podem ser suspensos na pendência de um processo penal que tenha por objeto o mesmo facto ou factos de cujo apuramento dependa a resolução do processo.»

22.      O artigo 187.o‑L, n.o 1, do TUF especifica:

«Quando, pelo mesmo facto, seja aplicada ao réu ou à entidade uma sanção administrativa pecuniária nos termos do artigo 187.o‑F […] a execução da pena pecuniária e da sanção pecuniária decorrente do crime é limitada à parte que exceder a cobrada pela autoridade administrativa.»

23.      O artigo 649.o («Proibição de segundo julgamento») do codice di procedura penale (Código de Processo Penal) dispõe:

«O arguido absolvido ou condenado por sentença ou despacho penal irrevogáveis não pode ser submetido a novo processo penal pelo mesmo ato, mesmo que este último seja considerado diferentemente do ponto de vista da sua qualificação jurídica, do seu grau de gravidade ou das circunstâncias, sem prejuízo do disposto nos artigos 69.o, n.o 2, e 345.o»

II.    Litígio no processo nacional e questão prejudicial

24.      A Commissione Nazionale per le Società e la Borsa (Comissão Nacional para as Sociedades e a Bolsa; a seguir «Consob») aplicou, em 9 de setembro de 2007, uma sanção administrativa pecuniária de 10 200 000 euros a S. Ricucci e a duas sociedades sob a sua administração (Magiste International SA e Garlsson Real Estate SA), solidariamente responsáveis. Os factos que lhe foram imputados, ocorridos em 2005, foram qualificados de condutas de manipulação do mercado, em conformidade com os artigos 187.o‑B, n.o 3, alínea c), e 187.o‑D, n.o 1, alínea a), do TUF.

25.      S. Ricucci e as duas sociedades recorreram da sanção administrativa na Corte di appello di Roma (Tribunal de recurso de Roma, Itália) que, em acórdão de 2 de janeiro de 2009, a reduziu para 5 000 000 euros.

26.      Todas as partes afetadas interpuseram recurso desse acórdão na Corte suprema di cassazione (Tribunal Supremo, Itália). Concretamente, S. Ricucci alegou no seu recurso, como dado determinante, que já tinha sido condenado pelos mesmos factos por sentença penal transitada em julgado, de 10 de dezembro de 2008, proferida pelo Tribunale di Roma (Tribunal de Roma, Itália).

27.      Com efeito, paralelamente, S. Ricucci tinha sido objeto de um processo penal pelos mesmos factos (8) punidos em via administrativa. O processo penal terminou com uma sentença de homologação (decorrente de transação penal) de 10 de dezembro de 2008, em que o Tribunale di Roma (Tribunal de Roma) aplicou a S. Ricucci uma pena de prisão de quatro anos e seis meses, reduzida para três pela escolha da forma processual, e diversas penas acessórias (9). A pena foi posteriormente extinta por um indulto atribuído ao abrigo da Lei n.o 241/06.

28.      A sentença (penal) de 10 de dezembro de 2008 transitou em julgado em 11 de setembro de 2009, quando a Corte suprema di cassazione (Tribunal Supremo) não admitiu o recurso interposto contra a mesma.

29.      No âmbito do recurso do acórdão de 2 de janeiro de 2009, a Corte suprema di cassazione (Tribunal Supremo) transmitiu os autos à Corte costituzionale (Tribunal Constitucional, Itália) para que apreciasse a constitucionalidade do artigo 187.o‑B, n.o 1, do TUF.

30.      Contudo, a Corte costituzionale (Tribunal Constitucional) julgou a questão de constitucionalidade inadmissível (10) no acórdão n.o 102, de 12 de maio de 2016, Na sequência desta decisão, o órgão jurisdicional de reenvio explica no seu despacho que a inexistência de regras nacionais que alarguem o princípio ne bis in idem às relações entre sanções penais e sanções administrativas de caráter penal parece violar os princípios do direito da União. A existência do sistema de via dupla não seria admissível, com base nos princípios supranacionais e, portanto, do cúmulo de sanção penal e sanção administrativa, aplicadas em processos diferentes, quando esta última tenha natureza de sanção penal.

31.      A Corte suprema di cassazione (Tribunal Supremo) considera, portanto, que a prossecução e a conclusão do procedimento administrativo, após a sentença penal contra S. Ricucci, podem constituir uma violação do princípio ne bis in idem consagrada no artigo 50.o da Carta, por força do acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de fevereiro de 2013, Åkerberg Fransson (11), e da jurisprudência do TEDH [acórdãos de 4 de março de 2014, Grande Stevens e o. c. Itália (CE:ECHR:2014:0304JUD001864010); de 20 de maio de 2014, Nykänen c. Finlândia (CE:ECHR:2014:0520JUD001182811); de 27 de novembro de 2014, Lucky Dev c. Suécia (CE:ECHR:2014:1127JUD000735610); e de 10 de fevereiro de 2009, Zolotukhin c. Rússia (CE:ECHR:2009:0210JUD001493903)].

32.      Neste contexto, submete ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O disposto no artigo 50.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, interpretado à luz do artigo 4.o do Protocolo n.o 7 à Convenção Europeia dos Direitos Humanos, à Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, da correspondente jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e da legislação nacional, opõe‑se à possibilidade de instaurar um procedimento administrativo que tenha por objeto um facto (comportamento ilícito de manipulação do mercado) pelo qual foi aplicada à mesma pessoa uma sanção penal irrevogável?.

2)      O órgão jurisdicional nacional pode aplicar diretamente os princípios do direito da União relativos ao princípio «ne bis in idem», com base no artigo 50.o da Carta, interpretado à luz do artigo 4.o do Protocolo n.o 7 à Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, da correspondente jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e da legislação nacional?»

33.      Apresentaram observações escritas a Consob, os Governos de Itália, Alemanha e República Checa, bem como a Comissão.

34.      Na audiência de 30 de maio de 2017, realizada conjuntamente para o processo Menci (C‑524/15) e os processos apensos Di Puma (C‑596/16) e Consob (C‑597/16), intervieram o representante de S. Ricucci, os Governos de Itália e da Alemanha e a Comissão.

III. Análise das questões prejudiciais

35.      Antes de sugerir uma resposta às duas questões prejudiciais, considero oportuno efetuar duas clarificações. A primeira consiste no facto de não haver dúvida no que diz respeito à aplicabilidade do artigo 50.o da Carta neste processo, uma vez que a legislação nacional relativa ao abuso de mercado, por força da qual foram aplicadas as sanções controvertidas, foi adotada pelo Estado italiano para transpor a Diretiva 2003/6 para o seu direito interno.

36.      Com efeito, o âmbito de aplicação da Carta, no que diz respeito à ação dos Estados‑Membros, encontra‑se definido no seu artigo 51.o, n.o 1, nos termos do qual as disposições da Carta têm por destinatários os Estados‑Membros apenas quando apliquem o direito da União. Os direitos fundamentais garantidos pela Carta devem ser respeitados ao aplicar as normas internas que, por sua vez, refletem ou resultam de normas da União (12). Pelo contrário, o Tribunal de Justiça não tem competência para apreciar uma situação jurídica não abrangida pelo referido âmbito, e as disposições da Carta não podem fundamentar, por si só, essa competência (13).

37.      Uma segunda clarificação diz respeito à opção do legislador italiano ao introduzir, em 2005, um sistema com duplicação de processos e de sanções (administrativas e penais) para punir as condutas de abuso de mercado, em aplicação da Diretiva 2003/6.

38.      Este sistema de via dupla, administrativa e penal (doppio binario sanzionatorio) tem características que o tornam dificilmente compatível com o ne bis in idem do artigo 50.o da Carta, tal como expõe o tribunal de reenvio. Se a Diretiva 2003/6 tivesse implementado tal sistema, teria de questionar‑se a sua eventual nulidade, precisamente pela possível violação do artigo 50.o da Carta.

39.      Contudo, na minha opinião, a Diretiva 2003/6 não força os Estados‑Membros a aplicarem um sistema de via dupla, administrativa e penal, para punir este tipo de condutas ilícitas. Não considero, portanto, que essa diretiva seja incompatível com o artigo 50.o da Carta (14).

40.      Uma vez efetuadas estas clarificações, analisarei primeiro a legislação da União relativa ao abuso de mercado, sob a perspetiva do ne bis in idem, passando, de seguida, a explicar de forma resumida o alcance do artigo 50.o da Carta. Finalmente, proporei as respostas às duas questões do tribunal a quo.

A.      A legislação da UE relativa a abuso de mercado e ao princípio ne bis in idem

41.      A Diretiva 2003/6 proíbe o abuso de mercado, tendo como finalidade proteger a integridade dos mercados financeiros e reforçar da confiança dos investidores. Estes têm de ter a garantia de que operarão em pé de igualdade e de que estarão protegidos contra a utilização ilícita da informação privilegiada (15).

42.      O artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2003/6 exige dos Estados a punição destas condutas ilícitas com sanções suficientemente dissuasivas, efetivas e proporcionadas (16). Embora não exija que essas sanções contra os autores de abuso de informação privilegiada tenham necessariamente natureza penal, também não o proíbe. Além disso, para o Tribunal de Justiça, «atenta a natureza das infrações em causa, bem como o grau de severidade das sanções que podem implicar, estas podem, para efeitos da aplicação da CEDH, ser qualificadas de sanções penais» (17).

43.      A Diretiva 2003/6 não faz referência ao princípio ne bis in idem nem à necessidade de articular, em sua aplicação, as relações entre a repressão administrativa e a punição penal das condutas de abuso de mercado. Do seu silêncio não se pode deduzir, contudo, que patrocine a adoção de um sistema de via dupla para a punição destas condutas. A diretiva deixa aos Estados uma ampla liberdade para configurar a relação destas sanções administrativas com as sanções penais e não obsta a que os Estados prevejam mecanismos para assegurar o respeito pelo direito ao ne bis in idem, de forma a evitar a duplicação de processos e de sanções.

44.      O direito derivado da União em matéria de abuso de mercado tem sido profundamente revisto com a adoção do Regulamento n.o 596/2014 (que substituiu a Diretiva 2003/6) e da Diretiva 2014/57, que harmoniza as sanções penais aplicáveis pelos Estados‑Membros a este tipo de condutas. Embora inaplicáveis a este processo, pelas razões temporais que já referi, podem deduzir‑se de ambas as disposições indicações importantes para o mesmo.

45.      No que diz respeito à via administrativa, o Regulamento n.o 596/2014 reforça designadamente os poderes de supervisão, de investigação e de sanção das autoridades nacionais. Concretamente, o seu artigo 30.o, n.o 2, atribui aos Estados‑Membros a competência para «aplicarem sanções e outras medidas administrativas» particularmente graves (18).

46.      Apesar da sua qualificação formal, algumas destas sanções nominalmente administrativas têm natureza materialmente penal, em conformidade com os critérios Engel da jurisprudência do TEDH (19), acolhidos pelo Tribunal de Justiça nos seus acórdãos Bonda (20) e Åkerberg Fransson (21). Tal como já referi, o Tribunal de Justiça reconheceu no acórdão Spector Photo Group e Van Raemdock que este tipo de sanções podem ser qualificadas de penais, devido à sua severidade e à natureza das infrações que pretendem punir (22).

47.      É precisamente esta circunstância (que algumas das sanções administrativas previstas no Regulamento n.o 596/2014 tenham, na realidade, natureza penal) suscita o problema da sua compatibilidade com as sanções penais aplicáveis às mesmas condutas de abuso de mercado, em conformidade com a Diretiva 2014/57, sob a perspetiva do direito ao ne bis in idem.

48.      O Regulamento n.o 596/2014 nada indica, expressamente, a este respeito. Contudo, o seu artigo 30.o, n.o 1, segundo parágrafo, autoriza os Estados‑Membros a que decidam, até 3 de julho de 2016, não prever regras em matéria de sanções administrativas, se essas infrações já se encontrarem sujeitas a sanções penais de acordo com o seu direito nacional. Nesse caso, deverão notificar as regras penais relevantes aplicáveis à Comissão e à Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados (23).

49.      A Diretiva 2014/57, ao contrário do Regulamento n.o 596/2014, refere de forma explícita o ne bis in idem nos seus considerandos 23 e 27, já transcritos (24). Adverte imperativamente para que a imposição de sanções penais (nos termos da própria diretiva) e de sanções administrativas (ao abrigo do Regulamento n.o 596/2014) «não viole o princípio do non bis in idem».

50.      É certo, contudo, que, apesar destas referências explícitas, não se prevê, no articulado da Diretiva 2014/57, nenhum mecanismo específico para impedir que o cúmulo de sanções penais e administrativas viole o ne bis in idem. Terão de ser os Estados‑Membros, ao transpor essa diretiva para as suas regras internas, a garantir a ausência de dupla punição pelos mesmos factos.

51.      Em todo o caso, mantendo‑se a via dupla, administrativa e penal, para a punição de condutas de abuso de mercado, é necessário que os ordenamentos jurídicos nacionais prevejam os instrumentos processuais adequados para impedir a duplicação de processos e assegurar que uma pessoa seja julgada e punida apenas uma vez pelos mesmos factos (25).

B.      Primeira questão prejudicial: aplicação do ne bis in idem do artigo 50.o da Carta à duplicação de processos penais e administrativos por condutas de manipulação de mercado

52.      Nas conclusões Menci desenvolvi in extenso as minhas reflexões no que diz respeito:

–        à aplicação do artigo 50.o da Carta ao cúmulo de sanções fiscais e penais, à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça, em particular, do acórdão de 26 de fevereiro de 2013, Åkerberg Fransson (26), e de outros anteriores (27).

–        à jurisprudência do TEDH relativa ao ne bis in idem, tanto no que diz respeito à identidade dos factos como à repetição dos processos sancionatórios (28).

–        à incidência do acórdão do TEDH, de 15 de novembro de 2016, A e B c. Noruega (29), no direito da União (30).

–        à possibilidade de explorar a via do artigo 52.o, n.o 1, primeira frase, da Carta para limitar o direito a não ser julgado ou punido penalmente mais do que uma vez pela mesma infração (31).

53.      Creio que essas mesmas reflexões são extrapoláveis, mutatis mutandis, para interpretar o alcance da proteção conferida pelo artigo 50.o da Carta em face da duplicação de processos e de sanções, penais e administrativas, por um mesmo facto qualificável de abuso de mercado. Remeto, portanto, para as mesmas.

54.      O tribunal de reenvio, na sua primeira questão prejudicial, pretende saber se o artigo 50.o da Carta autoriza que se instaure um procedimento administrativo para punir o autor de uma conduta ilícita de manipulação de mercado, quando essa pessoa já tenha sido condenada, por essa mesma conduta, por uma sentença penal transitada em julgado.

55.      A aplicação do princípio ne bis in idem, protegido pelo artigo 50.o da Carta, exige a verificação de quatro condições: 1) a identidade da pessoa julgada ou punida; 2) a identidade dos factos em juízo (idem); 3) a duplicação dos processos sancionatórios (bis); e 4) o caráter definitivo de uma das duas decisões.

56.      O tribunal a quo não tem dúvidas relativamente à identidade da pessoa julgada nem relativamente ao carácter definitivo da sentença penal. Segundo os dados do despacho de reenvio e as restantes informações fornecidas pelas partes, S. Ricucci foi objeto de duplo julgamento e dupla sanção, por via penal e por via administrativa. Tal como já expus, a pena de prisão (32) foi‑lhe aplicada pelo Tribunale di Roma (Tribunal de Roma), na sentença de 10 de dezembro de 2008, e transitou em julgado em 11 de setembro de 2009. A sanção administrativa (multa de 10 200 000 euros, reduzida posteriormente para metade) foi adotada contra ele pela Consob e está pendente do recurso na Corte suprema di casazzione (Tribunal Supremo), no decurso do qual foi suscitada a questão prejudicial.

57.      As dúvidas do tribunal de reenvio concentram‑se, portanto, nos outros dois elementos do ne bis in idem, que são a identidade dos factos (idem) e a repetição dos processos (bis).

1.      Identidade dos factos (idem)

58.      Tal como explico nas conclusões Menci (33), a jurisprudência do Tribunal de Justiça, em particular, a relativa ao artigo 54.o da Convenção de aplicação do Acordo de Schengen, e também a jurisprudência do TEDH após o acórdão Zolotukhin c. Rússia (34), concordam ao considerarem que a proibição da dupla pena se refere aos mesmos factos materiais (idem factum), entendidos como um conjunto de circunstâncias concretas indissociavelmente ligadas entre si, independentemente da qualificação jurídica desses factos ou do interesse jurídico protegido (idem crimen).

59.      A aplicação do artigo 50.o da Carta pelo Tribunal de Justiça deveria, na minha opinião, seguir esta mesma linha. Não me parece necessário estender‑me relativamente a esta situação (35) porque, neste processo, persistem poucas dúvidas de que os factos pelos quais S. Ricucci foi punido duas vezes são idênticos. Nenhuma das partes que apresentaram observações o põe em causa e o tribunal a quo também o considera no seu despacho, remetendo expressamente para os acórdãos do TEDH nos processos Zolotukhin c. Rússia (36) e Grande Stevens e o. c. Itália (37).

60.      Além disso, tal como sugere a Comissão nas suas observações escritas, a aplicação do critério do idem crimen em vez do idem factum levaria, neste processo, ao mesmo resultado, uma vez que o interesse jurídico protegido pelos artigos 187.o‑B, e 185.o do TUF é coincidente, isto é, a integridade dos mercados financeiros.

2.      Repetição dos processos sancionatórios (bis)

61.      O artigo 50.o da Carta seria violado se, além da sentença penal transitada em julgado, uma mesma pessoa fosse objeto de um processo sancionatório (tal como os instaurados pela Consob), em cujo termo possa ser objeto de sanções que, apesar de serem formalmente apresentadas como tendo natureza administrativo, são na realidade, verdadeiras penas.

62.      Tal como referi nas conclusões Menci (38), o Tribunal de Justiça utilizou, no âmbito do artigo 50.o da Carta, os denominados critérios Engel, como parâmetros para determinar quando é que um processo ou uma sanção, em princípio de natureza administrativa, têm natureza penal (39).

63.      O primeiro critério Engel (a qualificação jurídica da infração no direito interno) é muito pouco relevante neste caso, uma vez que o direito italiano qualifica os processos e as sanções da Consob como administrativos. Contudo, tal não impedirá a sua análise posterior à luz dos outros dois critérios (40).

64.      O segundo critério Engel diz respeito à natureza jurídica da infração. Uma infração nominalmente administrativa terá, na realidade, natureza penal quando reúna uma serie de fatores (entre outros, que a sua punição responda a finalidades de repressão e de prevenção e não se limite à reparação de danos patrimoniais, e salvaguarde bens jurídicos cuja proteção é normalmente garantida mediante regras de direito penal) a que me referi nas conclusões Menci (41).

65.      Para o tribunal de reenvio, tendo em conta a natureza do ilícito, as infrações administrativas punidas pela Consob têm natureza materialmente penal, em conformidade com o segundocritérioEngel, apreciação com a qual concordo. Os bens por elas protegidos (artigo 187.o‑B do TUF) são idênticos aos que abrangem os tipos de delitos homónimos (artigo 185.o do TUF). Procura‑se, com umas e outros, proteger a integridade dos mercados financeiros e a confiança do público na segurança das transações. A atribuição de poder sancionatório à Consob para punir este tipo de infrações tanto tem finalidade preventiva (dissuadir possíveis infratores da prática de condutas ilícitas de abuso de mercado) como repressiva (punir os que tenham praticado este tipo de factos e evitar a sua reincidência) (42).

66.      O terceiro critério Engel diz respeito à natureza e ao grau de severidade da sanção, ponderados em função dos critérios a que também fiz referência nas conclusões Menci (43). Tendo em conta a diversidade das sanções que a Consob pode aplicar e, em particular, o elevado montante das multas que pode aplicar (neste processo, 10 200 000 euros), o tribunal de reenvio reconhece que se trata de sanções com uma clara natureza penal.

67.      A gravidade das sanções deve ser apreciada, como também indica o tribunal a quo, em função da sanção que possa ser aplicada a priori à pessoa afetada, e não em função da que lhe seja efetivamente aplicada ou executada: uma eventual redução posterior da pena ou o seu não cumprimento decorrente de um indulto (tal como aconteceu no caso dos autos) seriam irrelevantes (44).

68.      A aplicação dos critérios Engel ao processo principal compete ao tribunal de reenvio, que se encontra em melhor posição para apreciar se a sanção administrativa submetida à sua apreciação tem, verdadeiramente, natureza penal. Neste processo, o tribunal de reenvio considera que a sanção administrativa da Consob a S. Ricucci tem natureza penal.

69.      Em função desta premissa, a dedução mais coerente consiste em que a regra italiana relativa a abuso de mercado permite a dupla punição, administrativa (mas materialmente penal) e penal, da mesma conduta ilícita, sem estabelecer um mecanismo processual claro para evitar a dupla condenação e a dupla sanção ao autor dos factos. Nesta medida, viola o direito ao ne bis in idem protegido pelo artigo 50.o da Carta.

70.      Foram apresentadas duas objeções contra esta dedução. A primeira destaca que entre o procedimento administrativo sancionatório e o processo penal existe um vínculo material e temporal suficientemente estreito, na aceção do acórdão TEDH A e B c. Noruega (45), que os tornaria compatíveis com o artigo 50.o da Carta.

71.      Não concordo com esse argumento, pelos motivos que expliquei mais aprofundadamente nas conclusões Menci (46). Reitero que o Tribunal de Justiça não deveria acolher a interpretação restritiva do direito ao ne bis in idem do artigo 50.o da Carta, recusando seguir o caminho da alteração jurisprudencial do TEDH no que diz respeito ao artigo 4.o do Protocolo n.o 7. Compete‑lhe, pelo contrário, manter um nível de proteção mais elevado do referido direito, em linha com os acórdãos proferidos, até ao momento, relativos ao artigo 50.o da Carta (47).

72.      A segunda objeção consiste no facto de o doppio binario sanzionatorio se justificar pela necessidade de garantir sanções efetivas, proporcionadas e dissuasivas, como resposta às condutas de abuso de mercado. Tal seria exigido pelo artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2003/6. Os Governos italiano, alemão e polaco, tal como a Consob, defenderam nas suas observações orais que estas características das sanções permitem restringir o âmbito de aplicação do artigo 50.o da Carta, de modo que a dupla punição, penal e administrativa, permitiria uma luta mais eficaz contra as condutas de abuso de mercado.

73.      Entendo, tal como a Comissão, que a exigência de efetividade das sanções não constitui uma limitação do direito ao ne bis in idem do artigo 50.o da Carta. A obrigação de aplicar sanções efetivas, proporcionadas e dissuasivas impende sobre os Estados de forma geral e independentemente de adotarem um sistema de via dupla (penal e administrativa) ou de via única (penal) para punir os abusos de mercado. Seja qual for o mecanismo escolhido, o regime sancionatório tem de ser efetivo e, em qualquer caso, respeitar o direito ao ne bis in idem consagrado no artigo 50.o da Carta.

74.      Tal como expus nas conclusões Menci (48), apenas a cláusula horizontal do artigo 52.o, n.o 1, da Carta permitiria apreciar se a efetividade das sanções contra os abusos de mercado pode qualificar‑se de «objetivo de interesse geral» suscetível de justificar exceções ao artigo 50.o da Carta (49).

75.      Nos termos da cláusula horizontal do artigo 52.o, n.o 1, primeira frase, da Carta, a restrição do direito ao ne bis in idem deverá ser prevista por lei e respeitar o seu conteúdo essencial. Nos termos da segunda frase do mesmo número, na observância do princípio da proporcionalidade, essas restrições ao ne bis in idem só podem ser introduzidas se forem necessárias e corresponderem efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União, ou à necessidade de proteção dos direitos e liberdades de terceiros (50).

76.      Dos quatro requisitos indispensáveis para legitimar a restrição do direito fundamental, o primeiro e o último não apresentariam, neste caso, especiais dificuldades. A lei nacional autorizaria a dupla punição e esta responderia a um objetivo de interesse geral reconhecido pelo próprio direito da União (isto é, a proteção da integridade dos mercados financeiros).

77.      Duvido, contudo, que, neste contexto, fosse respeitado o conteúdo essencial do direito a não ser julgado ou punido mais do que uma vez pela mesma infração. Em todo o caso, e este é o fator clave, a restrição aqui analisada parece‑me desnecessária, na aceção do artigo 52.o, n.o 1, da Carta.

78.      O facto de a regulação dos Estados‑Membros prever soluções diferentes para esta situação demonstra, por si só, na minha perspetiva, a ausência de necessidade desta restrição. Se fosse realmente imprescindível, de acordo com o artigo 52.o, n.o 1, da Carta, sê‑lo‑ia para todos e não apenas para alguns dos referidos Estados‑Membros. Há Estados‑Membros que implementaram sistemas de via única para a punição das condutas de abuso de mercado e outros que mantiveram a via dupla, mas estabelecendo mecanismos processuais (o «aiguillage» em França) que impedem o cúmulo de sanções (51).

79.      A capacidade dissuasiva de uma sanção depende da sua gravidade: indubitavelmente, as penas de prisão são mais dissuasivas (ou seja, as previstas para os crimes) do que as pecuniárias (próprias do regime administrativo). Um sistema que combine, sem as duplicar, estas últimas para os ilícitos menos graves e reserve as primeiras para os mais graves respeitará o propósito de prevenir a multiplicação destes abusos.

80.      No que diz respeito à efetividade, não vejo por que motivo, quando se trate de sanções materialmente penais, e portanto sujeitas às garantias inerentes ao direito punitivo, a atuação dos órgãos da Administração teria de ser, necessariamente, mais expeditiva que a dos órgãos judiciais. Competirá aos Estados‑Membros estabelecer as medidas (legislativas, administrativas e de ordem jurisdicional) adequadas para fazer face à luta contra os abusos de mercado, conjugando a sua eficácia com o respeito pelos direitos que a Carta protege.

81.      Em suma, quando a resposta sancionatória administrativa tenha natureza materialmente penal, a dupla punição administrativa e penal das mesmas condutas ilícitas de abuso de mercado, sem o estabelecimento de um mecanismo processual para a evitar, não garante o respeito pelo direito ao ne bis in idem protegido pelo artigo 50.o da Carta.

C.      Segunda questão prejudicial

82.      O tribunal a quo pretende saber se o artigo 50.o da Carta é diretamente aplicável em casos como este e se confere aos cidadãos direitos que os órgãos jurisdicionais nacionais devam proteger.

83.      A resposta a esta questão deduz‑se sem dificuldade da jurisprudência do Tribunal de Justiça. O artigo 50.o da Carta é uma disposição clara, precisa e incondicional, que confere diretamente a toda a pessoa o direito a não ser julgada ou punida mais do que uma vez por um mesmo facto. Pode, evidentemente, ser invocado diretamente pelos particulares perante os órgãos jurisdicionais nacionais, que estão obrigados a protegê‑lo.

84.      Além disso, o artigo 50.o da Carta, de acordo com o artigo 6.o do TUE, faz parte do direito primário da União e, como tal, tem primazia sobre as regras de direito derivado da União e sobre as normas dos Estados‑Membros.

85.      Em caso de conflito entre o seu direito interno e os direitos garantidos pela Carta, o órgão jurisdicional nacional encarregado de aplicar, no âmbito da sua competência, as disposições do direito da União tem a obrigação de garantir a plena eficácia dessas normas. Deverá, portanto, não aplicar, se necessário e no exercício da sua própria autoridade, qualquer disposição contrária da legislação nacional, mesmo posterior, sem que tenha de pedir ou aguardar a sua revogação prévia por via legislativa ou por qualquer outro procedimento constitucional (52).

86.      Com efeito, seria incompatível com as exigências inerentes à própria natureza do direito da União qualquer disposição de uma ordem jurídica nacional ou qualquer prática, legislativa, administrativa ou judicial, que tivesse como efeito diminuir a eficácia do direito da União pelo facto de recusar ao juiz competente para aplicar esse direito o poder de fazer, no momento exato dessa aplicação, tudo o que seja necessário para afastar as disposições legislativas nacionais que eventualmente constituam um obstáculo à plena eficácia das normas da União (53).

87.      No caso de normas incompatíveis com o direito ao ne bis in idem, abrangido pelo artigo 50.o da Carta, o órgão jurisdicional nacional ou as autoridades administrativas competentes deveriam, portanto, declarar a inutilidade superveniente dos processos pendentes, sem consequências negativas para o interessado que tivesse sido já julgado ou punido noutro processo penal ou administrativo de natureza penal.

IV.    Conclusão

88.      Atendendo a todas as considerações efetuadas, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais suscitadas pela Corte suprema di cassazione (Tribunal Supremo, Itália) nos seguintes termos:

«O artigo 50.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia:

1)      Não permite a dupla punição, administrativa e penal, da mesma conduta ilícita de abuso de mercado, quando a sanção administrativa que lhe corresponde, por força da legislação nacional, tenha natureza materialmente penal e a repetição dos processos contra a mesma pessoa e por factos idênticos seja determinada sem o estabelecimento de um mecanismo processual que evite essa duplicação.

2)      Pode ser invocado diretamente por um particular perante um órgão jurisdicional nacional, que tem a obrigação de garantir a plena eficácia do direito ao ne bis in idem, não aplicando, se necessário e no exercício da sua própria autoridade, qualquer disposição contrária da legislação nacional.»


1      Língua original: espanhol.


2      Processo C‑524/15 (a seguir «conclusões Menci»).


3      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de janeiro de 2003, relativa ao abuso de informação privilegiada e à manipulação de mercado (abuso de mercado) (JO 2003, L 96, p. 16).


4      Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, relativo ao abuso de mercado (regulamento abuso de mercado) e que revoga a Diretiva 2003/6/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e as Diretivas 2003/124/CE, 2003/125/CE e 2004/72/CE da Comissão (JO 2014, L 173, p. 1). O Regulamento n.o 596/2014 substituiu a Diretiva 2003/6 a partir de 3 de julho de 2016.


5      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, relativa às sanções penais aplicáveis ao abuso de informação privilegiada e à manipulação de mercado (abuso de mercado) (JO 2014, L 173, p. 179).


6      Nem o Regulamento n.o 596/2014 nem a Diretiva 2014/57 são aplicáveis ratione temporis ao processo dos autos, cujos factos remontam a 2005.


7      Introduzido pela legge 18 aprile 2005, n.o 62, disposizioni per l’adempimento di obblighi derivanti dall’appartenenza dell’Italia alle Comunità europee, legge comunitaria 2004 (Lei n.o 62/2005, de 18 de abril de 2005, Disposições de execução das obrigações decorrentes de a Itália ser membro das Comunidades Europeias, Lei Comunitária de 2004).


8      Segundo o despacho de reenvio, a acusação a que se refere a alínea g) da sentença de transação imputa a S. Ricucci, como presidente do Conselho de Administração da Magiste International SA e como dirigente de facto da Garlsson Real Estate SA, a «difusão de falsas informações efetivamente suscetíveis, de provocar uma alteração sensível do preço do título RCS Mediagroup», através de condutas especificamente identificadas que são substancialmente as mesmas de que foi acusado na infração administrativa, sendo o destinatário da sanção administrativa a mesma pessoa à qual foi aplicada a sanção penal.


9      As penas acessórias consistiram e: a) proibição de exercício de funções de direção de pessoas coletivas ou empresas durante três anos; b) incapacidade de celebrar contratos com a administração pública durante três anos, salvo para obter a prestação de um serviço público, c) proibição de exercício de funções de representação e de assistência em matéria fiscal durante três anos; d) proibição perpétua de exercício de funções de membro de uma comissão fiscal; e) publicação da sentença em dois jornais diários de relevo nacional; f) proibição de exercício de cargos públicos durante três anos.


10      Em sua opinião, o tribunal de reenvio deveria ter resolvido a questão das relações entre o ne bis in idem decorrente da CEDH, conforme é interpretada pelo TEDH, e o ne bis in idem no âmbito do abuso de mercado, conforme decorre do sistema da UE, determinado se esta última figura, conforme regida pelo direito da UE, é diretamente aplicável no ordenamento jurídico interno de um Estado‑Membro.


11      Processo C‑617/10, EU:C:2013:105.


12      Acórdão de 26 de fevereiro de 2013, Åkerberg Fransson (C‑617/10, EU:C:2013:105, n.os 18 a 22).


13      Assim, em Itália, as sanções fiscais e as sanções penais aplicadas por não pagamento do imposto sobre o rendimento não implicam a aplicação do direito da União, na aceção do artigo 51.o, n.o 1, da Carta. Por esse motivo, o Tribunal de Justiça declarou‑se incompetente para apreciar uma questão prejudicial no despacho de 15 de abril de 2015, Burzio (C‑497/14, EU:C:2015:251).


14      O Regulamento n.o 596/2014 e a Diretiva 2014/57, inaplicáveis a este litígio por ter entrado em vigor após a prática dos factos punidos (2005), também não obrigam os Estados‑Membros a implementar a via dupla para punir os abusos de mercado.


15      Acórdãos de 23 de dezembro de 2009, Spector Photo Group e Van Raemdock (C‑45/08, EU:C:2009:806, n.o 47); de 7 de julho de 2011, IMC Securities (C‑445/09, EU:C:2011:459, n.o 27); de 28 de junho de 2012, Geltl (C‑19/11, EU:C:2012:397, n.o 33); e de 11 de março de 2015, Lafonta (C‑628/13,EU:C:2015:162, n.o 21).


16      V. considerando 38 da Diretiva 2003/6, transcrito no n.o 6.


17      Acórdão de 23 de dezembro de 2009, Spector Photo Group e Van Raemdock (C‑45/08, EU:C:2009:806, n.o 42).


18      Entre elas encontram‑se as seguintes: revogação ou a suspensão da autorização para as empresas de investimento; interdição temporária de exercer funções de administração em empresas de investimento; interdição temporária de negociação por conta própria; coimas máximas correspondentes, pelo menos, a três vezes o montante dos lucros obtidos ou das perdas evitadas em virtude da violação, caso possam ser determinadas. As coimas máximas, para as pessoas singulares, podem atingir um máximo de, pelo menos, 5 000 000 euros e, no caso de pessoas coletivas, 15 000 000 euros. De acordo com o artigo 3[0].°, n.o 3, os Estados‑Membros podem prever níveis mais elevados destas sanções administrativas.


19      Entre outros, TEDH, acórdãos de 4 de março de 2014, Grande Stevens e o. c. Itália (CE:ECHR:2014:0304JUD001864010), § 98; e de 11 de setembro de 2009, Dubus S.A. c. França (CE:ECHR:2009:0611JUD000524204).


20      Acórdão de 5 de junho de 2012, Bonda (C‑489/10, EU:C:2012:319).


21      Acórdão de 26 de fevereiro de 2013, Åkerberg Fransson (C‑617/10, EU:C:2013:105).


22      Acórdão de 23 de dezembro de 2009 (C‑45/08, EU:C:2009:806, n.o 42).


23      Se um Estado não aplica o regime administrativo sancionatório do Regulamento e pune apenas as condutas de abuso de mercado por via penal, obviamente não surgirão casos (como este) de cúmulo de processos administrativos e penais, pelo que o direito do artigo 50.o da Carta será respeitado.


24      V. n.o 15 destas conclusões.


25      São vários os sistemas jurídicos nacionais que assim o preveem, incluindo alterações legislativas para adaptar as suas regras anteriores. Assim por exemplo, em França, a Loi n.o 2016‑819 du 21 juin 2016 réformant le système de répression des abus de marché (JORF n.o 0144, de 22 de junho de 2016) mantém a via administrativa e a via penal de punição das condutas de abuso de mercado, mas prevê um mecanismo processual para evitar o cúmulo de processos. Prevê‑se, com esta finalidade, um «aiguillage procedural» entre l’Autorité des marchés financiers (Autoridade francesa dos mercados financeiros) e o Parquet national financier (Ministério Público) que evita a abertura de dois processos por factos idênticos. V. análises de Conac, P.‑H., «La loi du 21 juillet 2016 réformant le système de répression des abus de marché», Bull. Joly Bourse, n.os 7 e 8, julho de 2016, p. 323, e de Vreulx, Q., «La consécration du principe ne bis in idem par la loi du 21 juin 2016 portant réforme du système de répression des abus de marché», Revue internationale des services financiers/International Journal for Financial Services, 2015, n.o 1, p. 36.


26      Processo C‑617/10, EU:C:2013:105.


27      Conclusões Menci, n.os 27 a 34.


28      Ibidem, n.os 35 a 56.


29      CE:ECHR:2016:1115JUD002413011.


30      N.os 57 a 77 das conclusões Menci.


31      Ibidem, n.os 78 a 94.


32      Recordo que a pena de prisão era de quatro anos e seis meses (reduzida para três anos pela escolha da forma processual e posteriormente extinta por indulto), para além de outras penas acessórias, ainda operativas.


33      N.os 100 a 109.


34      TEDH, acórdão de 10 de fevereiro de 2009, CE:ECHR:2009:0210JUD001493903.


35      Em teoria, poderia questionar‑se se, ao adotar como critério a identidade do interesse jurídico protegido, se verificaria uma restrição injustificada do âmbito de aplicação do artigo 50.o da Carta, originando uma proteção menor que a do artigo 4.o do Protocolo n.o 7, incompatível com o mandato do artigo 53.o da referida Carta. A restrição teria lugar tanto nos casos de aplicação do artigo 50.o no âmbito de apenas um Estado como nos transnacionais, aos quais a Comissão fez referência na audiência. Em todo o caso, repito, não é necessário aprofundar aqui este problema, que não corresponde ao dos autos.


36      TEDH, acórdão de 10 de fevereiro de 2009, CE:ECHR:2009:0210JUD001493903.


37      TEDH, acórdão de 4 de março de 2014 (CE:ECHR:2014:0304JUD001864010, §§ 219 a 228). Nele, perante um abuso de mercado punido por via dupla (por via administrativa e por via penal) em aplicação dos artigos 187.o‑B e 185.o do TUF, e em circunstâncias semelhantes às deste processo, o TEDH considerou que a identidade fáctica se verificava.


38      N.o 31.


39      Acórdãos de 26 de fevereiro de 2013, Åkerberg Fransson (C‑617/10, EU:C:2013:105, n.o 35); e de 5 de junho de 2012, Bonda (C‑489/10, EU:C:2012:319, n.o 37).


40      Conclusões Menci, n.os 46 e 111.


41      Ibidem, n.os 47 e 112 a 115.


42      Neste mesmo sentido, TEDH, acórdão de 4 de março de 2014, Grande Stevens e o. c. Itália (CE:ECHR:2014:0304JUD001864010, § 96).


43      N.os 48 e 119.


44      TEDH, acórdão de 4 de março de 2014, Grande Stevens e o. c. Itália (CE:ECHR:2014:0304JUD001864010, §§ 97 e 98).


45      CE:ECHR:2016:1115JUD002413011.


46      N.os 63 a 73.


47      Se o Tribunal de Justiça decidisse interpretar o artigo 50.o da Carta em conformidade com o acórdão do TEDH A e B c. Noruega, o tribunal nacional deveria verificar se, no processo de S. Ricucci, existe um vínculo material e temporal suficientemente estreito dos processos penal e administrativo sancionatório. O Governo italiano e a Consob defenderam, na audiência, que esse vínculo existia, mas os dados disponíveis nos autos levam a duvidar, pelo menos, da conexão temporal.


48      N.os 78 a 93.


49      V. acórdão de 27 de maio de 2014, Spasic (C‑129/14 PPU, EU:C:2014:586, n.o 55).


50      Ibidem, n.o 56.


51      V. amplo estudo de direito comparado realizado por diversos autores na monografia da Revue internationale des services financiers/International Journal for Financial Services, 2015, n.o 1; bem como Lecoqc, A., Principe non bis in idem: vers l’esquisse d’une standardisation de l’Una Via procédural: expériences belges et françaises, Tijdschrift voor rechtspersoon en vennootschap/Revue pratique des sociétés 2016, n.o 6, pp. 645 a 668; Club des juristes, Poursuite et sanction des abus de marché: le droit français à l’épreuve des textes communautaires et des jurisprudences récentes (CEDH, CJUE, Conseil constitutionnel, maio de 2015, www.leclubdesjuristes.com/les‑commissions/rapport‑poursuite‑et‑sanction‑des‑abus‑de‑marche/.


52      Acórdãos de 9 de março de 1978, Simmenthal (106/77, EU:C:1978:49, n.os 21 e 24); de 19 de novembro de 2009, Filipiak (C‑314/08, EU:C:2009:719, n.o 81); de 22 de junho de 2010, Melki e Abdeli (C‑188/10 e C‑189/10, EU:C:2010:363, n.o 43); e de 26 de fevereiro de 2013, Åkerberg Fransson (C‑617/10, EU:C:2013:105, n.o 45).


53      Acórdãos de 22 de junho de 2010, Melki e Abdeli (C‑188/10 e C‑189/10, EU:C:2010:363, n.o 44); e de 26 de fevereiro de 2013, Åkerberg Fransson (C‑617/10, EU:C:2013:105, n.o 46).