Language of document : ECLI:EU:C:2019:110

DESPACHO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

12 de fevereiro de 2019 (*)

«Reenvio prejudicial — Tramitação prejudicial urgente — Cooperação judiciária em matéria penal — Diretiva (UE) 2016/343 — Artigo 4.o — Referências em público à culpa — Decisão de prisão preventiva — Vias de recurso — Processo de fiscalização da legalidade dessa decisão — Respeito da presunção de inocência — Artigo 267.o TFUE — Artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Direito a ser ouvido num prazo razoável — Regulamentação nacional que restringe a faculdade de os órgãos jurisdicionais nacionais submeterem um pedido de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça ou que os obriga a pronunciarem‑se sem aguardar a resposta a esse pedido — Sanções disciplinares em caso de incumprimento dessa regulamentação»

No processo C‑8/19 PPU,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Spetsializiran nakazatelen sad (Tribunal Criminal Especial, Bulgária), por decisão de 27 de dezembro de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 7 de janeiro de 2019, no processo penal contra

RH,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: J.‑C. Bonichot, presidente de secção, C. Toader (relator), A. Rosas, L. Bay Larsen e M. Safjan, juízes,

advogado‑geral: Y. Bot,

secretário: A. Calot Escobar,

visto o pedido do órgão jurisdicional de reenvio de 27 de dezembro de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 7 de janeiro de 2019, de submeter o reenvio prejudicial a tramitação urgente, em conformidade com o artigo 107.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça,

vista a decisão de 16 de janeiro de 2019 da Primeira Secção de deferir o referido pedido,

profere o presente

Despacho

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 267.o TFUE, do artigo 47.o, primeiro e segundo parágrafos, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») e do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva (UE) 2016/343 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de março de 2016, relativa ao reforço de certos aspetos da presunção de inocência e do direito de comparecer em julgamento em processo penal (JO 2016, L 65, p. 1), conjugado com o considerando 16 da mesma diretiva.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um processo penal contra RH, relativamente à manutenção deste último em prisão preventiva.

 Quadro jurídico

 CEDH

3        Sob a epígrafe «Direito à liberdade e à segurança», o artigo 5.o da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»), dispõe:

«1.      Toda a pessoa tem direito à liberdade e segurança. Ninguém pode ser privado da sua liberdade, salvo nos casos seguintes e de acordo com o procedimento legal:

[…]

c)      Se for preso e detido a fim de comparecer perante a autoridade judicial competente, quando houver suspeita razoável de ter cometido uma infração, ou quando houver motivos razoáveis para crer que é necessário impedi‑lo de cometer uma infração ou de se pôr em fuga depois de a ter cometido;

[…]

4.      Qualquer pessoa privada da sua liberdade por prisão ou detenção tem direito a recorrer a um tribunal, a fim de que este se pronuncie, em curto prazo de tempo, sobre a legalidade da sua detenção e ordene a sua libertação, se a detenção for ilegal.

[…]»

4        O artigo 6.o da CEDH, com a epígrafe «Direito a um processo equitativo», enuncia, no seu n.o 1:

«Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de caráter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. […]»

 Direito da União

5        O considerando 16 da Diretiva 2016/343 tem a seguinte redação:

«A presunção de inocência seria violada se as declarações públicas emitidas pelas autoridades públicas, ou as decisões judiciais que não sejam as que estabelecem a culpa, apresentarem um suspeito ou um arguido como culpado, enquanto não [tiver] sido provada a respetiva culpa nos termos da lei. Tais declarações ou decisões judiciais não devem refletir a opinião de que o suspeito ou o arguido é culpado. Esta disposição deverá aplicar‑se sem prejuízo de atos da acusação que visam provar a culpa do suspeito ou do arguido, como a acusação, e sem prejuízo de decisões judiciais que decretem a execução de uma pena suspensa, desde que os direitos de defesa sejam respeitados. A mesma disposição também não deverá prejudicar as decisões preliminares de natureza processual proferidas pelas autoridades judiciárias ou por outras autoridades competentes e baseadas em suspeitas ou em elementos de acusação, tais como as decisões sobre a prisão preventiva, desde que tais decisões não apresentem o suspeito ou o arguido como culpado. Antes de proferir uma decisão preliminar de natureza processual, a autoridade competente poderá, em primeiro lugar, ter que verificar se existem elementos de acusação suficientes contra o suspeito ou o arguido que justifiquem a decisão em causa e a decisão poderá conter uma referência a esses elementos.»

6        O artigo 4.o da mesma diretiva, com a epígrafe «Referências em público à culpa», dispõe, no seu n.o 1:

«Os Estados‑Membros tomam as medidas necessárias para assegurar que, enquanto a culpa do suspeito ou do arguido não for provada nos termos da lei, declarações públicas emitidas pelas autoridades públicas ou decisões judiciais que não estabeleçam a culpa não apresentem o suspeito ou o arguido como culpado. Esta disposição aplica‑se sem prejuízo de atos da acusação que visam provar a culpa do suspeito ou do arguido e de decisões preliminares de caráter processual proferidas pelas autoridades judiciárias ou por outras autoridades competentes e baseadas em suspeitas ou em elementos de acusação.»

7        Nos termos do artigo 6.o da referida diretiva, com a epígrafe «Ónus da prova»:

«1.      Os Estados‑Membros asseguram que recai sobre a acusação o ónus da prova da culpa do suspeito ou do arguido, sem prejuízo da obrigação que incumbe ao juiz ou ao tribunal competente de procurarem elementos de prova, tanto incriminatórios como ilibatórios, e do direito da defesa de apresentar provas em conformidade com o direito nacional aplicável.

2.      Os Estados‑Membros asseguram que toda e qualquer dúvida quanto à questão da culpa deve beneficiar o suspeito ou o arguido, mesmo quando o tribunal aprecia se a pessoa em causa deve ser absolvida.»

 Direito búlgaro

8        Em aplicação do artigo 22.o do Nakazatelno protsesualen kodeks (Código de Processo Penal, a seguir «NPK»), um processo penal deve ser examinado e julgado num prazo razoável, em especial quando o arguido se encontra privado de liberdade.

9        Em conformidade com o artigo 56.o, n.o 1, e com o artigo 63.o, n.o 1, do NPK, uma medida de prisão preventiva pode ser adotada e prorrogada quando existam «razões plausíveis para presumir» que o arguido cometeu uma infração.

10      Por força do artigo 65.o, n.o 4, do NPK, quando o arguido contesta num órgão jurisdicional que estejam reunidas todas as condições legais de prorrogação da sua prisão preventiva, incluindo que continuem a existir razões plausíveis para presumir que cometeu a infração em causa, o órgão jurisdicional deve responder aos seus argumentos e apreciar se essas razões continuam ou não a existir.

11      Segundo o artigo 489.o, n.o 2, do NPK, em caso de reenvio prejudicial, embora o processo no órgão jurisdicional de reenvio seja suspenso, as partes podem apresentar um pedido de alteração da medida de prisão preventiva e o órgão jurisdicional deve proferir uma decisão quanto ao mérito desse pedido.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

12      RH é suspeito de ter participado numa associação criminosa organizada com o objetivo de cometer assassínios, um crime previsto pelo artigo 321.o, n.o 3, do Nakazatelen kodeks (Código Penal), conjugado com o artigo 321.o, n.o 2, deste código. Esta infração é punível com uma pena privativa de liberdade de 3 a 10 anos.

13      Em 22 de outubro de 2018, foi emitida uma decisão de prisão preventiva contra RH, uma vez que os órgãos jurisdicionais de primeira instância e de recurso consideraram que existiam razões plausíveis para presumir que este último tinha cometido a infração que lhe era imputada.

14      Em 20 de dezembro de 2018, o advogado de RH submeteu ao órgão jurisdicional de reenvio um pedido de libertação do seu cliente, contestando, em aplicação do artigo 56.o, n.o 1, e do artigo 63.o, n.o 1, do NPK, a existência de razões plausíveis para presumir a sua participação na referida infração.

15      No que diz respeito à legalidade da decisão de prisão preventiva, o órgão jurisdicional de reenvio declara que a questão da libertação de RH depende apenas da existência de razões plausíveis para presumir que ele é o autor da infração em causa.

16      Para decidir sobre este ponto, esse órgão jurisdicional tem duas dúvidas. Por um lado, durante a análise da questão da existência de razões plausíveis que permitam presumir que RH cometeu a infração em causa, esse órgão jurisdicional indica que enfrenta dificuldades significativas quanto à formulação a adotar na sua decisão, de forma a, simultaneamente, não apresentar RH como culpado e dar uma resposta às objeções formuladas pelo seu defensor.

17      Com efeito, resulta da jurisprudência nacional mais recente que, ao examinar a legalidade da decisão de prisão preventiva, e a fim de determinar se existem razões plausíveis para presumir que o suspeito ou o arguido cometeu os atos que lhe são imputados, deve ser efetuada uma apreciação «à primeira vista» segunda a qual a acusação está provada.

18      A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio refere que a interpretação da regulamentação nacional relativa à decisão de prisão preventiva já foi objeto de um pedido de decisão prejudicial no processo que deu origem ao Acórdão de 19 de setembro de 2018, Milev (C‑310/18 PPU, EU:C:2018:732). Nesse processo, na sequência do reenvio prejudicial e da suspensão da instância, o arguido solicitou, por duas vezes, o reexame da legalidade da sua prisão pelos mesmos motivos invocados no âmbito do pedido de decisão prejudicial.

19      Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se, ao introduzir o presente pedido de decisão prejudicial e ao suspender a instância relativa ao litígio de que conhece, respeita o direito da União, incluindo a obrigação de se pronunciar num prazo razoável. Com efeito, embora o artigo 489.o, n.o 2, do NPK não preveja expressamente se esse órgão jurisdicional se deve pronunciar sobre um pedido de alteração de uma decisão de prisão preventiva, a nova jurisprudência interpreta a referida disposição no sentido de que o reenvio prejudicial é impossível.

20      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, o órgão jurisdicional que conhecia do litígio no processo que deu origem ao Acórdão Milev (C‑310/18 PPU, EU:C:2018:732), tinha procedido ao reenvio prejudicial e suspendido a instância apesar das instruções vinculativas da instância superior, o que tinha dado lugar a um processo disciplinar no Visshia sadeben savet (Conselho Superior da Magistratura, Bulgária) por incumprimento da obrigação de se pronunciar num prazo razoável.

21      Nestas condições, o Spetsializiran nakazatelen sad (Tribunal Criminal Especial, Bulgária) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Uma interpretação da legislação nacional, a saber, o artigo 489.o, n.o 2, do NPK, que obriga o órgão jurisdicional de reenvio a pronunciar‑se diretamente sobre a legalidade de uma medida de prisão preventiva no âmbito de um processo penal, em vez de aguardar uma resposta do Tribunal de Justiça, quando esse órgão jurisdicional enviou um pedido de decisão prejudicial sobre a legalidade dessa medida de prisão preventiva, é conforme com o artigo 267.o TFUE e com o artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta[?]

Em caso de resposta negativa à primeira questão:

2)      a)      Tendo em conta a última frase do considerando 16 da Diretiva 2016/343, o juiz nacional deve interpretar o seu direito nacional no sentido de que, antes de tomar uma decisão de prorrogação da prisão preventiva, deve “verificar se existem elementos de acusação suficientes […] que justifiquem a decisão em causa”[?]

b)      No caso de o defensor do arguido contestar, de forma fundamentada e séria, justamente a existência de “elementos de acusação suficientes”, no âmbito da fiscalização jurisdicional da prorrogação da prisão preventiva, é o juiz nacional obrigado a dar uma resposta, em conformidade com a exigência de um recurso efetivo imposta pelo artigo 47.o, primeiro parágrafo, da Carta[?]

c)      O órgão jurisdicional nacional viola o artigo 4.o [da Diretiva 2016/343], conjugado com o artigo 3.o [da mesma diretiva], tal como interpretado no Acórdão [de 19 de setembro de 2018, Milev (C‑310/18 PPU, EU:C:2018:732)], quando fundamenta a sua decisão de prorrogação da prisão preventiva em conformidade com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem relativa ao artigo 5.o, n.o 1, alínea c), da CEDH, e declara justamente a existência de provas em apoio da acusação que, pela sua natureza, são “suscetíveis de persuadir um observador imparcial e objetivo de que a pessoa em causa pode ter cometido a infração”, bem como ao artigo 5.o, n.o 4, da CEDH, e isto, designadamente, ao se pronunciar efetiva e realmente sobre as objeções do defensor do arguido relativamente à legalidade da prisão preventiva[?]»

 Quanto à tramitação prejudicial urgente

22      O órgão jurisdicional de reenvio pediu que o presente reenvio prejudicial fosse submetido à tramitação prejudicial urgente prevista no artigo 107.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

23      A este respeito, importa sublinhar que o presente reenvio prejudicial tem por objeto a interpretação da Diretiva 2016/343, que se enquadra no âmbito do título V da parte III do Tratado FUE, relativo ao espaço de liberdade, segurança e justiça. Por conseguinte, é suscetível de ser submetido à tramitação prejudicial urgente prevista no artigo 23.o‑A do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e no artigo 107.o do seu Regulamento de Processo.

24      No que respeita ao critério relativo à urgência, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, importa ter em consideração a circunstância de que a pessoa em causa no processo principal está atualmente privada de liberdade e de que a sua manutenção em detenção depende da decisão do litígio no processo principal [Acórdão de 6 de dezembro de 2018, IK (Execução de uma pena acessória), C‑551/18 PPU, EU:C:2018:991, n.o 30 e jurisprudência referida].

25      Como referido nos n.os 12 a 14 do presente despacho, no processo principal, RH é suspeito de ter participado numa associação criminosa organizada com o objetivo de cometer assassínios e, em 22 de outubro de 2018, foi emitida contra ele uma decisão de prisão preventiva. Em 20 de dezembro de 2018, o advogado de RH submeteu ao órgão jurisdicional de reenvio um pedido de libertação do seu cliente, contestando as «razões plausíveis que permitem presumir» a participação deste último na infração em causa.

26      Daqui resulta que a manutenção do RH em prisão preventiva depende da decisão do Tribunal de Justiça, na medida em que a resposta deste às questões colocadas pelo órgão jurisdicional de reenvio pode ter uma consequência imediata sobre o destino da sua prisão preventiva.

27      Nestas condições, a Primeira Secção do Tribunal de Justiça decidiu, em 16 de janeiro de 2019, sob proposta do juiz‑relator, ouvido o advogado‑geral, deferir o pedido do órgão jurisdicional de reenvio no sentido de submeter o presente reenvio prejudicial a tramitação prejudicial urgente.

 Quanto às questões prejudiciais

28      Nos termos do artigo 99.o do seu Regulamento de Processo, quando a resposta a uma questão possa ser claramente deduzida da jurisprudência ou quando a resposta à questão submetida a título prejudicial não suscite nenhuma dúvida razoável, o Tribunal pode, a qualquer momento, mediante proposta do juiz‑relator, ouvido o advogado‑geral, decidir pronunciar‑se por meio de despacho fundamentado.

29      Há que aplicar esta disposição no âmbito do presente reenvio prejudicial.

 Quanto à primeira questão

30      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 267.o TFUE e o artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional, tal como interpretada pela jurisprudência, em consequência da qual o órgão jurisdicional nacional é obrigado a pronunciar‑se sobre a legalidade de uma decisão de prisão preventiva, sem possibilidade de apresentar um pedido de decisão prejudicial ao Tribunal ou de aguardar a resposta deste.

31      Com efeito, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, esta regulamentação tem por finalidade não infringir o direito do suspeito ou do arguido ao exame do seu pedido relativo à legalidade dessa decisão de prisão preventiva num prazo razoável e implica um risco para os membros desse órgão jurisdicional, se essa regulamentação não for respeitada, de se exporem a sanções disciplinares.

32      Em primeiro lugar, importa sublinhar que o direito dos arguidos a que a sua causa seja examinada num prazo razoável foi consagrado no artigo 6.o, n.o 1, da CEDH e no artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta, no que respeita ao processo judicial. No domínio penal, o referido direito deve ser respeitado não só na fase judicial do processo mas também na fase de inquérito, a partir do momento em que a pessoa é acusada (v., neste sentido, Acórdão de 5 de junho de 2018, Kolev e o., C‑612/15, EU:C:2018:392, n.os 70 e 71 e jurisprudência referida).

33      Nesta ordem de ideias, importa recordar que, nos termos do artigo 267.o, quarto parágrafo, TFUE, se uma questão prejudicial for suscitada num processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional relativamente a uma pessoa que se encontre privada de liberdade, o Tribunal de Justiça pronunciar‑se‑á com a maior brevidade possível.

34      A este respeito, a tramitação prejudicial urgente, instituída pelo artigo 23.o‑A do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, constitui uma das modalidades de execução do direito de qualquer pessoa a que a sua causa seja examinada num prazo razoável.

35      Daqui resulta que uma tramitação como a prevista no artigo 23.o‑A do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia visa precisamente assegurar que este direito, consagrado no artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta, seja respeitado.

36      Em segundo lugar, quanto à faculdade de submeter um pedido de decisão prejudicial ou de aguardar a resposta do Tribunal de Justiça, importa recordar que o artigo 267.o TFUE dispõe nomeadamente, no seu segundo parágrafo, que um órgão jurisdicional nacional pode submeter uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa.

37      O reenvio prejudicial assenta num diálogo de juiz a juiz, cujo início depende inteiramente da apreciação que o órgão jurisdicional nacional faça da pertinência e da necessidade do referido reenvio (Acórdãos de 16 de dezembro de 2008, Cartesio, C‑210/06, EU:C:2008:723, n.o 91 e jurisprudência referida, e de 1 de fevereiro de 2017, Tolley, C‑430/15, EU:C:2017:74, n.o 31 e jurisprudência referida).

38      Assim, os órgãos jurisdicionais nacionais dispõem da mais ampla faculdade de recorrer ao Tribunal de Justiça se considerarem que um processo neles pendente suscita questões que implicam a interpretação ou a apreciação da validade das disposições do direito da União sobre as quais têm de decidir (Acórdão de 22 de junho de 2010, Melki et Abdeli, C‑188/10 e C‑189/10, EU:C:2010:363, n.o 41 e jurisprudência referida).

39      Mais concretamente, os tribunais nacionais são livres de exercer essa faculdade em qualquer momento do processo que entenderem adequado. Com efeito, a escolha do momento mais oportuno para colocar uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça é da sua competência exclusiva (Acórdão de 5 de julho de 2016, Ognyanov, C‑614/14, EU:C:2016:514, n.o 17 e jurisprudência referida).

40      Por outro lado, o Tribunal de Justiça já declarou que a competência que o artigo 267.o TFUE confere a qualquer órgão jurisdicional nacional de proceder a um reenvio prejudicial não pode ser posta em causa pela aplicação de regras de direito nacional que permitem a um órgão jurisdicional de recurso reformar a decisão de reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça, rejeitar esse reenvio e ordenar ao órgão jurisdicional que proferiu a referida decisão que retome a tramitação do processo nacional que tinha sido suspensa (v., neste sentido, Acórdão de 16 de dezembro de 2008, Cartesio, C‑210/06, EU:C:2008:723, n.os 95 e 98).

41      Quanto à necessidade de o órgão jurisdicional de reenvio aguardar a resposta do Tribunal de Justiça ao pedido de decisão prejudicial ou à possibilidade, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, de se pronunciar sobre um pedido de libertação apresentado durante o período de exame pelo Tribunal de Justiça do pedido de decisão prejudicial, importa antes de mais precisar que nada impede o órgão jurisdicional de reenvio de autorizar a libertação do suspeito ou do arguido, nomeadamente se os elementos de prova de que dispõe militarem nesse sentido.

42      Por outro lado, importa ter em consideração o artigo 100.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça que enuncia que o órgão jurisdicional de reenvio conserva a possibilidade de retirar a sua questão prejudicial até à notificação da data da prolação do acórdão às partes.

43      Nesta mesma ordem de ideias, é jurisprudência constante que o juiz nacional ao qual tenha sido submetido um litígio regulado pelo direito da União deve poder conceder medidas provisórias, para garantir a plena eficácia da decisão jurisdicional a proferir quanto à existência dos direitos invocados com fundamento no direito da União. Efetivamente, o efeito útil do sistema instituído pelo artigo 267.o TFUE seria prejudicado se o órgão jurisdicional nacional que suspende a instância até que o Tribunal de Justiça responda à sua questão prejudicial não pudesse conceder medidas provisórias até ser proferida a sua decisão na sequência da resposta do Tribunal de Justiça (v., neste sentido, Acórdão de 19 de junho de 1990, Factortame e o., C‑213/89, EU:C:1990:257, n.os 21 e 22).

44      Por seu lado, o Tribunal de Justiça pode, ele próprio, em qualquer momento, verificar se as condições da sua competência continuam preenchidas, como resulta do artigo 100.o, n.o 2, do seu Regulamento de Processo.

45      Com efeito, segundo jurisprudência constante, resulta simultaneamente dos termos e da sistemática do artigo 267.o TFUE que o processo de reenvio prejudicial pressupõe, nomeadamente, que esteja efetivamente pendente um litígio nos órgãos jurisdicionais nacionais, no âmbito do qual estes são chamados a proferir uma decisão suscetível de ter em consideração o acórdão prejudicial (Despacho de 5 de junho de 2014, Antonio Gramsci Shipping e o., C‑350/13, EU:C:2014:1516, n.o 10 e jurisprudência referida).

46      Em terceiro lugar, no que diz respeito ao risco de sanções disciplinares em caso de desobediência às instruções vinculativas da instância superior evocado pelo órgão jurisdicional de reenvio, e no que diz respeito à independência desse órgão jurisdicional, o Tribunal de Justiça já declarou que a mesma é essencial ao bom funcionamento do sistema de cooperação judiciária que o mecanismo do reenvio prejudicial previsto no artigo 267.o TFUE representa, na medida em que, em conformidade com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, esse mecanismo só pode ser acionado por uma instância encarregue de aplicar o direito da União, que satisfaça, designadamente, esse critério de independência [Acórdão de 25 de julho de 2018, Ministro da Justiça e da Igualdade («Falha do sistema judicial»), dito «LM», C‑216/18 PPU, EU:C:2018:586, n.o 54 e jurisprudência referida].

47      A este respeito, tal como a inamovibilidade dos membros da instância em causa, ou o facto de estes auferirem uma remuneração de nível adequado à importância das funções que exercem, a exigência de independência impõe igualmente que o regime disciplinar daqueles que têm a missão de julgar apresente as garantias necessárias para evitar qualquer risco de utilização desse regime enquanto sistema de controlo político do conteúdo das decisões judiciais [v., neste sentido, Acórdão de 25 de julho de 2018, Ministro da Justiça e da Igualdade («Falha do sistema judicial»), dito «LM», C‑216/18 PPU, EU:C:2018:586, n.os 64 e 67 e jurisprudência referida] Constitui uma garantia inerente à independência dos juízes o facto de não serem expostos a sanções disciplinares pelo exercício de uma faculdade, como a de submeter ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial, ou de optar por aguardar a resposta a esse pedido antes de se pronunciarem quanto ao mérito do litígio de que conhecem, e que é da sua competência exclusiva (v., neste sentido, Acórdão de 5 de julho de 2016, Ognyanov, C‑614/14, EU:C:2016:514, n.os 17 e 25 e a jurisprudência referida).

48      Daqui resulta que há que responder à primeira questão que o artigo 267.o TFUE e o artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional, tal como interpretada pela jurisprudência, em consequência da qual o órgão jurisdicional nacional é obrigado a pronunciar‑se sobre a legalidade de uma decisão de prisão preventiva, sem possibilidade de apresentar um pedido de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça ou de aguardar a resposta deste.

 Quanto à segunda questão

49      Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 4.o da Diretiva 2016/343, conjugado com o considerando 16 da mesma diretiva, deve ser interpretados no sentido de que as exigências decorrentes da presunção de inocência requerem que, quando o órgão jurisdicional competente examina as razões plausíveis que permitem presumir que o suspeito ou o arguido cometeu a infração que lhe é imputada, a fim de se pronunciar sobre a legalidade de uma decisão de prisão preventiva, esse órgão jurisdicional proceda a uma ponderação dos elementos de acusação e de defesa que lhe são submetidos e que fundamente a sua decisão não só revelando os elementos tomados em consideração, mas também pronunciando‑se sobre as objeções do defensor da pessoa em causa.

50      Embora o órgão jurisdicional de reenvio tenha conhecimento da interpretação dada pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 19 de setembro de 2018, Milev (C‑310/18 PPU, EU:C:2018:732), uma vez que o refere expressamente, esse órgão jurisdicional considera que as explicações do Tribunal de Justiça não permitem responder integralmente às suas interrogações.

51      Importa recordar que, no referido acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 3.o e artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2016/343 devem ser interpretados no sentido de que não se opõem à adoção de decisões preliminares de caráter processual, como uma decisão de manutenção de uma medida de prisão preventiva tomada por uma autoridade judiciária, baseadas em suspeitas ou em elementos de acusação, desde que tais decisões não apresentem a pessoa privada de liberdade como culpada e que, em contrapartida, esta diretiva não regula as condições em que as decisões de prisão preventiva podem ser adotadas.

52      A interrogação do órgão jurisdicional de reenvio situa‑se no âmbito mais vasto do conceito de «suspeita razoável», na aceção do artigo 5.o, n.o 1, alínea c), da CEDH, e parece decorrer, em especial, da última frase do considerando 16 da Diretiva 2016/343, que enuncia que «[a]ntes de proferir uma decisão preliminar de natureza processual, a autoridade competente poderá, em primeiro lugar, ter que verificar se existem elementos de acusação suficientes contra o suspeito ou o arguido que justifiquem a decisão em causa e a decisão poderá conter uma referência a esses elementos».

53      No caso em apreço, o considerando 16 da Diretiva 2016/343 corresponde ao artigo 4.o da mesma diretiva, na medida em que o primeiro visa explicitar os objetivos do segundo, pelo que a última frase do considerando 16 deve ser interpretada à luz desse considerando no seu todo e do artigo 4.o desta diretiva.

54      A este respeito, por um lado, o artigo 4.o da Diretiva 2016/343, com a epígrafe «Referências em público à culpa», e a primeira a quarta frases do considerando 16 desta diretiva centram‑se na circunstância de que as declarações públicas emitidas pelas autoridades públicas ou as decisões judiciais que não estabelecem a culta não devem apresentar o suspeito ou o arguido como culpado. O artigo 4.o, n.o 1, segunda frase, da Diretiva 2016/343 precisa aliás expressamente que esta disposição se aplica «sem prejuízo […] de decisões preliminares de caráter processual proferidas pelas autoridades judiciárias ou por outras autoridades competentes e baseadas em suspeitas ou em elementos de acusação».

55      Por outro lado, embora a primeira e segunda frases do considerando 16 da Diretiva 2016/343 se limitem a recordar a necessidade de preservar a presunção de inocência quando de declarações públicas, a terceira e quarta frases deste considerando reiteram a ideia de que a circunspeção das declarações públicas não se aplica aos atos de acusação ou às decisões preliminares de natureza processual, designadamente as relativas à prisão preventiva.

56      Por outro lado, o artigo 6.o da Diretiva 2016/343, com a epígrafe «Ónus da prova», precisa explicitamente, no seu n.o 1, segunda frase, que esta disposição se aplica sem prejuízo da obrigação que incumbe ao juiz ou ao tribunal competente de procurarem elementos de prova «tanto incriminatórios como ilibatórios», e do direito da defesa de apresentar provas em conformidade com o direito nacional aplicável.

57      Assim, se, na sequência de um exame dos elementos de prova incriminatórios e ilibatórios, um tribunal nacional concluir que existem razões plausíveis que permitem presumir que uma pessoa cometeu os atos que lhe são imputados e toma uma decisão preliminar nesse sentido, tal não pode equivaler a apresentar o suspeito ou o arguido como culpado desses atos, na aceção do artigo 4.o da Diretiva 2016/343.

58      Com efeito, resulta do artigo 4.o, n.o 1, segunda frase, desta diretiva que esta disposição se aplica sem prejuízo das decisões preliminares de caráter processual proferidas pelas autoridades judiciárias, e a quarta frase do considerando 16 da referida diretiva inclui, entre essas decisões preliminares, as relativas à prisão preventiva (v., neste sentido, Acórdão de 19 de setembro de 2018, Milev, C‑310/18 PPU, EU:C:2018:732, n.o 44).

59      Em todo o caso, importa recordar que a Diretiva 2016/343 não pode ser interpretada, atendendo ao caráter mínimo do objetivo de harmonização que prossegue, como sendo um instrumento completo e exaustivo que tem por objetivo fixar a totalidade dos requisitos de adoção de uma decisão de prisão preventiva, quer se trate das modalidade de exame dos diferentes elementos de prova ou do alcance da fundamentação de tal decisão (Acórdão de 19 de setembro de 2018, Milev, C‑310/18 PPU, EU:C:2018:732, n.o 47).

60      À luz das considerações que precedem, há que responder à segunda questão que os artigos 4.o e 6.o da Diretiva 2016/343, conjugados com o considerando 16 da mesma diretiva, devem ser interpretados no sentido de que as exigências decorrentes da presunção de inocência não se opõem a que, quando o órgão jurisdicional competente examina as razões plausíveis que permitem presumir que o suspeito ou o arguido cometeu a infração que lhe é imputada, a fim de se pronunciar sobre a legalidade de uma decisão de prisão preventiva, esse órgão jurisdicional proceda a uma ponderação dos elementos de acusação e de defesa que lhe são submetidos e que fundamente a sua decisão não só revelando os elementos tomados em consideração, mas também pronunciando‑se sobre as objeções do defensor da pessoa em causa, desde que essa decisão não apresente a pessoa privada de liberdade como culpada.

 Quanto às despesas

61      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

1)      O artigo 267.o TFUE e o artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional, tal como interpretada pela jurisprudência, em consequência da qual o órgão jurisdicional nacional é obrigado a pronunciarse sobre a legalidade de uma decisão de prisão preventiva, sem possibilidade de apresentar um pedido de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça ou de aguardar a resposta deste.

2)      Os artigos 4.o e 6.o da Diretiva (UE) 2016/343 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de março de 2016, relativa ao reforço de certos aspetos da presunção de inocência e do direito de comparecer em julgamento em processo penal, conjugados com o considerando 16 da mesma diretiva, devem ser interpretados no sentido de que as exigências decorrentes da presunção de inocência não se opõem a que, quando o órgão jurisdicional competente examina as razões plausíveis que permitem presumir que o suspeito ou o arguido cometeu a infração que lhe é imputada, a fim de se pronunciar sobre a legalidade de uma decisão de prisão preventiva, esse órgão jurisdicional proceda a uma ponderação dos elementos de acusação e de defesa que lhe são submetidos e que fundamente a sua decisão não só revelando os elementos tomados em consideração, mas também pronunciandose sobre as objeções do defensor da pessoa em causa, desde que essa decisão não apresente a pessoa privada de liberdade como culpada.

Assinaturas


*      Língua do processo: búlgaro.