Language of document : ECLI:EU:C:2014:2028

DESPACHO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção)

19 de junho de 2014 (*)

«Reenvio prejudicial – Artigo 99.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça – Tratamento de dados pessoais – Diretiva 95/46/CE – Artigo 2.° – Conceito de ‘dados pessoais’ – Artigos 6.° e 7.° – Princípios relativos à qualidade dos dados e à legitimidade do tratamento de dados – Artigo 17.° – Segurança do tratamento – Tempo de trabalho dos trabalhadores – Registo dos tempos de trabalho – Acesso da autoridade nacional com competência para a fiscalização das condições de trabalho – Obrigação de o empregador pôr à disposição o registo dos tempos de trabalho de forma a permitir a sua consulta imediata»

No processo C‑683/13,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Tribunal do Trabalho da Covilhã (Portugal), por decisão de 11 de dezembro de 2013, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 23 de dezembro de 2013, no processo

Pharmacontinente – Saúde e Higiene SA,

Domingos Sequeira de Almeida,

Luis Mesquita Soares Moutinho,

Rui Teixeira Soares de Almeida,

André de Carvalho e Sousa

contra

Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção),

composto por: C. G. Fernlund, presidente de secção, A. Ó Caoimh (relator) e C. Toader, juízes,

advogado‑geral: J. Kokott,

secretário: A. Calot Escobar,

vista a decisão tomada, ouvida a advogada‑geral, de se pronunciar por meio de despacho fundamentado, nos termos do artigo 99.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça,

profere o presente

Despacho

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 2.° e 17.°, n.° 1, da Diretiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de outubro de 1995, relativa à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados (JO L 281, p. 31).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Pharmacontinente – Saúde e Higiene SA (a seguir «PSH») e vários dos seus trabalhadores à Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), a respeito do pedido de acesso desta última ao registo dos tempos de trabalho de um dos estabelecimentos desta sociedade.

3        O referido pedido inscreve‑se num quadro jurídico idêntico ao que deu lugar ao acórdão Worten (C‑342/12, EU:C:2013:355). No que respeita ao quadro factual, é semelhante ao que deu origem àquele mesmo acórdão.

4        A este respeito, resulta dos elementos fornecidos ao Tribunal de Justiça que, em 8 de fevereiro de 2010, um inspetor da ACT efetuou um controlo na Pharmacontinente – Ótica Covilhã (a seguir «POC»), que é um estabelecimento detido pela PSH e situado na Covilhã (Portugal).

5        No termo desse controlo, o inspetor da ACT lavrou um auto no qual constatou que não houve possibilidade de verificar imediatamente o número de horas de trabalho, diárias e semanais, efetuadas pelos trabalhadores da POC, com indicação das horas de início e de termo do trabalho.

6        Por conseguinte, a ACT aplicou uma coima de 1 600 euros à PSH e a alguns dos seus trabalhadores pela prática da contraordenação laboral prevista no artigo 202.°, n.os 1 e 5, do Código do Trabalho, consubstanciada na omissão do dever de o empregador manter o registo dos tempos de trabalho, incluindo dos trabalhadores que estão isentos de horário de trabalho, em local acessível e por forma que permita a sua consulta imediata.

7        A PSH e os referidos trabalhadores interpuseram recurso de impugnação desta decisão no Tribunal do Trabalho da Covilhã.

8        Nestas condições, o Tribunal do Trabalho da Covilhã decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O artigo 2.° da Diretiva [95/46] deve ser interpretado no sentido de que o registo de tempos de trabalho, isto é a indicação relativamente a cada trabalhador das horas de início e de termo do tempo de trabalho, bem como das interrupções ou intervalos que nele não se compreendam, está incluído no conceito de dados pessoais?

2)      Em caso de resposta afirmativa à questão anterior, está o Estado Português obrigado, por força do disposto no [artigo] 17.°, n.° 1, da Diretiva [95/46], a prever medidas técnicas e organizativas adequadas para proteger os dados pessoais contra a destruição acidental ou ilícita, a perda acidental, a alteração, a difusão ou acesso não autorizados, nomeadamente quando o tratamento implicar a transmissão por rede?

3)      Mais uma vez, em caso de resposta afirmativa à questão anterior, quando o Estado‑Membro não adote nenhuma medida em cumprimento do artigo 17.°, n.° 1, da Diretiva [95/46] e quando a entidade empregadora, responsável pelo tratamento desses dados, adote um sistema de acesso restrito a esses dados, o qual não permite o acesso automático a tais dados por parte da autoridade nacional com competência para a fiscalização das condições de trabalho, o princípio do primado do Direito da União Europeia deve ser interpretado no sentido de que o Estado‑Membro não pode sancionar a referida entidade empregadora por tal comportamento?

d)      Em caso de resposta negativa à pergunta anterior, sem que tenha sido demonstrado ou alegado que, em concreto, a informação resultante do registo não foi alterada, é proporcional a exigência da disponibilização imediata de um registo permitindo o acesso generalizado a todos os intervenientes na relação de trabalho?»

9        Em conformidade com o disposto no artigo 99.° do seu Regulamento de Processo, quando uma questão submetida a título prejudicial for idêntica a uma questão sobre a qual o Tribunal de Justiça já se tenha pronunciado ou quando a resposta a essa questão possa ser claramente deduzida da jurisprudência, o Tribunal pode, a qualquer momento, mediante proposta do juiz‑relator, ouvido o advogado‑geral, decidir pronunciar‑se por meio de despacho fundamentado.

10      Há que aplicar esta disposição no âmbito do presente reenvio prejudicial.

11      Com efeito, as três primeiras questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio são idênticas às que foram submetidas no processo que deu lugar ao acórdão Worten (EU:C:2013:355), ao passo que a resposta à quarta questão submetida por este órgão jurisdicional pode ser claramente deduzida da resposta à terceira questão submetida neste último processo.

12      Por conseguinte, à semelhança do que foi declarado nos n.os 22 e 43 a 45 do acórdão Worten (EU:C:2013:355), há que responder às questões submetidas, recordando ainda que a interpretação do artigo 17.°, n.° 1, da Diretiva 95/46 solicitada pelas questões segunda a quarta não é pertinente pelos motivos já expostos pelo Tribunal de Justiça nos n.os 23 a 29 daquele mesmo acórdão, que:

–        o artigo 2.°, alínea a), da Diretiva 95/46 deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «dados pessoais», na aceção desta disposição, abrange um registo dos tempos de trabalho, como o que está em causa no processo principal, que comporta a indicação, para cada trabalhador, das horas de início e de termo do tempo de trabalho, bem como das correspondentes interrupções ou intervalos;

–        os artigos 6.°, n.° 1, alíneas b) e c), e 7.°, alíneas c) e e), da Diretiva 95/46 devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que impõe ao empregador a obrigação de pôr à disposição da autoridade nacional com competência para a fiscalização das condições de trabalho o registo dos tempos de trabalho, a fim de permitir a sua consulta imediata, na medida em que essa obrigação seja necessária para o exercício, por essa autoridade, da sua missão de fiscalização da aplicação da legislação em matéria de condições de trabalho, nomeadamente, no que respeita ao tempo de trabalho, e

–        compete ao órgão jurisdicional de reenvio examinar a questão de saber se a obrigação, para o empregador, de disponibilizar à autoridade nacional com competência para a fiscalização das condições de trabalho o acesso ao registo dos tempos de trabalho, de forma a permitir a sua consulta imediata, pode ser considerada necessária para o exercício, por essa autoridade, da sua missão de fiscalização, contribuindo para uma aplicação mais eficaz da legislação em matéria de condições de trabalho, nomeadamente no que respeita ao tempo de trabalho, e, em caso de resposta afirmativa, se as sanções aplicadas para garantir a aplicação efetiva das exigências impostas pela Diretiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de novembro de 2003, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho (JO L 299, p. 9), devem respeitar igualmente o princípio da proporcionalidade.

13      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Oitava Secção) declara:

1)      O artigo 2.°, alínea a), da Diretiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de outubro de 1995, relativa à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados, deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «dados pessoais», na aceção desta disposição, abrange um registo dos tempos de trabalho, como o que está em causa no processo principal, que comporta a indicação, para cada trabalhador, das horas de início e de termo do tempo de trabalho, bem como das correspondentes interrupções ou intervalos.

2)      Os artigos 6.°, n.° 1, alíneas b) e c), e 7.°, alíneas c) e e), da Diretiva 95/46 devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que impõe ao empregador a obrigação de pôr à disposição da autoridade nacional com competência para a fiscalização das condições de trabalho o registo dos tempos de trabalho, a fim de permitir a sua consulta imediata, na medida em que essa obrigação seja necessária para o exercício, por essa autoridade, da sua missão de fiscalização da aplicação da legislação em matéria de condições de trabalho, nomeadamente, no que respeita ao tempo de trabalho.

3)      Compete ao órgão jurisdicional de reenvio examinar a questão de saber se a obrigação, para o empregador, de disponibilizar à autoridade nacional com competência para a fiscalização das condições de trabalho o acesso ao registo dos tempos de trabalho, de forma a permitir a sua consulta imediata, pode ser considerada necessária para o exercício, por essa autoridade, da sua missão de fiscalização, contribuindo para uma aplicação mais eficaz da legislação em matéria de condições de trabalho, nomeadamente no que respeita ao tempo de trabalho, e, em caso de resposta afirmativa, se as sanções aplicadas para garantir a aplicação efetiva das exigências impostas pela Diretiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de novembro de 2003, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho, devem respeitar igualmente o princípio da proporcionalidade.

Assinaturas


* Língua do processo: português.