Language of document : ECLI:EU:C:2003:260

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)

8 de Maio de 2003 (1)

«Associação CEE-Turquia - Livre circulação de trabalhadores - Artigo 10.°, n.° 1, da Decisão n.° 1/80 do Conselho de Associação - Princípio da não discriminação em matéria de condições de trabalho - Efeito directo - Alcance - Legislação de um Estado-Membro que exclui os trabalhadores turcos da elegibilidade para as câmaras de trabalho»

No processo C-171/01,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 234.° CE, pelo Verfassungsgerichtshof (Áustria), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Wählergruppe «Gemeinsam Zajedno/Birlikte Alternative und Grüne GewerkschafterInnen/UG»,

sendo intervenientes:

Bundesminister für Wirtschaft und Arbeit,

Kammer für Arbeiter und Angestellte für Vorarlberg,

Wählergruppe «Vorarlberger Arbeiter- und Angestelltenbund (ÖAAB) - AK-Präsident Josef Fink»,

Wählergruppe «FSG - Walter Gelbmann - mit euch ins nächste Jahrtausend/Liste 2»,

Wählergruppe «Freiheitliche und parteifreie Arbeitnehmer Vorarlberg - FPÖ»,

Wählergruppe «Gewerkschaftlicher Linksblock»

e

Wählergruppe «NBZ - Neue Bewegung für die Zukunft»,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 10.°, n.° 1, da Decisão n.° 1/80, de 19 de Setembro de 1980, relativa ao desenvolvimento da associação, adoptada pelo Conselho de Associação instituído pelo Acordo de Associação entre a Comunidade Económica Europeia e a Turquia,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

composto por: J.-P. Puissochet, presidente de secção, R. Schintgen (relator), V. Skouris, F. Macken e J. N. Cunha Rodrigues, juízes,

advogado-geral: F. G. Jacobs,


secretário: M.-F. Contet, administrador principal,

vistas as observações escritas apresentadas:

-    em representação do Wählergruppe «Gemeinsam Zajedno/Birlikte Alternative und Grüne GewerkschafterInnen/UG», por W. L. Weh, Rechtsanwalt,

-    em representação da Kammer für Arbeiter und Angestellte für Vorarlberg, por W.-G Schärf, Rechtsanwalt,

-    em representação do Governo austríaco, por H. Dossi, na qualidade de agente,

-    em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por J. Sack e H. Kreppel, na qualidade de agentes,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações do Wählergruppe «Gemeinsam Zajedno/Birlikte Alternative und Grüne GewerkschafterInnen/UG», da Kammer für Arbeiter und Angestellte für Vorarlberg e da Comissão na audiência de 24 de Outubro de 2002,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 12 de Dezembro de 2002,

profere o presente

Acórdão

1.
    Por despacho de 2 de Março de 2001, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 19 de Abril seguinte, o Verfassungsgerichtshof apresentou, nos termos do artigo 234.° CE, duas questões prejudiciais sobre a interpretação do artigo 10.°, n.° 1, da Decisão n.° 1/80 do Conselho de Associação, de 19 de Setembro de 1980, relativa ao desenvolvimento da associação (a seguir «Decisão n.° 1/80»). O Conselho de Associação foi instituído pelo Acordo que cria uma associação entre a Comunidade Económica Europeia e a Turquia, que foi assinado, em 12 de Setembro de 1963, em Ancara pela República da Turquia, por um lado, e pelos Estados-Membros da CEE e pela Comunidade, por outro, e que foi concluído, aprovado e confirmado em nome desta última pela Decisão 64/732/CEE do Conselho, de 23 de Dezembro de 1963 (JO 1964, 217, p. 3685; EE 11 F1 p. 18, a seguir «acordo de associação»).

2.
    Estas questões foram suscitadas no âmbito de um processo instaurado no Verfassungsgerichtshof pelo grupo de eleitores Wählergruppe «Gemeinsam Zajedno/Birlikte Alternative und Grüne GewerkschafterInnen/UG» (a seguir «Wählergruppe Gemeinsam») para efeitos de anulação das eleições para a assembleia geral da câmara de trabalho do Land Vorarlberg (Áustria) que decorreram entre 6 e 23 de Abril de 1999.

Enquadramento jurídico

A associação CEE-Turquia

3.
    Nos termos do seu artigo 2.°, n.° 1, o acordo de associação tem por objecto promover o reforço contínuo e equilibrado das relações comerciais e económicas entre as partes contratantes, mesmo no domínio da mão-de-obra, através da realização progressiva da livre circulação de trabalhadores (artigo 12.°) bem como da eliminação das restrições à liberdade de estabelecimento (artigo 13.°) e à livre prestação de serviços (artigo 14.°), com vista a melhorar o nível de vida do povo turco e a facilitar posteriormente a adesão da República da Turquia à Comunidade (quarto considerando do preâmbulo e artigo 28.°).

4.
    Para este efeito, o acordo de associação comporta uma fase preparatória, que permite à República da Turquia reforçar a sua economia com o auxílio da Comunidade (artigo 3.°), uma fase transitória, durante a qual se asseguram o estabelecimento progressivo de uma união aduaneira e a aproximação das políticas económicas (artigo 4.°), e uma fase definitiva que assenta na união aduaneira e implica o reforço da coordenação das políticas económicas das partes contratantes (artigo 5.°).

5.
    O artigo 6.° do acordo de associação está redigido como segue:

«Para assegurar a aplicação e o desenvolvimento progressivo do regime de associação, as partes contratantes reúnem-se no âmbito de um Conselho de Associação que age nos limites das atribuições que lhe são conferidas pelo acordo.»

6.
    Nos termos do artigo 8.° do acordo de associação, inserido no seu título II, intitulado «Realização da fase transitória»:

«Para a realização dos objectivos enunciados no artigo 4.°, o Conselho de Associação fixará, antes do início da fase transitória, e de acordo com o procedimento previsto no artigo 1.° do protocolo provisório, as condições, regras e calendário da aplicação das medidas adequadas aos domínios abrangidos pelo Tratado que institui a Comunidade que devem ser tomados em consideração, nomeadamente os referidos no presente título, bem como qualquer cláusula de protecção que se revelar útil.»

7.
    O artigo 9.° do acordo de associação, que faz parte do mesmo título II, tem o seguinte teor:

«As partes contratantes reconhecem que, no domínio da aplicação do acordo e sem prejuízo das disposições especiais susceptíveis de serem adoptadas em aplicação do artigo 8.°, é proibida qualquer discriminação exercida com base na nacionalidade, nos termos do princípio enunciado no artigo 7.° do Tratado que institui a Comunidade.»

8.
    O artigo 12.° do acordo de associação, que consta também do seu título II, capítulo 3, intitulado «Outras disposições de carácter económico», dispõe:

«As partes contratantes acordam em inspirar-se nos artigos 48.°, 49.° e 50.° do Tratado que institui a Comunidade na realização progressiva entre si da livre circulação de trabalhadores.»

9.
    Nos termos do artigo 22.°, n.° 1, do acordo de associação:

«Para a realização dos objectivos fixados pelo acordo e nos casos por ele previstos, o Conselho de Associação dispõe de poder de decisão. Cada uma das partes deve tomar as medidas necessárias à execução das medidas tomadas. [...]»

10.
    O protocolo adicional, que foi assinado em 23 de Novembro de 1970 em Bruxelas e concluído, aprovado e confirmado em nome da Comunidade pelo Regulamento (CEE) n.° 2760/72 do Conselho, de 19 de Dezembro de 1972 (JO L 293, p. 1; EE 11 F1 p. 213, a seguir «protocolo adicional»), aprova, nos termos do seu artigo 1.°, as condições, modalidades e calendário de realização da fase transitória referida no artigo 4.° do acordo de associação. Segundo o seu artigo 62.°, o protocolo adicional é parte integrante do referido acordo.

11.
    O protocolo adicional comporta um título II, intitulado «Circulação de pessoas e de serviços», cujo capítulo I é consagrado aos «Trabalhadores».

12.
    O artigo 36.° do protocolo adicional, que faz parte deste capítulo I, dispõe que em conformidade com os princípios enunciados no artigo 12.° do acordo de associação, a livre circulação de trabalhadores entre os Estados-Membros da Comunidade e a Turquia será realizada gradualmente, entre o final do décimo segundo ano e do vigésimo segundo ano após a entrada em vigor do referido acordo e que o Conselho de Associação decidirá as modalidades necessárias para tal efeito.

13.
    O artigo 37.° do protocolo adicional, que consta também do capítulo I do referido título II, está assim redigido:

«Cada Estado-Membro concederá aos trabalhadores de nacionalidade turca que trabalham na Comunidade um regime caracterizado pela ausência de qualquer discriminação baseada na nacionalidade, em relação aos trabalhadores nacionais dos outros Estados-Membros, no que se refere às condições de trabalho e de remuneração.»

14.
    Em 19 de Setembro de 1980, o Conselho de Associação, instituído pelo acordo de associação e composto, por um lado, por membros dos governos dos Estados-Membros, do Conselho e da Comissão das Comunidades Europeias e, por outro, por membros do Governo turco, adoptou a Decisão n.° 1/80.

15.
    O artigo 6.° desta decisão consta do seu capítulo II, intitulado «Disposições sociais», secção 1, referente às «Questões relativas ao emprego e à livre circulação de trabalhadores». O n.° 1 deste artigo tem a seguinte redacção:

«Sem prejuízo do disposto no artigo 7.° relativo ao livre acesso ao emprego dos membros da sua família, o trabalhador turco integrado no mercado regular do emprego de um Estado-Membro:

-    tem direito, nesse Estado-Membro, após um ano de emprego regular, à renovação da sua autorização de trabalho na mesma entidade patronal, se esta dispuser de um emprego;

-    tem direito, nesse Estado-Membro, após três anos de emprego regular e sem prejuízo da prioridade a conceder aos trabalhadores dos Estados-Membros da Comunidade, a responder dentro da mesma profissão a uma entidade patronal da sua escolha a outra oferta de emprego, feita em condições normais, registada nos serviços de emprego desse Estado-Membro;

-    beneficia, nesse Estado-Membro, após quatro anos de emprego regular, do livre acesso a qualquer actividade assalariada da sua escolha.»

16.
    O artigo 10.° desta decisão faz parte da mesma secção 1 do capítulo II desta decisão. O n.° 1 deste artigo dispõe:

«Os Estados-Membros da Comunidade concedem aos trabalhadores de nacionalidade turca pertencentes ao seu mercado regular de emprego um regime caracterizado pela ausência de qualquer discriminação baseada na nacionalidade, em relação aos trabalhadores nacionais dos outros Estados-Membros, no que diz respeito à retribuição e demais condições de trabalho.»

As outras disposições pertinentes do direito comunitário

17.
    O artigo 6.°, primeiro parágrafo, do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 12.°, primeiro parágrafo, CE) determina:

«No âmbito de aplicação do presente Tratado [...] é proibida toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade.»

18.
    Nos termos do artigo 48.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 39.° CE):

«1.    A livre circulação dos trabalhadores fica assegurada na Comunidade.

2.    A livre circulação dos trabalhadores implica a abolição de toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade, entre os trabalhadores dos Estados-Membros, no que diz respeito ao emprego, à remuneração e demais condições de trabalho.

[...]

4.    O disposto no presente artigo não é aplicável aos empregos na administração pública.»

19.
    O primeiro considerando do Regulamento (CEE) n.° 1612/68 do Conselho, de 15 de Outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade (JO L 257, p. 2; EE 05 F1 p. 77), na redacção dada pelo Regulamento (CEE) n.° 2434/92 do Conselho, de 27 de Julho de 1992 (JO L 245, p. 1, a seguir «Regulamento n.° 1612/68»), está assim redigido:

«Considerando que a livre circulação dos trabalhadores deve ficar assegurada, na Comunidade, o mais tardar no termo do período de transição; que a realização deste objectivo implica a abolição entre os trabalhadores dos Estados-Membros de toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade, no que diz respeito ao emprego, à remuneração e demais condições de trabalho, bem como o direito daqueles trabalhadores se deslocarem livremente na Comunidade para exercerem uma actividade assalariada, sem prejuízo das limitações justificadas por razões de ordem pública, segurança pública e saúde pública.»

20.
    Os artigos 7.° e 8.° do Regulamento n.° 1612/68 constam da sua primeira parte, que trata «[d]o emprego e da família dos trabalhadores», sob o título II, intitulado «Do exercício do emprego e da igualdade de tratamento».

21.
    O artigo 7.° do referido regulamento dispõe:

«1.    O trabalhador nacional de um Estado-Membro não pode, no território de outros Estados-Membros, sofrer, em razão da sua nacionalidade, tratamento diferente daquele que é concedido aos trabalhadores nacionais no que respeita a todas as condições de emprego e de trabalho, nomeadamente em matéria de remuneração, de despedimento e de reintegração profissional ou de reemprego, se ficar desempregado.

2.    Aquele trabalhador beneficia das mesmas vantagens sociais e fiscais que os trabalhadores nacionais.

[...]

4.    São nulas todas e quaisquer cláusulas de convenção colectiva ou individual ou de qualquer outra regulamentação colectiva respeitantes ao acesso ao emprego, ao emprego, à remuneração e às outras condições de trabalho e despedimento, na medida em que prevejam ou autorizem condições discriminatórias relativamente aos trabalhadores nacionais de outros Estados-Membros.»

22.
    Nos termos do artigo 8.° do Regulamento n.° 1612/68:

«O trabalhador nacional de um Estado-Membro empregado no território de outro Estado-Membro beneficia da igualdade de tratamento em matéria de filiação em organizações sindicais e de exercício dos direitos sindicais, incluindo o direito de voto e o acesso aos lugares de administração ou de direcção de uma organização sindical; pode ser excluído da participação na gestão de organismos de direito público e do exercício de uma função de direito público. Beneficia, além disso, do direito de elegibilidade para os órgãos de representação dos trabalhadores na empresa.

Estas disposições não prejudicam as disposições legislativas ou a regulamentação que, nalguns Estados-Membros, concedem direitos mais amplos aos trabalhadores provenientes de outros Estados-Membros.»

A regulamentação nacional

23.
    Na Áustria, a Arbeiterkammergesetz (lei relativa às câmaras de trabalho, BGBl. 1991/626, na versão publicada no BGBl. I, 1998/166, a seguir «AKG»), dispõe, no § 1, que as câmaras de trabalhadores e funcionários (a seguir «câmaras de trabalho») e a câmara federal de trabalhadores e funcionários (a seguir «câmara federal de trabalho») têm por missão representar e fomentar os interesses sociais, económicos, profissionais e culturais dos trabalhadores dos dois sexos.

24.
    Em conformidade com o § 3 da AKG, as câmaras de trabalho e a câmara federal de trabalho são organismos de direito público. As câmaras de trabalho formam a câmara federal de trabalho. Cada câmara de trabalho é competente num determinado Bundesland, e a câmara federal de trabalho é competente em todo o território austríaco.

25.
    Nos termos dos § 4 a 7 da AKG, no seu domínio de competência - não estão portanto sujeitas às instruções dos órgãos do Estado, mas apenas à sua fiscalização (§ 91 da AKG) -, as câmaras de trabalho têm por missão:

-    tomar as medidas necessárias para representarem os interesses dos trabalhadores, incluindo dos desempregados e reformados e, em especial, nomear representantes junto de certas entidades (§ 4 da AKG),

-    fiscalizar as condições de trabalho (§ 5 da AKG),

-    colaborar com as associações profissionais voluntárias com competência para a contratação colectiva e com os órgãos de representação de interesses de colectividades (§ 6 da AKG),

-    aconselhar os trabalhadores filiados na câmara em causa sobre questões de direito do trabalho e segurança social, e assegurar-lhes a sua protecção jurídica, facultando-lhes, designadamente, assistência judiciária no âmbito de conflitos de trabalho e sociais (§ 7 da AKG).

26.
    Por outro lado, incumbe às câmaras de trabalho, na sua qualidade de representantes legais dos interesses dos trabalhadores, exercer a sua influência sobre a legislação aplicável às condições de trabalho e, para este efeito, estão habilitadas a assinar convenções colectivas. Contudo, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, trata-se de uma competência subsidiária que não se aplica na prática.

27.
    No âmbito das competências delegadas, as câmaras de trabalho podem - observando as instruções dos órgãos do Estado e estando por elas vinculadas - exercer as competências da administração do Estado que lhes sejam delegadas por lei (§ 8 da AKG). Todavia, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, não se encontram normas jurídicas deste tipo que mereçam ser referidas, salvo as competências concedidas às câmaras de trabalho pelo § 74, n.os 5, 6 e 12 a 14, da Arbeitsverfassungsgesetz (BGBl. 1974/22, na versão publicada no BGBl. I, 1998/69) em matéria de fundos geridos pelo comité de empresa.

28.
    Todos os trabalhadores são, em princípio, membros de uma câmara de trabalho (§ 10 da AKG).

29.
    Nos termos do § 17 da AKG, todos os trabalhadores inscritos numa câmara de trabalho são obrigados a pagar uma quotização.

30.
    Entre os órgãos das câmaras de trabalho consta, designadamente, a assembleia geral (§ 46 da AKG). É eleita - pelo período de cinco anos (artigo 18.°, n.° 1, da AKG) - pelos trabalhadores com direito a voto, mediante sufrágio igual, directo e secreto, com base no princípio da votação proporcional (§ 19 da AKG). Nos termos do § 20, n.° 1, da AKG, todos os trabalhadores inscritos na câmara de trabalho em causa no dia das eleições têm direito de voto.

31.
    Tratando-se das condições de elegibilidade, o § 21 da AKG dispõe:

«Podem ser eleitos para a câmara de trabalho todos os trabalhadores que, no dia das eleições:

1.    tenham completado 19 anos de idade e

2.    nos últimos cinco anos tenham tido na Áustria durante, pelo menos, dois anos consecutivos uma relação de trabalho ou de emprego que legitime a inscrição na câmara e

3.    sem prejuízo do requisito da idade eleitoral, possam ser eleitos para o conselho nacional.»

32.
    Segundo o § 26, n.° 4, da Bundesverfassungsgesetz (lei constitucional federal):

«Podem ser eleitos todos os homens e mulheres que possuam a nacionalidade austríaca no dia das eleições e que tenham completado 19 anos de idade antes de 1 de Janeiro do ano das eleições.»

33.
    Nos termos do § 37, n.° 1, da AKG, as listas dos candidatos (dos grupos eleitorais concorrentes) devem ser apresentadas por escrito no prazo previsto à comissão eleitoral central. Segundo o n.° 3 do referido parágrafo, incumbe a esta verificar as propostas que lhe foram feitas e sumprimir das listas eleitorais os candidatos que não são elegíveis.

34.
    Por força do § 42 da AKG, qualquer grupo eleitoral que tenha apresentado uma lista de candidatos pode, no prazo de catorze dias a contar da publicação dos resultados eleitorais, impugnar a validade das eleições junto do ministro federal do Trabalho e dos Assuntos Sociais, com fundamentos assentes em violação do processo eleitoral. A impugnação deve ser julgada procedente no caso de a violação das disposições do processo eleitoral poder ter influenciado o resultado eleitoral. Se o ministro competente der provimento ao pedido, devem anunciar-se novas eleições no prazo de três meses.

O processo principal e as questões prejudiciais

35.
    Resulta dos autos do processo principal que, nas eleições da assembleia geral da câmara de trabalho do Land Vorarlberg, que decorreram em Abril de 1999, o Wählergruppe Gemeinsam, designadamente, apresentou uma lista de candidatos.

36.
    Os resultados das referidas eleições foram os seguintes:

ÖAAB:                                43 delegados

FSG:                                    11 delegados

Freiheitliche und parteifreie Arbeitnehmer:         9 delegados

Wählerpruppe Gemeinsam:                     2 delegados

Gewerkschaftlicher Linksblock:                 0 delegados

NBZ:                                     5 delegados.

37.
    A lista apresentada pelo Wählergruppe Gemeinsam continha originariamente vinte e seis candidatos, entre os quais cinco cidadãos turcos que preenchiam todos os requisitos previstos no artigo 6.°, n.° 1, terceiro travessão, da Decisão n.° 1/80 e eram titulares de um «Befreiungsschein» (certificado de não aplicação a um trabalhador estrangeiro da legislação de trabalho relativa a estrangeiros), nos termos do § 4 c) da «Ausländerbeschäftigungsgesetz» (lei relativa ao trabalho de estrangeiros).

38.
    Também é pacífico que os cinco candidatos turcos em questão preenchiam todos os critérios de elegibilidade fixados pela regulamentação nacional, com excepção do relativo à nacionalidade austríaca.

39.
    Em 8 de Fevereiro de 1999, a comissão eleitoral central decidiu suprimir da lista dos candidatos do Wählergruppe Gemeinsam os cinco cidadãos turcos, alegando que não possuíam a nacionalidade austríaca e, deste modo, não eram elegíveis.

40.
    Por carta de 5 de Maio de 1999, o Wählergruppe Gemeinsam impugnou, nos termos do § 42, n.° 1, da AKG, a validade da eleição em causa, invocando a violação do processo eleitoral que influenciou de modo decisivo o resultado eleitoral. Com efeito, ao excluir da sua lista os cinco cidadãos turcos, a comissão eleitoral central violou um direito concreto directamente aplicável na União Europeia, a saber, a proibição de discriminação constante do artigo 10.°, n.° 1, da Decisão n.° 1/80.

41.
    Por decisão de 19 de Novembro de 1999, o Ministro federal competente julgou a impugnação improcedente.

42.
    Reconheceu, efectivamente, que resulta da proibição de discriminação prevista no artigo 10.°, n.° 1, da Decisão n.° 1/80 que os trabalhadores turcos também podem ser eleitos para assembleias gerais das câmaras de trabalho. Devido ao primado do direito comunitário, o direito nacional contrário não era aplicável. A ilegalidade resultante da supressão dos cinco cidadãos turcos da lista eleitoral do Wählergruppe Gemeinsam não pôde, no entanto, influenciar o resultado eleitoral, dado o carácter não personalizado que configura o direito eleitoral para as eleições da assembleia geral de uma câmara de trabalho, em que a personalidade de cada candidato pouco importa ao eleitor, que escolhe em função da orientação política da lista no seu conjunto.

43.
    O Wählergruppe Gemeinsam recorreu, então, para o Verfassungsgerichtshof. Pede que a decisão da comissão eleitoral central de 8 de Fevereiro de 1999 seja declarada ilegal e anulada, na medida em que os cinco candidatos turcos em causa foram suprimidos da lista que apresentara, por não serem elegíveis nos termos da legislação austríaca; pede também que todo o processo eleitoral seja declarado ilegal e anulado, pedindo ainda a realização de novas eleições.

44.
    A fim de decidir, o Verfassungsgerichtshof coloca a questão de saber se o direito austríaco aplicável é compatível com o direito comunitário.     

45.
    Por um lado, importa decidir se uma disposição nacional como a prevista no § 21, n.° 3, da AKG, que exclui, nomeadamente, os trabalhadores migrantes de nacionalidade turca que fazem parte do mercado regular do emprego do Estado-Membro de acolhimento da elegibilidade para a assembleia geral de uma câmara de trabalho, é contrária ao artigo 10.°, n.° 1, da Decisão n.° 1/80, nomeadamente no que respeita às «demais condições de trabalho» na acepção desta última disposição.

46.
    Neste contexto, resulta dos artigos 48.° do Tratado e 8.°, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 1612/68, bem como dos acórdãos de 4 de Julho de 1991, ASTI (C-213/90, Colect., p. I-3507, a seguir «acórdão ASTI I»), e de 18 de Maio de 1994, Comissão/Luxemburgo (C-118/92, Colect., p. I-1891, a seguir «acórdão ASTI II»), que os trabalhadores nacionais de um Estado-Membro são elegíveis no âmbito das eleições para a assembleia geral de um organismo como as câmaras de trabalho na Áustria.

47.
    Com efeito, todos os critérios que o Tribunal de Justiça considerou relevantes a propósito das câmaras profissionais luxemburguesas referidas nos acórdãos ASTI I e ASTI II, a saber, a instituição por lei do organismo em causa, a inscrição obrigatória de todos os trabalhadores do sector em causa, a missão geral do referido organismo que consista em representar os interesses dos seus filiados, o direito deste de apresentar propostas ao governo e ao Parlamento e de lhes dar pareceres, bem como a obrigação de os inscritos pagarem quotas, parecem aplicar-se também às câmaras de trabalho na Áustria.

48.
    Para saber se é possível aplicar esta interpretação aos trabalhadores turcos, importa determinar se a noção de «demais condições de trabalho» referida no artigo 10.°, n.° 1, da Decisão n.° 1/80 engloba o direito de participar nas eleições dos órgãos legais de representação dos trabalhadores.

49.
    A este respeito, os acórdãos de 6 de Junho de 1995, Bozkurt (C-434/93, Colect., p. I-1475), e de 13 de Julho de 1995, Meyers (C-116/94, Colect., p. I-2131), militam a favor de uma interpretação lata da referida noção.

50.
    Em contrapartida, a conclusão contrária pode resultar do facto de, diferentemente da tradução concreta que a noção de «demais condições de trabalho», inscrita no artigo 48.°, n.° 2, do Tratado, encontrou designadamente no artigo 8.° do Regulamento n.° 1612/68, o direito resultante da associação CEE-Turquia não ter previsto expressamente tal transposição concreta da referida noção.

51.
    Por outro lado, na hipótese de o artigo 10, n.° 1, da Decisão n.° 1/80 se opor a uma regulamentação nacional nos termos da qual os trabalhadores que não possuam a nacionalidade austríaca não são elegíveis para a assembleia geral de uma câmara de trabalho, importa ainda apurar se a referida disposição é incondicional e suficientemente precisa para ser directamente aplicável, de modo a obstar à aplicação de uma regulamentação nacional incompatível com ela.

52.
    Considerando que, nestas condições, a solução do litígio implica uma interpretação do direito comunitário, o Verfassungsgerichtshof decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)    Deve o artigo 10.°, n.° 1, da Decisão n.° 1/80 [...], ser interpretado no sentido de que se opõe a uma norma nacional de um Estado-Membro que exclui os trabalhadores de nacionalidade turca da possibilidade de serem eleitos para a assembleia geral de uma câmara de trabalho?

2)    Caso seja dada resposta afirmativa à primeira questão, o artigo 10.°, n.° 1, da Decisão n.° 1/80 [...] constitui uma norma jurídica comunitária directamente aplicável?»

Quanto às questões prejudiciais

53.
    Para responder utilmente à questão de saber se uma disposição, inscrita num acordo celebrado entre a Comunidade e um país terceiro que enuncia uma regra de não discriminação em razão da nacionalidade, opõe-se a que um Estado-Membro recuse conceder a um cidadão do país terceiro em causa, no âmbito de aplicação do referido acordo, uma vantagem pelo único motivo de o interessado possuir a nacionalidade desse país, importa examinar, em primeiro lugar, se a disposição em causa é susceptível de criar directamente na esfera jurídica de um particular direitos que este possa invocar perante o órgão jurisdicional de um Estado-Membro e, em caso afirmativo, determinar, em segundo lugar, o alcance do princípio da não discriminação enunciado na referida disposição (v., neste sentido, acórdãos de 31 de Janeiro de 1991, Kziber, C-18/90, Colect., p. I-199, n.° 14; de 2 de Março de 1999, Eddline El-Yassini, C-416/96, Colect., p. I-1209, n.° 24; de 4 de Maio de 1999, Sürül, C-262/96, Colect., p. I-2685, n.° 47, e de 29 de Janeiro de 2002, Pokrzeptowicz-Meyer, C-162/00, Colect., p. I-1049, n.° 18).

Quanto ao efeito directo do artigo 10.°, n.° 1, da Decisão n.° 1/80

54.
    Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, uma disposição de um acordo celebrado pela Comunidade com um país terceiro deve ser considerada directamente aplicável sempre que, atendendo aos seus termos bem como ao objecto e à natureza do acordo, contém uma obrigação clara e precisa que não esteja dependente, na sua execução ou nos seus efeitos, da intervenção de qualquer acto posterior (v., nomeadamente, acórdão de 30 de Setembro de 1987, Demirel, 12/86, Colect., p. 3719, n.° 14, e acórdãos já referidos Kziber, n.° 15; Eddline El-Yassini, n.° 25; Sürül, n.° 60, e Pokrzeptowicz-Meyer, n.° 19).

55.
    No acórdão de 20 de Setembro de 1990, Sevince (C-192/89, Colect., p. I-3461, n.os 14 e 15), o Tribunal de Justiça especificou que os mesmos critérios são válidos quando se trata de determinar se as disposições de uma decisão do Conselho de Associação CEE-Turquia podem ter efeito directo.

56.
    Para decidir se o artigo 10.°, n.° 1, da Decisão n.° 1/80 corresponde a estes critérios, importa antes de mais analisar os seus termos.

57.
    A este respeito, verifica-se que esta disposição consagra, em termos claros, precisos e incondicionais, a proibição de discriminação pelos Estados-Membros, em razão da nacionalidade, dos trabalhadores migrantes turcos integrados no mercado regular de emprego destes Estados no que respeita à remuneração e demais condições de trabalho.

58.
    A referida regra da igualdade de tratamento impõe uma obrigação de resultado precisa e é, por essência, susceptível de ser invocada por um particular num órgão jurisdicional nacional para lhe pedir que afaste as disposições discriminatórias da regulamentação de um Estado-Membro que faz depender a concessão de um direito de uma condição que não é imposta aos cidadãos nacionais, sem que seja exigida para este efeito a adopção de medidas de aplicação complementares (v., por analogia, acórdão Sürül, já referido, n.° 63).

59.
    Esta afirmação é corroborada pela circunstância de o artigo 10.°, n.° 1, da Decisão n.° 1/80 apenas constituir a aplicação e a concretização, no domínio específico da remuneração e das condições de trabalho, do princípio geral da não discriminação em razão da nacionalidade inscrito no artigo 9.° do acordo, disposição que opera uma remissão para o artigo 7.° do Tratado CEE, actual 6.° do Tratado CE (v., por analogia, acórdão Sürül, já referido, n.° 64).

60.
    Esta interpretação é, aliás, confirmada pela jurisprudência do Tribunal de Justiça (acórdãos já referidos Eddline El-Yassini, n.° 27, e Pokrzeptowicz-Meyer, n.os 21 e 22) relativa ao princípio da igualdade de tratamento no que respeita às condições de trabalho, princípio enunciado no artigo 40.°, primeiro parágrafo, acordo de cooperação entre a Comunidade Económica Europeia e o Reino de Marrocos, assinado em Rabat em 27 de Abril de 1976 e aprovado em nome da Comunidade pelo Regulamento (CEE) n.° 2211/78 do Conselho, de 26 de Setembro de 1978 (JO L 264, p. 1; EE 11 F9 p. 3), e no artigo 37.°, n.° 1, do acordo europeu que cria uma associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados-Membros, por um lado, e a República da Polónia, por outro, celebrado e aprovado em nome das Comunidades pela Decisão 93/743/Euratom, CECA, CE do Conselho e da Comissão, de 13 de Dezembro de 1993 (JO L 348, p. 1).

61.
    Em segundo lugar, a conclusão segundo a qual o princípio da não discriminação enunciado no artigo 10.°, n.° 1, da Decisão n.° 1/80 é susceptível de regular directamente a situação dos particulares não é contrariada pelo exame do objecto e da natureza desta decisão e do acordo de associação em que esta se insere.

62.
    Como resulta dos seus artigos 2.°, n.° 1, e 12.°, o acordo de associação tem, com efeito, por objecto instituir uma associação destinada a promover o desenvolvimento das relações comerciais e económicas entre as partes contratantes, incluindo no domínio da mão-de-obra, pela realização progressiva da livre circulação de trabalhadores. Em especial, o referido artigo 12.° dispõe que «[a]s partes contratantes acordam em inspirar-se nos artigos 48.°, 49.° e 50.° do Tratado que institui a Comunidade na realização progressiva entre si da livre circulação de trabalhadores».

63.
    O protocolo adicional prevê, no seu artigo 36.°, os prazos para a realização gradual dessa livre circulação de trabalhadores e dispõe que o Conselho de Associação decide as modalidades necessárias para tal efeito.

64.
    Quanto à Decisão n.° 1/80, foi adoptada pelo Conselho de Associação para aplicar o artigo 12.° do acordo de associação e o artigo 36.° do protocolo adicional. Nos termos do seu terceiro considerando, destina-se a melhorar, no domínio social, o regime de que beneficiam os trabalhadores e os membros das suas famílias relativamente ao regime previsto pela Decisão n.° 2/76, que o Conselho de Associação adoptou em 20 de Dezembro de 1976. As disposições do capítulo II, secção 1, da Decisão n.° 1/80, de que faz parte o artigo 10.°, n.° 1, constituem assim uma etapa suplementar com vista à realização da livre circulação dos trabalhadores, inspirando-se nos artigos 48.°, 49.° e 50.° do Tratado CEE, que passaram respectivamente a artigos 48.° e 49.° do Tratado CE (que passaram, após alteração, a artigos 39.° CE e 40.° CE) e 50.° do Tratado CE (actual artigo 41.° CE). O alcance essencialmente programático que foi reconhecido pelo Tribunal de Justiça no acórdão Demirel, já referido, às disposições acima mencionadas do acordo de associação e do protocolo adicional não obstam, por conseguinte, a que as decisões do Conselho de Associação que realizam, em determinados pontos, os programas pretendidos no referido acordo possam ter um efeito directo (v., neste sentido, acórdãos Sevince, já referido, n.° 21, e de 26 de Novembro de 1998, Birden, C-1/97, Colect., p. I-7747, n.° 52, bem como as referências aí mencionadas).

65.
    Por último, a circunstância de o acordo de associação ter em vista essencialmente favorecer o desenvolvimento económico da Turquia e comportar, portanto, um desequilíbrio nas obrigações assumidas pela Comunidade para com o país terceiro em causa não é susceptível de impedir o reconhecimento pela Comunidade do efeito directo de algumas das suas disposições nem, por maioria de razão, das destinadas a aplicar o referido acordo (v., neste sentido, acórdão Sürül, já referido, n.° 72, e as referências aí mencionadas).

66.
    Esta conclusão é válida, particularmente, no que se refere ao artigo 10.°, n.° 1, da Decisão n.° 1/80 que, longe de ter um carácter puramente programático, estabelece, no domínio das condições de trabalho e de remuneração, um princípio preciso e incondicional suficientemente operativo para ser aplicado por um órgão jurisdicional nacional e, portanto, susceptível de regular directamente a situação jurídica dos particulares (v., por analogia, acórdãos já referidos Eddline El-Yassini, n.° 31, e Sürül, n.° 74).

67.
    Tendo em conta as considerações expostas, importa reconhecer ao artigo 10.°, n.° 1, da Decisão n.° 1/80 um efeito directo nos Estados-Membros, que implica que os cidadãos turcos a que esta disposição se aplica tenham o direito de a invocar nos órgãos jurisdicionais do Estado-Membro de acolhimento.

Quanto ao alcance do artigo 10.°, n.° 1, da Decisão n.° 1/80

68.
    A título liminar, importa recordar que é pacífico que os cinco cidadãos turcos, que foram suprimidos da lista dos candidatos do Wählergruppe Gemeinsam no âmbito das eleições para a assembleia geral da câmara de trabalho do Land Vorarlberg, são trabalhadores inseridos no mercado regular de emprego de um Estado-Membro, na acepção do artigo 10.°, n.° 1, da Decisão n.° 1/80, tendo esta noção sido precisada pela jurisprudência do Tribunal de Justiça (v., em último lugar, a propósito da mesma noção de «mercado regular de emprego» que consta do artigo 6.°, n.° 1, da Decisão n.° 1/80, acórdão de 19 de Novembro de 2002, Kurz, C-188/00, ainda não publicado na Colectânea, n.os 37 e 39 a 41).

69.
    Os referidos trabalhadores turcos inserem-se perfeitamente no âmbito de aplicação pessoal do artigo 10.°, n.° 1, da Decisão n.° 1/80.

70.
    Além disso, é pacífico que os cinco nacionais turcos em questão no processo principal preenchem todas os condições de elegibilidade fixadas pela regulamentação nacional, com excepção da relativa à nacionalidade austríaca, tendo a sua candidatura à eleição da assembleia geral da câmara de trabalho do Land Vorarlberg sido afastada unicamente porque têm nacionalidade turca.

71.
    Importa, portanto, determinar se tal condição de nacionalidade, a que está subordinado o direito a ser eleito para a assembleia geral das câmaras de trabalho no Estado-Membro de acolhimento, é compatível com o princípio, enunciado no artigo 10.°, n.° 1, da Decisão n.° 1/80, da ausência de toda e qualquer discriminação baseada na nacionalidade no domínio das condições de trabalho.

72.
    A este respeito, importa salientar que uma jurisprudência consolidada desde o acórdão Bozkurt, já referido, n.os 14, 19 e 20, deduziu da letra do artigo 12.° do acordo de associação e do artigo 36.° do protocolo adicional, bem como do objectivo da Decisão n.° 1/80 que pretende realizar progressivamente a livre circulação dos trabalhadores inspirando-se nos artigos 48.°, 49.° e 50.° do Tratado, que os princípios admitidos no âmbito destes últimos artigos devem ser transpostos, na medida do possível, para os nacionais turcos que beneficiam dos direitos reconhecidos pela referida decisão (v., designadamente, acórdão de 10 de Fevereiro de 2000, Nazli, C-340/97, Colect., p. I-957, n.os 50 a 55, e as referências aí mencionadas).

73.
    Daqui resulta que, relativamente à determinação do alcance do princípio da não discriminação no que respeita às condições de trabalho previsto no artigo 10.°, n.° 1, da Decisão n.° 1/80, há que aplicar a interpretação dada ao mesmo princípio em matéria de livre circulação de trabalhadores nacionais dos Estados-Membros da Comunidade.

74.
    Esta interpretação está tanto mais justificada quanto a referida disposição está redigida em termos quase idênticos aos do artigo 48.°, n.° 3, do Tratado.

75.
    Ora, no âmbito do direito comunitário e, em particular, da referida disposição do Tratado, é jurisprudência assente que uma regulamentação nacional que recusa aos trabalhadores nacionais de outros Estados-Membros o direito de voto e/ou o direito a serem eleitos em eleições para organismos como as câmaras profissionais em que os interessados estão obrigatoriamente inscritos e para as quais devem pagar quotas, e que estão encarregados da defesa bem como da representação dos interesses dos trabalhadores e que exercem uma função consultiva no domínio legislativo, é contrária ao princípio fundamental da não discriminação em razão da nacionalidade (v. acórdãos ASTI I e ASTI II).

76.
    O Tribunal de Justiça inferiu daí, nestes mesmos acórdãos, que o direito comunitário opõe-se à aplicação de uma legislação nacional que recusa aos trabalhadores nacionais de outros Estados-Membros, empregados no Estado-Membro de acolhimento, o direito de voto ou de elegibilidade nas eleições dos membros de organismos desta natureza.

77.
    Como foi recordado nos n.os 73 e 74 do presente acórdão, o artigo 10.°, n.° 1, da Decisão n.° 1/80 impõe a cada Estado-Membro, no que respeita às condições de trabalho dos trabalhadores turcos pertencentes ao mercado regular de emprego deste Estado, obrigações análogas às que se aplicam aos cidadãos dos outros Estados-Membros.

78.
    Consequentemente, à luz dos princípios consagrados no âmbito da livre circulação dos trabalhadores nacionais de um Estado-Membro e aplicáveis por analogia aos trabalhadores turcos que beneficiam dos direitos reconhecidos pela Decisão n.° 1/80, uma regulamentação nacional que subordina o direito a serem eleitos para um organismo de representação e de defesa dos interesses dos trabalhadores, como as câmaras de trabalho na Áustria, à posse da nacionalidade do Estado-Membro de acolhimento deve ser considerada incompatível com o artigo 10.°, n.° 1, da referida decisão.

79.
    Como sublinhou correctamente a Comissão, esta interpretação é, aliás, a única conforme ao objectivo e à economia da Decisão n.° 1/80, que se destina a realizar gradualmente a livre circulação de trabalhadores e a fovorecer a integração no Estado-Membro de acolhimento dos trabalhadores turcos que preenchem as condições previstas numa disposição desta decisão e, portanto, que beneficiam dos direitos que esta lhes confere (v. acórdão Kurz, já referido, n.os 40 e 45). Com efeito, o facto de conceder aos trabalhadores turcos, legalmente empregados no território de um Estado-Membro, o benefício das mesmas condições de trabalho dos trabalhadores nacionais dos Estados-Membros constitui um elemento importante destinado a criar um quadro adequado para a integração gradual dos trabalhadores migrantes turcos.

80.
    Contudo, a Kammer für Arbeiter und Angestellte für Vorarlberg (câmara dos trabalhadores Land Vorarlberg, a seguir «Kammer») bem como o Governo austríaco afirmam, no essencial, que a noção de «demais condições de trabalho», na acepção do artigo 10.°, n.° 1, da Decisão n.° 1/80, não engloba o direito de os trabalhadores turcos participarem em eleições de órgãos legais de representação dos interesses dos trabalhadores como as câmaras de trabalho na Áustria. Consideram que à referida noção deve, com efeito, reconhecer-se um alcance menor que à mesma noção utilizada no artigo 48.°, n.° 2, do Tratado, porque, por um lado, esta última disposição está explicitada no Regulamento n.° 1612/68, cujo artigo 8.°, primeiro parágrafo, refere expressamente os direitos sindicais e afins, enquanto tal explicitação está, precisamente, ausente no âmbito da associação CEE-Turquia, e, por outro, esta última prossegue objectivos menos ambiciosos que o referido Tratado. Nestas condições, a jurisprudência ASTI I e ASTI II não pode aplicar-se por analogia no contexto desta associação.

81.
    Esta tese não pode, no entanto, ser acolhida.

82.
    A este respeito, importa dizer, antes de mais, que o Regulamento n.° 1612/68 foi adoptado com base no artigo 49.° do Tratado, segundo o qual o Conselho toma as medidas necessárias à realização progressiva da livre circulação dos trabalhadores, tal como se encontra definida no artigo 48.° do mesmo Tratado.

83.
    O objectivo do referido regulamento é, pois, unicamente explicitar o que o artigo 48.° dispõe; em contrapartida, na medida em que constitui um acto de direito derivado, o Regulamento n.° 1612/68 não pode acrescer às regras do Tratado que tem por finalidade aplicar e que lhe servem de base jurídica.

84.
    Também se deve considerar que o artigo 8.°, primeiro parágrafo, do referido regulamento constitui somente uma expressão particular do princípio da não discriminação, consagrado no artigo 48.°, n.° 2, do Tratado, no domínio específico da participação dos trabalhadores nas actividades sindicais e afins, garantidas por toda e qualquer organização que exerce funções de representação e de defesa dos interesses dos trabalhadores (v., neste sentido, acórdão ASTI I, n.° 15).

85.
    Importa sublinhar, depois, que, tendo em conta o carácter de princípio geral que se deve reconhecer ao artigo 48.°, n.° 2, do Tratado, que só constitui, aliás, uma expressão específica da regra fundamental da não discriminação em razão da nacionalidade enunciada no artigo 7.°, primeiro parágrafo, do mesmo Tratado, há que entender-se que a noção de «demais condições de trabalho» na acepção do referido artigo 48.°, n.° 2, reveste um alcance extensivo, na medida em que esta disposição prevê a igualdade de tratamento em tudo o que se relacione directa ou indirectamente com o exercício de uma actividade assalariada no Estado-Membro de acolhimento. Como resulta dos n.os 82 a 84 do presente acórdão, a referida regra só foi posteriormente aplicada e concretizada pelas disposições mais específicas do Regulamento n.° 1612/68.

86.
    Nestas condições, os artigos 48.°, n.° 2, do Tratado e 8.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1612/68 são a expressão do mesmo princípio geral da não discriminação em razão da nacionalidade que faz parte dos princípios fundamentais do direito comunitário.

87.
    Esta verificação é reforçada pelo n.° 11 do acórdão ASTI I, segundo o qual o princípio fundamental da não discriminação em razão da nacionalidade, «enunciado» no artigo 48.°, n.° 2, do Tratado, é «recordado» em várias disposições «específicas» do Regulamento n.° 1612/68, entre as quais se incluem, designadamente, os artigos 7.° e 8.° do mesmo. É também corroborada pelo facto de, no acórdão ASTI II, o Tribunal de Justiça ter declarado o incumprimento do Estado-Membro em causa com base nestas duas disposições consideradas conjuntamente.

88.
    Por último, há que recordar que resulta, por um lado, da redacção do artigo 10.°, n.° 1, da Decisão n.° 1/80, disposição que está redigida em termos quase idênticos aos do artigo 48.°, n.° 2, do Tratado, e, por outro, da comparação entre os objectivos e o contexto do acordo de associação com os do referido Tratado, que não existe qualquer razão para dar à disposição acima mencionada desta decisão um alcance diferente do atribuído pelo Tribunal de Justiça ao referido artigo 48.°, n.° 2, nos acórdãos ASTI I e ASTI II.

89.
    Com efeito, ainda que o artigo 10.°, n.° 1, da Decisão n.° 1/80 não enuncie um princípio de livre circulação dos trabalhadores turcos no interior da Comunidade, ao passo que o artigo 48.° do Tratado consagra em benefício dos nacionais comunitários o princípio da livre circulação dos trabalhadores, não é menos verdade que o referido artigo 10.°, n.° 1, institui em favor dos trabalhadores de nacionalidade turca, quando se encontrem legalmente empregados no território de um Estado-Membro, um direito de igualdade de tratamento, no que se refere à remuneração e demais condições de trabalho, com o mesmo alcance que aquele que é reconhecido, em termos similares, aos nacionais dos Estados-Membros pelo artigo 48.°, n.° 2, do Tratado (v., por analogia, acórdão Pokrzeptowicz-Meyer, já referido, n.os 40 e 41).

90.
    A Kammer afirma também que, mesmo supondo que o direito a ser eleito para a assembleia geral das câmaras de trabalho na Áustria se inclui no âmbito de aplicação do artigo 10.°, n.° 1, da Decisão n.° 1/80, as referidas câmaras constituem estabelecimentos de direito público que participam no exercício do poder público e que este motivo justifica a recusa aos trabalhadores estrangeiros do direito de serem eleitos para tais organismos.

91.
    A este respeito, importa contudo precisar desde já que, no despacho de reenvio, o Verfassungsgerichtshof declarou que, por um lado, todas as considerações que estão na base dos acórdãos ASTI I e ASTI II - entre as quais figura a ausência de participação no exercício do poder público das câmaras profissionais luxemburguesas em causa nos processos que deram lugar aos referidos acórdãos - são transponíveis para as câmaras de trabalho na Áustria e que, por outro, estas últimas não parecem ser susceptíveis de participar no exercício do poder público.

92.
    Há que acrescentar que, seja como for, segundo jurisprudência assente, a não aplicação das regras previstas no artigo 48.° do Tratado às actividades que consubstanciam uma participação no exercício do poder público é uma excepção a uma liberdade fundamental e deve, por esta razão, ter uma interpretação que limite o seu alcance ao estritamente necessário para salvaguardar os interesses que essa excepção permite aos Estados-Membros proteger. Daí resulta que esta excepção não pode justificar que um Estado-Membro submeta a uma condição de nacionalidade, de forma geral, toda a participação num organismo de direito público como as câmaras de trabalho na Áustria, permitindo unicamente excluir, no caso em apreço, os trabalhadores estrangeiros de certas actividades específicas do organismo em causa que, consideradas em si mesmas, impliquem efectivamente uma participação directa no poder público (v., designadamente, acórdão ASTI I, n.° 19).

93.
    Daí se conclui que, tratando-se de trabalhadores estrangeiros beneficiários da igualdade de tratamento no que respeita à remuneração e demais condições de trabalho, a exclusão do direito a serem eleitos para um organismo de representação e defesa dos interesses dos trabalhadores como as câmaras de trabalho na Áustria, não pode justificar-se nem pela natureza jurídica do organismo em causa segundo o direito nacional, nem pela circunstância de certas funções deste organismo poderem consubstanciar uma participação no exercício do poder público (v., acórdão ASTI I, n.° 20).

94.
    Perante tudo o que foi dito, cabe responder às questões prejudiciais que o artigo 10.°, n.° 1, da Decisão n.° 1/80 deve ser interpretado no sentido de que:

-    esta disposição tem efeito directo nos Estados-Membros, e

-    opõe-se à aplicação de uma regulamentação nacional que recuse aos trabalhadores turcos integrados no mercado regular de emprego do Estado-Membro de acolhimento o direito de elegibilidade para a assembleia geral de um organismo de representação e de defesa dos interesses dos trabalhadores como as câmaras de trabalho na Áustria.

Quanto às despesas

95.
    As despesas efectuadas pelo Governo austríaco e pela Comissão, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo Verfassungsgerichtshof, por despacho de 2 de Março de 2001, declara:

O artigo 10.°, n.° 1, da Decisão n.° 1/80, de 19 de Setembro de 1980, relativa ao desenvolvimento da associação, adoptada pelo Conselho de Associação instituído pelo Acordo de Associação entre a Comunidade Económica Europeia e a Turquia, deve ser interpretado no sentido de que:

-    esta disposição tem efeito directo nos Estados-Membros, e

-    opõe-se à aplicação de uma regulamentação nacional que recuse aos trabalhadores turcos integrados no mercado regular de emprego do Estado-Membro de acolhimento o direito de elegibilidade para a assembleia geral de um organismo de representação e de defesa dos interesses dos trabalhadores como as câmaras de trabalho e dos trabalhadores na Áustria.

Puissochet
Schintgen
Skouris

Macken

Cunha Rodrigues

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 8 de Maio de 2003.

O secretário

O presidente da Sexta Secção

R. Grass

J.-P. Puissochet


1: Língua do processo: alemão.