Language of document : ECLI:EU:F:2016:159

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA FUNÇÃO PÚBLICA
DA UNIÃO EUROPEIA (Terceira Secção)

20 de julho de 2016

(Processo F‑126/15)

José Barroso Truta e outros

contra

Tribunal de Justiça da União Europeia

«Função pública — Agentes contratuais — Pensões — Artigo 11.°, n.° 2, do anexo VIII do Estatuto — Transferência para o regime de pensões da União de direitos a pensão anteriormente adquiridos a título de regimes nacionais — Propostas de bonificação de anuidades feitas pela AHCC — Convite a contactar a administração para obter explicações e discutir a oportunidade de proceder às transferências — Aceitação pelos agentes de transferência dos seus direitos a pensão nacionais sem concertação prévia com a AHCC — Caráter definitivo das transferências — Descoberta posterior da regra do ‘mínimo vital’ — Artigo 77.°, quarto parágrafo, do Estatuto — Dever de diligência — Alegada insuficiência das informações fornecidas pela AHCC aquando da transmissão das propostas de bonificação de anuidades — Ação de indemnização — Desrespeito das exigências relativas à fase pré‑contenciosa — Inadmissibilidade»

Objeto:      Ação proposta nos termos do artigo 270.° TFUE, aplicável ao Tratado CEEA por força do seu artigo 106.°‑A, na qual José Barroso Truta, Marc Forli, Calogero Galante e Bernard Gradel pedem que o Tribunal de Justiça da União Europeia atribua uma indemnização pela perda dos seus direitos à pensão, anteriormente adquiridos ao abrigo de regimes nacionais de pensão, resultante da transferência desses direitos para o regime de pensões da União Europeia.

Decisão:      A ação é julgada improcedente. O Tribunal de Justiça da União Europeia suporta as suas próprias despesas e é condenado a suportar as despesas efetuadas por José Barroso Truta, Marc Forli, Calogero Galante e Bernard Gradel.

Sumário

1.      Ações de funcionários — Ato lesivo — Conceito — Decisão relativa às anuidades adotada na sequência da transferência do capital que representa direitos a pensão adquiridos — Inclusão — Possibilidade de invocar, em apoio da contestação, o caráter lacunoso das informações prestadas pela administração aquando da transmissão da proposta de bonificação de anuidades

(Artigo 270.° TFUE; Estatuto dos Funcionários, artigos 90.°, n.° 2, e 91.°, n.° 2, e anexo VIII, artigo 11.°, n.° 2)

2.      Funcionários — Pensões — Direitos a pensão adquiridos antes da entrada ao serviço da União — Transferência para o regime da União — Deveres da administração — Obrigação de formular a proposta de bonificação tendo em conta as consequências particulares para o funcionário em causa — Inexistência — Caráter suficiente de um mero convite do interessado em contactar a administração para obter informações complementares

(Estatuto dos Funcionários, artigo 77.°, primeiro e quarto parágrafos, e anexo VIII, artigo 11.°, n.° 2)

3.      Funcionários — Responsabilidade extracontratual das instituições — Requisitos — Dano — Dano patrimonial ocasionado pelo facto de a administração não ter informado um agente contratual da falta de impacto na sua pensão futura de uma transferência dos seus direitos a pensão nacionais para o regime da União — Dano incerto

(Artigos 336.° e 340.° TFUE; Estatuto dos Funcionários, artigo 77.°, n.° 4, e anexo VIII, artigo 11.°, n.° 2; Regime aplicável aos outros agentes, artigo 110.°, n.° 1, segundo parágrafo)

1.      A decisão final da Autoridade Habilitada a Celebrar Contratos de Admissão que reconhece uma bonificação de anuidades no regime de pensão da União na sequência das transferências dos direitos a pensão anteriormente adquiridos por um agente ao abrigo de regimes nacionais de pensão constitui um ato lesivo que esse agente pode impugnar através de uma reclamação nos termos do artigo 90.°, n.° 2, do Estatuto e, sendo caso disso, de um recurso, nos termos dos artigos 270.° TFUE e 91.°, n.° 2, do Estatuto.

Como fundamento dessa impugnação, o interessado pode invocar, sendo caso disso, que a sua aceitação das referidas transferências foi viciada por uma alegada falta de informação por parte daquela autoridade quanto às consequências, no seu caso específico, decorrentes da aplicação do artigo 77.°, quarto parágrafo, do Estatuto, segundo o qual o montante da pensão de aposentação não pode ser inferior a 4% do mínimo vital por ano de serviço. A este respeito, embora determinadas medidas meramente preparatórias, como sejam as propostas de bonificação de anuidades, acompanhadas de informações alegadamente lacunosas prestadas pela Autoridade Habilitada a Celebrar Contratos de Admissão, sejam suscetíveis de causar prejuízo ao interessado na medida em que podem influenciar o conteúdo de um ato impugnável ulterior, como as decisões finais que reconhecem bonificações de anuidades, estas medidas não podem, todavia, ser objeto de uma ação independente e devem ser impugnadas no âmbito de um recurso que tenha por objeto esse ato, invocando, sendo caso disso, a ilegalidade do ato preparatório.

(cf. n.os 67, 68)

Ver:

Tribunal de Justiça: acórdão de 11 de julho de 1968, Van Eick/Comissão, 35/67, EU:C:1968:39, p. 500

Tribunal de Primeira Instância: despacho de 26 de novembro de 2003, Mc Bryan/Commission, T‑96/02, EU:T:2003:314, n.os 47 a 52

Tribunal Geral da União Europeia: acórdão de 13 de outubro de 2015, Comissão/Cocchi e Falcione, T‑103/13 P, EU:T:2015:777, n.° 88

Tribunal da Função Pública: acórdão de 23 de novembro de 2010, Marcuccio/Comissão, F‑65/09, EU:F:2010:149, n.° 42

2.      Em matéria de transferência de direitos a pensão, o consentimento de um agente a essa transferência deve ser esclarecido pela proposta de bonificação de anuidades feita pela Autoridade Investida do Poder de Nomeação ou pela Autoridade Habilitada a Celebrar Contratos de Admissão com base no montante provisório de capital anunciado pelo organismo nacional responsável pelas pensões em causa.

A este respeito, não se pode esperar razoavelmente de uma administração diligente, que trata de centenas de pedidos de transferência de direitos a pensão, que quando formula cada uma das suas propostas antecipe as consequências, para cada um dos funcionários e agentes em causa, da transferência dos respetivos direitos a pensão.

Nestas condições, a referida autoridade pode cumprir o seu dever de solicitude, no respeito pelo princípio da boa administração, através da formulação das propostas de bonificação de anuidades em causa nas quais convide as pessoas afetadas por cada uma das suas propostas a contactá‑la para ter explicações sobre o cálculo e para discutir a oportunidade para essas pessoas de procederem ou não às transferências.

Em consequência, quando os interessados pedem a transferência para o regime de pensões da União dos respetivos direitos nacionais a pensão, e em seguida confirmam os referidos pedidos, considerando que não é útil contactar previamente a administração para os esclarecer nas suas decisões, não podem censurar a Autoridade Habilitada a Celebrar Contratos de Admissão por não lhes ter prestado informações suficientes a este respeito nem podem alegar que as suas aceitações das propostas de bonificação de anuidades que respetivamente os afetam estavam viciadas.

Além disso, qualquer funcionário ou agente normalmente diligente deve conhecer o Estatuto e, mais especificamente, as regras que regulam o seu vencimento ou a pensão de aposentação. A este respeito, a diligência normal que pode ser esperada de um funcionário ou agente é certamente apreciada à luz da sua formação, do seu grau e da sua experiência profissional. No entanto, a redação do artigo 77.° do Estatuto é relativamente clara, tanto no primeiro como no quarto parágrafo, ainda que devesse, pelo menos, incitar os interessados a esclarecer esta questão junto da sua administração.

(cf. n.os 73‑78)

Ver:

Tribunal de Primeira Instância: acórdãos de 10 de fevereiro de 1994, White/Comissão, T‑107/92, EU:T:1994:17, n.° 47, e de 5 de novembro de 2002, Ronsse/Comissão, T‑205/01, EU:T:2002:269, n.° 52

Tribunal Geral da União Europeia: acórdão de 3 de outubro de 2015, Comissão/Verile e Gjergji, T‑104/14 P, EU:T:2015:776, n.° 49

Tribunal da Função Pública: acórdão de 12 de março de 2014, CR/Parlamento, F‑128/12, EU:F:2014:38, n.° 45 e jurisprudência referida; despacho de 20 de março de 2014, Michel/Comissão, F‑44/13, EU:F:2014:40, n.° 53, e acórdão de 19 de novembro de 2014, EH/Comissão, F‑42/14, EU:F:2014:250, n.° 106 e jurisprudência referida

3.      Em matéria de responsabilidade extracontratual da União e no que se refere ao requisito do dano, quando os danos alegados pelo requerente são de natureza patrimonial, para que sejam indemnizados é ainda necessário que o requerente faça prova de que esses danos são reais e certos, entendendo‑se que os danos futuros e hipotéticos não podem, em princípio, ser indemnizados.

Não é o que sucede no caso de um dano resultante de uma alegada omissão da administração em informar um agente contratual de que as anuidades obtidas pela transferência dos seus direitos nacionais a pensão para o regime de pensão da União não terão impacto no montante da sua pensão futura, em aplicação do disposto no artigo 77.°, quarto parágrafo, do Estatuto.

Com efeito, por um lado, o interessado ainda irá prosseguir a sua carreira na instituição e, por conseguinte, não está excluído que aceda posteriormente a um emprego de agente temporário ou de funcionário, categoria de emprego que lhe permitirá então, por aplicação do artigo 110.°, n.° 1, segundo parágrafo, do Regime Aplicável aos Outros Agentes, ver a sua futura pensão de aposentação, à taxa máxima de 70% do seu vencimento‑base, ultrapassar o montante resultante da aplicação do artigo 77.°, quarto parágrafo, do Estatuto. Em semelhante situação, nenhum prejuízo lhe pode ser alegadamente causado pela sua decisão de transferir os seus direitos a pensão que tinha adquirido ao abrigo do regime nacional de pensão.

Por outro lado, não é certo que quando o interessado tiver atingido a idade legal da aposentação, o alcance e os requisitos de aplicação da regra prevista no artigo 77.°, quarto parágrafo, do Estatuto serão necessariamente os mesmos que atualmente vigoram, havendo que recordar que o legislador da União pode, a todo o momento, alterar os direitos e as obrigações dos funcionários e agentes da União através de regulamentos, adotados ao abrigo do artigo 336.° TFUE, que alterem o Estatuto e o Regime Aplicável aos Outros Agentes, os quais são aplicáveis, salvo derrogação, aos efeitos futuros de situações nascidas no decurso da vigência da lei anterior.

(cf. n.os 80‑83)

Ver:

Tribunal de Justiça: acórdãos de 21 de fevereiro de 2008, Comissão/Girardot, C‑348/06 P, EU:C:2008:107, n.° 54, e de 22 de dezembro de 2008, Centeno Mediavilla e o./Comissão, C‑443/07 P, EU:C:2008:767, n.os 60 e 61

Tribunal de Primeira Instância: acórdão de 26 de maio de 1998, Bieber/Parlamento, T‑205/96, EU:T:1998:110, e despacho de 24 de abril de 2001, Pierard/Comissão, T‑172/00, EU:T:2001:123, n.° 38

Tribunal Geral da União Europeia: acórdão de 22 de maio de 2012, Evropaïki Dynamiki/Comissão, T‑17/09, EU:T:2012:243, n.° 123 e jurisprudência referida

Tribunal da Função Pública: despacho de 23 de abril de 2015, Bensai/Comissão, F‑131/14, EU:F:2015:34, n.° 40, e acórdão de 19 de maio de 2015, Brune/Comissão, F‑59/14, EU:F:2015:50, n.° 76