Language of document : ECLI:EU:C:2008:189

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

3 de Abril de 2008 (*)

«Artigo 49.° CE – Livre prestação de serviços – Restrições – Directiva 96/71/CE – Destacamento de trabalhadores no âmbito de uma prestação de serviços – Processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas – Protecção social dos trabalhadores»

No processo C‑346/06,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Oberlandesgericht Celle (Alemanha), por decisão de 3 de Agosto de 2006, entrado no Tribunal de Justiça em 11 de Agosto de 2006, no processo

Dirk Rüffert, agindo na qualidade de administrador judicial da Objekt und Bauregie GmbH & Co. KG

contra

Land Niedersachsen,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: C. W. A. Timmermans (relator), presidente de secção, J. Makarczyk, P. Kūris, J.‑C. Bonichot e C. Toader, juízes,

advogado‑geral: Y. Bot,

secretário: B. Fülöp, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 5 de Julho de 2007,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação do Land Niedersachsen, por R. Thode, Rechtsanwalt,

–        em representação do Governo alemão, por M. Lumma, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo belga, por A. Hubert, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo dinamarquês, por J. Bering Liisberg, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo francês, por G. de Bergues e O. Christmann, na qualidade de agentes,

–        em representação da Irlanda, por D. O’Hagan, na qualidade de agente, assistido por N. Travers, BL, e B. O’Moore, SC,

–        em representação do Governo cipriota, por E. Neofitou, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo austríaco, por M. Fruhmann, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo polaco, por E. Ośniecka‑Tamecka e M. Szymańska, na qualidade de agentes, bem como por A. Dzięcielak, perito,

–        em representação do Governo finlandês, por E. Bygglin, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo norueguês, por A. Eide e E. Sivertsen, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por E. Traversa e C. Ladenburger, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 20 de Setembro de 2007,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação do artigo 49.° CE.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe D. Rüffert, agindo na qualidade de administrador judicial da Objekt und Bauregie GmbH & Co. KG (a seguir «Objekt und Bauregie»), ao Land Niedersachsen, a respeito da rescisão de um contrato de empreitada celebrado entre este último e a referida sociedade.

 Quadro jurídico

 Regulamentação comunitária

3        A Directiva 96/71/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Dezembro de 1996, relativa ao destacamento de trabalhadores no âmbito de uma prestação de serviços (JO 1997, L 18, p. 1), prevê no seu artigo 1.°, sob a epígrafe «Âmbito de aplicação»:

«1.      A presente directiva é aplicável às empresas estabelecidas num Estado‑Membro que, no âmbito de uma prestação transnacional de serviços e nos termos do n.° 3, destaquem trabalhadores para o território de um Estado‑Membro.

[…]

3.      A presente directiva é aplicável sempre que as empresas mencionadas no n.° 1 tomem uma das seguintes medidas transnacionais:

a)      Destacar um trabalhador para o território de um Estado‑Membro, por sua conta e sob a sua direcção, no âmbito de um contrato celebrado entre a empresa destacadora e o destinatário da prestação de serviços que trabalha nesse Estado‑Membro, desde que durante o período de destacamento exista uma relação de trabalho entre a empresa destacadora e o trabalhador;

[…]»

4        Nos termos do artigo 3.° da Directiva 96/71, intitulado «Condições de trabalho e emprego»:

«1.      Os Estados‑Membros providenciarão no sentido de que, independentemente da lei aplicável à relação de trabalho, as empresas referidas no n.° 1 do artigo 1.° garantam aos trabalhadores destacados no seu território as condições de trabalho e de emprego relativas às matérias adiante referidas que, no território do Estado‑Membro onde o trabalho for executado, sejam fixadas:

–        por disposições legislativas, regulamentares ou administrativas

e/ou

–        por convenções colectivas ou decisões arbitrais declaradas de aplicação geral na acepção do n.° 8, na medida em que digam respeito às actividades referidas no anexo:

[…]

c)      Remunerações salariais mínimas, incluindo as bonificações relativas a horas extraordinárias; a presente alínea não se aplica aos regimes complementares voluntários de reforma;

[…]

Para efeitos da presente directiva, a noção de ‘remunerações salariais mínimas’ referida na alínea c) do n.° 1 é definida pela legislação e/ou pela prática nacional do Estado‑Membro em cujo território o trabalhador se encontra destacado.

[…]

7.      O disposto nos n.os 1 a 6 não obsta à aplicação de condições de emprego e trabalho mais favoráveis aos trabalhadores.

[…]

8.      Entende‑se por ‘convenções colectivas ou decisões arbitrais declaradas de aplicação geral’, aquelas que devem ser cumpridas por todas as empresas pertencentes ao sector ou à profissão em causa e abrangidas pelo seu âmbito de aplicação territorial.

Na ausência de um sistema de declaração de aplicação geral de convenções colectivas ou de decisões arbitrais na acepção do primeiro parágrafo, os Estados‑Membros podem, se assim o entenderem, tomar por base:

–        as convenções colectivas ou decisões arbitrais que produzam um efeito geral sobre todas as empresas semelhantes pertencentes ao sector ou à profissão em causa e que sejam abrangidas pelo seu âmbito de aplicação territorial

e/ou

–        as convenções colectivas celebradas pelas organizações de parceiros sociais mais representativas no plano nacional e aplicadas em todo o território nacional,

desde que a sua aplicação às empresas referidas no n.° 1 do artigo 1.° garanta, quanto às matérias enumeradas no n.° 1 do presente artigo, a igualdade de tratamento entre essas empresas e as outras empresas referidas no presente parágrafo que se encontrem em situação idêntica.

[…]»

 Legislação nacional

5        A Lei relativa à adjudicação de contratos públicos, do Land da Baixa Saxónia (Niedersächsische Landesvergabegesetz, a seguir «lei do Land»), contém regras sobre a adjudicação de contratos públicos que tenham um valor mínimo de 10 000 euros. O preâmbulo desta lei enuncia:

«A presente lei combate as distorções de concorrência que surgem no sector da construção civil e do transporte público local de passageiros devido à utilização de mão‑de‑obra barata e reduz os encargos que daí resultam para os sistemas de segurança social. Para este fim, dispõe que as entidades adjudicantes só podem adjudicar contratos de obras públicas e no âmbito do transporte público local de passageiros a empresas que paguem os salários fixados em convenções colectivas aplicáveis no lugar da execução da prestação.

[…]»

6        O § 3, n.° 1, da lei do Land, sob a epígrafe «Declaração relativa à observância das convenções colectivas», determina:

«Os contratos de empreitada de obras só podem ser adjudicados a empresas que, no momento da apresentação das propostas, se obriguem por escrito a pagar aos seus trabalhadores e trabalhadoras, pelo menos, a remuneração fixada nas convenções colectivas aplicáveis no lugar onde a prestação de serviços é executada, na data prevista nessas convenções. Obras na acepção da primeira frase são serviços de construção principal e de construção acessória. A primeira frase aplica‑se também à adjudicação de serviços de transporte público local de passageiros.»

7        O § 4, n.° 1, da referida lei, intitulado «Contratação de subempreiteiros», dispõe:

«O adjudicatário só pode subcontratar prestações para as quais a sua empresa esteja equipada após a entidade adjudicante ter dado, por escrito, o seu consentimento para cada caso concreto. Os proponentes devem indicar, desde logo ao apresentarem a sua proposta, quais as prestações que tencionam subcontratar. Quando as prestações são subcontratadas, o adjudicatário deve igualmente obrigar‑se a impor aos subempreiteiros as obrigações que incumbem ao primeiro por força dos §§ 3, 4 e 7, n.° 2, e a fiscalizar o cumprimento dessas obrigações pelos subempreiteiros.»

8        O § 6 da mesma lei, sob a epígrafe «Documentos necessários», prevê:

«(1)      A proposta deve ser excluída se o proponente não apresentar os seguintes documentos:

[...]

3.      Uma declaração relativa à observância das convenções colectivas, nos termos do § 3.

[...]

(2)      Se a execução de uma parte do contrato for confiada a um subempreiteiro, no momento da adjudicação do contrato deve ser apresentada também a documentação, exigida no n.° 1, relativa ao subempreiteiro.»

9        O § 8 da lei do Land, intitulado «Sanções», dispõe:

«(1)      Para garantir o cumprimento das obrigações previstas nos §§ 3, 4 e 7, n.° 2, as entidades adjudicantes devem estipular com o adjudicatário uma cláusula penal no montante de 1% por cada incumprimento culposo e, em caso de incumprimentos múltiplos, num montante que se pode elevar a 10% do valor do contrato. O adjudicatário deve ser obrigado a pagar o montante da cláusula penal prevista na primeira frase também no caso de o incumprimento ser imputável a um dos seus subempreiteiros ou a um subempreiteiro deste último, a menos que o adjudicatário desconhecesse ou não devesse conhecer tal incumprimento. Se o montante a pagar por força da cláusula penal for desproporcionadamente elevado, a entidade adjudicante pode, a pedido do adjudicatário, reduzi‑la a um montante adequado.

(2)      As entidades adjudicantes estipulam com o adjudicatário que o incumprimento das obrigações previstas no § 3, por parte do adjudicatário ou dos seus subempreiteiros, bem como a violação repetida ou com negligência grosseira das obrigações previstas nos §§ 4 e 7, n.° 2, permitem à entidade adjudicante proceder, sem pré‑aviso, à rescisão do contrato.

(3)      Se for provado que uma empresa violou, pelo menos repetidamente ou por negligência grosseira, as obrigações estabelecidas pela presente lei, as entidades adjudicantes podem excluir essa empresa, no seu domínio de competência respectivo, da adjudicação de contratos públicos por um período máximo de um ano.

[…]»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

10      Resulta do despacho de reenvio que, no Outono de 2003, o Land Niedersachsen, após concurso público, adjudicou à Objekt und Bauregie um contrato relativo à construção dos toscos do estabelecimento prisional de Göttingen Rosdorf. O valor do contrato ascendia a 8 493 331 euros, acrescidos de IVA. O contrato incluía a obrigação de respeitar convenções colectivas e, em especial, a obrigação de pagar aos operários a trabalhar na obra pelo menos o salário em vigor no lugar onde a prestação de serviços é executada, em aplicação da convenção colectiva designada na lista de convenções colectivas, sob o n.° 1, «Construção civil» (a seguir «convenção colectiva ‘Construção civil’»).

11      A Objekt und Bauregie recorreu aos serviços, na qualidade de subempreiteira, de uma empresa estabelecida na Polónia. No Verão de 2004, suspeitou‑se que esta empresa empregou na obra trabalhadores a um salário inferior ao previsto na convenção colectiva «Construção civil». Após o início das investigações, tanto a Objekt und Bauregie como o Land Niedersachsen rescindiram o contrato de empreitada que celebraram entre si. Este último baseou a rescisão do contrato no facto, designadamente, de que a Objekt und Bauregie tinha violado a obrigação contratual de respeitar a referida convenção colectiva. Foi proferida uma decisão condenatória contra o principal responsável da empresa estabelecida na Polónia acusando‑o de ter pago aos 53 operários a trabalhar na obra apenas 46,57% do salário mínimo previsto.

12      Em primeira instância, o Landgericht Hannover declarou que o crédito da Objekt und Bauregie resultante do contrato de empreitada se extinguiu por compensação com a cláusula penal no montante de 84 934,31 euros (ou seja, 1% do valor do contrato), a favor do Land Niedersachsen. Quanto ao resto, julgou a acção improcedente.

13      Chamado a conhecer do litígio, em recurso, o órgão jurisdicional de reenvio considera que a solução deste depende da questão de saber se é obrigado a não aplicar a lei do Land, designadamente o seu § 8, n.° 1, pelo facto de este não ser compatível com a livre prestação de serviços consagrada no artigo 49.° CE.

14      A este respeito, o referido órgão jurisdicional observa que a obrigação de respeitar as convenções colectivas impõe às empresas de construção de outros Estados‑Membros a adaptação dos salários pagos aos seus trabalhadores ao nível de remuneração, geralmente mais elevado, aplicável no lugar de execução do contrato na Alemanha. Esta exigência faz com que estas empresas percam a vantagem concorrencial decorrente dos seus custos salariais mais baixos. A obrigação de respeitar as convenções colectivas representa, portanto, um obstáculo para as pessoas singulares ou colectivas provenientes de Estados‑Membros diferentes da República Federal da Alemanha.

15      Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à questão de saber se a obrigação de respeitar as convenções colectivas se justifica por razões imperiosas de interesse geral. Mais concretamente, se esta obrigação ultrapassa o necessário à protecção dos trabalhadores. O necessário à protecção dos trabalhadores é delimitado pelo salário mínimo obrigatório que resulta da aplicação, na Alemanha, da Lei relativa ao destacamento dos trabalhadores (Arbeitnehmer‑Entsendegesetz), de 26 de Fevereiro de 1996 (BGBl. 1996 I, p. 227, a seguir «AEntG»). Para os trabalhadores estrangeiros, a obrigação de respeitar as convenções colectivas não permite atingir uma igualdade efectiva entre estes e os trabalhadores alemães, mas impede que os trabalhadores provenientes de outro Estado‑Membro diferente da República Federal da Alemanha sejam contratados no território desta última, uma vez que o respectivo empregador não pode fazer valer a sua vantagem concorrencial decorrente dos custos.

16      Por considerar que a resolução do litígio de que é chamado a conhecer requer a interpretação do artigo 49.° CE, o Oberlandesgericht Celle decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«A obrigação legal de uma entidade adjudicante só adjudicar contratos de empreitada de obras a empresas que, no momento da apresentação das propostas, se obriguem por escrito a realizar as prestações em causa pagando aos seus trabalhadores, pelo menos, a remuneração prevista na convenção colectiva aplicável no lugar de execução das referidas prestações constitui uma restrição injustificada à livre prestação de serviços, tal como está consagrada no Tratado CE?»

 Quanto à questão prejudicial

17      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se, numa situação como a que está em causa no processo principal, o artigo 49.° CE se opõe a uma medida de carácter legislativo, adoptada por uma autoridade de um Estado‑Membro, que obriga a entidade adjudicante a só adjudicar contratos de empreitada de obras públicas a empresas que, no momento da apresentação das propostas, se obriguem por escrito a pagar aos seus trabalhadores, em contrapartida da execução das prestações em causa, pelo menos, a remuneração prevista na convenção colectiva aplicável no lugar de execução das referidas prestações.

18      Como sugerem vários governos que apresentaram observações ao Tribunal de Justiça, bem como a Comissão das Comunidades Europeias, importa, a fim de dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio, ter em consideração as disposições da Directiva 96/71 no âmbito da análise da questão prejudicial (v., neste sentido, acórdãos de 12 de Outubro de 2004, Wolff & Müller, C‑60/03, Colect., p. I‑9553, n.° 27, e de 29 de Janeiro de 2008, Promusicae, C‑275/06, ainda não publicado na Colectânea, n.° 42).

19      Com efeito, como resulta do seu artigo 1.°, n.° 3, alínea a), esta directiva aplica‑se, nomeadamente, a uma situação na qual uma empresa estabelecida num Estado‑Membro destaca, no âmbito de uma prestação transnacional de serviços, trabalhadores para o território de outro Estado‑Membro, por sua conta e sob a sua direcção, no âmbito de um contrato celebrado entre a empresa destacadora e o destinatário da prestação de serviços activo neste último Estado‑Membro, desde que durante o período de destacamento exista uma relação de trabalho entre esta empresa e o trabalhador. Ora, esta situação parece efectivamente ocorrer no processo principal.

20      Por outro lado, como afirmou o advogado‑geral no n.° 64 das suas conclusões, o simples facto de o objectivo da legislação de um Estado‑Membro, como a lei do Land, não ser regular o destacamento de trabalhadores não pode determinar que uma situação como a do processo principal não seja abrangida pelo âmbito de aplicação da Directiva 96/71.

21      Nos termos do artigo 3.°, n.° 1, primeiro parágrafo, primeiro e segundo travessões, da Directiva 96/71, devem ser garantidas aos trabalhadores destacados, no que respeita a prestações transnacionais de serviços no domínio da construção, as condições de trabalho e de emprego relativas às matérias referidas nas alíneas a) a g) desta disposição, entre as quais figuram, na alínea c), as remunerações salariais mínimas. Estas condições de trabalho e de emprego são fixadas por disposições legislativas, regulamentares ou administrativas e/ou por convenções colectivas ou decisões arbitrais declaradas de aplicação geral. Segundo o n.° 8, primeiro parágrafo, do mesmo artigo, as convenções colectivas e as decisões arbitrais na acepção dessa disposição são as que devem ser cumpridas por todas as empresas pertencentes ao sector ou à profissão em causa e abrangidas pelo âmbito de aplicação territorial destas.

22      O artigo 3.°, n.° 8, segundo parágrafo, da Directiva 96/71 oferece, além disso, a possibilidade aos Estados‑Membros, na falta de um sistema de declaração de aplicação geral de convenções colectivas ou de decisões arbitrais, de tomar por base as convenções colectivas ou decisões que produzam um efeito geral sobre todas as empresas semelhantes pertencentes ao sector em causa ou as convenções colectivas celebradas pelas organizações de parceiros sociais mais representativas no plano nacional e que são aplicadas em todo o território nacional.

23      Importa examinar se a remuneração salarial imposta por uma medida como a que está em causa no processo principal, que consiste numa disposição legislativa adoptada pelo Land Niedersachsen em matéria de contratos públicos e que se destina a tornar obrigatória, designadamente para uma empresa como a empresa subempreiteira da Objekt und Bauregie, uma convenção colectiva que prevê a remuneração salarial em questão, foi fixada segundo um dos modos descritos nos n.os 21 e 22 do presente acórdão.

24      Em primeiro lugar, uma disposição legislativa, como a lei do Land, na medida em que ela própria não fixou uma remuneração salarial mínima, não pode ser considerada uma disposição legislativa, na acepção do artigo 3.°, n.° 1, primeiro parágrafo, primeiro travessão, da Directiva 96/71, que fixa uma remuneração salarial mínima, conforme previsto neste mesmo parágrafo, alínea c).

25      Em segundo lugar, quanto à questão de saber se uma convenção colectiva como a que está em causa no processo principal constitui uma convenção colectiva declarada de aplicação geral, na acepção do artigo 3.°, n.° 1, primeiro parágrafo, segundo travessão, da Directiva 96/71, em conjugação com o n.° 8, primeiro parágrafo, do mesmo artigo, resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que a AEntG, que tem por objecto transpor a Directiva 96/71, torna a aplicação das disposições relativas aos salários mínimos das convenções colectivas que são declaradas de aplicação geral na Alemanha extensiva aos empregadores estabelecidos noutro Estado‑Membro que destaquem para a Alemanha os seus trabalhadores assalariados.

26      Ora, em resposta a uma questão escrita apresentada pelo Tribunal de Justiça, o Land Niedersachsen confirmou que a convenção colectiva «Construção civil» não é uma convenção colectiva declarada de aplicação geral, na acepção da AEntG. Por outro lado, os autos submetidos ao Tribunal de Justiça não contêm qualquer indício que permita concluir que esta convenção é, contudo, susceptível de ser declarada de aplicação geral, na acepção do artigo 3.°, n.° 1, primeiro parágrafo, segundo travessão, da Directiva 96/71, em conjugação com o n.° 8, primeiro parágrafo, do mesmo artigo.

27      Em terceiro lugar, quanto ao artigo 3.°, n.° 8, segundo parágrafo, da Directiva 96/71, resulta da própria redacção desta disposição que a mesma apenas é aplicável na falta de um sistema de declaração de aplicação geral de convenções colectivas, o que não é o caso na República Federal da Alemanha.

28      Por outro lado, uma convenção colectiva como a que está em causa no processo principal não pode, de modo nenhum, ser considerada uma convenção colectiva na acepção da referida disposição e, mais concretamente, como uma convenção colectiva, mencionada no primeiro travessão desta mesma disposição, que produza «um efeito geral sobre todas as empresas semelhantes pertencentes ao sector ou à profissão em causa e que sejam abrangidas pelo âmbito de aplicação territorial [desta]».

29      Com efeito, num contexto como o do litígio no processo principal, o efeito vinculativo de uma convenção colectiva como a que está em causa no processo principal apenas é extensivo a uma parte do sector da construção abrangido pelo âmbito de aplicação territorial desta, uma vez que, por um lado, a legislação que lhe concede esse efeito se aplica unicamente aos contratos públicos, com exclusão dos contratos privados, e que, por outro, a referida convenção colectiva não foi declarada de aplicação geral.

30      Resulta do que precede que uma medida como a que está em causa no processo principal não fixa uma remuneração salarial segundo um dos modos previstos no artigo 3.°, n.° 1, primeiro parágrafo, primeiro e segundo travessões, e n.° 8, segundo parágrafo, da Directiva 96/71.

31      Por conseguinte, esta remuneração salarial não pode ser considerada uma remuneração salarial mínima, na acepção do artigo 3.°, n.° 1, primeiro parágrafo, alínea c), desta directiva, que os Estados‑Membros possam, com base na mesma, impor às empresas estabelecidas noutros Estados‑Membros, no âmbito de uma prestação de serviços transnacional (v., neste sentido, acórdão de 18 de Dezembro de 2007, Laval un Partneri, C‑341/05, ainda não publicado na Colectânea, n.os 70 e 71).

32      Do mesmo modo, esta remuneração salarial não poderia ser considerada uma condição de emprego e trabalho mais favorável aos trabalhadores, na acepção do artigo 3.°, n.° 7, da Directiva 96/71.

33      Mais concretamente, a referida disposição não pode ser interpretada no sentido de que permite ao Estado‑Membro de acolhimento fazer depender a realização de uma prestação de serviços no seu território do respeito de condições de trabalho e de emprego que vão além das regras imperativas de protecção mínima. Com efeito, quanto às matérias referidas no seu artigo 3.°, n.° 1, primeiro parágrafo, alíneas a) a g), a Directiva 96/71 prevê expressamente o grau de protecção cujo respeito o Estado‑Membro de acolhimento tem o direito de exigir às empresas estabelecidas noutros Estados‑Membros a favor dos seus trabalhadores destacados para o seu território. Além disso, tal interpretação equivaleria a privar de efeito útil a referida directiva (acórdão Laval un Partneri, já referido, n.° 80).

34      Por conseguinte, sem prejuízo da faculdade de as empresas estabelecidas noutros Estados‑Membros aderirem voluntariamente, no Estado‑Membro de acolhimento, designadamente no âmbito de um compromisso assumido para com o seu próprio pessoal destacado, a uma convenção colectiva de trabalho eventualmente mais favorável, o nível de protecção que deve ser garantido aos trabalhadores destacados no território do Estado‑Membro de acolhimento está limitado, em princípio, ao previsto no artigo 3.°, n.° 1, primeiro parágrafo, alíneas a) a g), da Directiva 96/71, a menos que estes trabalhadores já beneficiem, por aplicação da lei ou de convenções colectivas no Estado‑Membro de origem, de condições de trabalho e de emprego mais favoráveis quanto às matérias referidas nessa disposição (acórdão Laval un Partneri, já referido, n.° 81). No entanto, esse não parece ser o caso do processo principal.

35      Resulta das considerações precedentes que um Estado‑Membro não tem o direito de impor, ao abrigo da Directiva 96/71, às empresas estabelecidas noutros Estados‑Membros, através de uma medida como a que está em causa no processo principal, uma remuneração salarial como a prevista pela convenção colectiva «Construção civil».

36      Esta interpretação da Directiva 96/71 é confirmada pela sua leitura à luz do artigo 49.° CE, dado que esta directiva tem por objectivo, designadamente, realizar a livre prestação de serviços, que é uma das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado.

37      Como declarou o advogado‑geral no n.° 103 das suas conclusões, ao obrigar os adjudicatários de contratos de empreitada de obras públicas e, de forma indirecta, os seus subempreiteiros a aplicar a remuneração mínima conforme prevista na convenção colectiva «Construção civil», uma legislação como a lei do Land pode impor aos prestadores de serviços estabelecidos noutro Estado‑Membro, onde as remunerações salariais mínimas são mais baixas, um encargo económico suplementar que é susceptível de impedir, perturbar ou tornar menos atractiva a execução das suas prestações no Estado‑Membro de acolhimento. Por conseguinte, uma medida como a que está em causa no processo principal é susceptível de constituir uma restrição na acepção do artigo 49.° CE.

38      Por outro lado, contrariamente ao que afirmam o Land Niedersachsen e vários governos que apresentaram observações ao Tribunal de Justiça, não se pode considerar que esta medida seja justificada pelo objectivo da protecção dos trabalhadores.

39      Efectivamente, como se declarou no n.° 29 do presente acórdão, quanto à remuneração salarial fixada por uma convenção colectiva como a que está em causa no processo principal, essa remuneração apenas se aplica, por efeito de uma legislação como a lei do Land, a uma parte do sector da construção, uma vez que, por um lado, essa legislação se aplica unicamente aos contratos públicos, com exclusão dos contratos privados, e que, por outro, a referida convenção colectiva não foi declarada de aplicação geral.

40      Ora, os autos submetidos ao Tribunal de Justiça não contêm qualquer indício que permita concluir que a protecção resultante dessa remuneração salarial, que, de resto, como assinala igualmente o órgão jurisdicional de reenvio, excede a remuneração salarial mínima aplicável por força da AEntG, só é necessária a um trabalhador activo no sector da construção quando este exerce as suas actividades no âmbito de um contrato de empreitada de obras públicas e não quando trabalha ao abrigo de um contrato privado.

41      Pelos mesmos motivos que os enunciados nos n.os 39 e 40 do presente acórdão, também não se pode considerar que a referida restrição possa ser justificada pelo objectivo de garantir a protecção da organização autónoma da vida profissional pelos sindicatos, a que Governo alemão faz referência.

42      Por último, quanto ao objectivo da estabilidade financeira dos regimes da segurança social, igualmente invocado pelo Governo alemão ao alegar que a eficácia do regime de segurança social depende do nível dos salários dos trabalhadores, não resulta dos autos apresentados ao Tribunal de Justiça que uma medida como a que está em causa no processo principal é necessária para atingir o objectivo, em relação ao qual o Tribunal de Justiça reconheceu não poder excluir‑se que possa constituir uma razão imperiosa de interesse geral, de evitar um risco grave para o equilíbrio financeiro do sistema de segurança social (v., designadamente, acórdão de 16 de Maio de 2006, Watts, C‑372/04, Colect., p. I‑4325, n.° 103 e jurisprudência referida).

43      Atendendo a todas as considerações precedentes, há que responder à questão submetida que a Directiva 96/71, interpretada à luz do artigo 49.° CE, opõe‑se, numa situação como a que está em causa no processo principal, a uma medida de carácter legislativo, adoptada por uma autoridade de um Estado‑Membro, que obriga a entidade adjudicante a só adjudicar contratos de empreitada de obras públicas a empresas que, no momento da apresentação das propostas, se obriguem por escrito a pagar aos seus trabalhadores, em contrapartida da execução das prestações em causa, pelo menos, a remuneração prevista na convenção colectiva aplicável no lugar de execução destas.

 Quanto às despesas

44      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

A Directiva 96/71/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Dezembro de 1996, relativa ao destacamento de trabalhadores no âmbito de uma prestação de serviços, interpretada à luz do artigo 49.° CE, opõe‑se, numa situação como a que está em causa no processo principal, a uma medida de carácter legislativo, adoptada por uma autoridade de um Estado‑Membro, que obriga a entidade adjudicante a só adjudicar contratos de empreitada de obras públicas a empresas que, no momento da apresentação das propostas, se obriguem por escrito a pagar aos seus trabalhadores, em contrapartida da execução das prestações em causa, pelo menos, a remuneração prevista na convenção colectiva aplicável no lugar de execução destas.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.