Language of document : ECLI:EU:C:2004:584

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

5 de Outubro de 2004 (*)

«Política social – Protecção da saúde e da segurança dos trabalhadores – Directiva 93/104/CE – Âmbito de aplicação – Socorristas que acompanham ambulâncias no âmbito de um serviço de emergência médica organizado pela Deutsches Rotes Kreuz – Alcance do conceito de ‘transportes rodoviários’ – Duração máxima do trabalho semanal – Princípio – Efeito directo – Derrogação – Condições»

Nos processos apensos C‑397/01 a C‑403/01,

que têm por objecto pedidos de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.º CE, submetidos pelo Arbeitsgericht Lörrach (Alemanha), por decisões de 26 de Setembro de 2001, entrados no Tribunal de Justiça em 12 de Outubro de 2001, nos processos

Bernhard Pfeiffer (C-397/01),

Wilhelm Roith (C-398/01),

Albert Süß (C-399/01),

Michael Winter (C-400/01),

Klaus Nestvogel (C-401/01),

Roswitha Zeller (C-402/01),

Matthias Döbele (C-403/01)

contra

Deutsches Rotes Kreuz, Kreisverband Waldshut eV,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, P. Jann, C. W. A. Timmermans, C. Gulmann, J.‑P. Puissochet e J. N. Cunha Rodrigues, presidentes de secção, R. Schintgen (relator), F. Macken, N. Colneric, S. von Bahr e K. Lenaerts, juízes,

advogado‑geral: D. Ruiz‑Jarabo Colomer,

secretário: H. von Holstein, secretário adjunto,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–       em representação de B. Pfeiffer, W. Roith, A. Süß, M. Winter e K. Nestvogel, e ainda de R. Zeller e M. Döbele, por B. Spengler, Rechtsanwalt,

–       em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por J. Sack e H. Kreppel, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral apresentadas na audiência de 6 de Maio de 2003,

visto o despacho de reabertura do processo de 13 de Janeiro de 2004,

vistos os autos e após a audiência de 9 de Março de 2004,

vistas as observações apresentadas:

–       em representação de B. Pfeiffer, W. Roith e K. Nestvogel, e ainda de R. Zeller e M. Döbele, por B. Spengler,

–       em representação de A. Süß e M. Winter, por K. Lörcher, Gewerkschaftsekretär,

–       em representação do Governo alemão, por W.‑D. Plessing, na qualidade de agente,

–       em representação do Governo francês, por R. Abraham e G. de Bergues e ainda C. Bergeot‑Nunes, na qualidade de agentes,

–       em representação do Governo italiano, por I. M. Braguglia, na qualidade de agente, assistido por A. Cingolo, avvocato dello Stato,

–       em representação do Governo do Reino Unido, por C. Jackson, na qualidade de agente, assistida por A. Dashwood, barrister,

–       em representação da Comissão, por J. Sack e H. Kreppel,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral apresentadas na audiência de 27 de Abril de 2004,

profere o presente

Acórdão

1       Os pedidos de decisão prejudicial dizem respeito à interpretação do artigo 2.° da Directiva 89/391/CEE do Conselho, de 12 de Junho de 1989, relativa à aplicação de medidas destinadas a promover a melhoria da segurança e da saúde dos trabalhadores no trabalho (JO L 183, p. 1), e dos artigos 1.°, n.° 3, 6.° e 18.° da Directiva 93/104/CE do Conselho, de 23 de Novembro de 1993, relativa a determinados aspectos da organização do tempo de trabalho (JO L 307, p. 18).

2       Estes pedidos foram submetidos no âmbito dos litígios que opõem B. Pfeiffer, W. Roith, A. Süß, M. Winter e K. Nestvogel, bem como R. Zeller e M. Döbele, que exercem ou exerceram a actividade de assistente de emergência médica, à Deutsches Rotes Kreuz, Kreisverband Waldshut eV [Cruz Vermelha alemã, secção de Waldshut (a seguir «Deutsches Rotes Kreuz»)], organismo que emprega ou empregou os autores no processo principal, relativamente à legislação alemã que prevê um tempo de trabalho superior a 48 horas semanais.

 Enquadramento jurídico

 Regulamentação comunitária

3       As Directivas 89/391 e 93/104 foram adoptadas ao abrigo do artigo 118.°‑A do Tratado CE (os artigos 117.° a 120.° do Tratado CE foram substituídos pelos artigos 136.° CE a 143.° CE).

4       A Directiva 89/391 é a directiva‑quadro que estabelece os princípios gerais em matéria de segurança e de saúde dos trabalhadores. Estes princípios foram mais tarde desenvolvidos por uma série de directivas específicas, entre as quais se encontra a Directiva 93/104.

5       O artigo 2.° da Directiva 89/391 define o âmbito de aplicação da mesma nos seguintes termos:

«1.      A presente directiva aplica‑se a todos os sectores de actividade, privados ou públicos (actividades industriais, agrícolas, comerciais, administrativas, de serviços, educativas, culturais, de ocupação de tempos livres, etc.).

2.      A presente directiva não é aplicável sempre que se lhe oponham de forma vinculativa determinadas particularidades inerentes a certas actividades específicas da função pública, nomeadamente das forças armadas ou da polícia, ou a outras actividades específicas dos serviços de protecção civil.

Neste caso, há que zelar por que sejam asseguradas, na medida do possível, a segurança e a saúde dos trabalhadores, tendo em conta os objectivos da presente directiva.»

6       Nos termos do artigo 1.° da Directiva 93/104, sob a epígrafe «Objecto e âmbito de aplicação»:

«1.      A presente directiva estabelece prescrições mínimas de segurança e de saúde em matéria de organização do tempo de trabalho.

2.      A presente directiva aplica‑se:

a)      Aos períodos mínimos de descanso diário, semanal e anual, bem como aos períodos de pausa e à duração máxima do trabalho semanal;

e

b)      A certos aspectos do trabalho nocturno, do trabalho por turnos e do ritmo de trabalho.

3.      A presente directiva é aplicável a todos os sectores de actividade, privados ou públicos, na acepção do artigo 2.° da Directiva 89/391/CEE, sem prejuízo do disposto no artigo 17.° da presente directiva, com excepção dos transportes aéreos, ferroviários, rodoviários, marítimos, da navegação interna, da pesca marítima e de outras actividades no mar, bem como das actividades dos médicos em formação.

4.      O disposto na Directiva 89/391/CEE é integralmente aplicável às áreas referidas no n.° 2, sem prejuízo de disposições mais restritivas e/ou específicas contidas na presente directiva.»

7       Sob a epígrafe «Definições», o artigo 2.° da Directiva 93/104 dispõe:

«Para efeitos do disposto na presente directiva, entende‑se por:

1)      ‘Tempo de trabalho’: qualquer período durante o qual o trabalhador está a trabalhar ou se encontra à disposição da entidade patronal e no exercício da sua actividade ou das suas funções, de acordo com a legislação e/ou a prática nacional;

2)      ‘Período de descanso’: qualquer período que não seja tempo de trabalho;

[…]»

8       A secção II da referida directiva prevê as medidas que os Estados‑Membros estão obrigados a tomar para que todos os trabalhadores beneficiem, nomeadamente, de períodos mínimos de descanso diário e de descanso semanal e regulamenta a duração máxima do trabalho semanal.

9       No que respeita à duração máxima do trabalho semanal, o artigo 6.° da mesma directiva dispõe:

«Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para que, em função dos imperativos de protecção da segurança e da saúde dos trabalhadores:

[…]

2.      A duração média do trabalho em cada período de sete dias não exceda quarenta e oito horas, incluindo as horas extraordinárias, em cada período de sete dias.»

10     O artigo 15.° da Directiva 93/104 prevê:

«A presente directiva não impede os Estados‑Membros de aplicarem ou introduzirem disposições legislativas, regulamentares ou administrativas mais favoráveis à protecção da segurança e da saúde dos trabalhadores, ou de promoverem ou permitirem a aplicação de convenções colectivas ou acordos celebrados entre parceiros sociais mais favoráveis à protecção da segurança e da saúde dos trabalhadores.»

11     Nos termos do artigo 16.° da referida directiva:

«Os Estados‑Membros podem prever:

[…]

2.      Para efeitos de aplicação do artigo 6.° (duração máxima do trabalho semanal), um período de referência não superior a quatro meses.

[…]»

12     A mesma directiva enuncia uma série de derrogações a várias das suas normas de base, dadas as especificidades de determinadas actividades, mediante o cumprimento de determinadas condições. A esse respeito, o seu artigo 17.° dispõe:

«1.      Respeitando os princípios gerais de protecção da segurança e da saúde dos trabalhadores, os Estados‑Membros podem estabelecer derrogações aos artigos 3.°, 4.°, 5.°, 6.°, 8.° e 16.°, sempre que, em virtude das características especiais da actividade exercida, a duração do tempo de trabalho não seja medida e/ou predeterminada ou possa ser determinada pelos próprios trabalhadores e, nomeadamente, quando se trate:

a)      De quadros dirigentes ou de outras pessoas que tenham poder de decisão autónomo;

b)      De mão‑de‑obra de familiares

ou

c)      De trabalhadores do domínio litúrgico, das igrejas e das comunidades religiosas.

2.      Podem ser previstas derrogações por via legislativa, regulamentar ou administrativa, ou ainda por via de convenções colectivas ou de acordos celebrados entre parceiros sociais, desde que sejam concedidos aos trabalhadores em causa períodos equivalentes de descanso compensatório ou que, nos casos excepcionais em que não seja possível, por razões objectivas, a concessão de períodos equivalentes de descanso compensatório seja concedida aos trabalhadores em causa uma protecção adequada:

2.1.      Aos artigos 3.°, 4.°, 5.°, 8.° e 16.°:

[...]

c)      No caso de actividades caracterizadas pela necessidade de assegurar a continuidade do serviço ou da produção, nomeadamente quando se trate:

i)      De serviços ligados à recepção, tratamento e/ou cuidados dispensados em hospitais ou estabelecimentos semelhantes, instituições residenciais e prisões;

[…]

iii)      de serviços de imprensa, rádio, televisão, produção cinematográfica, correios ou telecomunicações, ambulância, sapadores‑bombeiros ou protecção civil,

[…]

3.      Pode‑se derrogar ao disposto nos artigos 3.°, 4.°, 5.°, 8.° e 16.° por meio de convenções colectivas ou de acordos celebrados entre parceiros sociais a nível nacional ou regional ou, nos termos das regras fixadas por estes parceiros sociais, através de convenções colectivas ou acordos celebrados entre parceiros sociais a um nível inferior.

[…]

As derrogações previstas no primeiro e segundo parágrafos só serão permitidas desde que sejam concedidos aos trabalhadores em causa períodos equivalentes de descanso compensatório ou que, nos casos excepcionais em que não seja possível, por razões objectivas, a concessão destes períodos de descanso compensatório, seja concedida aos trabalhadores em causa uma protecção adequada.

[…]

4.      A faculdade de aplicar derrogações ao ponto 2 do artigo 16.°, prevista nos pontos 2.1 e 2.2 do n.° 2 e no n.° 3 do presente artigo, não pode ter como efeito a fixação de um período de referência que ultrapasse seis meses.

Todavia, os Estados‑Membros têm a possibilidade, desde que respeitem os princípios gerais de protecção da segurança e da saúde dos trabalhadores, de permitir que, por razões objectivas, técnicas ou de organização do trabalho, as convenções colectivas ou acordos celebrados entre parceiros sociais fixem períodos de referência que não ultrapassem em caso algum doze meses.

[…]»

13     O artigo 18.° da Directiva 93/104 está redigido nos seguintes termos:

«1.      a)     Os Estados‑Membros porão em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à presente directiva, o mais tardar em 23 de Novembro de 1996, ou providenciarão, o mais tardar até essa data, para que os parceiros sociais apliquem as disposições necessárias, por via de acordo, devendo os Estados‑Membros tomar todas as medidas adequadas para, em qualquer momento, garantir os resultados impostos pela presente directiva.

b)      i)     Todavia, um Estado‑Membro tem a possibilidade de não aplicar o artigo 6.° respeitando embora os princípios gerais de protecção da segurança e da saúde dos trabalhadores e desde que tome as medidas necessárias para assegurar que:

–       nenhuma entidade patronal exija a um trabalhador que trabalhe mais de quarenta e oito horas durante um período de sete dias, calculado como média do período de referência mencionado no ponto 2 do artigo 16.°, a menos que tenha obtido o acordo do trabalhador para efectuar esse trabalho,

–       nenhum trabalhador possa ser prejudicado pelo facto de não estar disposto a aceder a efectuar esse trabalho,

–       a entidade patronal disponha de registos actualizados de todos os trabalhadores que efectuem esse trabalho,

–       os registos sejam postos à disposição das autoridades competentes, que podem proibir ou restringir, por razões de segurança e/ou de saúde dos trabalhadores, a possibilidade de ultrapassar o período máximo semanal de trabalho,

–       a entidade patronal, a pedido das autoridades competentes, forneça às mesmas informações sobre as anuências dos trabalhadores no sentido de efectuarem um trabalho que ultrapasse quarenta e oito horas durante um período de sete dias, calculado como média do período de referência mencionado no ponto 2 do artigo 16.°

[…]»

 Regulamentação nacional

14     O direito laboral alemão estabelece uma distinção entre os serviços de permanência efectiva («Arbeitsbereitschaft»), os serviços de urgência interna («Bereitschaftsdienst») e os serviços de chamada («Rufbereitschaft»).

15     Estes três conceitos não são definidos pela regulamentação nacional em causa, resultando as suas características da jurisprudência.

16     O serviço de permanência efectiva («Arbeitsbereitschaft») tem em vista a situação em que o trabalhador deve estar à disposição da entidade patronal no local de trabalho e é ainda obrigado a estar constantemente atento a fim de poder intervir imediatamente em caso de necessidade.

17     Durante o serviço de urgência interna («Bereitschaftsdienst»), o trabalhador é obrigado a estar presente num local determinado pela entidade patronal, no interior ou no exterior do seu estabelecimento, bem como a estar pronto a retomar o serviço a pedido da entidade patronal, mas é autorizado a descansar ou a ocupar‑se como entender enquanto os seus serviços profissionais não forem exigidos.

18     O serviço de chamada («Rufbereitschaft») caracteriza‑se pelo facto de o trabalhador não ter de estar à disposição num local determinado pela entidade patronal, bastando que esteja contactável a qualquer momento a fim de poder desempenhar rapidamente as suas tarefas profissionais a pedido desta.

19     No direito do trabalho alemão, só o serviço de permanência efectiva («Arbeitsbereitschaft») é considerado, regra geral, integralmente tempo de trabalho. Em contrapartida, tanto o serviço de urgência interna («Bereitschaftsdienst») como o serviço de chamada («Rufbereitschaft») são qualificados como tempo de descanso, excepto na parte do serviço durante a qual o trabalhador desempenhou efectivamente as suas tarefas profissionais.

20     A regulamentação alemã relativa à duração do trabalho e aos períodos de descanso está contida na Arbeitszeitgesetz (lei sobre a duração do trabalho) de 6 de Junho de 1994 (BGBl. 1994 I, p. 1170, a seguir «ArbZG»), aprovada com vista à transposição da Directiva 93/104.

21     O § 2, n.° 1, da ArbZG define o tempo de trabalho como o período compreendido entre o início e o fim do trabalho, com exclusão das pausas.

22     Nos termos do § 3 da ArbZG:

«O tempo de trabalho diário dos trabalhadores não pode exceder 8 horas. Só pode ser prolongado até 10 horas se não exceder em média as oito horas em cada período de seis meses ou de 24 semanas.»

23     O § 7 da ArbZG tem a seguinte redacção:

«(1)      Por meio de convenção colectiva ou de acordo de empresa baseado em convenção colectiva, pode‑se

1.      em derrogação do § 3,

a)      prolongar o tempo de trabalho para além de 10 horas por dia, mesmo sem compensação, quando o tempo de trabalho inclua períodos de permanência efectiva (Arbeitsbereitschaft) regularmente e numa proporção considerável,

b)      fixar outro período de compensação,

c)      prolongar o tempo de trabalho até 10 horas por dia, sem compensação, no máximo durante 60 dias por ano,

[...]»

24     O § 25 da ArbZG dispõe:

«Se, na data da entrada em vigor da presente lei, uma convenção colectiva existente ou que continue a produzir efeitos depois dessa data contiver regras de derrogação nos termos do § 7, n.os 1 ou 2 [...], que excedam os limites definidos nas referidas disposições, essas regras não são afectadas. Os acordos de empresa baseados em convenções colectivas são equiparados às convenções colectivas referidas na primeira frase [...]».

25     O Tarifvertrag über die Arbeitsbedingungen für Angestellte, Arbeiter und Auszubildende des Deutschen Roten Kreuzes (convenção colectiva relativa às condições de trabalho dos empregadores, trabalhadores e formandos da Cruz Vermelha alemã, a seguir «DRK‑TV») dispõe, nomeadamente, o seguinte:

«§ 14  Tempo normal de trabalho

(1)      O tempo normal de trabalho dura, em média, 39 horas por semana, excluindo as pausas (38 horas e meia em 1 de Abril de 1990). Regra geral, a média do tempo normal de trabalho semanal é calculada num período de 26 semanas.

No caso dos trabalhadores que desempenham as suas tarefas por turnos ou alternadamente pode ser fixado um período mais longo.

(2)      O tempo normal de trabalho pode ser prolongado

a)      até 10 horas por dia (49 horas semanais em média), se incluir regularmente uma permanência efectiva (Arbeitsbereitschaft) de, pelo menos, 2 horas por dia, em média,

b)      até 11 horas por dia (54 horas semanais em média), se incluir regularmente uma permanência efectiva (Arbeitsbereitschaft) de, pelo menos, 3 horas por dia, em média,

c)      até 12 horas por dia (60 horas semanais em média), se o trabalhador apenas tiver de estar presente no local de trabalho para efectuar o trabalho exigido em caso de necessidade.

[...]

(5)      O trabalhador, por instruções da entidade patronal, deve manter‑se, fora do tempo normal de trabalho, num local determinado indicado por esta, onde possa ser chamado a trabalhar de acordo com as necessidades [serviço de urgência interna [‘Bereitschaftsdienst’]). A entidade patronal só pode impor um serviço de urgência interna na medida em que seja de esperar um certo volume de trabalho, mas em que a experiência demonstre que o período de inactividade é superior.

[...]»

26     O § 14, n.° 2, do DRK‑TV é objecto de uma nota com a seguinte redacção:

«No âmbito de aplicação do anexo 2, relativo aos colaboradores dos serviços de emergência médica e transporte de doentes, deve‑se observar a nota relativa ao § 14, n.° 2, do [DRK‑TV].»

27     Este anexo 2 contém disposições especiais convencionais para o pessoal dos serviços de emergência médica e transporte de doentes. A disposição determinante dispõe que o tempo máximo de trabalho de 54 horas referido no § 14, n.° 2, alínea b), do DRK‑TV seja diminuído gradualmente. Por conseguinte, esse tempo máximo de trabalho foi reduzido de 54 para 49 horas, a partir de 1 de Janeiro de 1993.

 Litígios nos processos principais e questões principais

28     Sete litígios estão na origem dos presentes pedidos de decisão prejudicial.

29     Resulta dos processos à disposição do Tribunal que a Deutsches Rotes Kreuz administra, nomeadamente, o serviço de emergência médica terrestre numa parte do Landkreis de Waldshut. Mantém os postos de emergência médica de Waldshut (Alemanha), de Dettighofen (Alemanha) e de Bettmaringen (Alemanha), abertos 24 horas por dia, bem como o posto de Lauchringen (Alemanha), aberto 12 horas por dia. A assistência de emergência é prestada por meio de ambulâncias e veículos de intervenção médica de emergência. A equipagem das ambulâncias é composta por dois assistentes de emergência médica‑enfermeiros, ao passo que a dos veículos de intervenção médica de emergência é composta por um assistente de emergência médica e um médico de emergência. Em caso de chamada, estes veículos saem para prestar cuidados médicos ao paciente no local. Regra geral este é, em seguida, transportado para um hospital.

30     B. Pfeiffer e K. Nestvogel trabalharam, no passado, por conta da Deutsches Rotes Kreuz como assistentes de emergência médica, ao passo que os outros autores no processo principal ainda trabalhavam por conta desse organismo quando da propositura das suas acções no órgão jurisdicional de reenvio.

31     As partes nos processos principais estão em desacordo, no essencial, quanto à questão de saber se devem ser considerados, para efeitos de cálculo da duração máxima do trabalho semanal, os períodos de permanência efectiva que os trabalhadores em causa são ou foram obrigados a efectuar no âmbito da sua relação de trabalho com a Deutsches Rotes Kreuz.

32     As acções propostas por B. Pfeiffer e K. Nestvogel no Arbeitsgericht Lörrach têm por objecto uma acção de condenação no pagamento das horas extraordinárias prestadas para além das 48 horas semanais. Com efeito, estes últimos alegam que foram indevidamente levados a prestar trabalho durante mais de 48 horas semanais em média, entre Junho de 2000 e Março de 2001. Por conseguinte, pedem a esse órgão jurisdicional que condene a Deutsches Rotes Kreuz a pagar‑lhes os montantes brutos de 4 335,45 DEM (por 156,85 horas extraordinárias ao salário bruto de 29,91 DEM) e 1 841,88 DEM (por 66,35 horas extraordinárias ao salário bruto de 27,76 DEM), respectivamente, acrescidos de juros de mora.

33     Quanto às acções propostas pelos outros demandantes nos processos principais no referido órgão jurisdicional de reenvio, as mesmas têm por objecto a determinação da duração máxima do trabalho semanal que estão obrigadas a prestar à Deutsches Rotes Kreuz.

34     Em vários contratos individuais de trabalho, as partes no processo principal acordaram em aplicar o DRK‑TV.

35     O Arbeitsgericht Lörrach nota que, se se aplicarem as regras convencionais referidas, o tempo de trabalho semanal no serviço de emergência médica administrado pela Deutsches Rotes Kreuz era de 49 horas. Com efeito, o tempo de trabalho normal tinha sido prolongado por aplicação do § 14, n.° 2, alínea b), do DRK‑TV, tendo em conta a obrigação que incumbia aos interessados de efectuarem um serviço de permanência efectiva («Arbeitsbereitschaft») de, pelo menos, 3 horas por dia em média.

36     Os demandantes no processo principal entendem que as disposições invocadas pela Deutsches Rotes Kreuz para fixar a duração do trabalho em 49 horas semanais são ilegais. Os demandantes baseiam‑se, a este propósito, na Directiva 93/104 e no acórdão do Tribunal de Justiça de 3 de Outubro de 2000, Simap (C‑303/98, Colect., p. I‑7963). Segundo os demandantes, o § 14, n.° 2, alínea b), do DRK‑TV viola o direito comunitário na medida em que prevê um tempo de trabalho superior a 48 horas semanais. Além disso, as referidas regras convencionais não são justificadas face à norma derrogatória prevista no § 7, n.° 1, alínea a), da ArbZG. Com efeito, os demandantes alegam que, nesse ponto, a mesma lei não transpõe correctamente as disposições da Directiva 93/104. Por isso, consideram que a derrogação constante da ArbZG deve ser objecto de interpretação conforme ao direito comunitário e que, se assim não for, não é de todo aplicável.

37     Ao invés, a Deutsches Rotes Kreuz conclui pedindo que seja negado provimento aos recursos. Sustenta, em particular, que as suas regras relativas ao prolongamento do tempo de trabalho respeitam a legislação nacional e as convenções colectivas.

38     As partes recorreram ao Arbeitsgericht Lörrach, que se interroga, em primeiro lugar, sobre se a actividade dos demandantes no processo principal cai no âmbito de aplicação da Directiva 93/104.

39     Por um lado, o artigo 1.°, n.° 3, da Directiva 93/104, que remete, no que respeita ao âmbito de aplicação da mesma directiva, para o artigo 2.° da Directiva 89/391, exclui diversas áreas desse âmbito de aplicação, na medida em que se lhe oponham, de forma vinculativa, determinadas particularidades inerentes a certas actividades específicas. No entanto, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, das actividades em causa, só se devem considerar abrangidas pela referida exclusão aquelas que têm por fim garantir a segurança e a ordem públicas, são indispensáveis ao bem‑estar comum e, por natureza, não se prestam a ser planificadas. O órgão jurisdicional de reenvio refere, a título de exemplo, as grandes catástrofes. Ao invés, os serviços de emergência não devem ser excluídos do âmbito de aplicação destas duas directivas, mesmo que os assistentes de emergência médica tenham de estar prontos a intervir 24 horas por dia, visto que se mantém a possibilidade de planificar as funções e tempo de trabalho de cada um deles.

40     Por outro lado, há que determinar se o trabalho prestado no serviço de emergência terrestre deve ser considerado uma actividade incluída na área dos «transportes rodoviários», na acepção do artigo 1.°, n.° 3, da Directiva 93/104. Se se entender que este conceito abrange toda e qualquer actividade exercida num veículo que circula na via pública, o serviço de emergência assegurado por meio de ambulâncias e de veículos de intervenção médica de urgência estará incluído nessa área, dado que uma parte importante dessa actividade consiste na deslocação ao local onde se verificou uma situação de emergência e no transporte dos pacientes para o hospital. Porém, o serviço de emergência funciona normalmente numa área geográfica restrita, geralmente no interior de um Landkreis, pelo que as distâncias não são longas e os tempos de intervenção são limitados. O trabalho no âmbito de um serviço de emergência terrestre afasta‑se, assim, da actividade típica dos transportes rodoviários. No entanto, subsistem dúvidas a este respeito, devido ao acórdão de 24 de Setembro de 1998, Tögel (C‑76/97, Colect., p. I‑5357, n.° 40).

41     O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, de seguida, sobre se a não aplicação da duração máxima do trabalho semanal de 48 horas em média, prevista no artigo 18.°, n.° 1, alínea b), i), da Directiva 93/104, pressupõe uma aceitação expressa e inequívoca por parte do trabalhador em causa ou se basta que este consinta na aplicabilidade global de uma convenção colectiva, quando esta última preveja, nomeadamente, a possibilidade de se ultrapassar a duração máxima de 48 horas.

42     Por último, o Arbeitsgericht Lörrach interroga‑se quanto à questão de saber se o artigo 6.° da Directiva 93/104 é incondicional e suficientemente preciso para que uma pessoa possa invocá‑lo no órgão jurisdicional nacional, no caso de o Estado‑Membro não ter transposto correctamente essa directiva. Com efeito, no direito alemão, embora as normas enunciadas no § 14, n.° 2, alínea b), do DRK‑TV, aplicáveis aos contratos de trabalho celebrados pelas partes no processo principal, sejam uma das possibilidades oferecidas pelo legislador no § 7, n.° 1, alínea a), da ArbZG, esta última disposição permite à entidade patronal decidir prolongar o tempo de trabalho diário mesmo sem compensação, pelo que a limitação da duração média do trabalho a 48 horas semanais, resultante do § 3 da ArbZG e do artigo 6.°, ponto 2, da Directiva 93/104, fica em risco.

43     Considerando que, nestas condições, a resolução dos litígios que lhe foram submetidos dependia da interpretação do direito comunitário, o Arbeitsgericht Lörrach decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais, que estão redigidas de modo idêntico nos processos C‑397/01 a C‑403/01:

«1)      a)     A remissão do artigo 1.°, n.° 3, da Directiva 93/104 [...] para o artigo 2.°, n.° 2, da Directiva 89/391, nos termos do qual [essas] directivas não se aplicam na medida em que se lhes oponham de forma vinculativa determinadas particularidades inerentes a certas actividades específicas dos serviços de protecção civil, deve ser interpretada no sentido de que a actividade de assistente de emergência médica desenvolvida pelos demandantes é abrangida por esta exclusão?

b)      A noção de transporte rodoviário, constante do artigo 1.°, n.° 3, da Directiva 93/104, deve ser interpretada no sentido de apenas excluir do âmbito de aplicação da directiva as actividades de transporte em que, devido à natureza da actividade, são percorridas longas distâncias e, em consequência, devido à imprevisibilidade de eventuais obstáculos, não podem ser fixados tempos de trabalho, ou também se inclui na noção de transporte rodoviário, na acepção deste artigo, a actividade de emergência médica terrestre que abrange, pelo menos em parte, a condução de veículos de emergência médica e no acompanhamento do doente no decurso do transporte?

2)      Tendo em conta o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça no caso Simap (n.os 73 e 74), deve o artigo 18.°, n.° 1, alínea b), i), da Directiva 93/104 ser interpretado no sentido de que o prolongamento do tempo de trabalho semanal além das 48 deve ser expressamente abrangido pelo consentimento individual do trabalhador ou pode este consentimento também constar de uma cláusula do contrato de trabalho celebrado entre o trabalhador e a entidade patronal em que se estipule que as condições de trabalho são regidas por uma convenção colectiva de trabalho, a qual, por seu lado, permite que o tempo de trabalho semanal ultrapasse, em média, as 48 horas?

3)      O conteúdo do artigo 6.° da Directiva 93/104 é incondicional e suficientemente preciso para que, perante a ausência de transposição correcta da directiva para o direito nacional, uma pessoa possa invocar estas disposições nos tribunais nacionais?»

44     Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 7 de Novembro de 2001, os processos C‑397/01 a C‑403/01 foram apensados para efeitos da fase escrita, da fase oral e da decisão.

45     Por decisão de 14 de Janeiro de 2003, o Tribunal de Justiça suspendeu a instância nos referidos processos até à data da audiência de alegações no processo que deu origem ao acórdão de 9 de Setembro de 2003, Jaeger (C‑151/02, Colect., p. I‑8389), a qual teve lugar em 25 de Fevereiro de 2003.

46     Por despacho do Tribunal de Justiça de 13 de Janeiro de 2004, foi reaberta a fase oral nos processos C‑397/01 a C‑403/01.

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão, alínea a)

47     Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 2.° da Directiva 89/391 e o artigo 1.°, n.° 3, da Directiva 93/104 devem ser interpretados no sentido de que a actividade dos assistentes de emergência médica, exercida no âmbito de um serviço de emergência médica como o que está em causa no processo principal, está compreendida no âmbito de aplicação das referidas directivas.

48     Para responder a esta questão, importa recordar, antes de mais, que o artigo 1.°, n.° 3, da Directiva 93/104 define o âmbito de aplicação da mesma remetendo expressamente para o artigo 2.° da Directiva 89/391. Por conseguinte, antes de determinar se uma actividade como a dos assistentes de emergência médica que acompanham uma ambulância ou um veículo de intervenção médica de emergência no âmbito de um serviço de emergência médica organizado pela Deutsches Rotes Kreuz está compreendida no âmbito de aplicação da Directiva 93/104, há que verificar previamente se essa actividade entra no âmbito de aplicação da Directiva 89/391 (v. acórdão Simap, já referido, n.os 30 e 31).

49     Nos termos do seu artigo 2.°, n.° 1, a Directiva 89/391 aplica‑se a «todos os sectores de actividade, privados ou públicos», entre os quais se inclui, nomeadamente, o sector dos serviços, globalmente considerado.

50     No entanto, tal como resulta do n.° 2, primeiro parágrafo, do mesmo artigo, a referida directiva não é aplicável sempre que se lhe oponham de forma vinculativa determinadas particularidades inerentes a certas actividades específicas, nomeadamente aos serviços de protecção civil.

51     Não se pode deixar de observar, contudo, que a actividade dos assistentes de emergência médica que acompanham uma ambulância ou um veículo de intervenção médica de emergência no âmbito de um serviço de assistência a feridos ou doentes organizado por uma associação como a Deutsches Rotes Kreuz não é susceptível de ser abrangida pela exclusão referida no número anterior.

52     Com efeito, resulta tanto do objectivo da Directiva 89/391, ou seja, a promoção da melhoria da segurança e da saúde dos trabalhadores no trabalho, como da redacção do seu artigo 2.°, n.° 1, que o seu âmbito de aplicação deve ser concebido de forma ampla. Daqui resulta que as excepções ao mesmo, previstas no n.° 2, primeiro parágrafo, desse artigo, devem ser interpretadas de forma restritiva (v. acórdão Simap, já referido, n.os 34 e 35, e despacho de 3 de Julho de 2001, CIG, C‑241/99, Colect., p. I‑5139, n.° 29).

53     Além disso, o artigo 2.°, n.° 2, primeiro parágrafo, da Directiva 89/391 exclui do âmbito de aplicação desta última não os serviços de protecção civil enquanto tais, mas apenas «certas actividades específicas» destes serviços cujas particularidades são susceptíveis de se opor de forma vinculativa à aplicação das regras enunciadas pela referida directiva.

54     Portanto, esta excepção ao âmbito de aplicação da Directiva 89/391, definido de forma ampla, deve ser objecto de uma interpretação que limite o seu alcance ao estritamente necessário à salvaguarda dos interesses que permite aos Estados‑Membros proteger.

55     Neste aspecto, a exclusão constante do artigo 2.°, n.° 2, primeiro parágrafo, da Directiva 89/391 foi adoptada com o único propósito de garantir o bom funcionamento dos serviços indispensáveis à protecção da segurança, da saúde e da ordem públicas em circunstâncias de gravidade e amplitude excepcionais, por exemplo uma catástrofe, que se caracterizam por não se prestarem, por natureza, a uma planificação do tempo de trabalho das equipas de intervenção e socorro.

56     Porém, o serviço de protecção civil, no sentido estrito assim definido, visado pela referida disposição, distingue‑se com clareza das actividades de assistência médica a feridos ou doentes que estão em causa no processo principal.

57     Com efeito, mesmo que um serviço como o referido pelo órgão jurisdicional de reenvio tenha de fazer face a acontecimentos que, por definição, não são previsíveis, as actividades exercidas em condições normais, e que, de resto, correspondem precisamente à missão que incumbe a tal serviço, não são menos susceptíveis de ser organizadas antecipadamente, incluindo a parte relativa aos horários de trabalho do seu pessoal.

58     Esse serviço não apresenta, pois, qualquer particularidade que se oponha de forma vinculativa à aplicação das regras comunitárias em matéria da protecção da segurança e da saúde dos trabalhadores, pelo que não está abrangido pela exclusão enunciada no artigo 2.°, n.° 2, primeiro parágrafo, da Directiva 89/391, que, pelo contrário, é aplicável a este serviço.

59     Quanto à Directiva 93/104, resulta da própria redacção do artigo 1.°, n.° 3, que a mesma é aplicável a todos os sectores de actividade, privados ou públicos, referidos no artigo 2.° da Directiva 89/391, com excepção de determinadas actividades específicas taxativamente enumeradas.

60     Porém, nenhuma dessas actividades é relevante no que respeita a um serviço como o que está em causa no processo principal. Em particular, é manifesto que a actividade dos assistentes de emergência médica que, no âmbito de um serviço de emergência médica, acompanham os pacientes numa ambulância ou num veículo de intervenção médica de urgência não é susceptível de ser equiparada à dos médicos em formação, à qual a Directiva 93/104 não é aplicável, conforme dispõe o seu artigo 1.°, n.° 3.

61     Por conseguinte, uma actividade como a referida pelo órgão jurisdicional de reenvio está igualmente compreendida no âmbito de aplicação da Directiva 93/104.

62     Como observou acertadamente a Comissão, esta conclusão é corroborada pelo facto de o artigo 17.°, n.° 2, ponto 2.1., alínea c), iii), da Directiva 93/104 mencionar, de forma expressa, nomeadamente, os serviços de ambulância. Com efeito, essa menção não teria qualquer utilidade se a actividade em causa já estivesse totalmente excluída do âmbito de aplicação da Directiva 93/104, por força do seu artigo 1.°, n.° 3. Pelo contrário, a referida menção demonstra que o legislador comunitário consagrou o princípio da aplicabilidade dessa directiva às actividades daquela natureza, ainda que prevendo a faculdade de, em circunstâncias determinadas, derrogar determinadas disposições específicas da referida directiva.

63     Nestes termos, deve responder‑se à primeira questão, alínea a), que o artigo 2.° da Directiva 89/391 e o artigo 1.°, n.° 3, da Directiva 93/104 devem ser interpretados no sentido de que a actividade dos assistentes de emergência médica, exercida no âmbito de um serviço de emergência médica como o que está em causa no processo principal, está compreendida no âmbito de aplicação das referidas directivas.

 Quanto à primeira questão, alínea b)

64     Com a sua primeira questão, alínea b), o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o conceito de «transportes rodoviários», na acepção do artigo 1.°, n.° 3, da Directiva 93/104, deve ser interpretado no sentido de que abrange a actividade de um serviço de emergência médica, na medida em que este consiste, pelo menos parcialmente, na utilização de um veículo e no acompanhamento do paciente durante o trajecto para o hospital.

65     Recorde‑se, a este propósito, que, nos termos do artigo 1.°, n.° 3, da Directiva 93/104, esta última «é aplicável a todos os sectores de actividade [...] com excepção dos transportes aéreos, ferroviários, rodoviários, marítimos [e] da navegação interna [...]».

66     No acórdão de 4 de Outubro de 2001, Bowden e o. (C‑133/00, Colect., p. I‑7031), o Tribunal de Justiça decidiu que essa disposição deve ser interpretada no sentido de que todos os trabalhadores empregados no sector dos transportes rodoviários, incluindo o pessoal de escritório, estão excluídos do âmbito de aplicação da referida directiva.

67     Sendo excepções ao regime comunitário em matéria de organização do tempo de trabalho instituído pela Directiva 93/104, as exclusões ao seu âmbito de aplicação referidas no seu artigo 1.°, n.° 3, devem ser objecto de uma interpretação que limite o seu alcance ao estritamente necessário para salvaguardar os interesses que essas exclusões têm por objecto proteger (v., por analogia, acórdão Jaeger, já referido, n.° 89).

68     Ora, o sector dos transportes foi excluído do âmbito de aplicação da Directiva 93/104 por, nessa área, existir já regulamentação comunitária que estabelecia prescrições específicas, nomeadamente em matéria de organização do tempo de trabalho, devido à natureza específica da actividade em causa. Porém, essa regulamentação não é aplicável aos transportes efectuados em situação de urgência ou destinados a missões de emergência médica.

69     Além disso o acórdão Bowden e o., já referido, assenta no facto de a entidade patronal pertencer a um dos sectores de transportes expressamente enumerados no artigo 1.°, n.° 3, da Directiva 93/104 (v. n.os 39 a 41 do referido acórdão). Diversamente, não se pode entender que a actividade da Deutsches Rotes Kreuz se integra no sector dos transportes rodoviários quando a mesma assegura um serviço de emergência médica como o que está em causa no processo principal.

70     O facto de essa actividade consistir, em parte, na utilização de um veículo de urgência e em acompanhar o paciente durante o seu transporte para o hospital não é decisivo, pois a actividade em causa tem por objecto principal a administração dos primeiros cuidados médicos a uma pessoa doente ou ferida e não a realização de uma operação compreendida no sector dos transportes rodoviários.

71     Recorde‑se, por outro lado, que os serviços de ambulância são expressamente mencionados no artigo 17.°, n.° 2, ponto 2.1., alínea c), iii), da Directiva 93/104. Ora, essa menção, que se destina a permitir a eventual derrogação de determinadas disposições específicas da referida directiva, seria supérflua se esses serviços estivessem já totalmente excluídos do âmbito de aplicação desta última por força do seu artigo 1.°, n.° 3.

72     Nestes termos, o conceito de «transportes rodoviários», referido no artigo 1.°, n.° 3, da Directiva 93/104, não inclui um serviço de emergência médica como o que está em causa no processo principal.

73     Esta interpretação não é de modo algum infirmada pelo acórdão Tögel, já referido, a que o órgão jurisdicional de reenvio se refere, visto que esse acórdão tinha por objecto não a interpretação da Directiva 93/104, mas sim a da Directiva 92/50/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços (JO L 209, p. 1), cujo conteúdo e finalidade não têm qualquer relevância para efeitos da determinação do âmbito de aplicação da Directiva 93/104.

74     Por todo o exposto, deve responder‑se à primeira questão, alínea b), que o conceito de «transportes rodoviários», na acepção do artigo 1.°, n.° 3, da Directiva 93/104, deve ser interpretado no sentido de que não abrange a actividade de um serviço de emergência médica, ainda que este consista, pelo menos parcialmente, na utilização de um veículo e no acompanhamento do paciente durante o trajecto para o hospital.

 Quanto à segunda questão

75     Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 18.°, n.° 1, alínea b), i), primeiro travessão, da Directiva 93/104 deve ser interpretado no sentido de que exige a aceitação de cada trabalhador individual, prestada de forma livre e expressa, para que seja válido o prolongamento da duração máxima do trabalho semanal de 48 horas prevista no artigo 6.° da mesma directiva, ou de que basta, para esse efeito, que o contrato de trabalho do interessado remeta para uma convenção colectiva que permita esse prolongamento.

76     Para responder à questão assim reformulada, importa referir, por um lado, que resulta tanto do artigo 118.°‑A do Tratado, que constitui o fundamento jurídico da Directiva 93/104, como dos primeiro, quarto, sétimo e oitavo considerandos desta, bem como da própria redacção do seu artigo 1.°, n.° 1, que a mesma tem por objectivo assegurar uma melhor protecção da segurança e da saúde dos trabalhadores, permitindo‑lhes beneficiar de períodos mínimos de descanso – nomeadamente diários e semanais – e de períodos de pausa adequados e prevendo um limite máximo para a duração do trabalho semanal.

77     Por outro lado, no sistema instituído pela Directiva 93/104, só determinadas disposições, taxativamente enumeradas, são susceptíveis de ser objecto de derrogações previstas pelos Estados‑Membros ou pelos parceiros sociais. Além disso, a aplicação de tais derrogações está subordinada a condições estritas susceptíveis de assegurar uma protecção eficaz da segurança e da saúde dos trabalhadores.

78     Assim, o artigo 18.°, n.° 1, alínea b), i), da mesma directiva prevê que os Estados‑Membros têm a possibilidade de não aplicar o seu artigo 6.°, desde que respeitem os princípios gerais de protecção da segurança e da saúde dos trabalhadores e cumpram um determinado número de condições cumulativas enunciadas no primeiro destes dois artigos.

79     Em particular, o referido artigo 18.°, n.° 1, alínea b), i), primeiro travessão, exige que a duração do trabalho não exceda 48 horas durante um período de 7 dias, calculado como média do período de referência mencionado no artigo 16.°, ponto 2, da Directiva 93/104, podendo, no entanto, o trabalhador dar o seu acordo para prestar trabalho durante mais de 48 horas semanais.

80     A este respeito, o Tribunal já decidiu, no n.° 73 do acórdão Simap, já referido, que, como resulta claramente da sua própria redacção, o artigo 18.°, n.° 1, alínea b), i), primeiro travessão, da Directiva 93/104 exige o acordo individual do trabalhador.

81     O Tribunal concluiu daí, no n.° 74 do mesmo acórdão, que o consentimento dado pelos interlocutores sindicais no quadro de um acordo ou de uma convenção colectiva não equivale ao que é dado pelo próprio trabalhador, como prevê o artigo 18.°, n.° 1, alínea b), i), primeiro travessão, da Directiva 93/104.

82     Esta interpretação decorre do próprio objectivo da Directiva 93/104, que tem por escopo garantir uma protecção eficaz da segurança e da saúde dos trabalhadores, assegurando‑lhes, nomeadamente, o efectivo benefício de um limite à duração máxima do trabalho semanal e de períodos mínimos de descanso. Cada derrogação a estas prescrições mínimas deve, portanto, ser rodeada de todas as garantias necessárias para que, caso deva renunciar a um direito social que lhe foi directamente conferido pela directiva, o trabalhador o faça livremente e com pleno conhecimento de causa. Estas exigências são tanto mais importantes quanto é certo que o trabalhador deve ser considerado a parte fraca no contrato de trabalho, pelo que é necessário impedir que a entidade patronal possa contornar a vontade da outra parte ou impor‑lhe uma restrição dos seus direitos sem que esta última tenha manifestado expressamente o seu consentimento para esse efeito.

83     Ora, estas considerações são igualmente relevantes no que respeita ao caso referido na segunda questão.

84     Daqui se conclui que, para que seja válida a derrogação à duração máxima do trabalho semanal prevista no artigo 6.° da Directiva 93/104, que é de 48 horas, o consentimento do trabalhador deve ser prestado não só individualmente mas também de forma expressa e livre.

85     Estas condições não estão reunidas, pois o contrato de trabalho do interessado limita‑se a remeter para uma convenção colectiva que permite o prolongamento da duração máxima do trabalho semanal. Com efeito, não é de modo algum seguro que, quando celebrou esse contrato, o trabalhador em causa tivesse conhecimento da restrição aplicada aos direitos que a Directiva 93/104 lhe confere.

86     Por conseguinte, deve responder‑se à segunda questão que o artigo 18.°, n.° 1, alínea b), i), primeiro travessão, da Directiva 93/104 deve ser interpretado no sentido de que exige a aceitação de cada trabalhador individualmente, prestada de forma livre e expressa, para que seja válido o prolongamento da duração máxima do trabalho semanal de 48 horas prevista no artigo 6.° da mesma directiva. Para esse efeito, não basta que o contrato de trabalho do interessado remeta para uma convenção colectiva que permita esse prolongamento.

 Quanto à terceira questão

87     Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se, em caso de transposição incorrecta da Directiva 93/104, se pode entender que o seu artigo 6.°, ponto 2, tem efeito directo.

88     Ressalta tanto da redacção da questão como do contexto em que esta se insere que a mesma se desdobra em dois aspectos, o primeiro relativo à interpretação do artigo 6.°, ponto 2, da Directiva 93/104, para permitir ao órgão jurisdicional de reenvio pronunciar‑se sobre a compatibilidade das normas relevantes do direito nacional com as exigências do direito comunitário, ao passo que o segundo aspecto daquela diz respeito à questão de saber se, caso o Estado‑Membro tenha transposto incorrectamente a referida disposição para o direito interno, a mesma reúne as condições para que um particular a possa invocar nos órgãos jurisdicionais nacionais em circunstâncias como as dos processos principais.

89     Importa, por isso, examinar sucessivamente estes dois aspectos.

 Quanto ao alcance do artigo 6.°, ponto 2, da Directiva 93/104

90     A título preliminar, recorde‑se que o artigo 6.°, ponto 2, da Directiva 93/104 obriga os Estados‑Membros a tomar as medidas necessárias para que, em função dos imperativos de protecção da segurança e da saúde dos trabalhadores, a duração média do trabalho em cada período de sete dias não exceda quarenta e oito horas, incluindo as horas extraordinárias.

91     Resulta do artigo 118.°‑A do Tratado CE, que constitui a base jurídica da Directiva 93/104, dos primeiro, quarto, sétimo e oitavo considerandos desta, da Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais dos Trabalhadores, adoptada na reunião do Conselho Europeu realizada em Estrasburgo em 9 de Dezembro de 1989, cujos pontos 8 e 19, primeiro parágrafo, são recordados no quarto considerando da referida directiva, e ainda da redacção do artigo 1.°, n.° 1, desta última que a mesma tem por objecto adoptar prescrições mínimas destinadas a promover a melhoria das condições de vida e de trabalho dos trabalhadores através de uma aproximação das disposições nacionais relativas, nomeadamente, à duração do tempo de trabalho. Esta harmonização a nível comunitário em matéria de organização do tempo de trabalho tem por finalidade garantir uma melhor protecção da segurança e da saúde dos trabalhadores, permitindo‑lhes beneficiar de períodos mínimos de descanso – nomeadamente diário e semanal – e de períodos de pausa adequados (v. acórdão Jaeger, já referido, n.os 45 a 47).

92     Por conseguinte, a Directiva 93/104 impõe especificamente no seu artigo 6.°, ponto 2, um limite de 48 horas para a duração média da semana de trabalho, limite máximo que expressamente se declara incluir as horas extraordinárias.

93     Neste contexto, o Tribunal decidiu já que os serviços de urgência interna («Bereitschaftsdienst») efectuados por um trabalhador em regime de presença física no local determinado pela entidade patronal devem ser considerados integralmente períodos de trabalho, na acepção da Directiva 93/104, independentemente da circunstância de, durante esse serviço, o interessado não exercer uma actividade profissional contínua (v. acórdão Jaeger, já referido, n.os 71, 75 e 103).

94     Ora, o mesmo vale para os períodos de permanência efectiva («Arbeitsbereitschaft») assegurados por assistentes de emergência médica no âmbito de um serviço de emergência médica que contém necessariamente fases de inactividade mais ou menos longas entre as intervenções urgentes.

95     Esses períodos de permanência efectiva devem, por conseguinte, ser tomados integralmente em consideração na determinação da duração máxima do trabalho diário e semanal.

96     Além do mais, verifica‑se que, no sistema instituído pela Directiva 93/104, embora o seu artigo 15.° permita, de forma geral, a aplicação ou a introdução de disposições nacionais mais favoráveis à protecção da segurança e da saúde dos trabalhadores, só algumas das disposições dessa directiva referidas expressamente podem ser objecto de derrogação pelos Estados‑Membros ou pelos parceiros sociais (v. acórdão Jaeger, já referido, n.° 80).

97     Ora, por um lado, o artigo 6.° da Directiva 93/104 só é mencionado no seu artigo 17.°, n.° 1, quando é indiscutível que esta última disposição tem por objecto actividades que não têm qualquer afinidade com as exercidas por assistentes de emergência médica tais como os demandantes no processo principal. Ao invés, o n.° 2, ponto 2.1., alínea c), iii), do mesmo artigo refere‑se às «actividades caracterizadas pela necessidade de assegurar a continuidade do serviço», nas quais estão incluídos, nomeadamente, os «serviços de ambulância», mas essa disposição só prevê a possibilidade de derrogação dos artigos 3.°, 4.°, 5.°, 8.° e 16.° da referida directiva.

98     Por outro lado, o artigo 18.°, n.° 1, alínea b), i), da Directiva 93/104 prevê que os Estados‑Membros têm a faculdade de não aplicar o referido artigo 6.°, na medida em que respeitem os princípios gerais da protecção da segurança e da saúde dos trabalhadores e que preencham um determinado número de condições cumulativas enunciadas na primeira dessas duas disposições. Contudo, está assente que a República Federal da Alemanha não fez uso dessa possibilidade de derrogação (v. acórdão Jaeger, já referido, n.° 85).

99     Além disso, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que os Estados‑Membros não podem determinar unilateralmente o alcance das disposições da Directiva 93/104, subordinando a qualquer condição ou restrição a aplicação do direito dos trabalhadores a que a duração média do trabalho semanal não exceda as 48 horas, previsto no artigo 6.°, ponto 2, desta directiva (v., neste sentido, acórdão Jaeger, já referido, n.os 58 e 59). Qualquer outra interpretação desrespeitaria a sua finalidade, que é a de garantir uma protecção eficaz da segurança e da saúde dos trabalhadores, permitindo‑lhes beneficiar efectivamente de períodos mínimos de descanso (v. acórdão Jaeger, já referido, n.os 70 e 92).

100   Nestes termos, conclui‑se que, face quer à redacção do artigo 6.°, ponto 2, da Directiva 93/104 quer à sistemática e finalidade desta, o limite máximo de 48 horas para a duração média do trabalho por semana, incluindo as horas extraordinárias, constitui um princípio do direito social comunitário que reveste especial importância e de que deve beneficiar cada trabalhador como prescrição mínima necessária para assegurar a protecção da sua segurança e da sua saúde (v., por analogia, acórdão de 26 de Junho de 2001, BECTU, C‑173/99, Colect., p. I‑4881, n.os 43 e 47), pelo que se verifica não serem compatíveis com as exigências da referida disposição normas como as que estão em causa no processo principal, que permitem períodos de trabalho semanais que excedem as 48 horas, incluindo os serviço de permanência efectiva («Arbeitsbereitschaft»).

101   Por conseguinte, deve responder‑se à terceira questão, vista sob o primeiro aspecto, que o artigo 6.°, ponto 2, da Directiva 93/104 deve ser interpretado no sentido de que, em circunstâncias como as do processo principal, se opõe às normas de um Estado‑Membro que, relativamente aos períodos de permanência efectiva («Arbeitsbereitschaft») assegurados por assistentes de emergência médica no âmbito de um serviço de emergência médica de um organismo como a Deutsches Rotes Kreuz, têm o efeito de permitir, eventualmente mediante convenção colectiva ou acordo de empresa nela fundado, o prolongamento da duração máxima do trabalho semanal de 48 horas fixada por essa disposição.

 Quanto ao efeito directo do artigo 6.°, ponto 2, da Directiva 93/104 e às suas consequências nos processos principais

102   Uma vez que, em circunstâncias como as dos processos principais, as normas nacionais relevantes não estão em conformidade com as prescrições da Directiva 93/104 quanto à duração máxima do trabalho semanal, importa apreciar ainda a questão de saber se o artigo 6.°, ponto 2, da mesma reúne as condições para ter efeito directo.

103   A este respeito, resulta de jurisprudência assente que, em todos os casos em que, atento o seu conteúdo, disposições de uma directiva sejam incondicionais e suficientemente precisas, os particulares têm o direito de as invocar contra o Estado nos tribunais nacionais, quer quando este não fez a sua transposição para o direito nacional nos prazos previstos na directiva quer quando tenha feito uma transposição incorrecta (v., nomeadamente, acórdãos de 19 de Novembro de 1991, Francovich e o., C‑6/90 e C‑9/90, Colect., p. I‑5357, n.° 11, e de 11 de Julho de 2002, Marks & Spencer, C‑62/00, Colect., p. I‑6325, n.° 25).

104   Ora, o artigo 6.°, ponto 2, da Directiva 93/104 cumpre estes critérios, uma vez que impõe aos Estados‑Membros, em termos inequívocos, uma obrigação de resultado precisa, que não está subordinada a qualquer condição relativa à aplicação da regra nela contida e que consiste na previsão de um limiar de 48 horas, incluindo as horas extraordinárias, para a duração média do trabalho semanal.

105   Ainda que a Directiva 93/104 deixe aos Estados‑Membros uma certa margem de apreciação na adopção das modalidades de aplicação da mesma, no que respeita, nomeadamente, ao período de referência a fixar para efeitos de aplicação do seu artigo 6.°, e permita, além disso, a derrogação do disposto nesse artigo, estas circunstâncias não afectam o carácter preciso e incondicional do seu ponto 2. Com efeito, por um lado, resulta do teor do artigo 17.°, n.° 4, da referida directiva que o período de referência não pode em caso algum exceder doze meses e, por outro, que a faculdade de os Estados‑Membros não aplicarem o artigo 6.° está subordinada ao respeito de todas as condições enunciadas no artigo 18.°, n.° 1, alínea b), i), da referida directiva. É, pois, possível determinar a protecção mínima que deve ser sempre assegurada (v., neste sentido, acórdão Simap, já referido, n.os 68 e 69).

106   Em consequência, o artigo 6.°, ponto 2, da Directiva 93/104 reúne todas as condições exigidas para produzir efeito directo.

107   É necessário ainda determinar as consequências jurídicas que um órgão jurisdicional nacional deve extrair desta interpretação em circunstâncias como as dos processos principais, em que os litígios ocorrem entre particulares.

108   A este propósito, o Tribunal de Justiça tem decidido, em jurisprudência assente, que uma directiva não pode, por si só, criar obrigações para um particular e não pode, portanto, ser invocada, enquanto tal, contra ele (v., nomeadamente, acórdãos de 26 de Fevereiro de 1986, Marshall (152/84, Colect., p. 723, n.° 48; de 14 de Julho de 1994, Faccini Dori, C‑91/92, Colect., p. I‑3325, n.° 20, e de 7 de Janeiro de 2004, Wells, C‑201/02, Colect., p. I‑0000, n.° 56).

109   Daqui se conclui que mesmo uma disposição clara, precisa e incondicional de uma directiva que tem por objecto conferir direitos ou impor obrigações aos particulares não pode ter aplicação enquanto tal no âmbito de um litígio que envolva exclusivamente particulares.

110   Todavia, resulta de jurisprudência assente desde o acórdão de 10 de Abril de 1984, Von Colson e Kamann (14/83, Recueil, p. 1891, n.° 26), que a obrigação dos Estados‑Membros, decorrente de uma directiva, de atingir o resultado por ela prosseguido, bem como o seu dever, por força do artigo 10.° CE, de tomar todas as medidas gerais ou especiais adequadas a assegurar a execução dessa obrigação, impõem‑se a todas as autoridades dos Estados‑Membros, incluindo, no âmbito das suas competências, aos órgãos jurisdicionais (v., nomeadamente, acórdãos de 13 de Novembro de 1990, Marleasing, C‑106/89, Colect., p. I‑4135, n.° 8; Faccini Dori, já referido, n.° 26; de 18 de Dezembro de 1997, Inter‑Environnement Wallonie, C‑129/96, Colect., p. I‑7411, n.° 40, e de 25 de Fevereiro de 1999, Carbonari e o., C‑131/97, Colect., p. I‑1103, n.° 48).

111   Com efeito, cabe em particular aos órgãos jurisdicionais nacionais assegurar a protecção jurídica que aos particulares advém das disposições de direito comunitário e garantir a plena eficácia destas.

112   E isto é assim por maioria de razão sempre que seja submetido à apreciação do órgão jurisdicional nacional um litígio relativo à aplicação de disposições internas que, como no caso em apreço, foram especialmente introduzidas para transpor uma directiva que tem por objecto conferir direitos a particulares. Esse órgão jurisdicional deve presumir, tendo em conta o disposto no artigo 249.°, terceiro parágrafo, CE, que o Estado‑Membro, uma vez que utilizou a margem de apreciação de que beneficia por força dessa disposição, teve a intenção de cumprir plenamente as obrigações que decorrem da directiva em causa (v. acórdão de 16 de Dezembro de 1993, Wagner Miret, C‑334/92, Colect., p. I‑6911, n.° 20).

113   Assim, ao aplicar o direito interno, nomeadamente as disposições de um instrumento legislativo especificamente aprovado para dar cumprimento às exigências de uma directiva, o órgão jurisdicional nacional é obrigado a interpretar o direito nacional, na medida do possível, à luz do texto e da finalidade da directiva em causa, para atingir o resultado por ela prosseguido e cumprir assim o artigo 249.°, terceiro parágrafo, CE (v., neste sentido, os acórdãos, já referidos, Von Colson e Kamann, n.° 26; Marleasing, n.° 8, e Faccini Dori, n.° 26; v. igualmente acórdãos de 23 de Fevereiro de 1999, BMW, C‑63/97, Colect., p. I‑905, n.° 22; de 27 de Junho de 2000, Océano Grupo Editorial e Salvat Editores, C‑240/98 a C‑244/98, Colect., p. I‑4941, n.° 30, e de 23 de Outubro de 2003, Adidas‑Salomon e Adidas Benelux, C‑408/01, Colect., p. I‑0000, n.° 21).

114   A exigência de uma interpretação conforme do direito nacional é inerente ao sistema do Tratado, na medida em que permite ao órgão jurisdicional nacional assegurar, no âmbito das suas competências, a plena eficácia do direito comunitário quando decide do litígio que lhe é apresentado (v., neste sentido, acórdão de 15 de Maio de 2003, Mau, C‑160/01, Colect., p. I‑4791, n.° 34).

115   Embora o princípio da interpretação conforme do direito nacional, imposto desta forma pelo direito comunitário, diga respeito, em primeira linha, às disposições internas introduzidas para transpor a directiva em causa, o mesmo não se limita, contudo, à exegese dessas disposições, exigindo antes que o órgão jurisdicional nacional tome em consideração todo o direito nacional para apreciar em que medida este pode ser objecto de uma interpretação que não conduza a um resultado contrário ao pretendido pela directiva (v., neste sentido, acórdão Carbonari e o., já referido, n.os 49 e 50).

116   A este respeito, se o direito nacional, mediante a aplicação dos métodos de interpretação por si reconhecidos, permite, em determinadas circunstâncias, interpretar uma disposição da ordem jurídica interna de forma a evitar um conflito com outra norma de direito interno ou, para esse efeito, reduzir o seu alcance, aplicando‑a somente na medida em que seja compatível com a referida norma, o órgão jurisdicional nacional tem a obrigação de utilizar os mesmos métodos com vista a atingir o resultado pretendido pela directiva.

117   No caso em apreço, compete portanto ao órgão jurisdicional de reenvio, ao qual são submetidos litígios que, como os que estão em causa nos processos principais, estão compreendidos no âmbito de aplicação da Directiva 93/104 e têm a sua origem em factos posteriores ao termo do prazo de transposição desta última, quando aplica as disposições do direito nacional especialmente destinadas a transpor essa directiva, interpretá‑las de modo que possam ter uma aplicação em conformidade com os objectivos da directiva (v., neste sentido, acórdão de 13 de Julho de 2000, Centrosteel, C‑456/98, Colect., p. I‑6007, n.os 16 e 17).

118   No caso em apreço, o princípio da interpretação conforme exige, portanto, que, tomando em consideração todas as regras de direito nacional, o órgão jurisdicional de reenvio faça todos os possíveis, dentro das suas competências, para garantir a plena eficácia da Directiva 93/104, por forma a impedir o prolongamento da duração máxima do trabalho semanal fixada no artigo 6.°, ponto 2, desta última (v., neste sentido, acórdão Marleasing, já referido, n.os 7 e 13).

119   Por conseguinte, conclui‑se que, quando ao órgão jurisdicional nacional seja submetido um litígio que envolva exclusivamente particulares, o mesmo é obrigado, ao aplicar as disposições de direito interno adoptadas para transpor as obrigações previstas numa directiva, a tomar em consideração todo o direito nacional e a interpretá‑lo, na medida do possível, à luz do texto e da finalidade dessa directiva, para alcançar uma solução conforme ao objectivo por ela pretendido. Nos processos principais, o órgão jurisdicional de reenvio deve, portanto, fazer todos os possíveis, dentro das suas competências, para impedir o prolongamento da duração máxima do trabalho semanal, que está fixada em 48 horas por força do artigo 6.°, ponto 2, da Directiva 93/104.

120   Face ao que antecede, deve responder‑se à terceira questão que:

–       o artigo 6.°, ponto 2, da Directiva 93/104 deve ser interpretado no sentido de que, em circunstâncias como as do processo principal, se opõe às normas de um Estado‑Membro que, relativamente aos períodos de permanência efectiva («Arbeitsbereitschaft») assegurados por assistentes de emergência médica no âmbito de um serviço de emergência médica de um organismo como a Deutsches Rotes Kreuz, têm o efeito de permitir, eventualmente mediante convenção colectiva ou acordo de empresa nela fundado, o prolongamento da duração máxima do trabalho semanal de 48 horas fixada por essa disposição;

–       a referida disposição reúne todas as condições exigidas para produzir efeito directo;

–       quando ao órgão jurisdicional nacional seja submetido um litígio que envolva exclusivamente particulares, o mesmo é obrigado, ao aplicar as disposições de direito interno adoptadas para transpor as obrigações previstas numa directiva, a tomar em consideração todo o direito nacional e a interpretá‑lo, na medida do possível, à luz do texto e da finalidade dessa directiva, para alcançar uma solução conforme ao resultado por ela pretendido. Nos processos principais, o órgão jurisdicional de reenvio deve, portanto, fazer todos os possíveis, dentro das suas competências, para impedir o prolongamento da duração máxima do trabalho semanal, que está fixada em 48 horas por força do artigo 6.°, ponto 2, da Directiva 93/104.

 Quanto às despesas

121   Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

1)      a)     O artigo 2.° da Directiva 89/391/CEE do Conselho, de 12 de Junho de 1989, relativa à aplicação de medidas destinadas a promover a melhoria da segurança e da saúde dos trabalhadores no trabalho, e o artigo 1.°, n.° 3, da Directiva 93/104/CE do Conselho, de 23 de Novembro de 1993, relativa a determinados aspectos da organização do tempo de trabalho, devem ser interpretados no sentido de que a actividade dos assistentes de emergência médica, exercida no âmbito de um serviço de emergência médica como o que está em causa no processo principal, está compreendida no âmbito de aplicação das referidas directivas.

b)      O conceito de «transportes rodoviários», na acepção do artigo 1.°, n.° 3, da Directiva 93/104, deve ser interpretado no sentido de que não abrange a actividade de um serviço de emergência médica, ainda que este consista, pelo menos parcialmente, na utilização de um veículo e no acompanhamento do paciente durante o trajecto para o hospital.

2)      O artigo 18.°, n.° 1, alínea b), i), primeiro travessão, da Directiva 93/104 deve ser interpretado no sentido de que exige a aceitação de cada trabalhador individualmente, prestada de forma livre e expressa, para que seja válido o prolongamento da duração máxima do trabalho semanal de 48 horas prevista no artigo 6.° da mesma directiva. Para esse efeito, não basta que o contrato de trabalho do interessado remeta para uma convenção colectiva que permita esse prolongamento.

3)      −       O artigo 6.°, ponto 2, da Directiva 93/104 deve ser interpretado no sentido de que, em circunstâncias como as do processo principal, se opõe às normas de um Estado‑Membro que, relativamente aos períodos de permanência efectiva («Arbeitsbereitschaft») assegurados por assistentes de emergência médica no âmbito de um serviço de emergência médica de um organismo como a Deutsches Rotes Kreuz, têm o efeito de permitir, eventualmente mediante convenção colectiva ou acordo de empresa nela fundado, o prolongamento da duração máxima do trabalho semanal de 48 horas fixada por essa disposição;

–       A referida disposição reúne todas as condições exigidas para produzir efeito directo;

–       Quando ao órgão jurisdicional nacional seja submetido um litígio que envolva exclusivamente particulares, o mesmo é obrigado, ao aplicar as disposições de direito interno adoptadas para transpor as obrigações previstas numa directiva, a tomar em consideração todo o direito nacional e a interpretá‑lo, na medida do possível, à luz do texto e da finalidade dessa directiva, para alcançar uma solução conforme ao resultado por ela pretendido. Nos processos principais, o órgão jurisdicional de reenvio deve, portanto, fazer todos os possíveis, dentro das suas competências, para impedir o prolongamento da duração máxima do trabalho semanal, que está fixada em 48 horas por força do artigo 6.°, ponto 2, da Directiva 93/104.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.