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CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

ANTHONY MICHAEL COLLINS

apresentadas em 16 de fevereiro de 2023(1)

Processos apensos C38/21, C47/21 e C232/21

VK

contra

BMW Bank GmbH (C38/21)

e

F. F.

contra

C. Bank AG (C47/21)

e

CR,

AY,

ML,

BQ

contra

Volkswagen Bank GmbH,

Audi Bank (C232/21)

[pedidos de decisão prejudicial apresentados pelo Landgericht Ravensburg (Tribunal Regional de Ravensburg, Alemanha)]

«Reenvio prejudicial — Proteção dos consumidores — Contrato de locação financeira de um veículo automóvel com contabilização de quilómetros — Contrato de crédito destinado a financiar a compra de um veículo automóvel usado — Diretiva 2002/65/CE — Diretiva 2008/48/CE — Diretiva 2011/83/UE — Conceitos de “contrato celebrado fora do estabelecimento comercial” e de “contrato à distância” — Participação de um intermediário na fase preparatória de um contrato — Exceção ao direito de retratação em relação a uma prestação de serviços de aluguer de automóveis — Inexistência de efeito direto horizontal de uma diretiva — Exigências relativas às informações a incluir num contrato — Presunção de cumprimento da obrigação de informação quando é utilizado um modelo legal — Direito de retratação — Início do prazo de retratação em caso de informações incompletas ou incorretas — Abuso do direito de retratação — Exigência de devolução prévia»






Índice



I.      Introdução

1.        Os presentes pedidos de decisão prejudicial apresentados pelo Landgericht Ravensburg (Tribunal Regional de Ravensburg, Alemanha) surgem no âmbito de um conjunto de litígios entre consumidores e instituições financeiras ligados a fabricantes de veículos a motor. Os processos pendentes no órgão jurisdicional de reenvio suscitam questões relativas à validade da retratação pelos consumidores, num dos casos, de um contrato de locação financeira de um veículo automóvel com contabilização de quilómetros e, nos outros casos, de contratos de crédito destinados a financiar a compra de um veículo automóvel usado.

2.        Em conformidade com o pedido do Tribunal de Justiça, as presentes conclusões abordarão, em primeiro lugar, a natureza de um contrato de locação financeira com contabilização de quilómetros à luz da Diretiva 2002/65/CE (2), da Diretiva 2008/48/CE (3) e da Diretiva 2011/83/UE (4). Neste contexto, o Tribunal de Justiça é também chamado a interpretar os conceitos de «contrato celebrado fora do estabelecimento comercial» e de «contrato à distância» para os efeitos da Diretiva 2011/83, e a pronunciar‑se sobre a possível aplicação de uma exceção ao direito de retratação previsto nesta última diretiva. Em segundo lugar, o Tribunal de Justiça é chamado a pronunciar‑se sobre três aspetos da obrigação que a Diretiva 2008/48 impõe aos credores de fornecerem aos consumidores informações relativas, nomeadamente, ao direito de retratação. Esses aspetos são a compatibilidade de legislação nacional que estabelece uma presunção legal de cumprimento da obrigação de informação mediante o recurso a uma cláusula‑tipo prevista na legislação nacional (a seguir «modelo legal») com a referida diretiva, as consequências da comunicação de informações incorretas ou incompletas para o início do prazo de retratação, e a possibilidade de o credor invocar o exercício abusivo do direito de retratação por parte do consumidor. Em terceiro lugar, o Tribunal de Justiça é questionado sobre a compatibilidade de certas consequências que o direito nacional atribui a uma retratação de um contrato de crédito ligado a um contrato de compra e venda com o princípio da efetividade do direito da União.

II.    Quadro jurídico

A.      Direito da União

1.      Diretiva 2002/65

3.        O artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2002/65 descreve o objeto desta diretiva como «a aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas à comercialização à distância de serviços financeiros prestados a consumidores».

4.        O artigo 2.o, alínea a), da Diretiva 2002/65 define o «[c]ontrato à distância» como «qualquer contrato relativo a serviços financeiros, celebrado entre um prestador e um consumidor, ao abrigo de um sistema de venda ou prestação de serviços à distância organizado pelo prestador que, para esse contrato, utilize exclusivamente um ou mais meios de comunicação à distância, até ao momento da celebração do contrato, inclusive». O artigo 2.o, alínea b), da Diretiva 2002/65 define como «[s]erviço financeiro», «qualquer serviço bancário, de crédito, de seguros, de pensão individual, de investimento ou de pagamento».

5.        O artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2002/65 prevê, nomeadamente, que «[o]s Estados‑Membros devem garantir que o consumidor disponha de um prazo de 14 dias de calendário para rescindir o contrato, sem indicação do motivo nem penalização».

2.      Diretiva 2008/48

6.        Os considerandos 9, 10, 12, 30 e 31 da Diretiva 2008/48 têm a seguinte redação:

«(9)      A harmonização plena é necessária para garantir que todos os consumidores da Comunidade beneficiem de um nível elevado e equivalente de defesa dos seus interesses e para instituir um verdadeiro mercado interno. Por conseguinte, os Estados‑Membros não deverão ser autorizados a manter nem a introduzir outras disposições para além das estabelecidas na presente diretiva. Todavia, esta restrição só será aplicável nos casos em que existam disposições harmonizadas na presente diretiva. Caso não existam essas disposições harmonizadas, os Estados‑Membros deverão continuar a dispor da faculdade de manter ou introduzir legislação nacional. Assim, os Estados‑Membros podem, por exemplo, manter ou introduzir disposições nacionais relativas à responsabilidade solidária do vendedor ou fornecedor dos serviços e do mutuante. Os Estados‑Membros poderão também, por exemplo, manter ou introduzir disposições nacionais relativas à resolução do contrato de compra e venda de bens ou de prestação de serviços se o consumidor exercer o direito de retratação que lhe assiste nos termos do contrato de crédito. […]

(10)      As definições constantes da presente diretiva determinam o âmbito da harmonização. Por conseguinte, a obrigação de execução das disposições da presente diretiva por parte dos Estados‑Membros deverá ser limitada ao âmbito determinado por essas definições. Todavia, a presente diretiva não deverá obstar a que os Estados‑Membros apliquem, de acordo com o direito comunitário, as disposições nela contidas a domínios não abrangidos pelo seu âmbito de aplicação. Um Estado‑Membro pode desse modo manter ou introduzir legislação nacional correspondente às disposições da presente diretiva ou a determinadas disposições da mesma para contratos de crédito fora do âmbito da presente diretiva. […]

[…]

(12)      Os contratos de prestação de serviços ou de fornecimento de bens do mesmo tipo, com caráter de continuidade, nos termos dos quais o consumidor pague esses serviços ou bens a prestações durante todo o período de validade dos referidos contratos, podem ser consideravelmente diferentes dos contratos de crédito abrangidos pela presente diretiva, no que diz respeito tanto aos interesses das partes contratantes como às modalidades e à execução das transações. Assim, há que esclarecer que tais contratos não são considerados contratos de crédito para efeitos da presente diretiva. […]

[…]

(30)      A presente diretiva não regula as questões de direito dos contratos relacionadas com a validade dos contratos de crédito. Por conseguinte, nesse domínio, os Estados‑Membros podem manter ou introduzir disposições nacionais conformes com o direito comunitário. […]

(31)      Para que o consumidor possa conhecer os seus direitos e obrigações decorrentes do contrato de crédito, este deverá conter toda a informação necessária, apresentada de forma clara e concisa.

[…]»

7.        Nos termos do artigo 1.o da Diretiva 2008/48, a mesma tem por objeto «a harmonização de determinados aspetos das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros em matéria de contratos que regulam o crédito aos consumidores». O artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48 prevê que esta é aplicável aos contratos de crédito. O artigo 2.o, n.o 2, alínea d), dispõe que esta diretiva não é aplicável aos «[c]ontratos de aluguer ou de locação financeira que não prevejam uma obrigação de compra do objeto do contrato, seja no próprio contrato, seja num contrato separado; considera‑se que existe uma obrigação se assim for decidido unilateralmente pelo mutuante».

8.        O artigo 3.o da Diretiva 2008/48 define uma série de termos utilizados nesta diretiva, incluindo:

«c)      “Contrato de crédito” [definido como] o contrato por meio do qual um mutuante concede ou promete conceder a um consumidor um crédito sob a forma de pagamento diferido, empréstimo ou qualquer outro acordo financeiro semelhante; excetuam‑se os contratos de prestação de serviços ou de fornecimento de bens do mesmo tipo com caráter de continuidade, nos termos dos quais o consumidor pague esses serviços ou bens a prestações durante o período de validade dos referidos contratos;

[…]

n)      “Contrato de crédito ligado” [definido como] um contrato de crédito nos termos do qual:

i)      o crédito em questão serve exclusivamente para financiar um contrato de fornecimento de bens ou de prestação de um serviço específico e

ii)      estes dois contratos constituem uma unidade comercial de um ponto de vista objetivo; considera‑se que existe uma unidade comercial quando o crédito ao consumidor for financiado pelo próprio fornecedor ou prestador de serviços ou, no caso de financiamento por terceiros, quando o mutuante recorrer aos serviços do fornecedor ou prestador de serviços para preparar ou celebrar o contrato de crédito ou caso os bens específicos ou a prestação de um serviço específico estejam expressamente previstos no contrato de crédito.»

9.        O artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2008/48, sob a epígrafe «Informação a mencionar nos contratos de crédito», prevê, nomeadamente:

«O contrato de crédito deve especificar de forma clara e concisa:

[…]

l)      A taxa de juros de mora aplicável à data da celebração do contrato de crédito, bem como as regras para a respetiva adaptação e, se for caso disso, os custos devidos em caso de incumprimento;

[…]

p)      A existência ou inexistência do direito de retratação, o prazo e o procedimento previstos para o seu exercício e outras condições para o seu exercício, incluindo informações sobre a obrigação do consumidor de pagar o capital levantado e os juros, de acordo com a alínea b) do n.o 3 do artigo 14.o, bem como o montante dos juros diários;

[…]

r)       O direito de reembolso antecipado, o procedimento a seguir em caso de reembolso antecipado e, se for caso disso, informações sobre o direito do mutuante a uma indemnização e a forma de determinar essa indemnização;

[…]

t)      A existência ou inexistência de processos extrajudiciais de reclamação e de recurso acessíveis ao consumidor e, quando existam, o respetivo modo de acesso;

[…]»

10.      O artigo 14.o da Diretiva 2008/48, sob a epígrafe «Direito de retratação», tem a seguinte redação:

«1.      O consumidor dispõe de um prazo de 14 dias de calendário para exercer o direito de retratação do contrato de crédito sem indicar qualquer motivo.

O prazo para o exercício do direito de retratação começa a correr:

a)      A contar da data da celebração do contrato de crédito; ou

b)      A contar da data de receção, pelo consumidor, dos termos do contrato e das informações a que se refere o artigo 10.o, se essa data for posterior à data referida na alínea a) do presente parágrafo.

[…]

3.      Se exercer o seu direito de retratação, o consumidor deve:

a)      Para que a retratação produza efeitos antes do termo do prazo estabelecido no n.o 1, comunicar o facto ao mutuante de acordo com a informação que este lhe forneceu nos termos da alínea p) do n.o 2 do artigo 10.o, utilizando um meio com força de prova de acordo com o direito nacional. Considera‑se que o prazo foi respeitado se a comunicação for enviada antes do termo do prazo, desde que tenha sido efetuada em papel ou noutro suporte duradouro à disposição do mutuante e ao qual este possa aceder; e

b)       Pagar ao mutuante o capital e os juros vencidos sobre este capital a contar da data de levantamento do crédito até à data de pagamento do capital, sem atrasos indevidos e no prazo de 30 dias de calendário após ter enviado a comunicação de retratação ao mutuante. Os juros são calculados com base na taxa devedora estipulada. O mutuante não tem direito a qualquer outra indemnização por parte do consumidor em caso de retratação, com exceção da indemnização de eventuais despesas não reembolsáveis pagas pelo mutuante a qualquer órgão da Administração Pública.

[…]»

11.      Nos termos do artigo 15.o da Diretiva 2008/48, sob a epígrafe «Contratos de crédito ligados»:

«1.      Caso tenha exercido um direito de retratação com base na legislação comunitária referente a um contrato de fornecimento de bens ou de prestação de serviços, o consumidor deixa de estar vinculado por um contrato de crédito ligado.

[…]

3.      O presente artigo não prejudica a aplicação de eventuais regras nacionais que tornem um mutuante solidariamente responsável por toda e qualquer reclamação que o consumidor possa ter contra o fornecedor, caso a compra de bens ou serviços ao fornecedor tenha sido financiada por um contrato de crédito.»

12.      O artigo 22.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48, sob a epígrafe «Harmonização e caráter imperativo da presente diretiva», prevê:

«Na medida em que a presente diretiva prevê disposições harmonizadas, os Estados‑Membros não podem manter ou introduzir no respetivo direito interno disposições divergentes daquelas que vêm previstas na presente diretiva para além das nela estabelecidas.»

3.      Diretiva 2011/83

13.      Os considerandos 2, 16, 20, 22 e 49 da Diretiva 2011/83 dispõem o seguinte:

«(2)      […] Por conseguinte, a presente diretiva deverá estabelecer normas‑padrão para os aspetos comuns dos contratos à distância e dos contratos celebrados fora do estabelecimento comercial, afastando‑se do princípio de harmonização mínima subjacente às diretivas anteriores e permitindo aos Estados‑Membros manter ou adotar regras nacionais.

[…]

(16)      A presente diretiva não deverá prejudicar o direito nacional em matéria de representação legal, como, por exemplo, as regras respeitantes à pessoa que atua em nome do profissional ou por sua conta (como, por exemplo, um agente ou um depositário). Os Estados‑Membros continuam a ter competência neste domínio. […]

[…]

(20)      A definição de contrato à distância deverá abranger todos os casos em que os contratos são celebrados entre o profissional e o consumidor no âmbito de um sistema de vendas ou prestação de serviços vocacionado para o comércio à distância, mediante a utilização exclusiva de um ou mais meios de comunicação à distância (por correspondência, Internet, telefone ou fax), e/inclusive até ao momento da celebração do contrato. Essa definição deverá igualmente abranger as situações em que o consumidor visita o estabelecimento comercial apenas para recolher informações sobre os bens ou serviços, enquanto as subsequentes negociação e celebração do contrato têm lugar à distância. Em contrapartida, um contrato que tenha sido negociado no estabelecimento comercial do profissional e tenha sido celebrado por um meio de comunicação à distância não deverá ser considerado um contrato à distância. Também não deverá ser considerado um contrato à distância um contrato que tenha sido iniciado através de um meio de comunicação à distância, mas que tenha sido celebrado no estabelecimento comercial do profissional. […] O conceito de sistema de vendas ou prestação de serviços vocacionado para o comércio à distância deverá incluir os sistemas oferecidos por terceiros que não sejam o profissional, mas que são usados pelo profissional, como uma plataforma em linha. São, contudo, excluídos os casos em que os sítios Internet só disponibilizam informações sobre o profissional, os seus bens e/ou serviços e os seus contactos.

[…]

(22)      A noção de estabelecimento comercial deverá incluir as instalações de qualquer tipo (lojas, bancas ou camiões, por exemplo) que sirvam de local de negócios permanente ou habitual para o profissional. As bancas dos mercados e os stands das feiras deverão ser tratados como estabelecimentos comerciais no caso de preencherem este requisito. […] O estabelecimento comercial de uma pessoa que atue em nome do profissional ou por sua conta, tal como definido na presente diretiva, deverá ser considerado um estabelecimento comercial na aceção da presente diretiva.

[…]

(49)      O direito de retratação deverá admitir certas exceções no que diz respeito tanto aos contratos à distância como aos contratos celebrados fora do estabelecimento comercial. […] A concessão ao consumidor do direito de retratação poderá ser também inadequada em relação a certos serviços em que a celebração do contrato implica a reserva de recursos que, em caso de exercício do direito de retratação, o profissional poderá ter dificuldade em conseguir preencher. Seria o caso, por exemplo, de reservas de hotel ou de casas de férias, ou de acontecimentos culturais ou desportivos.»

14.      O artigo 1.o da Diretiva 2011/83, sob a epígrafe «Objeto», dispõe que esta tem por objeto «contribuir, graças à consecução de um elevado nível de defesa dos consumidores, para o bom funcionamento do mercado interno através da aproximação de certos aspetos das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas aos contratos celebrados entre consumidores e profissionais».

15.      O artigo 2.o da Diretiva 2011/83, sob a epígrafe «Definições», dispõe o seguinte:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

2)      “Profissional”: qualquer pessoa singular ou coletiva, pública ou privada, que, nos contratos abrangidos pela presente diretiva, atue, incluindo através de outra pessoa que atue em seu nome ou por sua conta, no âmbito da sua atividade comercial, industrial, artesanal ou profissional;

[…]

6)      “Contrato de prestação de serviços”: qualquer contrato, com exceção de um contrato de compra e venda, ao abrigo do qual o profissional presta ou se compromete a prestar um serviço ao consumidor e o consumidor paga ou se compromete a pagar o respetivo preço;

7)      “Contrato à distância”: qualquer contrato celebrado entre o profissional e o consumidor no âmbito de um sistema de vendas ou prestação de serviços organizado para o comércio à distância, sem a presença física simultânea do profissional e do consumidor, mediante a utilização exclusiva de um ou mais meios de comunicação à distância até ao momento da celebração do contrato, inclusive;

8)      “Contrato celebrado fora do estabelecimento comercial” qualquer contrato entre o profissional e o consumidor:

a)      Celebrado na presença física simultânea do profissional e do consumidor, em local que não seja o estabelecimento comercial do profissional;

b)      Em que o consumidor fez uma oferta nas mesmas circunstâncias, como referido na alínea a);

c)      Celebrado no estabelecimento comercial do profissional ou através de quaisquer meios de comunicação à distância imediatamente após o consumidor ter sido pessoal e individualmente contactado num local que não seja o estabelecimento comercial do profissional, na presença física simultânea do profissional e do consumidor; ou

[…]

9)      “Estabelecimento comercial”:

a)      Quaisquer instalações imóveis de venda a retalho, onde o profissional exerça a sua atividade de forma permanente; ou

b)      Quaisquer instalações móveis de venda a retalho onde o profissional exerça a sua atividade de forma habitual;

[…]

12)      “Serviço financeiro”: qualquer serviço bancário, de crédito, de seguros, de pensão individual, de investimento ou de pagamento;

[…]

15)      “Contrato acessório”: contrato ao abrigo do qual o consumidor adquire bens ou serviços no âmbito de um contrato à distância ou de um contrato celebrado fora do estabelecimento comercial e estes bens ou serviços são fornecidos pelo profissional ou por um terceiro com base em acordo entre esse terceiro e o profissional.»

16.      Nos termos do seu artigo 3.o, n.o 1, a Diretiva 2011/83 aplica‑se, nas condições e na medida prevista nas suas disposições, aos contratos celebrados entre um profissional e um consumidor. Nos termos do artigo 3.o, n.o 3, alínea d), não se aplica aos contratos relativos a serviços financeiros.

17.      O artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2011/83, sob a epígrafe «Requisitos de informação dos contratos celebrados à distância e dos contratos celebrados fora do estabelecimento comercial», prevê:

«Antes de o consumidor ficar vinculado por um contrato à distância ou celebrado fora do estabelecimento comercial ou por uma proposta correspondente, o profissional faculta ao consumidor, de forma clara e compreensível, as seguintes informações:

[…]

h)      Sempre que exista um direito de retratação, as condições, o prazo e o procedimento de exercício desse direito nos termos do artigo 11.o, n.o 1, bem como modelo de formulário de retratação apresentado no anexo I, parte B;

[…]»

18.      O artigo 9.o da Diretiva 2011/83, sob a epígrafe «Direito de retratação», dispõe, nos seus n.os 1 e 2:

«1.      Ressalvando os casos em que se aplicam as exceções previstas no artigo 16.o, o consumidor dispõe de um prazo de 14 dias para exercer o direito de retratação do contrato celebrado à distância ou fora do estabelecimento comercial, sem necessidade de indicar qualquer motivo, e sem incorrer em quaisquer custos para além dos estabelecidos no artigo 13.o, n.o 2, e no artigo 14.o

2.       Sem prejuízo do disposto no artigo 10.o, o prazo de retratação referido no n.o 1 do presente artigo expira 14 dias a contar do:

a)      Dia da celebração do contrato, no caso dos contratos de prestação de serviços;

[…]»

19.      O artigo 10.o, n.o 1, da Diretiva 2011/83, sob a epígrafe «Omissão de informação sobre o direito de retratação», prevê:

«Se o profissional não tiver fornecido ao consumidor a informação relativa ao direito de retratação, nos termos do artigo 6.o, n.o 1, alínea h), o prazo de retratação expira 12 meses após o termo do prazo de retratação inicial, determinado nos termos do artigo 9.o, n.o 2.»

20.      Segundo o artigo 13.o, n.o 3, da Diretiva 2011/83, sob a epígrafe «Obrigações do profissional em caso de retratação»:

«Salvo se o profissional se tiver oferecido para recolher ele próprio os bens, no que toca aos contratos de compra e venda, o profissional pode reter o reembolso até ter recebido os bens de volta, ou até o consumidor ter apresentado prova do envio dos bens, consoante o que ocorrer primeiro.»

21.      O artigo 15.o da Diretiva 2011/83, sob a epígrafe «Efeitos do exercício do direito de retratação em contratos acessórios», prevê:

«1.      Sem prejuízo do artigo 15.o da Diretiva [2008/48], se o consumidor exercer o seu direito de retratação no âmbito de um contrato à distância ou de um contrato celebrado fora do estabelecimento comercial, nos termos dos artigos 9.o a 14.o da presente diretiva, os contratos acessórios são automaticamente rescindidos, sem quaisquer custos para o consumidor, excetuando o disposto no artigo 13.o, n.o 2 e no artigo 14.o da presente diretiva.

2.      Os Estados‑Membros determinam as modalidades de rescisão deste tipo de contratos.»

22.      O artigo 16.o da Diretiva 2011/83, sob a epígrafe «Exceções ao direito de retratação», dispõe, nomeadamente, que os Estados‑Membros não conferem o direito de retratação previsto nos artigos 9.o a 15.o relativamente aos contratos celebrados à distância e fora do estabelecimento comercial no que respeita «l) [a]o fornecimento de alojamento, para fins não residenciais, transporte de bens, serviços de aluguer de automóveis, restauração ou serviços relacionados com atividades de lazer se o contrato previr uma data ou período de execução específicos».

B.      Direito alemão

1.      Código Civil

23.      Nos termos do § 242 do Bürgerliches Gesetzbuch (Código Civil, a seguir «BGB»), sob a epígrafe «Atuação de boa‑fé», «[o] devedor deve atuar de boa‑fé tendo em conta os usos comerciais».

24.      O § 273, n.o 1, do BGB, sob a epígrafe «Direito de retenção», prevê:

«Se o devedor tiver um crédito exigível ao credor ao abrigo da mesma relação jurídica em que se baseia a sua obrigação, pode, a não ser que a relação de crédito disponha de outra forma, recusar a prestação devida, até que a prestação que lhe é devida seja efetuada (direito de retenção).»

25.      Nos termos do § 293 do BGB, sob a epígrafe «Mora na receção», «[o] credor incorre em mora se não aceitar a prestação que lhe é oferecida».

26.      Nos termos do § 294 do BGB, sob a epígrafe «Oferta efetiva», «[a] prestação deve ser efetivamente oferecida ao credor tal como deve ser executada».

27.      O § 312b do BGB, sob a epígrafe «Contratos celebrados fora do estabelecimento comercial», prevê:

«(1)      1Entende‑se por contratos celebrados fora do estabelecimento comercial os contratos

1.      celebrados na presença física simultânea do profissional e do consumidor, em local que não seja o estabelecimento comercial do profissional,

2.      que tenham sido objeto de uma oferta do consumidor nas circunstâncias referidas no n.o 1,

3.      celebrados no estabelecimento comercial do profissional ou através de quaisquer meios de comunicação à distância em que o consumidor é, todavia, imediatamente antes, contactado pessoal e individualmente fora do estabelecimento comercial do profissional, na presença física simultânea do profissional e do consumidor, ou

[…]

2São equiparadas ao profissional as pessoas que atuem em seu nome ou por sua conta.

(2)      1Entende‑se por estabelecimentos comerciais na aceção do n.o 1 quaisquer instalações imóveis de venda a retalho, onde o profissional exerça a sua atividade de forma permanente e quaisquer instalações móveis de venda a retalho onde o profissional exerça a sua atividade de forma habitual. 2As instalações comerciais nas quais a pessoa que atua em nome e em representação do profissional exerce a sua atividade de forma permanente ou habitual são equiparados a instalações do profissional.»

28.      O § 312c do BGB, sob a epígrafe «Contratos à distância», dispõe:

«(1)      Entende‑se por contrato à distância o contrato em que o profissional ou uma pessoa que atue em seu nome e por sua conta e o consumidor utilizem exclusivamente um ou mais meios de comunicação à distância, a menos que o contrato não seja celebrado no âmbito de um sistema de distribuição ou prestação de serviços organizado para o comércio à distância.

(2)      Entende‑se por meios de comunicação à distância na aceção da presente lei quaisquer meios de comunicação que possam ser utilizados para a preparação ou celebração de um contrato sem a presença física simultânea das partes no contrato, como cartas, catálogos, telefonemas, telecópias, correio eletrónico, mensagens enviadas através das comunicações móveis (SMS), bem como meios de radiodifusão e de telecomunicações.»

29.      O § 312g do BGB, sob a epígrafe «Direito de retratação», prevê:

«(1)      No caso de contratos celebrados fora do estabelecimento comercial e de contratos à distância, o consumidor tem um direito de retratação, nos termos do § 355.

(2)      Salvo acordo em contrário das partes, o direito de retratação não existe nos seguintes contratos:

[…]

9.      Contratos de prestação de serviços de alojamento, para fins não residenciais, de transporte de bens, de aluguer de automóveis, de restauração ou de serviços relacionados com atividades de lazer se o contrato previr uma data ou período de execução específicos;

[…]»

30.      Nos termos do § 322, n.o 2, do BGB, sob a epígrafe «Pedido de execução simultânea», «[s]e a parte que intenta a ação tiver de executar a sua parte em primeiro lugar, pode, se a outra parte estiver em mora por não aceitação, requerer a execução após receção da contraprestação».

31.      O § 346 do BGB, sob a epígrafe «Efeitos da rescisão», prevê no seu n.o 1 (5):

«Se uma das partes se tiver reservado contratualmente o direito de rescisão do contrato ou se o direito de rescisão do contrato lhe for conferido por lei, as prestações recebidas são restituídas e os proveitos obtidos serão reembolsados em caso de rescisão.»

32.      Por força do § 348 do BGB, sob a epígrafe «Execução simultânea» (6):

«As obrigações das partes decorrentes da rescisão devem ser executadas simultaneamente. É aplicável, mutatis mutandis, o disposto nos §§ 320 e 322»

33.      O § 355 do BGB, sob a epígrafe «Direito de retratação nos contratos celebrados com consumidores», tem a seguinte redação:

«(1)      1O consumidor e o comerciante deixam de estar vinculados pela declaração de vontade referente à celebração do contrato se, nos casos em que a lei atribua ao consumidor o direito de retratação do contrato nos termos da presente disposição, o consumidor tiver retratado a sua declaração nesse sentido no prazo previsto. […]

(2)      1O prazo de retratação é de 14 dias. Salvo disposição em contrário, o prazo começa a contar a partir do momento da celebração do contrato.»

34.      O § 356b do BGB, sob a epígrafe «Direito de retratação nos contratos de crédito celebrados com os consumidores», prevê, no seu n.o 2:

«1Se o documento entregue ao mutuário nos termos do n.o 1 não contiver as informações obrigatórias previstas no § 492, n.o 2, o prazo não começa a correr até que esta irregularidade seja sanada em conformidade com o § 492, n.o 6.

[…]»

35.      O § 357 do BGB, sob a epígrafe «Efeitos jurídicos da retratação de contratos celebrados fora dos estabelecimentos comerciais e à distância que não sejam contratos de serviços financeiros», prevê, nos seus n.os 1 e 4 (7):

«(1)      As prestações recebidas devem ser restituídas num prazo máximo de 14 dias.

[…]

(4)      1No caso de venda de um bem de consumo, o profissional pode recusar‑se a efetuar o reembolso até ter recebido o bem devolvido ou até o consumidor ter apresentado prova de que expediu o bem. 2Tal não se aplica se o profissional se tiver oferecido para recolher o bem.»

36.      O § 357a do BGB, sob a epígrafe «Efeitos jurídicos da retratação de contratos relativos a serviços financeiros», dispõe, nos n.os 1 e 3:

«(1)      As prestações recebidas devem ser restituídas num prazo máximo de 30 dias.

[…]

(3)      Em caso de retratação de um contrato de crédito ao consumo, o mutuário paga os juros acordados para o período compreendido entre a disponibilização dos fundos e o reembolso do empréstimo.

[…]»

37.      O § 358 do BGB, sob a epígrafe «Contrato conexo com o contrato objeto de retratação», prevê, nos seus n.os 2 a 4 (8):

«(2)      Se o consumidor tiver efetuado eficazmente a retratação da sua declaração de vontade destinada à celebração de um contrato de crédito ao consumo com base no § 495, n.o 1, ou no § 514, n.o 2, primeiro período, deixa igualmente de estar vinculado pela sua declaração de vontade referente à intenção de celebrar o contrato de fornecimento de bens ou de outras prestações de serviços conexo com esse contrato de crédito ao consumo.

(3)      1O contrato que tenha por objeto o fornecimento de bens ou outras prestações de serviços e o contrato de crédito nos termos dos n.os 1 e 2 são conexos se o crédito se destinar a financiar o outro contrato, no todo ou em parte, e se ambos formarem uma unidade económica. 2Existe uma unidade económica, nomeadamente, quando o próprio profissional financia a contraprestação do consumidor ou, em caso de financiamento por terceiro, quando o mutuante recorrer à cooperação do profissional para a preparação ou celebração do contrato de crédito.

4) O § 355, n.o 3, e, em função do tipo de contrato conexo, os §§ 357 a 357b, aplicam‑se mutatis mutandis à resolução do contrato conexo, independentemente do modo de comercialização. […] 5O mutuante assume, nas relações com o consumidor, os direitos e obrigações do comerciante decorrentes do contrato conexo no que diz respeito aos efeitos jurídicos da retratação se o montante do crédito já tiver sido pago ao comerciante à data de entrada em vigor da retratação.

[…]»

38.      O § 492 do BGB, sob a epígrafe «Forma escrita, conteúdo do contrato», dispõe, nos n.os 2 e 6:

«(2)      O contrato deve conter as informações previstas no artigo 247, n.os 6 a 13 da Einführungsgesetz zum Bürgerlichen Gesetzbuch [Lei Introdutória ao Código Civil, de 21 de setembro de 1994 (9); a seguir “EGBGB”] para contratos de crédito celebrados com consumidores.

[…]

(6)      1Se o contrato não contiver as informações referidas no n.o 2, ou se não as contiver na íntegra, essas informações poderão ser fornecidas posteriormente num suporte duradouro, após o contrato entrar efetivamente em vigor, ou, nos casos previstos no do § 494, n.o 2, primeiro período, após o contrato ter sido validado».

39.      O § 495 do BGB, sob a epígrafe «Direito de retratação; prazo de reflexão», prevê, no seu n.o 1:

«No caso de um contrato de crédito celebrado com um consumidor, o mutuário tem direito de retratação nos termos do § 355.»

40.      Nos termos do § 506 do BGB, sob a epígrafe «Diferimento do pagamento, outros acordos financeiros»:

«(1)      1As disposições dos §§ 358 a 360, 491a a 502 e 505a a 505e aplicáveis aos contratos gerais de crédito ao consumo são aplicáveis, com exceção do § 492, n.o 4, e sem prejuízo dos n.os 3 e 4, aos contratos através dos quais um profissional concede a um consumidor um diferimento do pagamento a título oneroso ou outros acordos financeiros onerosos. […]

(2)      1Os contratos celebrados entre um profissional e um consumidor para o uso de um bem a título oneroso são considerados acordos financeiros onerosos se for acordado que:

1.      o consumidor se compromete a adquirir o bem,

2.      o profissional pode exigir ao consumidor que adquira o bem ou

3.      o consumidor é garante de um certo valor do bem no momento da cessação do contrato.

2Os §§ 500, n.o 2 e 502 não se aplicam aos acordos previstos no primeiro período, ponto 3.

[…]

(4)      1As disposições do presente subtítulo não se aplicam nas situações previstas no § 491, n.o 2, segundo período, pontos 1 a 5, n.o 3, segundo período, e n.o 4. Quando não exista um montante líquido do empréstimo em razão da natureza do contrato (§ 491, n.o 2, segundo período, ponto 1), aplica‑se em sua substituição o preço de pronto pagamento ou, se o profissional tiver adquirido o artigo para o consumidor, o preço de compra.»

2.      EGBGB

41.      O artigo 247.o da EGBGB, sob a epígrafe «Exigências em matéria de informação para contratos de crédito ao consumo, contribuições financeiras remuneradas e contratos de intermediação de crédito», dispõe o seguinte (10):

«[…]

§6      Conteúdo do contrato

(1)      O contrato de crédito ao consumo deve conter as seguintes informações, apresentadas de forma clara e inteligível:

1.      as informações referidas no § 3, n.o 1, pontos 1 a 14, e n.o 4,

[…]

(2)      1Quando existir um direito de retratação nos termos do § 495 do [BGB], o contrato deve conter informações sobre o prazo e as outras condições para a declaração de retratação, bem como uma referência à obrigação do mutuário de reembolsar um crédito que já foi disponibilizado, acrescido de juros. 2O contrato deve indicar o montante dos juros a pagar por dia. 3Quando o contrato de crédito ao consumo contiver uma cláusula contratual destacada e claramente formulada, que, no caso de contratos gerais de crédito ao consumo, corresponda ao modelo do anexo 7 […], essa cláusula contratual deve cumprir as exigências dos períodos 1 e 2.

[…]

5O mutuante pode desviar‑se do modelo em termos de formato e tamanho de letra, tendo em conta o terceiro período.

§7      Outras informações constantes do contrato

(1) O contrato de crédito ao consumo deve conter as seguintes informações, apresentadas de forma clara e inteligível, na medida em que sejam pertinentes para o contrato:

[…]

3.      o método de cálculo do direito a compensação pelo reembolso antecipado, caso o mutuante pretenda invocar esse direito se o mutuário pagar antecipadamente o mútuo,

4.      o acesso do mutuário a um procedimento extrajudicial de reclamação e de recurso, bem como, se for caso disso, as respetivas condições de acesso.

[…]

§12      Contratos conexos e compromissos financeiros a título oneroso

(1)      1Os §§ 1 a 11 aplicam‑se mutatis mutandis aos contratos relativos a compromissos financeiros a título oneroso referidos no § 506, n.o 1, do [BGB]. 2No que respeita a esses contratos, bem como aos contratos de crédito ao consumo conexos a outro contrato nos termos do § 358 do [BGB] ou nos quais os produtos ou serviços estejam especificados nos termos do § 360, n.o 2, segundo período, do [BGB]:

1.      as informações pré‑contratuais devem conter, inclusivamente no caso previsto no § 5, o objeto e o preço a pronto pagamento,

2.      o contrato deve conter:

a)      o objeto e o preço a pronto pagamento;

b)      informações sobre os direitos decorrentes dos §§ 358 e 359 ou 360 do [BGB], bem como sobre as condições de exercício desses direitos.

3Quando o contrato de crédito ao consumo contenha uma cláusula contratual claramente formulada, que, no caso dos contratos de crédito ao consumo, corresponde ao modelo constante do anexo 7 […], essa cláusula contratual deve, no caso dos contratos e transações conexos nos termos do § 360, n.o 2, do BGB, cumprir as exigências do segundo período, ponto 2, alínea b). […]

[…]»

III. Processos principais e questões prejudiciais

A.      Processo C38/21

42.      Em 10 de novembro de 2018, VK, na qualidade de consumidor, celebrou com o BMW Bank GmbH um contrato de locação financeira com contabilização de quilómetros de um veículo automóvel para uso privado da marca BMW. VK pediu o referido contrato de locação financeira, e assinou o pedido, nas instalações do concessionário automóvel. O concessionário automóvel, que atuou como intermediário de crédito do BMW Bank sem ter poderes para celebrar o contrato, calculou os diferentes elementos do aluguer (prazo do aluguer, pagamento inicial e montante das prestações mensais) e explicou‑os a VK. O concessionário automóvel estava autorizado e em condições de prestar informações relativas ao contrato e responder a quaisquer questões. O concessionário automóvel encaminhou o pedido de locação financeira para o banco, que o aceitou.

43.      As partes acordaram que VK pagaria um montante total de 12 486,80 euros, correspondente a um pagamento inicial de 4 760 euros seguido de 24 prestações de 321,95 euros cada. A taxa devedora era de 3,49 % ao ano durante todo o período do contrato de locação financeira e a taxa anual efetiva global era de 3,55 %. O montante líquido do crédito era de 40 294,85 euros, o que correspondia ao preço de compra do veículo. Além disso, foi acordado limitar a quilometragem do veículo a 10 000 quilómetros por ano. Aquando da devolução do veículo, VK pagaria 0,0737 euros por cada quilómetro conduzido além do limite máximo, ao passo que lhe seriam reembolsados 0,0492 euros por cada quilómetro não conduzido até ao limite máximo. Se, aquando da devolução, o estado do veículo não correspondesse à sua idade e à quilometragem acordada, VK era obrigado a compensar o BMW Bank por essa perda de valor adicional. Nem o contrato de locação financeira nem nenhum contrato separado continham uma obrigação de aquisição do veículo.

44.      O contrato de locação financeira contém a seguinte cláusula, intitulada «Direito de retratação» (11):

«Pode revogar a sua declaração contratual, sem ter de apresentar quaisquer razões, no prazo de 14 dias. O prazo começa a correr a partir da celebração do contrato, mas unicamente após o mutuário ter recebido toda a informação obrigatória exigida nos termos do § 492, n.o 2, do [BGB] (por exemplo, informações sobre o tipo de mútuo, o montante líquido e a duração do contrato). […]»

45.      VK recebeu o veículo e, a partir de janeiro de 2019, pagou integralmente as prestações mensais acordadas. Por carta de 25 de junho de 2020, procedeu à retratação da sua declaração contratual. O BMW Bank rejeitou essa retratação.

46.      Através de uma ação intentada contra o BMW Bank no órgão jurisdicional de reenvio, VK pede que seja declarado que o banco não pode fazer valer quaisquer direitos ao abrigo do contrato de locação financeira, em especial qualquer direito a receber as prestações da locação financeira. Afirma que o prazo de retratação não tinha começado a correr, uma vez que as informações obrigatórias contidas no contrato de locação financeira são insuficientes e ininteligíveis. Dado que o contrato de locação financeira é u um contrato celebrado fora do estabelecimento comercial ou à distância, alega ainda que o § 312g, n.o 1, do BGB lhe confere o direito de retratação. Segundo VK, não é possível pedir esclarecimentos e obter informações obrigatórias do BMW Bank se um funcionário ou representante desse banco não estiver presente nas instalações do concessionário na fase preparatória do contrato.

47.      O BMW Bank argumenta que a ação de VK deve ser julgada improcedente. Afirma que as regras de retratação aplicáveis aos contratos de crédito ao consumo não se aplicam aos contratos de locação financeira com contabilização de quilómetros. Em todo o caso, o contrato de locação financeira forneceu devidamente todas as informações obrigatórias a VK, incluindo o seu direito de retratação. As informações sobre o direito de retratação correspondem exatamente ao modelo legal, pelo que se considera que preenchem os requisitos do artigo 247.o, n.o 6, alínea 2), primeiro e terceiro períodos, da EGBGB, pelo que o prazo de retratação de catorze dias tinha expirado muito antes de VK ter exercido o seu direito de retratação. O BMW Bank alega ainda que, uma vez que VK teve contacto pessoal com um intermediário que estava em condições de o informar sobre o serviço proposto, o contrato de locação financeira não é um contrato à distância. Também não se trata de um contrato celebrado fora do estabelecimento comercial, uma vez que deve considerar‑se que o intermediário agiu em nome ou por conta do profissional na aceção do considerando 22 da Diretiva 2011/83.

48.      O órgão jurisdicional de reenvio salienta que, até recentemente, a jurisprudência alemã reconheceu a existência de um direito de retratação no caso dos contratos de locação financeira com contabilização de quilómetros por aplicação de disposições nacionais análogas que regulam contratos pelos quais um profissional concede a um consumidor um diferimento oneroso do pagamento ou outro compromisso financeiro oneroso (12). Por Acórdão de 24 de fevereiro de 2021 (13), o Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça Federal, Alemanha) declarou, no entanto, que tal analogia era insustentável. Os §§ 495 e 355 do BGB não concedem, assim, ao locatário de um veículo um direito de retratação desse tipo de contrato de locação financeira. Segundo o referido órgão jurisdicional, esta solução é correta do ponto de vista do direito da União, uma vez que o artigo 2.o, n.o 2, alínea d), da Diretiva 2008/48 não é aplicável aos contratos de aluguer ou locação financeira que não prevejam uma obrigação de compra do objeto do contrato, seja no próprio contrato, seja num contrato separado. Uma vez que não existe obrigação de compra no caso de contratos de locação financeira com contabilização de quilómetros, um órgão jurisdicional não pode aplicar por analogia a Diretiva 2008/48. O órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas sobre a justeza desta análise.

49.      Em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se um contrato de locação financeira com contabilização de quilómetros, como o que está em causa no processo principal, é abrangido pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2008/48, da Diretiva 2011/83 ou da Diretiva 2002/65. Prevê a possibilidade de aplicação da Diretiva 2008/48 por analogia (14), na medida em que os contratos de locação financeira com contabilização de quilómetros são normalmente concebidos para garantir que, tanto em termos de cálculo como na prática, resultem na amortização total da utilização do veículo. A título subsidiário, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se a locação financeira de um veículo automóvel com contabilização de quilómetros é um serviço financeiro na aceção do artigo 2.o, alínea b), da Diretiva 2002/65, e do artigo 2.o, n.o 12, da Diretiva 2011/83 (15). Em apoio desta abordagem, o órgão jurisdicional de reenvio observa que, no caso dos contratos de locação financeira com contabilização de quilómetros, não existe nenhuma proximidade material entre o locador e o bem locado, uma vez que o locatário escolhe o bem locado de acordo com as suas necessidades. Ao contrário de um locatário stricto sensu, o locatário suporta todos os riscos durante o período de locação, deve segurar o veículo e invocar os seus direitos perante terceiros em caso de defeitos no veículo, ao passo que o locador se limita a financiar a utilização do veículo pelo locatário.

50.      No caso de um contrato de locação financeira com contabilização de quilómetros, como o que está em causa no processo principal, ser abrangido pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2008/48, o órgão jurisdicional de reenvio pretende então saber se os artigos 10.o, n.o 2, alínea p), e 14.o, n.o 1, da mesma são compatíveis com a legislação nacional que estabelece uma presunção legal de que, não obstante qualquer insuficiência nas informações prestadas, a obrigação de fornecer ao consumidor informações sobre o direito de retratação é cumprida quando o contrato contém uma cláusula que corresponde a um modelo legal anexo a essa legislação (a seguir «presunção de legalidade»). O órgão jurisdicional de reenvio pergunta também se deve excluir a aplicação dessa legislação quando considerar adequado fazê‑lo.

51.      O órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à compatibilidade da presunção de legalidade com o Acórdão Kreissparkasse Saarlouis (16). Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça declarou, nomeadamente, que, no que respeita às informações referidas no artigo 10.o da Diretiva 2008/48, o artigo 10.o, n.o 2, alínea p), da mesma deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um contrato de crédito remeta para uma disposição de direito nacional que, por sua vez, remete para outras disposições legislativas nacionais (17). O órgão jurisdicional de reenvio observa que a Décima Primeira Secção Cível do Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça Federal) considerou que não podia seguir esta jurisprudência, uma vez que a letra, o espírito, o objetivo e a origem do artigo 247.o, n.o 6, ponto 2, terceiro período, da EGBGB se opõem a uma interpretação que seja compatível com a Diretiva 2008/48 (18). A referida Secção também não podia considerar a aplicação direta desta diretiva, uma vez que o Tribunal de Justiça tinha excluído, no domínio do crédito ao consumo, a possibilidade de uma interpretação do direito nacional no limite do contra legem para dar cumprimento às exigências do direito da União. O órgão jurisdicional de reenvio considera, todavia, que o Tribunal de Justiça deixou em aberto até agora a aplicação do princípio do primado do direito da União no que diz respeito à Diretiva 2008/48 (19).

52.      Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pede esclarecimentos no que diz respeito às informações que os contratos de crédito ao consumo devem incluir por força do artigo 10.o, n.o 2, alíneas p), l) e t), da Diretiva 2008/48. Pergunta se apenas a falta das informações obrigatórias pode impedir que o prazo de retratação comece a correr em conformidade com o artigo 14.o, n.o 1, da mesma Diretiva ou se o facto de as informações fornecidas serem incompletas ou materialmente incorretas tem a mesma consequência.

53.      Em terceiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o exercício, pelo consumidor, do direito de retratação no caso de um contrato de crédito ao consumo pode prescrever por violação do princípio da boa‑fé consagrado no § 242 do BGB.

54.      Em quarto lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se, e em que condições, o exercício pelo consumidor do direito de retratação de um contrato de crédito ao consumo pode ser considerado abusivo. Salienta que, num acórdão recente, o Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça Federal) declarou que o exercício do direito de retratação pode ser abusivo, e constituir, assim, uma violação do § 242.o do BGB, quando o consumidor, ao invocar a inexistência da presunção de legalidade ligada ao modelo legal, procura explorar uma situação jurídica formal. Segundo o referido órgão jurisdicional, pode ser necessário ter em conta um certo número de fatores neste contexto, entre os quais, que o consumidor pode ter considerado a informação não conforme com o modelo legal irrelevante para a sua situação, que o consumidor pode ter levantado a questão do não cumprimento do modelo legal pela primeira vez durante um recurso sobre uma questão de direito, ou que o consumidor pode ter «exercido o seu direito de retratação para poder restituir o veículo, depois de o ter utilizado de acordo com a sua finalidade durante um período relativamente longo, considerando — erradamente — que ficaria isento da obrigação de pagar uma compensação».

55.      Se, a título subsidiário, um contrato de locação financeira com contabilização de quilómetros como o que está em causa no processo principal consistir na prestação de um serviço financeiro na aceção das Diretivas 2002/65 e 2011/83, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, primeiro, se tal contrato pode ser qualificado de «contrato celebrado fora do estabelecimento comercial» na aceção do artigo 2.o, n.o 8, da Diretiva 2011/83 (20). Questiona‑se se o estabelecimento comercial de uma pessoa meramente envolvida na preparação do contrato, no caso o concessionário automóvel, sem ter poderes para representar o profissional com vista à celebração do referido contrato, constitui o estabelecimento comercial deste profissional para efeitos do artigo 2.o, n.o 9, da Diretiva 2011/83. Coloca‑se a questão concreta de saber se a participação dessa pessoa pode ser equiparada a agir «em nome ou por conta do profissional» na aceção do artigo 2.o, n.o 2, da Diretiva 2011/83 e, consequentemente, do § 312b, n.o 1, segundo período, e § 312b, n.o 2, do BGB.

56.      Segundo, não é claro para o órgão jurisdicional de reenvio se o contrato de locação financeira com contabilização de quilómetros em causa no processo principal é abrangido pelo âmbito da exceção ao direito de retratação estabelecida no artigo 16.o, n.o l, da Diretiva 2011/83 e no § 312g, n.os 2 e 9, do BGB no que respeita aos serviços de aluguer de automóveis. A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio salienta, nomeadamente, que, segundo um Acórdão do Oberlandesgericht München (Tribunal Regional Superior de Munique, Alemanha) de 18 de junho de 2020 (21), o conceito de «aluguer de automóveis» corresponde aos contratos de aluguer de automóveis a curto prazo e não aos contratos de locação financeira com contabilização de quilómetros.

57.      Terceiro, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se um contrato de locação financeira com contabilização de quilómetros, como o que está em causa no processo principal, pode ser classificado como um «contrato à distância» na aceção do artigo 2.o, alínea a), da Diretiva 2002/65 e do artigo 2.o, n.o 7, da Diretiva 2011/83 quando o consumidor tem contacto pessoal apenas com um intermediário que está envolvido simplesmente na preparação do contrato e não tem poderes para representar o profissional com vista à celebração do mesmo (22). Salienta, designadamente, que, segundo o Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça Federal), a condição de «utilização exclusiva de um ou mais meios de comunicação à distância» constante dessas disposições não está preenchida quando o consumidor, na fase preparatória da celebração de um contrato, tem contacto pessoal com um terceiro que, em nome do profissional, lhe fornece informações sobre esse contrato.

58.      Nestas circunstâncias, o Landgericht Ravensburg (Tribunal Regional de Ravensburg) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Relativamente à ficção legal prevista no artigo 247.o, § 6, segundo parágrafo, terceiro período, e no artigo 247.o, § 12, primeiro parágrafo, n.o 1, terceiro período, da [EGBGB]

a)      O artigo 247.o, § 6, segundo parágrafo, terceiro período, e o artigo 247.o, § 12, primeiro parágrafo, n.o 1, terceiro período, da EGBGB, na medida em que declaram que as cláusulas contratuais contrárias ao disposto no artigo 10.o n.o 2, alínea p), da Diretiva [2008/48], cumprem os requisitos do artigo 247.o, § 6, segundo parágrafo, primeiro e segundo períodos, e do artigo 247.o, § 12, primeiro parágrafo, segundo período, alínea b), da EGBGB, são incompatíveis com os artigos 10.o, n.o 2, alínea p), e 14.o, n.o 1, da Diretiva [2008/48]?

Em caso de resposta afirmativa:

b)      Resulta do direito da União, em especial do artigo 10.o, n.o 2, alínea p), e do artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva [2008/48], que o artigo 247.o, § 6, segundo parágrafo, terceiro período, e o artigo 247.o, § 12, primeiro parágrafo, terceiro período, da EGBGB não são aplicáveis, na medida em que declaram que determinadas cláusulas contratuais, contrárias ao disposto no artigo 10.o, n.o 2, alínea p), da Diretiva 2008/48, cumprem os requisitos do artigo 247.o, § 6, segundo parágrafo, primeiro e segundo períodos, e do artigo 247.o, § 12, primeiro parágrafo, segundo período, n.o 2, alínea b), da EGBGB?

Caso a resposta à questão 1. b) não seja afirmativa:

2) Quanto à informação obrigatória prevista no artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva [2008/48]

a)      Deve o artigo 10.o, n.o 2, alínea p), da Diretiva [2008/48] ser interpretado no sentido de que o montante dos juros diários a indicar no contrato de crédito deve ser calculado a partir da taxa devedora contratual indicada no contrato?

b)      Deve o artigo 10.o, n.o 2, alínea l), da Diretiva [2008/48] ser interpretado no sentido de que a taxa de juros de mora em vigor à data da celebração do contrato de crédito deve ser comunicada como número absoluto, ou deve, pelo menos, ser indicada como número absoluto a taxa de referência em vigor [no presente caso, a taxa de juros de base nos termos do § 247 do BGB], com base na qual se define a taxa de juros de mora aplicável mediante uma majoração (no presente caso, de cinco pontos percentuais, em conformidade com o § 288, § 1, segundo período, do BGB) e o consumidor deve ser informado da taxa de juro de referência (taxa de base) e da sua variabilidade?

c)      Deve o artigo 10.o, n.o 2, alínea t), da Diretiva [2008/48] ser interpretado no sentido de que, no texto do contrato de crédito, devem ser comunicados os requisitos formais essenciais de acesso aos procedimentos extrajudiciais de reclamação e de recurso?

Em caso de resposta afirmativa a alguma das questões submetidas nas alíneas a) a c) da segunda questão prejudicial:

d)      Deve o artigo 14.o, n.o 1, segundo período, alínea b), da Diretiva [2008/48] ser interpretado no sentido de que o prazo de retratação não começa a correr enquanto não tiver sido integral e corretamente prestada a informação prevista no artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2008/48?

Em caso de resposta negativa:

e)      Quais os critérios determinantes para que o prazo de retratação comece a correr, não obstante a transmissão de informações incompletas ou incorretas?

Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, alínea a) e/ou alíneas a) a c) da segunda questão:

3)      Quanto à caducidade do direito de retratação nos termos do artigo 14.o, n.o 1, primeiro período, da Diretiva [2008/48]:

a)       O direito de retratação previsto no artigo 14.o, n.o 1, primeiro período, da Diretiva [2008/48] está sujeito a caducidade?

Em caso de resposta afirmativa:

b)      A caducidade é uma limitação temporal do direito de retratação que deve estar prevista numa lei aprovada pelo Parlamento?

Em caso de resposta negativa:

c)      A exceção de caducidade depende, do ponto de vista subjetivo, do facto de o consumidor ter conhecimento de que mantém o direito à retratação ou, pelo menos, de que o seu desconhecimento é imputável a negligência grosseira da sua parte?

Em caso de resposta negativa:

d)      A possibilidade de o mutuante prestar a posteriori ao mutuário a informação devida nos termos do artigo 14.o, n.o 1, segundo período, alínea b), da Diretiva 2008/48, dando assim início à contagem do prazo de retratação, obsta a uma aplicação das regras da caducidade segundo o princípio da boa‑fé?

Em caso de resposta negativa:

e)      Tal situação é compatível com os princípios consagrados no Direito Internacional a que o juiz alemão está vinculado por força da Grundgesetz (Constituição alemã)?

Em caso de resposta afirmativa:

f)      Como deve o jurista alemão dirimir um conflito entre os requisitos vinculativos do Direito Internacional e o exigido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia?

4)      Quanto à presunção de abuso de direito no exercício do direito de retratação do consumidor nos termos do artigo 14.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva [2008/48]:

a)      Pode o exercício do direito de retratação nos termos do artigo 14.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva [2008/48] ser abusivo?

Em caso de resposta afirmativa:

b)      A presunção de exercício abusivo do direito de retratação constitui uma limitação do direito de retratação que deve estar prevista numa lei aprovada pelo Parlamento?

Em caso de resposta negativa:

c)      A presunção de exercício abusivo do direito de retratação depende, do ponto de vista subjetivo, do facto de o consumidor ter conhecimento de que mantém o direito à retratação ou, pelo menos, de que o seu desconhecimento é imputável a negligência grosseira da sua parte?

Em caso de resposta negativa:

d)      A possibilidade de o mutuante prestar subsequentemente ao mutuário a informação devida nos termos do artigo 14.o, n.o 1, segundo parágrafo, alínea b), da Diretiva [2008/48], dando assim início à contagem do prazo de retratação, obsta à presunção do exercício abusivo do direito de retratação segundo o princípio da boa‑fé?

Em caso de resposta negativa:

e)      Tal situação é compatível com os princípios consagrados no Direito Internacional a que o juiz alemão está vinculado por força da Grundgesetz (Constituição alemã)?

Em caso de resposta afirmativa:

f)      Como deve o jurista alemão dirimir um conflito entre os requisitos vinculativos do Direito Internacional e o exigido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia?

5)      Os contratos de locação financeira relativos a veículos automóveis com contabilização de quilómetros com uma duração aproximada de dois a três anos, que contêm uma cláusula de exclusão do direito de retratação ordinário, segundo os quais o consumidor é obrigado a obter um seguro contra todos os riscos para o veículo, cabendo lhe, além disso, acionar garantias perante terceiros (em especial, perante o concessionário e o fabricante do veículo), e ainda suportar o risco da perda, dos danos e de outras desvalorizações do veículo, são abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva [2011/83] e/ou da Diretiva [2008/48] e/ou da Diretiva [2002/65]? Nesse caso, trata se de contratos de crédito na aceção do artigo 3.o, alínea c), da Diretiva [2008/48] e/ou contratos de serviços financeiros na aceção do artigo 2.o, n.o 12, da Diretiva [2011/83], bem como do artigo 2.o, alínea b), da Diretiva [2002/65]?

6)      Se se entender que os contratos de locação financeira relativos a veículos automóveis, como descritos no n.o 5, são contratos de serviços financeiros:

a)      Consideram se também estabelecimentos comerciais imóveis na aceção do artigo 2.o, n.o 9, da Diretiva [2011/83] os estabelecimentos comerciais de uma pessoa que prepara as transações com os consumidores para o profissional, mas não tem ela própria poderes de representação para celebrar os respetivos contratos?

Na afirmativa:

b)      Também é esse o caso quando a pessoa que prepara o contrato exerce uma atividade empresarial noutro domínio e/ou não tem competência ao abrigo do direito de supervisão e/ou do direito civil para celebrar contratos de prestação de serviços financeiros?

7)      Em caso de resposta negativa a uma das questões 6. a) ou b):

Deve o artigo 16.o, primeiro parágrafo, da Diretiva [2011/83] ser interpretado no sentido de que os contratos de locação financeira relativos a veículos automóveis com contabilização de quilómetros (conforme acima descritos no ponto II.5) são abrangidos por essa derrogação?

8)      Se se entender que os contratos de locação financeira relativos a veículos automóveis com contabilização de quilómetros, conforme descritos no ponto II.5, são contratos de prestação de serviços financeiros:

a)      Existe igualmente um contrato à distância na aceção do artigo 2.o, alínea a), da Diretiva [2002/65] e do artigo 2.o, n.o 7, da Diretiva [2011/83], se durante as negociações do contrato tiver havido contacto pessoal com apenas uma pessoa que prepara as transações com os consumidores para o profissional, mas ela própria não tem poder de representação para a celebração dos respetivos contratos?

Na afirmativa:

b)      Também é esse o caso quando a pessoa que prepara o contrato exerce uma atividade empresarial noutro setor e/ou não tem competência ao abrigo do direito de supervisão e/ou do direito civil para celebrar contratos de prestação de serviços financeiros?»

B.      Processo C47/21

59.      Em 12 de abril de 2017, F. F. celebrou com o C. Bank AG, na qualidade de consumidor, um contrato de crédito no montante de 15 111,70 euros para a compra de um veículo automóvel destinado a uso privado.

60.      O concessionário automóvel a quem F. F. comprou o veículo agiu como intermediário de crédito para o C. Bank na preparação e celebração do contrato de crédito e utilizou o modelo de contrato fornecido pelo banco. O preço de compra foi de 14 880 euros. Após dedução de um pagamento inicial de 2 000 euros, o montante em dívida, de 12 880 euros, devia ser financiado por meio de um crédito. Este contrato de crédito prevê o reembolso em 60 prestações mensais, juntamente com um pagamento final de um determinado montante.

61.      Contém a seguinte cláusula (23):

«Direito de retratação

O mutuário dispõe de um prazo de 14 dias para revogar a sua declaração contratual, sem indicar quaisquer razões. O prazo começa a correr após a celebração do contrato, mas unicamente após o mutuário ter recebido toda a informação obrigatória exigida nos termos do § 492, n.o 2, do [BGB] (por exemplo, informações relativas ao tipo de crédito, ao montante líquido do crédito e à duração do contrato). […]»

62.      A propriedade do veículo foi transferida para o C. Bank a título de garantia do reembolso do empréstimo. Após a disponibilização do empréstimo, F. F. pagou integralmente as prestações mensais acordadas. Em 1 de abril de 2020, F. F. exerceu o direito de retratação do contrato de crédito. O C. Bank rejeitou a retratação de F. F.

63.      No âmbito da sua ação para o órgão jurisdicional de reenvio, F. F. pede, após a devolução do veículo ao C. Bank, o reembolso das prestações mensais que pagou e do pagamento inicial que fez ao concessionário automóvel, ou seja, 10 110 euros. Pede igualmente que seja declarado que o C. Bank estava atrasado na retoma do veículo. F. F. alega que a sua retratação é válida, uma vez que o prazo de retratação ainda não começou a correr devido à falta de clareza das informações relativas ao direito de retratação e às informações obrigatórias incorretas que lhe foram fornecidas.

64.      O C. Bank alega que a ação deve ser julgada improcedente. Afirma ter fornecido a F. F. todas as informações obrigatórias através do modelo legal, pelo que essas informações devem ser consideradas corretas em conformidade com o artigo 247.o, n.o 6, alínea 2, primeiro e terceiro períodos, da EGBGB. A retratação de F. F. é, portanto, extemporânea. A título subsidiário, o C. Bank alega que a conduta de F. F. constitui um abuso de direito.

65.      Em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se a legislação nacional que institui a presunção de legalidade é compatível com a Diretiva 2008/48 e se deve excluir a aplicação da mesma quando considerar oportuno. Embora o C. Bank tenha utilizado o modelo legal, fê‑lo incorretamente, na medida em que também forneceu informações sobre contratos conexos irrelevantes para F. F., uma vez que este não tinha celebrado tais contratos. Uma vez que os critérios estabelecidos pelo Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça Federal) para identificar a existência de um abuso de direito estão reunidos no caso em apreço, F. F. não pode alegar que a presunção de legalidade não se aplica. O órgão jurisdicional de reenvio apresenta igualmente as mesmas considerações expostas nos n.os 50 e 51 das presentes conclusões.

66.      Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pretende obter esclarecimentos no que respeita às informações que os contratos de crédito ao consumo devem incluir por força do artigo 10.o, n.o 2, alíneas l), r) e t), da Diretiva 2008/48. Pergunta‑se se o facto de as informações fornecidas serem meramente incompletas ou materialmente incorretas pode impedir que o prazo de retratação comece a correr.

67.      Em terceiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o exercício, por parte do consumidor, do direito de retratação no caso de um contrato de crédito ao consumo pode prescrever por violação do princípio da boa‑fé consagrado no § 242 do BGB.

68.      Em quarto lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se, e em que condições, o exercício, pelo consumidor, do direito de retratação de um contrato de crédito ao consumo pode ser considerado abusivo. As considerações do órgão jurisdicional de reenvio a este respeito são as que figuram no n.o 54 das presentes conclusões.

69.      Em quinto lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pretende ser esclarecido sobre o direito do consumidor ao reembolso das prestações mensais pagas quando um contrato de crédito relativamente ao qual exerceu o direito de retratação está ligado a um contrato de compra e venda de bens. Segundo o Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça Federal), o direito nacional (24) prevê que, em caso de retratação por parte de um consumidor de um contrato de crédito ligado a um contrato de compra e venda de um veículo automóvel, o credor (25) pode recusar‑se a reembolsar as prestações mensais e, se for caso disso, o pagamento inicial, até que esse veículo lhe seja devolvido ou até que o consumidor tenha fornecido prova de que o fez. Em termos de processo civil, o Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça Federal), aplicando por analogia o § 322, n.o 2, do BGB, considera que, em consequência deste requisito de devolução prévia, na medida em que o consumidor tenha exercido o seu direito de retratação, uma ação para pagamento intentada contra o credor só é procedente se o consumidor tiver convidado o credor a retomar o veículo automóvel, fazendo assim uma «oferta efetiva» ao credor na aceção do § 294 do BGB, ou se o consumidor fornecer prova de que o veículo foi devolvido ao credor.

70.      O órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à compatibilidade tanto do requisito de devolução prévia como das suas consequências processuais com a eficácia do direito de retratação previsto no artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48. O exercício do direito de retratação ficaria consideravelmente limitado na prática se o consumidor tivesse de devolver o veículo antes de poder intentar uma ação para obter o reembolso das prestações do empréstimo. Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre o efeito direto do artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48, caso em que deveria excluir a aplicação das disposições nacionais acima mencionadas.

71.      Em sexto lugar, o órgão jurisdicional de reenvio, em formação composta por juiz singular, alega que resulta da jurisprudência do Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça Federal) que, por força das regras processuais nacionais, um juiz singular não está habilitado a submeter ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE e deve, nesse caso, remeter o processo a um órgão jurisdicional composto por vários juízes. Interroga‑se sobre se essas regras são compatíveis com o artigo 267.o TFUE e, em caso de resposta negativa, se devem ser excluídas.

72.      Nestas circunstâncias, o Landgericht Ravensburg (Tribunal Regional de Ravensburg) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais, sendo a redação das questões 1, 3 e 4 idêntica às do processo C‑38/21:

«1)      […]

Independentemente da resposta às questões 1 a) e b):

2)      Quanto à informação obrigatória prevista no artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva [2008/48]

a)      [a questão 2 a) foi retirada]

b)      Quanto ao artigo 10.o, n.o 2, alínea r), da Diretiva [2008/48]:

aa)      Deve esta disposição ser interpretada no sentido de que as informações no contrato de crédito relativas à compensação devida em caso de pagamento antecipado do crédito devem ser precisas de modo a permitir ao consumidor calcular, pelo menos aproximadamente, o montante da compensação devida?

(em caso de resposta afirmativa à questão anterior)

bb)      Os artigos 10.o, n.o 2, alínea r), e 14.o, n.o 1, segundo período, da Diretiva [2008/48] opõem‑se a uma legislação nacional nos termos da qual, no caso de ser prestada informação incompleta na aceção do artigo 10.o, n.o 2, alínea r), da Diretiva [2008/48], o prazo para o exercício do direito de retratação começa a correr a partir da data da celebração do contrato e o direito do mutuante a compensação apenas se extingue pelo reembolso antecipado do crédito?

c)      Deve o artigo 10.o, n.o 2, alínea l), da Diretiva [2008/48] ser interpretado no sentido de que a taxa de juros de mora em vigor à data da celebração do contrato de crédito deve ser comunicada como número absoluto, ou deve, pelo menos, ser indicada como número absoluto a taxa de referência em vigor (no presente caso, a taxa de juros de base nos termos do § 247 do [BGB]), com base na qual se define a taxa de juros de mora aplicável mediante uma majoração (no presente caso, de cinco pontos percentuais, em conformidade com o § 288, § 1, segundo período, do BGB) e deve o consumidor ser informado sobre a taxa de juros de referência (taxa de juros de base) e a sua variabilidade?

d)      Deve o artigo 10.o, n.o 2, alínea t), da Diretiva [2008/48] ser interpretado no sentido de que, no texto do contrato de crédito, devem ser comunicados os requisitos formais essenciais de acesso aos procedimentos extrajudiciais de reclamação e de recurso?

Em caso de resposta afirmativa a, pelo menos, uma das questões 2. a) a d) precedentes:

e)      Deve o artigo 14.o, n.o 1, segundo período, alínea b), da Diretiva [2008/48] ser interpretado no sentido de que o prazo de retratação não começa a correr enquanto não tiver sido integral e corretamente prestada a informação prevista no artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva [2008/48]?

Em caso de resposta negativa:

f)      Quais os critérios determinantes para que o prazo de retratação comece a correr, não obstante a transmissão de informações incompletas ou incorretas?

Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, alínea a) e/ou alíneas a) a c) da segunda questão:

3)      […]

4)      […]

5)      Independentemente da resposta às questões precedentes:

a)      É compatível com o direito da União, em especial com o direito de retratação previsto no artigo 14.o, n.o 1, primeiro período, da Diretiva [2008/48], que, por força do direito nacional, no âmbito de um contrato de crédito ligado a um contrato de compra e venda, após o exercício efetivo do direito de retração do consumidor ao abrigo do artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva [2008/48],

aa)      o direito do consumidor de receber do mutuante o reembolso das prestações do empréstimo já pagas só se vence quando o mesmo, por seu turno, entregar ao mutuante o bem adquirido ou tiver feito prova de que expediu o bem para o mutuante?

bb)      deve a ação proposta pelo consumidor com vista à obtenção do reembolso das prestações do empréstimo já pagas, na sequência da entrega do objeto do contrato de compra e venda, ser julgada improcedente se o mutuante credor não tiver entrado em mora ano que respeita à receção do objeto do contrato de compra e venda?

Em caso de resposta negativa:

b)       Resulta do direito da União que as disposições de direito nacional descritas nas alíneas a) aa) e/ou a) bb) não são aplicáveis?

Independentemente da resposta aos n.os 1 a 5 da segunda questão prejudicial antecedente:

6)      O § 348, segundo parágrafo, n.o 1, do ZPO (Código de Processo Civil alemão), na medida em que também abrange as decisões de reenvio nos termos do artigo 267.o, segundo parágrafo, TFUE, é incompatível com a faculdade de os órgãos jurisdicionais nacionais efetuarem reenvios prejudiciais, não devendo, como tal, ser aplicado a estes últimos?»

C.      Processo C232/21

73.      Os factos subjacentes a este pedido de decisão prejudicial coincidem em larga medida com os do processo C‑47/21. Na sequência de pedidos de empréstimo datados de 30 de junho de 2017, 28 de março de 2017, 26 de janeiro de 2019 e 31 de janeiro de 2012, CR, AY, ML e BQ celebraram, na qualidade de consumidores, com o Volkswagen Bank GmbH (no caso de CR) ou com a sua sucursal Audi Bank, contratos de mútuo nos montantes líquidos de 21 418,66 euros, 28 671,25 euros, 18 972,74 euros e 30 208,10 euros, respetivamente. Cada um destes contratos de mútuo destinava‑se a financiar a compra de um veículo automóvel usado para uso privado. O preço de venda dos veículos adquiridos por CR, AY, ML e BQ foi de 30 490 euros, 31 920 euros, 28 030 euros e 27 750 euros, respetivamente. CR, AY e ML fizeram pagamentos iniciais aos concessionários e financiaram o saldo do preço de compra, juntamente com o custo do seguro de vida e de invalidez, através dos respetivos empréstimos. BQ não fez nenhum pagamento inicial e pagou a totalidade do preço de compra do veículo, juntamente com o seguro de vida e de invalidez, através do empréstimo.

74.      Os contratos de mútuo contêm uma cláusula idêntica ou muito semelhante à reproduzida no n.o 61 das presentes conclusões.

75.      Os concessionários a quem os veículos foram adquiridos agiram como intermediários de crédito para os bancos no âmbito da negociação e celebração dos contratos de mútuo e utilizaram o modelo de contrato fornecido por esses bancos. Os reembolsos dos empréstimos deveriam ser feitos em 48 (no caso de CR e AY), 36 (no caso de ML) e 60 (no caso de BQ) prestações mensais. CR, AY, ML e BQ estavam também obrigados a fazer um pagamento final num montante específico.

76.      Após a disponibilização do montante dos empréstimos, CR, AY, ML e BQ pagaram integralmente as prestações mensais acordadas. No entanto, em 31 de março de 2019, 13 de junho de 2019, 16 de setembro de 2019 e 20 de setembro de 2020, respetivamente, cada um deles exerceu o direito de retratação do seu contrato de mútuo. CR, ML e BQ propuseram devolver o veículo à sede do banco em troca do reembolso simultâneo dos pagamentos que tinham efetuado. BQ liquidou integralmente o empréstimo. O Volkswagen Bank e o Audi Bank recusaram todas estas tentativas de retratação.

77.      CR, AY, ML e BQ interpuseram ações no órgão jurisdicional de reenvio contra o Volkswagen Bank e o Audi Bank. Uma vez que as informações sobre o direito de retratação e as outras informações obrigatórias não lhes foram devidamente comunicadas, argumentam que o prazo de retratação não tinha começado a correr nas datas em que tinham exercido o direito de retratação dos respetivos contratos de empréstimo. CR pede, nomeadamente, o reembolso das prestações mensais que pagou, juntamente com o pagamento inicial feito ao concessionário, simultaneamente, ou em alternativa, após a sua devolução do veículo. Pede igualmente uma declaração que não é responsável por juros ou prestações relativas ao capital a partir da data da retratação e do atraso do banco na retoma do veículo. As reivindicações de ML são essencialmente as mesmas de CR. AY visa principalmente obter uma declaração de que, a partir da data de retratação, já não é responsável pelos juros ou pelo capital do seu empréstimo. BQ visa principalmente o reembolso das prestações mensais pagas e uma declaração do atraso do banco na retoma do veículo.

78.      O Volkswagen Bank e o Audi Bank argumentam, a título principal, que as ações devem ser julgadas improcedentes. Alegam que, ao utilizarem o modelo legal, forneceram a CR, AY, ML e BQ todas as informações obrigatórias e que o prazo de retratação de 14 dias tinha, assim, expirado. No caso de CR e de AY, argumentam, a título subsidiário, que a retratação está prescrita e que confiaram legitimamente no facto de que esses consumidores já não iriam exercer o seu direito de retratação depois de utilizarem os veículos e de pagarem regularmente as suas prestações mensais. No caso do ML e de BQ, alegam também que não estão atrasados na retoma dos veículos, na medida em que estes consumidores não lhes fizeram uma oferta efetiva na aceção do § 294.o do BGB.

79.      O órgão jurisdicional de reenvio salienta que, segundo o Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal e Justiça Federal), as questões da caducidade e do abuso do direito de retratação devem ser apreciadas principalmente à luz dos contratos que as partes já cumpriram integralmente.

80.      Nestas condições, baseando‑se em considerações, em substância, análogas às expostas nos n.os 65 a 71 das presentes conclusões, o Landgericht Ravensburg (Tribunal Regional de Ravensburg) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais, sendo as questões 1, 3 e 4 a 6 praticamente idênticas às submetidas no processo C‑47/21:

«1)      […]

2)      Quanto à informação obrigatória prevista no artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva [2008/48]:

a)      Deve o artigo 10.o, n.o 2, alínea p), da Diretiva [2008/48] ser interpretado no sentido de que o montante dos juros diários a indicar no contrato de crédito deve ser calculado a partir da taxa devedora contratual indicada no contrato?

b)      […]

Em caso de resposta afirmativa a, pelo menos, uma das questões 2. a) ou 2. b):

c)      Deve o artigo 14.o, n.o 1, segundo parágrafo, alínea b), da Diretiva [2008/48] ser interpretado no sentido de que o prazo de retratação não começa a correr enquanto não tiver sido integral e corretamente prestada a informação prevista no artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva [2008/48]?

Em caso de resposta negativa à questão anterior:

d)       Quais os critérios determinantes para que o prazo de retratação comece a correr, não obstante a transmissão de informações incompletas e incorretas?

Em caso de resposta afirmativa às questões 1. a) e/ou a uma das questões 2. a) ou 2. b) anteriores:

3)      Quanto à caducidade do direito de retratação nos termos do artigo 14.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva [2008/48]:

a)      […]

b)      […]

c)      […] Esta regra também se aplica aos contratos rescindidos?

d)      […] Esta regra também se aplica aos contratos rescindidos?

e)      […]

f)      […]

4)      Quanto à presunção de abuso de direito no exercício do direito de retratação do consumidor nos termos do artigo 14.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva [2008/48]:

a)      […]

b)      […]

c)      […] Esta regra também se aplica aos contratos rescindidos?

d)      […] Esta regra também se aplica aos contratos rescindidos?

e)      […]

f)      […]

5)      […]

6)      […]»

IV.    Tramitação dos processos no Tribunal de Justiça

81.      Por Decisão de 22 de abril de 2021, o presidente do Tribunal de Justiça apensou os processos C‑38/21 e C‑47/21 para efeitos das fases escrita e oral e do acórdão.

82.      Por Decisão de 3 de agosto de 2021, o órgão jurisdicional de reenvio retirou a questão 2.a) no processo C‑47/21, por o litígio num dos dois processos principais ter sido resolvido por acordo.

83.      No processo C‑38/21, por Despacho de 24 de agosto de 2021, o órgão jurisdicional de reenvio decidiu apresentar uma adenda ao seu pedido inicial e submeter questões prejudiciais complementares.

84.      Por Decisão de 31 de maio de 2022, o Tribunal de Justiça apensou o processo C‑232/21 e os processos apensos C‑38/21 e C‑47/21 para efeitos da fase oral e do acórdão.

85.      O BMW Bank, o C. Bank, o Volkswagen Bank e o Audi Bank, bem como o Governo alemão e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas. As mesmas partes e CR responderam por escrito a uma questão colocada pelo Tribunal de Justiça em 31 de maio de 2022.

86.      Na audiência de 7 de setembro de 2022, CR, o BMW Bank, o C. Bank, o Volkswagen Bank e o Audi Bank, bem como o Governo alemão e a Comissão apresentaram alegações orais e responderam às questões do Tribunal de Justiça.

V.      Análise

87.      O Tribunal de Justiça pede que as presentes conclusões examinem as questões seguintes:

–        primeira questão nos processos C‑38/21, C‑47/21 e C‑232/21;

–        segunda questão nos processos C‑38/21, C‑47/21 e C‑232/21, na medida em que diz respeito ao início do prazo de retratação em caso de comunicação ao consumidor de informações incompletas ou materialmente incorretas;

–        quarta questão nos processos C‑38/21, C‑47/21 e C‑232/21, na medida em que considera, por referência à conduta do consumidor após a sua retratação do contrato, o recurso à doutrina do abuso de direito para limitar o exercício do direito de retratação, bem como a relevância, neste contexto, do facto de as partes terem executado integralmente o contrato;

–        quinta questão nos processos C‑47/21 e C‑232/21;

–        quinta, sexta e sétima questões no processo C‑38/21.

88.      Para dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio, proporei igualmente uma resposta à oitava questão no processo C‑38/21.

89.      A minha análise destas questões divide‑se em duas partes. Analisarei, em primeiro lugar, o pedido de decisão prejudicial no processo C‑38/21, começando pela quinta questão, relativa à natureza do contrato de locação financeira com contabilização de quilómetros. A resposta a esta questão determina qual das outras questões deve ser respondida. Em seguida, abordarei as questões do órgão jurisdicional de reenvio nos processos C‑47/21 e C‑232/21.

A.      Processo C38/21

1.      Quanto à quinta questão no processo C38/21

90.      Com esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se um contrato de locação financeira relativo a um veículo automóvel com contabilização de quilómetros, como o que está em causa na ação de que é chamado a conhecer, está abrangido pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2002/65, da Diretiva 2008/48 ou da Diretiva 2011/83.

91.      Segundo a descrição fornecida pelo órgão jurisdicional de reenvio, pelo BMW Bank e pelo Governo alemão, o referido contrato tem por objeto, mediante o pagamento de uma prestação mensal, colocar um veículo automóvel à disposição do locatário por um período de dois a três anos, com um limite máximo do número de quilómetros que pode percorrer. No final desse período, se o número de quilómetros percorridos exceder o acordado, o locatário paga uma compensação ao locador. Pelo contrário, se o número de quilómetros percorridos for inferior ao acordado, o locatário é reembolsado pelo locador. O locatário suporta os riscos de perda, danos e outras depreciações do veículo durante toda a duração do contrato e deve, portanto, subscrever um seguro global. Além disso, cabe ao locatário fazer acionar garantias perante terceiros, em especial perante o concessionário automóvel e o fabricante. Nem o contrato de locação financeira com contabilização de quilómetros nem nenhum outro contrato separado, impõem ao locatário uma obrigação de comprar o veículo. Por último, o locatário não assume qualquer garantia de valor residual no termo do contrato; só é obrigado a compensar a perda de valor se, aquando da devolução do veículo, se verificar que o seu estado não corresponde à sua idade ou que o número máximo de quilómetros do contrato foi excedido.

92.      Proponho abordar a quinta questão no processo C‑38/21 em três partes. Em primeiro lugar, considero claro que um contrato de locação financeira com contabilização de quilómetros, como descrito acima, não está abrangido pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2008/48 (26). O artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48 abrange os «contratos de crédito» na aceção do seu artigo 3.o, alínea c). Resulta claramente do seu artigo 2.o, n.o 2, alínea d), que a Diretiva 2008/48 só se aplica aos contratos de locação financeira quando estes prevejam, por si só ou num contrato separado, a obrigação de o locatário adquirir o objeto do contrato (27). Assim, só nessas circunstâncias claramente definidas é que os contratos de locação financeira podem ser considerados contratos de crédito na aceção da Diretiva 2008/48. Resulta do pedido de decisão prejudicial no processo C‑38/21 que nem o contrato de locação financeira com contabilização de quilómetros nem nenhum contrato separado contêm uma obrigação de compra do veículo automóvel em questão.

93.      Não aceito o argumento do órgão jurisdicional de reenvio de que é possível aplicar as disposições da Diretiva 2008/48 por analogia, uma vez que os contratos de locação financeira com contabilização de quilómetros são geralmente concebidos para resultar na amortização integral da utilização do veículo durante o período de locação. Chego a esta conclusão pela simples razão de que a Diretiva 2008/48 exclui inequivocamente do seu âmbito de aplicação os contratos de locação financeira sem obrigação de compra (28). Em qualquer caso, como salientam com razão o BMW Bank e o Governo alemão, não existe, no presente processo, um vazio jurídico suscetível de justificar o recurso à aplicação por analogia de regras diferentes.

94.      Em segundo lugar, no que diz respeito à aplicação da Diretiva 2002/65, o seu artigo 1.o, n.o 1, define o objeto da mesma como sendo a aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas à comercialização à distância de serviços financeiros prestados a consumidores (29). O artigo 2.o, alínea b), da Diretiva 2002/65 define «[s]erviço financeiro» como «qualquer serviço bancário, de crédito, de seguros, de pensão individual, de investimento ou de pagamento» (30).

95.      Partilho da opinião do Governo alemão segundo a qual um contrato de locação financeira com contabilização de quilómetros, como o que está em causa no processo principal, não constitui um «serviço bancário» na aceção do artigo 2.o, alínea b), da Diretiva 2002/65. O tipo de contrato em apreço é, quase exclusivamente, oferecido por bancos pertencentes a fabricantes de automóveis, como no presente caso, ou por empresas especializadas na locação de veículos automóveis, como as sociedades de aluguer de automóveis. Embora caiba ao órgão jurisdicional de reenvio verificar esta questão, os contratos de locação financeira com contabilização de quilómetros não constituem os meios de exploração do que pode ser descrito como bancos «comerciais». O facto de um banco ser parte num contrato de locação financeira com contabilização de quilómetros não é, por si só, suficiente para considerar que o referido contrato tem por objeto um «serviço bancário». Como explicado abaixo, para que tal aconteça é necessário que o contrato em causa cumpra uma função de financiamento.

96.      A questão é, antes, saber se tal contrato de locação financeira pode constituir um contrato de «serviço […], de crédito» na aceção do artigo 2.o, alínea b), da Diretiva 2002/65. Uma vez que esta diretiva não define o conceito de «crédito», pode considerar‑se uma remissão para a definição do conceito de «contrato de crédito» que figura no artigo 3.o, alínea c), da Diretiva 2008/48 para o interpretar. Nesta ótica, os contratos de locação financeira que não prevejam uma obrigação de compra não dizem respeito a um «serviço de crédito», uma vez que, como explica o n.o 92 das presentes conclusões, não são contratos de crédito na aceção da Diretiva 2008/48. Esta solução parece‑me algo artificial, uma vez que não se pode excluir que, quando aprovou a Diretiva 2002/65, o legislador tenha adotado uma interpretação mais ampla do conceito de crédito do que a que mais tarde adotou na Diretiva 2008/48.

97.      Partilho da opinião expressa pelas partes que apresentaram observações no processo C‑38/21, segundo a qual a resposta a esta questão depende da identificação do objeto principal de um contrato de locação financeira com contabilização de quilómetros que não preveja a obrigação de compra desse veículo automóvel. Na minha opinião, unicamente se esse contrato cumprir principalmente uma função de financiamento é que pode ser considerado como estando relacionado com um serviço financeiro e, consequentemente, abrangido pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2002/65.

98.      Partilho da análise do BMW Bank e do Governo alemão segundo a qual o objeto principal de tal contrato é permitir ao consumidor utilizar um veículo à sua escolha durante um período determinado mediante o pagamento de uma mensalidade.

99.      É certo que, como alega a Comissão, no âmbito de um contrato de locação financeira, um consumidor beneficia de um auxílio financeiro destinado a facilitar a utilização de bens móveis ou imóveis. Um contrato de locação financeira substitui o financiamento da transação, que o consumidor teria de obter de outro modo. Como a Comissão também sustenta com alguma ambiguidade, tal contrato constitui um meio de «financiar a utilização de um veículo».

100. Na minha opinião, um contrato de locação financeira com contabilização de quilómetros, como o que está em causa no processo principal, não cumpre, em rigor, uma função de financiamento para o consumidor, no sentido de lhe permitir adquirir um veículo através do diferimento do pagamento. O locador não fornece ao consumidor capital para esse fim. O locador compra o veículo e é proprietário do mesmo durante e após o termo do contrato de locação financeira com contabilização de quilómetros, apesar de o consumidor ter escolhido o veículo. O consumidor não é responsável pela amortização total das despesas efetuadas pelo locador com a aquisição do veículo e os pagamentos efetuados neste âmbito não compensam necessariamente essas despesas. O locador assume igualmente os riscos associados ao valor residual do veículo no termo do contrato. Como o Governo alemão salienta com razão, a compensação prevista no contrato de locação financeira relativamente à sobreutilização ou à subutilização do veículo não garante ao locador o benefício de um determinado valor residual ou a amortização total da utilização desse veículo.

101. A Comissão salienta igualmente que, nos termos de um contrato deste tipo, o consumidor assume direitos e obrigações que habitualmente cabem ao proprietário do veículo, incluindo a responsabilidade pelos prémios de seguro, custos de manutenção e impostos, bem como risco de danos ou perdas. Incumbe ainda ao consumidor acionar igualmente garantias perante terceiros. No entanto, estes direitos e obrigações subsistem durante todo o período de utilização do veículo conforme estipulado no contrato de locação financeira e limitam‑se aos riscos decorrentes dessa utilização, que incumbe, em última análise, ao consumidor.

102. Considero, portanto, que um contrato de locação financeira de um veículo automóvel com contabilização de quilómetros que não prevê uma obrigação de compra não está abrangido pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2002/65 (31).

103. Em terceiro lugar, considero que tal contrato tem a natureza de um contrato de prestação de serviços na aceção da Diretiva 2011/83, que é aplicável «aos contratos celebrados entre um profissional e um consumidor» (32). A Diretiva 2011/83 define «contrato de prestação de serviços» como qualquer contrato, com exceção de um contrato de compra e venda, na aceção do seu artigo 2.o, n.o 5 (33), ao abrigo do qual o profissional fornece ou se compromete a fornecer um serviço ao consumidor e o consumidor paga ou se compromete a pagar o respetivo preço (34). Este tipo de contrato compreende claramente contratos, como o que está em causa no processo C‑38/21, através dos quais um profissional transfere para um consumidor, mediante remuneração, o direito de utilizar um veículo automóvel durante um determinado período de tempo (35).

104. Por uma questão de exaustividade, acrescento que a minha análise me leva a concluir que o contrato de locação financeira com contabilização de quilómetros em causa no processo principal não prossegue simultaneamente a finalidade de financiamento e de transferência do direito de utilização do veículo. Por conseguinte, não concordo com a abordagem da Comissão segundo a qual a Diretiva 2002/65 e a Diretiva 2011/83 se aplicam paralelamente. Esta abordagem é inconsistente com dois factos. O âmbito de aplicação de cada diretiva é definido com precisão. Existe um contrato único e indivisível, nos termos do qual o consumidor utiliza um veículo mediante o pagamento de uma remuneração. A aplicação simultânea de várias diretivas a esse contrato comprometeria, portanto, a segurança jurídica e o objetivo de assegurar um elevado nível de defesa do consumidor.

105. Nestas circunstâncias, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à quinta questão do processo C‑38/21 no sentido de que os contratos de locação financeira relativos a veículos automóveis com contabilização de quilómetros, com uma duração aproximada de dois a três anos, que contenham uma cláusula de exclusão do direito de retratação ordinário, que não prevejam, nos próprios contratos ou em contrato separado, a obrigação de compra do objeto do contrato por parte do consumidor, considerando‑se que tal obrigação existe se o locador assim o decidir unilateralmente, e que prevejam que o consumidor é obrigado a subscrever um seguro contra todos os riscos para o veículo, cabendo‑lhe, além disso, acionar garantias perante terceiros (em especial, perante o concessionário automóvel e o fabricante), e ainda suportar o risco de perda, de danos e de outras desvalorizações do veículo, são abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2011/83. Não se trata de contratos de crédito na aceção do artigo 3.o, alínea c), da Diretiva 2008/48, nem de contratos de serviços financeiros na aceção do artigo 2.o, n.o 12, da Diretiva 2011/83, bem como do artigo 2.o, alínea b), da Diretiva 2002/65.

2.      Quanto à sexta questão no processo C38/21

106. Com esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se, tendo em conta as condições em que o contrato de locação financeira com contabilização de quilómetros em causa no processo principal foi celebrado, descritas no n.o 42 das presentes conclusões, o referido contrato deve ser considerado um «contrato celebrado fora do estabelecimento comercial», na aceção do artigo 2.o, n.o 8, da Diretiva 2011/83. Mais especificamente, pretende saber se o estabelecimento do concessionário automóvel onde o consumidor apresenta um pedido de aluguer de um veículo deve ser considerado «estabelecimento comercial» do profissional para efeitos do artigo 2.o, n.o 9, desta diretiva, quando o concessionário intervém simplesmente na preparação do contrato, sem ter poderes para o celebrar.

107. O artigo 2.o, n.o 8, alínea a), da Diretiva 2011/83 define «[c]ontrato celebrado fora do estabelecimento comercial» como qualquer contrato entre o profissional e o consumidor «[c]elebrado na presença física simultânea do profissional e do consumidor, em local que não seja o estabelecimento comercial do profissional». Nos termos do artigo 2.o, n.o 9, alínea a), desta diretiva, entende‑se por «[e]stabelecimento comercial» «[q]uaisquer instalações imóveis de venda a retalho, onde o profissional exerça a sua atividade de forma permanente».

108. Resulta do considerando 22 da Diretiva 2011/83 que o conceito de «estabelecimento comercial» deve ser entendido em sentido amplo e que o estabelecimento comercial de uma pessoa que atue em nome do profissional ou por sua conta, tal como na presente diretiva, deve ser considerado como tal. O artigo 2.o, n.o 2, da Diretiva 2011/83 define «[p]rofissional» como qualquer pessoa singular ou coletiva, pública ou privada, que, «nos contratos abrangidos pela presente diretiva, atue, incluindo através de outra pessoa que atue em seu nome ou por sua conta, no âmbito da sua atividade comercial, industrial, artesanal ou profissional».

109. Pode deduzir‑se do que precede que o critério decisivo para saber se o estabelecimento comercial de uma pessoa que atua como intermediário, neste caso o concessionário automóvel, pode ser classificado como «estabelecimento comercial» do profissional é saber se essa pessoa atua em nome desse profissional ou por sua conta.

110. Nos termos do seu considerando 16, a Diretiva 2011/83 não deverá afetar o direito nacional em matéria de representação jurídica, como as regras respeitantes à pessoa que atua em nome do profissional ou por sua conta. Daqui resulta que, para responder à presente questão, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar, à luz do direito nacional, a relação jurídica existente entre o concessionário automóvel e o banco nas circunstâncias do processo em apreço e determinar se se pode deduzir dessa relação que o primeiro agiu em nome ou por conta do segundo.

111. Apesar de se tratar de uma questão de direito nacional, a Diretiva 2011/83 dá algumas indicações sobre o modo como esta questão deve ser abordada. A este respeito, embora o artigo 2.o, n.o 8, alínea a), da Diretiva 2011/83 se refira a um contrato «celebrado», parece‑me que, para que as instalações do intermediário possam ser consideradas «estabelecimento comercial» do profissional, não é necessário que o intermediário esteja especificamente mandatado para a celebração do contrato com o consumidor.

112. Daqui resulta que a intervenção do intermediário na fase da negociação do contrato basta para equiparar as suas instalações ao estabelecimento comercial do profissional, desde que tal intervenção seja suficientemente significativa e inclua um dever do intermediário de fornecer ao consumidor as informações a que se refere o artigo 5.o da Diretiva 2011/83.

113. Por último, afigura‑se que o considerando 21 da Diretiva 2011/83 expõe o objetivo das disposições que regem os «contrato[s] celebrado[s] fora do estabelecimento comercial», nos termos do qual os consumidores, quando se encontrem fora do estabelecimento comercial, poderão estar sujeitos a uma eventual pressão psicológica ou ser confrontados com um elemento de surpresa, independentemente de os consumidores terem ou não solicitado a visita do profissional (36). Estas disposições claramente não visam proteger os consumidores que se deslocam espontaneamente a instalações onde podem esperar ser abordados pelo profissional com vista à celebração de contratos. Por conseguinte, não estou convencido de que um consumidor que pretenda adquirir um veículo seja surpreendido quando, ao visitar as instalações do concessionário automóvel ligado a um banco que oferece contratos de locação financeira, for confrontado com ofertas de celebração de um contrato desse tipo.

114. Nestas circunstâncias, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à sexta questão no processo C‑38/21 que o artigo 2.o, n.o 9, da Diretiva 2011/83 deve ser interpretado no sentido de que o estabelecimento comercial de uma pessoa que atua em nome ou por conta do profissional, conforme definido no artigo 2.o, n.o 2, desta diretiva, deve ser considerado o «estabelecimento comercial» desse profissional. Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se, nas circunstâncias particulares do processo de que é chamado a conhecer e por força do direito nacional, o intermediário agiu em nome ou por conta do profissional para negociar ou celebrar o contrato de locação financeira com contabilização de quilómetros.

3.      Quanto à sétima questão no processo C38/21

115. Com esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se a exceção ao direito de retratação prevista no artigo 16.o, alínea l), da Diretiva 2011/83 se aplica a um contrato de locação financeira com contabilização de quilómetros como o que está em causa no processo principal.

116. Os artigos 9.o a 15.o da Diretiva 2011/83 conferem ao consumidor um direito de retratação na sequência da celebração de um contrato à distância ou fora do estabelecimento comercial, conforme definido, respetivamente, no artigo 2.o, n.o 7, e no artigo 2.o, n.o 8, da mesma e descrevem as condições e modalidades de exercício desse direito. O artigo 16.o da Diretiva 2011/83 contém exceções ao direito de retratação, nomeadamente nos contratos de prestação de serviços de aluguer de automóveis com data ou período de execução específicos. Esta disposição deve ser objeto de interpretação estrita, uma vez que derroga as regras do direito da União que visam proteger os consumidores (37).

117. No que respeita, em primeiro lugar, à questão de saber se os contratos de locação financeira com contabilização de quilómetros são contratos de prestação de «serviços de aluguer de automóveis», resulta da jurisprudência que o conceito de «serviços de aluguer de automóveis» se refere à «disponibilização de um meio de transporte ao consumidor» (38). O Tribunal de Justiça também declarou que um contrato de aluguer de automóveis tem por objetivo permitir a realização de um transporte de passageiros (39). À luz destes elementos, pode parecer à primeira vista que um contrato de locação financeira com contabilização de quilómetros, cujo objetivo é colocar à disposição do consumidor a utilização de um veículo automóvel, se enquadra no conceito de «prestação de serviços de aluguer de automóveis».

118. Todavia, resulta do considerando 49 da Diretiva 2011/83 que o artigo 16.o, alínea l), da mesma prossegue o objetivo de proteger o profissional contra o risco associado à reserva de capacidades que este possa ter dificuldades em preencher em caso de exercício do direito de retratação (40). Do mesmo modo, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o artigo 16.o, alínea l), visa, nomeadamente, proteger certos prestadores de serviços de inconvenientes desproporcionados decorrentes de facilitar anulações de última hora sem quaisquer despesas nem justificação por parte do consumidor (41). Ao contrário da Comissão, não estou convencido da existência de tal risco ou de inconvenientes desproporcionados no contexto de um contrato de locação financeira de um veículo automóvel, uma vez que o locador, que continua a ser proprietário desse veículo, tem a opção de o afetar a outras utilizações, como o aluguer ou a revenda, no caso do exercício de um direito de retratação. Por conseguinte, considero que a exceção ao direito de retratação prevista no artigo 16.o, alínea l), da Diretiva 2011/83 não se aplica num caso como o pendente no órgão jurisdicional de reenvio. Neste contexto, observo igualmente que decorre do facto de a exceção ser aplicável quando o contrato previr «uma data ou período de execução específicos», que a intenção do legislador era incluir apenas o aluguer de automóveis de curta duração.

119. Nestas circunstâncias, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à sétima questão no processo C‑38/21 que o artigo 16.o, alínea l), da Diretiva 2011/83 deve ser interpretado no sentido de que a exceção que prevê não se aplica aos contratos de locação financeira de veículos automóveis com contabilização de quilómetros.

4.      Quanto à oitava questão no processo C38/21

120. Com esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se um contrato de locação financeira com contabilização de quilómetros como o que está em causa no processo principal pode ser classificado como «[c]ontrato à distância», na aceção do artigo 2.o, alínea a), da Diretiva 2002/65 e do artigo 2.o, n.o 7, da Diretiva 2011/83, quando o consumidor tem contacto pessoal apenas com um intermediário que intervém simplesmente na preparação do contrato e tem condições para o informar sobre o serviço proposto, mas não tem poderes para representar o profissional na celebração do mesmo contrato.

121. O artigo 2.o, n.o 7, da Diretiva 2011/83 define «[c]ontrato à distância» como qualquer contrato celebrado entre o profissional e o consumidor no âmbito de um sistema de vendas ou prestação de serviços organizado para o comércio à distância, sem a presença física simultânea do profissional e do consumidor, mediante a utilização exclusiva de um ou mais meios de comunicação à distância até ao momento da celebração do contrato, inclusive. O artigo 2.o, alínea a), da Diretiva 2002/65 estabelece uma definição muito semelhante (42).

122. Na minha opinião, um contrato não é celebrado com a utilização «exclusiva» de um ou mais meios de comunicação à distância «até ao momento» da sua celebração quando um intermediário interveio, em nome ou por conta do profissional, na negociação do referido contrato, dando ao consumidor, na presença deste último, informações detalhadas sobre o conteúdo do contrato e respondendo às suas questões.

123. O artigo 2.o, n.o 2, da Diretiva 2011/83 define como profissional qualquer pessoa que atue em nome ou por conta deste. Não me parece determinante que essa pessoa não disponha do poder de atuar em nome ou por conta do profissional para efeitos da celebração do contrato, sendo suficiente a participação nessa capacidade durante a negociação. A este respeito, resulta do considerando 20 da Diretiva 2011/83 que, embora a definição de contrato à distância também abranja situações em que um consumidor visita um estabelecimento comercial apenas para recolher informações sobre os bens ou serviços, enquanto as subsequentes negociação e celebração do contrato têm lugar à distância, um contrato negociado no estabelecimento comercial do profissional e celebrado através de comunicação à distância não é considerado contrato à distância.

124. No presente processo, resulta dos elementos de facto apresentados pelo órgão jurisdicional de reenvio que o concessionário automóvel, na presença de VK, calculou os diferentes elementos do contrato de locação financeira com contabilização de quilómetros (duração da locação, pagamento inicial e montante das prestações mensais), discutiu‑os com VK e estava autorizado e capaz de responder a todas as questões de VK. Nestas circunstâncias, pode considerar‑se que VK não estava simplesmente a recolher informações sobre um contrato de locação financeira com contabilização de quilómetros, mas, pelo contrário, estava «fisicamente» envolvido com o concessionário automóvel na negociação desse contrato, que não deve, portanto, ser qualificado de contrato à distância. Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar, à luz do direito nacional e das circunstâncias específicas do processo, se o concessionário estava autorizado a agir em nome ou por conta do banco, pelo menos para efeitos da negociação do contrato de locação financeira com contabilização de quilómetros em causa no processo principal, e se o alcance da participação desse concessionário pode ser equiparado a uma negociação.

125. Por uma questão de exaustividade, observo que o órgão jurisdicional de reenvio não indica se o contrato foi celebrado no âmbito de um «sistema de vendas ou prestação de serviços organizado para o comércio à distância» (43). De novo, cabe a esse órgão jurisdicional apurar a presença deste elemento.

126. Por conseguinte, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à oitava questão no processo C‑38/21 que o artigo 2.o, n.o 7, da Diretiva 2011/83 deve ser interpretado no sentido de que um contrato não pode ser qualificado de contrato à distância quando uma pessoa, que atua em nome ou por conta do profissional, intervém na negociação desse contrato na presença física do consumidor. Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se, nas circunstâncias específicas do processo e por força do direito nacional, o intermediário agiu em nome ou por conta do profissional para negociar o contrato de locação financeira com contabilização de quilómetros.

5.      Conclusão intercalar

127. Se, à luz das respostas do Tribunal de Justiça, o órgão jurisdicional de reenvio considerar que o contrato de locação financeira com contabilização de quilómetros em causa no processo principal constitui um contrato celebrado fora do estabelecimento comercial ou um contrato à distância e que a exceção ao direito de retratação prevista no artigo 16.o, alínea l), da Diretiva 2011/83 não se aplica a esse contrato, deve, em princípio, concluir que VK beneficiava desse direito com base artigo 9.o, n.o 1, da mesma diretiva (44).

128. Nestas circunstâncias, o órgão jurisdicional de reenvio deve ainda apurar se VK exerceu esse direito no prazo previsto pelo artigo 9.o, n.o 2, da Diretiva 2011/83, eventualmente conjugado com o artigo 10.o da mesma. Uma vez que não se pode excluir que VK beneficiava desse direito de retratação, a terceira e quarta questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio no processo C‑38/21 são pertinentes para a resolução do litígio no processo principal (45). Quanto à resposta à quarta questão no processo C‑38/21, que o Tribunal de Justiça me pediu para examinar, remeto para a minha análise da questão correspondente nos processos C‑47/21 e C‑232/21, exposta nos n.os 149 a 158 das presentes conclusões.

B.      Processos C47/21 e C232/21.

1.      Quanto à primeira questão nos processos C47/21 e C232/21

129. Com a sua primeira questão nos processos C‑47/21 e C‑232/21, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a Diretiva 2008/48 se opõe a uma legislação nacional que institui uma presunção jurídica segundo a qual o profissional cumpre a sua obrigação de informar o consumidor sobre o direito de retratação ao incluir no contrato uma cláusula correspondente a um modelo legal que não é conforme com as exigências da referida diretiva. Nesse caso, o órgão jurisdicional de reenvio deve excluir a aplicação dessa legislação nacional?

130. No que respeita à primeira parte da questão, os contratos de mútuo em causa nos processos C‑47/21 e C‑232/21 contêm, cada um, uma cláusula segundo a qual o prazo de retratação começa a correr após a celebração do contrato, mas não antes de o mutuário ter recebido todas as informações obrigatórias a que se refere o § 492.o, n.o 2, do BGB. Esta disposição remete, ela própria, para o artigo 247.o, n.os 6 a 13, da EGBGB, que, por sua vez, remete para outras disposições do BGB. Uma cláusula deste tipo é, para todos os efeitos práticos, idêntica à que o Tribunal de Justiça declarou contrária ao artigo 10.o, n.o 2, alínea p), da Diretiva 2008/48, no Acórdão Kreissparkasse Saarlouis (46).

131. A cláusula que figura nos referidos contratos de mútuo corresponde igualmente ao modelo estabelecido na versão então aplicável do anexo 7 da EGBGB (47). O artigo 247.o, n.o 6 (2), terceiro período, e o artigo 247.o, n.o 12 (1), terceiro período, da EGBGB criam uma presunção de legalidade segundo a qual, quando o contrato contém uma cláusula correspondente a esse modelo, cumpre as exigências legais de informação sobre o direito de retratação.

132. Quanto às informações para as quais remete o artigo 10.o da Diretiva 2008/48, o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 10.o, n.o 2, alínea p), da mesma, se opõe a um contrato de crédito que remete para uma disposição nacional que, por sua vez, remete para outras disposições legislativas nacionais. Daqui resulta que uma legislação nacional que institui uma presunção de legalidade, como a descrita no n.o 131 das presentes conclusões, é igualmente incompatível com a referida diretiva. A maioria das partes no processo pendente no Tribunal de Justiça parece partilhar deste ponto de vista. O Governo alemão sublinhou mesmo, tanto nas suas observações escritas como na audiência, que o modelo legal estabelecido no anexo 7 da EGBGB foi alterado com efeitos a partir de 15 de junho de 2021, a fim de respeitar a interpretação adotada pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Kreissparkasse Saarlouis (48).

133. A segunda parte desta questão diz respeito às consequências jurídicas da declaração de incompatibilidade com a Diretiva 2008/48 da presunção de legalidade instituída pelo artigo 247.o, n.o 6 (2), terceiro período, e pelo artigo 247.o, n.o 12 (1), terceiro período, da EGBGB.

134. Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a interpretação que este faz de uma regra de direito da União clarifica e precisa o significado e o alcance dessa regra, tal como deve ser ou deveria ter sido entendida e aplicada desde o momento da sua entrada em vigor. Os órgãos jurisdicionais devem aplicar a norma assim interpretada mesmo a relações jurídicas surgidas e constituídas após a entrada em vigor dessa norma e antes do acórdão que se pronuncia sobre o pedido de interpretação se estiverem também reunidas relativamente a outros aspetos as condições que permitem submeter aos órgãos jurisdicionais competentes um litígio relativo à aplicação da referida norma (49). É igualmente jurisprudência constante que incumbe aos órgãos jurisdicionais nacionais interpretar, sempre que possível, o seu direito interno em conformidade com o direito da União e reconhecer aos particulares a possibilidade de obter reparação quando os seus direitos sejam lesados por uma violação do direito da União imputável a um Estado‑Membro (50). A este propósito, um órgão jurisdicional nacional não pode validamente considerar que lhe é impossível interpretar uma disposição nacional em conformidade com o direito da União pelo simples facto de essa disposição ter, de forma constante, sido interpretada num sentido que não é compatível com este direito (51).

135. A obrigação que incumbe ao juiz nacional de se basear no conteúdo de uma diretiva quando interpreta e aplica as regras pertinentes do direito interno está limitada pelos princípios gerais do direito. Além disso, não pode servir de fundamento a uma interpretação contra legem do direito nacional (52). Nos presentes processos, o órgão jurisdicional de reenvio afirma que o Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça Federal) declarou que uma interpretação das disposições nacionais em causa conforme com a Diretiva 2008/48 não é possível e seria, portanto, contra legem. O C. Bank, o Volkswagen Bank, o Audi Bank e o Governo Alemão apoiam este ponto de vista.

136. Quando o juiz nacional encarregado de aplicar, no âmbito da sua competência, as disposições do direito da União não tem possibilidade de interpretar a legislação nacional de acordo com as exigências do direito da União, tem a obrigação, por força do princípio do primado, de garantir o pleno efeito das mesmas, não aplicando, se necessário, por sua própria iniciativa, qualquer disposição contrária da legislação nacional, ainda que posterior, sem ter de pedir ou esperar pela sua revogação prévia por via legislativa ou por qualquer outro procedimento constitucional (53). Uma disposição do direito da União que não tenha efeito direto não pode, no entanto, ser invocada, enquanto tal, no âmbito de um litígio abrangido pelo direito da União, a fim de excluir a aplicação de uma disposição de direito nacional que lhe seja contrária (54).

137. Nos presentes processos não é necessário determinar se as disposições da Diretiva 2008/48 em questão têm efeito direto. Como o Tribunal de Justiça reiterou recentemente no seu Acórdão Thelen Technopark Berlin (55) e como o C. Bank, o Volkswagen Bank, o Audi Bank, o Governo alemão e a Comissão referem nas respetivas observações escritas, é jurisprudência constante que uma diretiva não pode, por si mesma, criar obrigações em relação a um particular, e não pode assim ser invocada enquanto tal contra este num órgão jurisdicional nacional. Uma vez que os litígios nos processos principais são entre consumidores e bancos privados, o órgão jurisdicional de reenvio não pode ser obrigado a excluir a aplicação das disposições nacionais em causa unicamente com fundamento na Diretiva 2008/48.

138. Como a Comissão alega nas suas observações escritas, a República Federal da Alemanha pode, no entanto, incorrer em responsabilidade extracontratual pelo facto de a sua legislação nacional ser contrária à Diretiva 2008/48. Como o Tribunal de Justiça recordou igualmente no seu Acórdão Thelen Technopark Berlin (56), a parte lesada pela não conformidade do direito nacional com o direito da União pode invocar a jurisprudência resultante do Acórdão Francovich e o. (57) para obter a reparação adequada dos danos sofridos em consequência da referida não conformidade.

139. À luz do que precede, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à primeira questão nos processos C‑47/21 e C‑232/21, que o artigo 10.o, n.o 2, alínea p), da Diretiva 2008/48, lido em conjugação com o seu artigo 14.o, n.o 1, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa nos processos principais, que institui uma presunção de legalidade segundo a qual, quando um contrato de crédito contém uma cláusula correspondente a um modelo legal, essa cláusula é conforme com as exigências do direito nacional em matéria de informação sobre o direito de retratação, ainda que não seja conforme com as exigências do artigo 10.o, n.o 2, alínea p), da referida diretiva. Um órgão jurisdicional nacional, chamado a conhecer de um litígio entre particulares, não é obrigado, apenas com base no direito da União, a excluir a aplicação dessa legislação nacional, mesmo que seja contrária ao artigo 10.o, n.o 2, alínea p), da Diretiva 2008/48, sem prejuízo do direito de uma parte lesada pela referida não conformidade do direito nacional com o direito da União a pedir a reparação dos danos daí decorrentes.

140. Tendo em conta a resposta proposta à presente questão, o Tribunal de Justiça não tem, em minha opinião, de se pronunciar sobre o pedido do Governo alemão de que os efeitos do acórdão do Tribunal de Justiça sejam limitados à data da sua prolação. Pode observar‑se que este pedido é formulado na hipótese de o Tribunal de Justiça considerar que «o conceito de presunção de legalidade enquanto tal, ou seja, independentemente de essa presunção se aplicar em condições conformes com os 10.o e 14.o do Diretiva [2008/48], é contrário ao direito da União» ou que a presunção não deve ser aplicada por ser contrária ao artigo 10.o, n.o 2, alínea p), da Diretiva 2008/48 e de esta disposição ser de aplicação direta. Nenhuma destas duas situações se verifica aqui.

2.      Quanto à segunda questão nos processos C47/21 e C232/21

141. A segunda questão, que está dividida em várias subquestões, diz respeito às informações que o artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2008/48 exige que constem de um contrato de crédito ao consumo. O órgão jurisdicional de reenvio pergunta, nomeadamente, se o prazo de retratação só começa a correr, em conformidade com o artigo 14.o, n.o 1, desta diretiva, quando as informações fornecidas estejam completas e corretas. Se não for esse o caso, interroga‑se sobre os critérios que determinam o momento a partir do qual se considera que esse prazo de retratação tem início.

142. A obrigação de especificar de forma clara e concisa no contrato de crédito as informações referidas no artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2008/48 visa permitir ao consumidor conhecer os direitos e obrigações que lhe incumbem por força desse contrato (58). O conhecimento e uma boa compreensão dessas informações por parte dos consumidores são necessários para a boa execução desse contrato e, em especial, para o exercício dos direitos do consumidor, entre os quais figura o seu direito de retratação (59). Como o Tribunal de Justiça observou no Acórdão Kreissparkasse Saarlouis, esta exigência contribui para a realização do objetivo prosseguido pela Diretiva 2008/48, que consiste em prever, em matéria de crédito aos consumidores, uma harmonização plena e imperativa em determinados domínios‑chave, a qual é considerada necessária para assegurar a todos os consumidores da União um nível elevado e equivalente de proteção dos seus interesses e para facilitar a emergência de um mercado interno eficaz em matéria de crédito ao consumo (60).

143. Como alega acertadamente a Comissão nas suas observações escritas, o artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2008/48 constitui a expressão do sistema de proteção subjacente à diretiva, baseado na ideia de que o consumidor se encontra numa situação de inferioridade relativamente ao mutuante, no que respeita quer ao poder de negociação, quer ao nível de informação, situação que o leva a aderir às condições redigidas previamente pelo mutuante, sem poder influenciar o respetivo conteúdo (61).

144. Resulta da leitura conjugada do artigo 10.o, n.o 2, e do artigo 14.o, n.o 1, segundo parágrafo, alínea b), da Diretiva 2008/48 que o prazo de retratação de 14 dias começa a correr a partir do dia da celebração do contrato de crédito se este último incluir todas as informações obrigatórias. Se alguma das informações obrigatórias não for fornecida ao consumidor nesse dia, o referido prazo de retratação de 14 dias começa a correr a partir do dia em que o consumidor recebe a informação em falta.

145. À luz do objetivo do artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2008/48, conforme exposto no n.o 142 das presentes conclusões, e do facto de as informações a que esta disposição se refere deverem ser especificadas «de forma clara e concisa», considero, tal como a Comissão, que as informações obrigatórias devem ser tidas como não incluídas na aceção dessa diretiva se forem de tal forma incompletas ou materialmente incorretas que o seu conteúdo induza o consumidor em erro quanto aos seus direitos e obrigações (62). Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se é isso que acontece no caso em apreço.

146. Não me convence o argumento que o C. Bank, do Volkswagen Bank, o Audi Bank e o Governo alemão procuram retirar do facto de o direito nacional já prever sanções em caso de inclusão de informações obrigatórias incorretas no contrato de crédito, a consequência de que seria desproporcionado exigir que o prazo de retratação não começasse a correr nos termos do artigo 14.o, n.o 1, segundo parágrafo, alínea b), da Diretiva 2008/48. O facto de o prazo de retratação não começar a correr é uma consequência direta de o mutuante não ter comunicado ao consumidor as informações obrigatórias a que se refere o artigo 10.o, n.o 2, da referida diretiva. Uma vez que esta diretiva prevê uma harmonização completa, os Estados‑Membros não podem ignorar ou afastar o artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48. Sem prejuízo da reserva expressa no n.o 145 das presentes conclusões, essa exigência não pode, portanto, ser considerada desproporcionada.

147. Gostaria de acrescentar que, ao contrário do que os bancos demandados alegam, não se trata de um «direito de retratação perpétuo». Como exporei no n.o 150 das presentes conclusões, na medida em que as partes tenham cumprido integralmente o contrato, o direito de retratação previsto no artigo 14.o da Diretiva 2008/48 deixa de poder ser exercido.

148. Tendo em conta o que precede, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à segunda questão nos processos C‑47/21 e C‑232/21 que o artigo 14.o, n.o 1, segundo parágrafo, alínea b), da Diretiva 2008/48 deve ser interpretado no sentido de que o prazo de retratação só começa a correr a partir do momento em que as informações obrigatórias exigidas pelo artigo 10.o, n.o 2, desta diretiva tenham sido fornecidas ao consumidor de maneira completa e materialmente exata, a menos que o caráter incompleto ou inexato das informações prestadas não seja suscetível de afetar a capacidade do consumidor para apreciar o alcance dos seus direitos e obrigações, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

3.      Quanto à quarta questão nos processos C47/21 e C232/21

149. Com a sua quarta questão nos processos C‑47/21 e C‑232/21 (63), o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se, e em que condições, o exercício do direito de retratação pelo consumidor no caso de um contrato de crédito ao consumo pode ser considerado abusivo. O Tribunal de Justiça pede‑me que oriente a minha análise para dois aspetos: em primeiro lugar, a possibilidade de justificar uma limitação do exercício do direito de retratação por referência à conduta do consumidor após a retratação e, em segundo lugar, a possibilidade de o consumidor exercer o seu direito de retratação quando as partes tiverem executado integralmente o contrato de crédito (64).

150. No que respeita ao segundo aspeto desta questão, subscrevo a abordagem do advogado‑geral G. Hogan nas suas Conclusões no processo Volkswagen Bank e o. (65). Tendo observado que o artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48 consagra um direito de retratação e não um direito de resolução e que a execução de um contrato é a forma habitual de extinção de uma obrigação contratual deste tipo, concluiu que esta disposição devia ser interpretada no sentido de que deixa de ser possível exercer o direito de retratação que a referida disposição prevê se o contrato de crédito tiver sido integralmente executado por ambas as partes. O considerando 34 da Diretiva 2008/48 confirmou a sua conclusão. Especifica que a Diretiva 2008/48 estabeleceu um direito de retratação em condições similares às previstas na Diretiva 2002/65, considerando que o artigo 6.o, n.o 2, alínea c), desta última diretiva especifica que o direito de rescisão que institui não se aplica aos «contratos integralmente cumpridos por ambas as partes a pedido expresso do consumidor antes de este exercer o direito de rescisão». O advogado‑geral G. Hogan observou ainda que o objetivo das obrigações de informação previstas no artigo 10.o da Diretiva 2008/48 é permitir aos consumidores conhecer o alcance dos seus direitos e obrigações durante a execução do contrato. Estas obrigações deixam, pois, de fazer sentido a partir do momento que o contrato tenha sido integralmente executado.

151. Quanto ao primeiro aspeto, após ter observado que a Diretiva 2008/48 não contém disposições que regulem o abuso dos direitos conferidos por essa diretiva, por parte do consumidor, no seu Acórdão Volkswagen Bank e o. o Tribunal de Justiça confirmou o princípio geral do direito da União segundo o qual uma disposição do direito da União não pode ser utilizada para fins abusivos ou fraudulentos (66). Consequentemente, apreciou se o exercício pelo consumidor do seu direito de retratação nos termos do artigo 14.o, n.o 1, da referida diretiva foi limitado pela aplicação desse princípio geral no contexto daquele processo (67).

152. Recomendo esta análise ao Tribunal de Justiça. O artigo 14.o da Diretiva 2008/48 confere expressamente ao consumidor o direito de retratação de um contrato de crédito. O exercício deste direito deve ser conforme com o direito da União, do qual faz parte integrante a proibição geral do abuso de direito. Partilho novamente do ponto de vista do advogado‑geral G. Hogan, expresso nas suas Conclusões no processo Volkswagen Bank e o, no sentido de que, nos domínios regulados pelo direito da União, a possibilidade de invocar o caráter abusivo do exercício, por um particular, de um direito que a ordem jurídica da União lhe confere deve ser apreciada exclusivamente à luz desse princípio e não dos requisitos do direito nacional (68).

153. No processo Cussens e o., relativo à impugnação da recusa de isentar de imposto sobre o valor acrescentado as vendas de bens imóveis, o Tribunal de Justiça decidiu que a proibição de recurso a práticas abusivas a, independentemente de qualquer medida nacional que a aplique, pode ser aplicada na ordem jurídica interna, para fundamentar diretamente aquela recusa, sem que a tal se oponham os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima (69). Pode inferir‑se dessa jurisprudência e do que se afirma no n.o 152 das presentes conclusões que não é necessário que o legislador alemão adote uma lei que habilite o órgão jurisdicional nacional a restringir o exercício do direito de retratação quando esse exercício possa ser considerado abusivo (70).

154. É jurisprudência constante que a prova de uma prática abusiva requer, por um lado, um conjunto de circunstâncias objetivas das quais resulte que, apesar do preenchimento formal dos requisitos previstos na regulamentação da União, o objetivo prosseguido por essa regulamentação não foi alcançado e, por outro, um elemento subjetivo que consiste na vontade de obter uma vantagem resultante da regulamentação da União, através da criação artificial dos requisitos exigidos para a sua obtenção (71). Embora o Tribunal de Justiça, decidindo a título prejudicial, possa, se for o caso, elucidar o tribunal nacional para o orientar na sua interpretação, cabe, todavia, a este último verificar se os elementos constitutivos de uma prática abusiva estão reunidos no processo que tem de decidir tendo em conta todos os factos e circunstâncias do caso (72).

155. No seu Acórdão Volkswagen Bank e o., o Tribunal de Justiça limitou a sua apreciação ao elemento objetivo, ao considerar que quando um profissional não transmitiu ao consumidor as informações referidas no artigo 10.o da Diretiva 2008/48, e este último decide rescindir o contrato de crédito depois dos catorze dias seguintes à celebração deste, esse profissional não pode acusar o referido consumidor de ter cometido um abuso do seu direito de retratação, ainda que o tempo decorrido entre a celebração desse contrato e a retratação pelo consumidor seja considerável. O Tribunal de Justiça chegou a essa conclusão após ter concluído que o artigo 14.o da Diretiva 2008/48 prossegue o objetivo de permitir ao consumidor escolher o contrato que melhor se adapta às suas necessidades. Um consumidor pode assim renunciar aos efeitos de um contrato que tenha celebrado e que se revele inadequado às suas necessidades no decurso do período de reflexão. O objetivo do artigo 14.o, n.o 1, segundo parágrafo, alínea b), da Diretiva 2008/48 é, além disso, assegurar que o consumidor receba todas as informações necessárias para apreciar o alcance do seu compromisso contratual e penalizar o profissional que não lhes transmita essas informações (73).

156. Partilho da opinião expressa pelos bancos demandados nos processos principais e pelo Governo alemão de que, ao decidir deste modo, o Tribunal de Justiça não excluiu, num caso concreto marcado por circunstâncias particulares que vão além do simples decurso do tempo, que o exercício do direito de retratação pelo consumidor possa ser considerado abusivo (74). Mais especificamente, considero que, em princípio, pode ser possível inferir da conduta do consumidor após a retratação que este exerceu abusivamente o direito decorrente do artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48. Uma vez que a existência de um abuso de direito impõe aos órgãos jurisdicionais nacionais que tenham em conta todos os factos e circunstâncias pertinentes, podem igualmente ter em conta factos posteriores à retratação de um contrato (75).

157. A conduta do consumidor após a retratação do contrato poderia indicar que os objetivos prosseguidos pelo artigo 14.o da Diretiva 2008/48, conforme expostos no n.o 155 das presentes conclusões, não foram, na realidade, atingidos ou, por outras palavras, que o resultado do exercício do direito de retratação contraria esses objetivos. Ter em conta essa conduta também permite tirar conclusões sobre a existência do elemento subjetivo e, mais especificamente, concluir que o consumidor exerceu o seu direito de retratação com o único objetivo de obter artificialmente uma vantagem económica não prevista pelo direito da União.

158. Tendo em conta o que precede, proponho ao Tribunal de Justiça que interprete o artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48 no sentido de que deixa de ser possível exercer o direito de retratação se o contrato de crédito tiver sido integralmente executado pelas partes no mesmo. Esta disposição não se opõe a que os órgãos jurisdicionais nacionais, num caso concreto marcado por circunstâncias particulares que vão além do simples decurso do tempo, examinem se o consumidor exerceu o seu direito de retratação de maneira abusiva. A fim de concluir pela existência de tal abuso num caso específico, o órgão jurisdicional nacional deve ter em conta todos os factos e circunstâncias pertinentes, incluindo, se for caso disso, os acontecimentos posteriores a essa retratação.

4.      Quanto à quinta questão nos processos C47/21 e C232/21

159. Com a sua quinta questão nos processos C‑47/21 e C‑232/21, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48 se opõe a uma legislação nacional que prevê que, quando um contrato de crédito relativamente ao qual o consumidor exerceu o seu direito de retratação está ligado a um contrato de compra e venda, esse consumidor só pode pedir o reembolso das prestações do empréstimo depois de ter devolvido o bem adquirido ao mutuante ou de ter apresentado provas de que o devolveu. O órgão jurisdicional de reenvio também não tem a certeza quanto à conformidade com o direito da União das conclusões que o Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça Federal) retirou dessa exigência de devolução prévia em termos de processo civil.

160. Como a Comissão corretamente salienta, a Diretiva 2008/48 não contém qualquer disposição relativa às consequências da retratação de um contrato de crédito para um contrato de compra e venda ligado a esse contrato (76).

161. Partilho da posição do Governo alemão e da Comissão segundo a qual, nessas circunstâncias, cabe aos Estados‑Membros definir essas consequências nas suas legislações nacionais. O considerando 35 da Diretiva 2008/48 confirma esta abordagem, uma vez que prevê que, quando o consumidor exercer o direito de retratação do contrato de crédito em virtude do qual tenha recebido bens, esta diretiva «não deverá prejudicar as regulamentações dos Estados‑Membros relativas à devolução dos bens ou a eventuais questões conexas» (77).

162. Nos presentes processos, resulta das observações escritas do Governo alemão que as disposições nacionais em causa se baseiam no artigo 13.o, n.o 3, da Diretiva 2011/83. Esta abordagem não é, em si, passível de crítica, desde que essas disposições não sejam menos favoráveis do que as que regulam situações análogas de natureza interna (princípio da equivalência) e não tornem impossível, na prática, ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos aos consumidores pela ordem jurídica da União (princípio da efetividade) (78).

163. O órgão jurisdicional de reenvio não pede ao Tribunal de Justiça que o auxilie a pronunciar‑se sobre a conformidade das disposições nacionais em causa com o princípio da equivalência, nem o Tribunal de Justiça dispõe de quaisquer elementos que possam suscitar dúvidas quanto à sua conformidade com esse princípio.

164. Quanto ao princípio da efetividade, não estou convencido, à luz dos elementos de que o Tribunal de Justiça dispõe, e sem prejuízo de eventuais verificações que o órgão jurisdicional de reenvio pode levar a cabo, de que a obrigação de devolução prévia possa, de uma maneira geral, tornar impossível na prática ou excessivamente difícil a um consumidor o exercício do seu direito de retratação previsto no artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48. As preocupações expressas pelo órgão jurisdicional de reenvio baseiam‑se, em substância, na premissa de que o credor contestará a validade da retratação e de que o consumidor deve intentar uma ação judicial para obter o reembolso das prestações mensais pagas. Se, no âmbito dessa ação, se concluir que a devolução prévia do veículo se revela injustificada, o consumidor deve tentar retomá‑lo, expondo‑se assim ao risco de litígios adicionais. Se se justificar a devolução prévia, o consumidor deve apresentar um pedido de reembolso sem poder conservar o veículo. O órgão jurisdicional de reenvio refere igualmente o facto de os veículos automóveis serem frequentemente necessários para o exercício de atividades profissionais e imobilizarem montantes substanciais de capital. Se os consumidores tiverem de devolver veículos automóveis aos credores sem saberem se a retratação é efetiva, e, por conseguinte, sem conhecerem o prazo dentro do qual receberão o reembolso para poderem adquirir veículos de substituição, serão desencorajados de exercer o direito de retratação do contrato.

165. As diferentes considerações expostas pelo órgão jurisdicional de reenvio parecem ter caráter especulativo. São insuficientes para demonstrar que a obrigação de devolução prévia cria um obstáculo substancial suscetível de desencorajar o exercício do direito de retratação por parte dos consumidores. Como os bancos demandados e o Governo alemão explicaram tanto nas suas observações escritas como na audiência, sem serem contestados em substância, é prática relativamente corrente que o consumidor, após ter exercido o direito de retratação, não devolva o veículo, mas o continue a utilizar sem indemnizar o mutuante pela sua depreciação durante esse período de tempo.

166. Estou ainda menos convencido da existência de uma violação do princípio da efetividade nos presentes processos, uma vez que o artigo 13.o, n.o 3, da Diretiva 2011/83 prevê que, no caso de um consumidor exercer o seu direito de retratação relativamente a um contrato de compra e venda abrangido pela referida diretiva, o profissional pode recusar reembolsar o preço pago até os bens terem sido devolvidos, ou até o consumidor ter apresentado prova de que os devolveu.

167. A segunda parte da quinta questão deve, em minha opinião, receber a mesma resposta que a primeira. Como explica o Governo alemão nas suas observações escritas, a aplicação por analogia do § 322.o, n.o 2, do BGB pelo Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça Federal) mais não é do que uma consequência processual da exigência de devolução prévia.

168. Nestas circunstâncias, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à quinta questão nos processos C‑47/21 e C‑232/21 que o artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional nos termos da qual, no caso de um contrato de crédito ligado a um contrato de compra e venda, depois de o consumidor ter efetivamente exercido o direito de retratação, o direito desse consumidor ao reembolso pelo mutuante das prestações pagas só se torna exigível quando este tiver devolvido o objeto adquirido ao mutuante ou tiver apresentado provas de que o devolveu a este último, e uma ação intentada pelo consumidor para reembolso das prestações do empréstimo pagas depois de ter devolvido o objeto adquirido, deve ser julgada improcedente se o mutuante não tiver infringido a sua obrigação de aceitar o objeto em questão.

VI.    Conclusão

169. À luz das considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais submetidas pelo Landgericht Ravensburg (Tribunal Regional de Ravensburg, Alemanha) da seguinte forma:

1)      Os contratos de locação financeira relativos a veículos automóveis com contabilização de quilómetros, com uma duração aproximada de dois a três anos, que contenham uma cláusula de exclusão do direito de retratação ordinário, que não prevejam, nos próprios contratos ou em contrato separado, a obrigação de compra do objeto do contrato por parte do consumidor, considerando‑se que tal obrigação existe se o locador assim o decidir unilateralmente, e que prevejam que o consumidor é obrigado a subscrever um seguro contra todos os riscos para o veículo, cabendo‑lhe, além disso, acionar garantias perante terceiros (em especial, perante o concessionário automóvel e o fabricante), e ainda suportar o risco da perda, dos danos e de outras desvalorizações do veículo, são abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2011/83 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2011, relativa aos direitos dos consumidores, que altera a Diretiva 93/13/CEE do Conselho e a Diretiva 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e que revoga a Diretiva 85/577/CEE do Conselho e a Diretiva 97/7/CE do Parlamento Europeu e do Conselho. Não se trata de contratos de crédito na aceção do artigo 3.o, alínea c), da Diretiva 2008/48, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2008, relativa a contratos de crédito aos consumidores e que revoga a Diretiva 87/102/CEE do Conselho, nem de contratos de serviços financeiros na aceção do artigo 2.o, n.o 12, da Diretiva 2011/83, bem como do artigo 2.o, alínea b), da Diretiva 2002/65 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de setembro de 2002, relativa à comercialização à distância de serviços financeiros prestados a consumidores e que altera as Diretivas 90/619/CEE do Conselho, 97/7/CE e 98/27/CE.

2)      O artigo 2.o, n.o 9, da Diretiva 2011/83 deve ser interpretado no sentido de que o estabelecimento comercial de uma pessoa que atua em nome ou por conta do profissional, conforme definido no artigo 2.o, n.o 2, desta diretiva, deve ser considerado o «estabelecimento comercial» desse profissional. Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se, nas circunstâncias particulares do processo de que é chamado a conhecer e por força do direito nacional, o intermediário agiu em nome ou por conta do profissional para negociar ou celebrar o contrato de locação financeira com contabilização de quilómetros.

3)      O artigo 16.o, alínea l), da Diretiva 2011/83 deve ser interpretado no sentido de que a exceção que prevê não se aplica aos contratos de locação financeira de veículos automóveis com contabilização de quilómetros.

4)      O artigo 2.o, n.o 7, da Diretiva 2011/83 deve ser interpretado no sentido de que um contrato não pode ser qualificado de contrato à distância quando uma pessoa, que atua em nome ou por conta do profissional, intervém na negociação desse contrato na presença física do consumidor. Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se, nas circunstâncias específicas do processo e por força do direito nacional, o intermediário agiu em nome ou por conta do profissional para negociar o contrato de locação financeira com contabilização de quilómetros.

5)      O artigo 10.o, n.o 2, alínea p), da Diretiva 2008/48, lido em conjugação com o seu artigo 14.o, n.o 1, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa nos processos principais, que institui uma presunção de legalidade segundo a qual, quando um contrato de crédito contém uma cláusula correspondente a um modelo legal, essa cláusula é conforme com as exigências do direito nacional em matéria de informação sobre o direito de retratação, ainda que não seja conforme com as exigências do artigo 10.o, n.o 2, alínea p), da referida diretiva. Um órgão jurisdicional nacional, chamado a conhecer de um litígio entre particulares, não é obrigado, apenas com base no direito da União, a excluir a aplicação dessa legislação nacional, mesmo que seja contrária ao artigo 10.o, n.o 2, alínea p), da Diretiva 2008/48, sem prejuízo do direito de uma parte lesada pela referida não conformidade do direito nacional com o direito da União de pedir a reparação dos danos daí decorrentes.

6)      O artigo 14.o, n.o 1, segundo parágrafo, alínea b), da Diretiva 2008/48 deve ser interpretado no sentido de que o prazo de retratação só começa a correr a partir do momento em que as informações obrigatórias exigidas pelo artigo 10.o, n.o 2, desta diretiva tenham sido fornecidas pelo consumidor de maneira completa e materialmente exata, a menos que o caráter incompleto ou inexato das informações prestadas não seja suscetível de afetar a capacidade do consumidor para apreciar o alcance dos seus direitos e obrigações, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

7)      O artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48 deve ser interpretado no sentido de que deixa de ser possível exercer o direito de retratação se o contrato de crédito tiver sido integralmente executado pelas partes no mesmo. Esta disposição não se opõe a que os órgãos jurisdicionais nacionais, num caso concreto marcado por circunstâncias particulares que vão além do simples decurso do tempo, examinem se o consumidor exerceu o seu direito de retratação de maneira abusiva. A fim de concluir pela existência de tal abuso num caso específico, o órgão jurisdicional nacional deve ter em conta todos os factos e circunstâncias pertinentes, incluindo, se for caso disso, os acontecimentos posteriores a essa retratação.

8)      O artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional nos termos da qual, no caso de um contrato de crédito ligado a um contrato de compra e venda, depois de o consumidor ter efetivamente exercido o direito de retratação, o direito desse consumidor ao reembolso pelo mutuante das prestações pagas só se torna exigível quando este tiver devolvido ao mutuante o objeto adquirido ou tiver apresentado provas de que o devolveu a este último, e uma ação intentada pelo consumidor para reembolso das prestações do empréstimo pagas, depois de ter devolvido o objeto adquirido, deve ser julgada improcedente se o mutuante não tiver infringido a sua obrigação de aceitar o objeto em questão.


1      Língua original: inglês.


2      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de setembro de 2002, relativa à comercialização à distância de serviços financeiros prestados a consumidores e que altera as Diretivas 90/619/CEE do Conselho, 97/7/CE e 98/27/CE (JO 2002, L 271, p. 16).


3      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2008, relativa a contratos de crédito aos consumidores e que revoga a Diretiva 87/102/CEE do Conselho (JO 2008, L 133, p. 66).


4      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2011, relativa aos direitos dos consumidores, que altera a Diretiva 93/13/CEE do Conselho e a Diretiva 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e que revoga a Diretiva 85/577/CEE do Conselho e a Diretiva 97/7/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (JO 2011, L 304, p. 64).


5      Esta disposição, na sua versão em vigor em 31 de janeiro de 2012, é aplicável ao quarto processo em causa no processo C‑232/21.


6      Idem.


7      Esta disposição, na sua versão em vigor em 31 de janeiro de 2012, é aplicável ao quarto processo em causa no processo C‑232/21 e tem a seguinte redação:


      «1) Salvo menção em contrário, a disposição relativa à rescisão com fundamento legal aplica‑se, mutatis mutandis, ao direito de retratação e de devolução.


      […]»


8      Esta disposição, na versão em vigor em 31 de janeiro de 2012, é aplicável ao quarto processo em causa no processo C‑232/21 e tem a seguinte redação:


      «(2)      Se o consumidor tiver efetuado eficazmente a retratação da sua declaração de vontade destinada à celebração de um contrato de crédito ao consumo com base no § 495, n.o 1, deixa igualmente de estar vinculado pela sua declaração de vontade referente à intenção de celebrar o contrato de fornecimento de bens ou de outras prestações de serviços conexo com esse contrato de crédito ao consumo.


      […]


      (4)      1O § 357 aplica‑se, mutatis mutandis, ao contrato conexo. […]»


9      BGBl. 1994 I, p. 2494, e retificação BGBl. 1997 I, p. 1061.


10      Esta disposição, que se aplica na versão em vigor em 31 de janeiro de 2012 ao quarto processo principal no processo C‑232/21, tem as seguintes diferenças:


      ‐      § 6, n.o 2, terceiro período, e § 12, n.o 1, terceiro período, as referências ao «anexo 7» devem ser feitas ao «anexo 6»;


      ‐      § 12, n.o 1, primeiro e terceiro períodos, as referências ao «§ 360.o, n.o 2, do [BGB]» devem ser feitas ao «§ 359.o, n.o 1, do [BGB]»; e


      ‐      § 12, n.o 1, segundo período, a referência aos «§§ 358 e 359 ou ao § 360 do [BGB]» devem ser feitas aos «§§ 358 e 359 do [BGB]».


11      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, esta cláusula corresponde ao modelo legal previsto no anexo 7 da EGBGB, para o qual remete o artigo 247.o, n.o 6, alínea 2), terceiro período, da EGBGB.


12      V. § 506, n.o 2, primeiro período, ponto 3, e § 495, n.o 1, do BGB. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, esta jurisprudência baseava‑se no facto de, no âmbito de um contrato de locação financeira com contabilização de quilómetros, as prestações da locação financeira e o valor da taxa inicial serem calculados de forma que garanta que o locatário pague a totalidade do valor amortizado do veículo. Ao contrário dos contratos‑tipo de cessão do uso, o cálculo do valor residual tem em conta a depreciação relacionada apenas com o número de quilómetros percorridos e não com outros fatores, tais como o desgaste correspondente à utilização normal. O elemento essencial do contrato não é, portanto, a cessão do uso do veículo, mas sim o financiamento desse uso.


13      Processo n.o VIII ZR 36/20, DE:BGH:2021:240221, juris UVIIIZR36.20.0.


14      Nos termos do seu artigo 2.o, n.o 2, alínea d), a Diretiva 2008/48 não é aplicável aos contratos de aluguer ou de locação financeira que não prevejam uma obrigação de compra do objeto do contrato, seja no próprio contrato, seja num contrato separado. O contrato de locação financeira com contabilização de quilómetros em causa não contém tal obrigação.


15      Nos termos do seu artigo 3.o, n.o 3, alínea d), a Diretiva 2011/83 não é aplicável aos contratos de serviços financeiros.


16      Acórdão de 26 de março de 2020, Kreissparkasse Saarlouis (C‑66/19, EU:C:2020:242, a seguir «Acórdão Kreissparkasse Saarlouis»).


17      Como resulta do n.o 44 das presentes conclusões, o contrato de locação financeira em causa no processo principal inclui tal referência. O órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se, em consequência do Acórdão Kreissparkasse Saarlouis, as informações sobre o direito de retratação incluídas nesse contrato devem ser consideradas insuficientes, de modo que, em conformidade com o § 356b, n.o 2, do BGB, lido em conjugação com o § 492, n.o 2, do mesmo, juntamente com o § 247, n.o 6, ponto 2, primeiro período e o § 247, n.o 12, ponto 1, segundo período, da EGBGB, o prazo de retratação ainda não começou a correr.


18      No pedido de decisão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que, na Alemanha, uma parte da doutrina considera que a presunção de legalidade pode ser interpretada no sentido de que respeita apenas aos requisitos impostos pelo direito nacional e não aos impostos pelo direito da União.


19      O órgão jurisdicional de reenvio refere‑se ao Acórdão de 21 de abril de 2016, Radlinger e Radlingerová (C‑377/14, EU:C:2016:283, n.os 76 a 79).


20      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, se o contrato de locação financeira com contabilização de quilómetros for classificado como um contrato celebrado fora do estabelecimento comercial, o locatário tem o direito de retratação nos termos do § 312g, n.o 1, do BGB. Salienta que, embora a Diretiva 2011/83 não confira aos consumidores um direito de retratação no que diz respeito aos contratos de serviços financeiros, a interpretação do § 312b, n.o 1, do BGB, relativo aos contratos celebrados fora do estabelecimento comercial, depende do disposto na Diretiva 2011/83. Refere‑se ao Acórdão de 19 de outubro de 2017, Solar Electric Martinique (C‑303/16, EU:C:2017:773, n.o 26), e ao Acórdão Kreissparkasse Saarlouis (n.o 29), em que o Tribunal de Justiça declarou que «quando uma legislação nacional decide estar em conformidade, para as soluções que apresenta para situações que não são abrangidas pelo âmbito de aplicação do ato da União em causa, com as soluções adotadas pelo referido ato, existe um interesse manifesto da União em que, para evitar divergências de interpretação futuras, as disposições ou os conceitos retomados desse ato sejam interpretados de modo uniforme».


21      Processo 32 U 7119/19, DE:OLGMUEN:2020:0618.32U7119.19.0A, BeckRS2020,13248, n.o 39.


22      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, se o contrato de locação financeira com contabilização de quilómetros for qualificado de contrato à distância, o locatário dispõe de um direito de retratação nos termos do § 312g, n.o 1, do BGB.


23      Esta cláusula corresponde ao modelo legal constante do anexo 7 da EGBGB, referido no artigo 247.o, n.o 6, ponto 2, terceiro período, da EGBGB.


24      § 358, n.o 4, primeiro período, do BGB, lido em conjugação com o § 357, n.o 4, primeiro período, do mesmo.


25      V. § 358, n.o 4, quinto período, do BGB.


26      Todas as partes que apresentaram observações no processo C‑38/21, bem como o Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça Federal), partilham desta opinião.


27      Considera‑se que essa obrigação existe quando o credor assim o decide unilateralmente. No processo C‑38/21, o BMW Bank declara que não poderia tomar uma decisão unilateral deste tipo. Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio dirimir esta questão.


28      V., neste sentido e por analogia, Acórdão de 18 de setembro de 2019, Riel (C‑47/18, EU:C:2019:754, n.o 43).


29      O considerando 14 da Diretiva 2002/65 refere igualmente que a diretiva «abrange todos os serviços financeiros que podem ser prestados à distância».


30      Esta definição é idêntica à que figura no artigo 2.o, n.o 12, da Diretiva 2011/83, cujo artigo 3.o, n.o 3, alínea d), prevê que esta diretiva não se aplica aos contratos relativos a serviços financeiros.


31      Na audiência, a Comissão admitiu, ainda que com hesitação, que o contrato de locação financeira com contabilização de quilómetros em causa está abrangido pelo âmbito de aplicação desta diretiva.


32      Artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2011/83. Nos termos do seu artigo 3.o, n.o 3, alínea d), a Diretiva 2011/83 não se aplica aos contratos de serviços financeiros.


33      O artigo 2.o, n.o 5, da Diretiva 2011/83 define um «[c]ontrato de compra e venda» como «qualquer contrato ao abrigo do qual o profissional transfere ou se compromete a transferir a propriedade dos bens para o consumidor e o consumidor paga ou se compromete a pagar o respetivo preço, incluindo qualquer contrato que tenha por objeto simultaneamente bens e serviços».


34      Acórdão de 31 de março de 2022, CTS Eventim (C‑96/21, EU:C:2022:238, n.o 31 e jurisprudência referida). Resulta do artigo 2.o, n.o 6, da Diretiva 2011/83 que o conceito de «[c]ontrato de prestação de serviços» deve ser entendido no sentido de que abrange todos os contratos que não sejam abrangidos pelo conceito de «[c]ontrato de compra e venda» (Acórdão de 12 de março de 2020, Verbraucherzentrale Berlin, C‑583/18, EU:C:2020:199, n.o 22).


35      Como se refere no n.o 100 das presentes conclusões, o contrato de locação financeira com contabilização de quilómetros em apreço não transfere a propriedade dos bens. O banco mantém a propriedade do veículo durante e após o fim do contrato.


36      Acórdão de 7 de agosto de 2018, Verbraucherzentrale Berlin (C‑485/17, EU:C:2018:642, n.os 33 e 34).


37      Acórdão de 14 de maio de 2020, NK (de casa unifamiliar) (C‑208/19, EU:C:2020:382, n.o 40 e jurisprudência referida).


38      V., neste sentido, Acórdãos de 10 de março de 2005, easyCar (C‑336/03, EU:C:2005:150, n.os 23, 26 e 27), e de 12 de março de 2020, Verbraucherzentrale  Berlin (C‑583/18, EU:C:2020:199, n.o 30).


39      Acórdão de 12 de março de 2020, Verbraucherzentrale Berlin (C‑583/18, EU:C:2020:199, n.o 34).


40      Acórdão de 31 de março de 2022, CTS Eventim (C‑96/21, EU:C:2022:238, n.o 44).


41      V., por analogia, Acórdão de 10 de março de 2005, easyCar (C‑336/03, EU:C:2005:150, n.o 28).


42      Limito a minha análise ao artigo 2.o, n.o 7, da Diretiva 2011/83, uma vez que, na minha opinião, a Diretiva 2002/65 não é aplicável ao contrato de locação financeira com contabilização de quilómetros em causa no processo principal.


43      V. artigo 2.o, n.o 7, da Diretiva 2011/83.


44      Se, pelo contrário, o órgão jurisdicional de reenvio considerar que o contrato de locação financeira com contabilização de quilómetros em causa não constitui um contrato celebrado fora do estabelecimento comercial ou um contrato à distância, ou que constitui o referido contrato, mas que a exceção ao direito de retratação prevista no artigo 16.o, alínea l), da Diretiva 2011/83 se aplica a esse contrato, deve, em princípio, concluir que VK não gozava desse direito.


45      No seu aditamento ao pedido inicial, o órgão jurisdicional de reenvio indica que, na hipótese de o Tribunal de Justiça concluir que o contrato de locação financeira com contabilização de quilómetros em causa no processo principal não está abrangido pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2008/48, a primeira e segunda questões submetidas no processo C‑38/21 deixam de ser pertinentes.


46      V. nota 16 das presentes conclusões.


47      À data dos factos, o modelo constante do anexo 7 da EGBGB não especificava todas as informações que deviam ser comunicadas ao mutuário, mas limitava‑se a remeter para o artigo 492.o, n.o 2, do BGB.


48      V. nota 16 das presentes conclusões.


49      Acórdão de 5 de setembro de 2019, Pohotovosť (C‑331/18, EU:C:2019:665, n.o 53 e jurisprudência referida).


50      Acórdão de 18 de janeiro de 2022, Thelen Technopark Berlin (C‑261/20, EU:C:2022:33, n.o 26 e jurisprudência referida).


51      Acórdão de 5 de setembro de 2019, Pohotovosť (C‑331/18, EU:C:2019:665, n.o 55).


52      Acórdão de 18 de janeiro de 2022, Thelen Technopark Berlin (C‑261/20, EU:C:2022:33, n.o 28 e jurisprudência referida).


53      Acórdão de 24 de junho de 2019, Popławski (C‑573/17, EU:C:2019:530, n.o 58 e jurisprudência referida).


54      Ibidem., n.o 62.


55      Acórdão de 18 de janeiro de 2022, Thelen Technopark Berlin (C‑261/20, EU:C:2022:33,n.o 32 e jurisprudência referida).


56      Ibidem, n.o 41 e jurisprudência referida.


57      Acórdão de 19 de novembro de 1991, Francovich e o. (C‑6/90 e C‑9/90, EU:C:1991:428).


58      V. considerando 31 da Diretiva 2008/48 e Acórdão Kreissparkasse Saarlouis (n.o 35 e jurisprudência referida). V. igualmente Conclusões do advogado‑geral G. Hogan nos processos apensos Volkswagen Bank e o. (C‑33/20, C‑155/20 e C‑187/20, EU:C:2021:629, n.o 46).


59      Acórdão Kreissparkasse Saarlouis (n.o 45).


60      Ibidem, n.o 36 e jurisprudência referida. V. também considerando 9 da Diretiva 2008/48.


61      V., por analogia, Acórdão de 1 de outubro de 2015, ERSTE Bank Hungary (C‑32/14, EU:C:2015:637, n.o 39 e jurisprudência referida).


62      Sobre este último ponto, pode observar‑se que no Acórdão Home Credit Slovakia, o Tribunal de Justiça declarou que, pela sua natureza, alguns dos elementos de informação a que se refere o artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2008/48, não são suscetíveis de afetar a capacidade do consumidor de apreciar o alcance das suas obrigações. É o caso, por exemplo, do nome e endereço da autoridade de supervisão competente, referida no artigo 10.o, n.o 2, alínea v), desta diretiva (Acórdão de 9 de novembro de 2016, C‑42/15, EU:C:2016:842, n.o 72).


63      Como referido no n.o 128 das presentes conclusões, as considerações que se seguem aplicam‑se igualmente à quarta questão no processo C‑38/21.


64      Este segundo aspeto da questão é relevante para o processo C‑232/21, em que BQ reembolsou a totalidade do empréstimo.


65      Conclusões do advogado‑geral G. Hogan nos processos apensos Volkswagen Bank  e o. (C‑33/20, C‑155/20 e C‑187/20, EU:C:2021:629, n.os 106 a 108).


66      A aplicação da legislação da União não abrange as operações que são realizadas com o objetivo de beneficiar fraudulenta ou abusivamente das vantagens que o direito da União prevê (Acórdão de 6 de fevereiro de 2018, Altun e o., C‑359/16, EU:C:2018:63, n.o 49 e jurisprudência referida).


67      Acórdão de 9 de setembro de 2021, Volkswagen Bank e o. (C‑33/20, C‑155/20 e C‑187/20, EU:C:2021:736, n.os 120 e 121).


68      Conclusões do advogado‑geral G. Hogan no processo Volkswagen Bank e o. (C‑33/20, C‑155/20 e C‑187/20, EU:C:2021:629, n.o 112).


69      Acórdão de 22 de novembro de 2017, Cussens e o. (C‑251/16, EU:C:2017:881, n.o 44).


70      V., a este respeito, quarta questão, alínea b), do órgão jurisdicional de reenvio.


71      Acórdão de 9 de setembro de 2021, Volkswagen Bank e o. (C‑33/20, C‑155/20 e C‑187/20, EU:C:2021:736, n.o 122 e jurisprudência referida).


72      Acórdão de 14 de abril de 2016, Cervati e Malvi (C‑131/14, EU:C:2016:255, n.o 35 e jurisprudência referida).


73      Acórdão de 9 de setembro de 2021, Volkswagen Bank e o. (C‑33/20, C‑155/20 e C‑187/20, EU:C:2021:736, n.os 123 a 126).


74      A Comissão admite igualmente que, quando circunstâncias objetivas e subjetivas sugerem um abuso por parte do consumidor, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar, esse consumidor pode, a título excecional, ser impedido de exercer o seu direito de retratação.


75      V., neste sentido, Acórdão de 13 de março de 2014, SICES  e o. (C‑155/13, EU:C:2014:145, n.o 34).


76      Tal contrato de crédito é qualificado de «[c]ontrato de crédito ligado» desde que as condições enunciadas no artigo 3.o, alínea n), da Diretiva 2008/48 estejam preenchidas.


77      V., igualmente, Conclusões do advogado‑geral G. Hogan no processo Volkswagen Bank e o. (C‑33/20, C‑155/20 e C‑187/20, EU:C:2021:629, n.os 126 a 128).


78      V., neste sentido, Acórdão de 16 de julho de 2020, Caixabank e Banco Bilbao Vizcaya Argentaria (C‑224/19 e C‑259/19, EU:C:2020:578, n.o 83).