Language of document : ECLI:EU:C:2017:281

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

NILS WAHL

apresentadas em 6 de abril de 2017 (1)

Processo C‑671/15

Président de l’Autorité de la concurrence

contra

Association des producteurs vendeurs d’endives (APVE),

Association Comité économique régional agricole fruits et légumes de la région Bretagne (Cerafel),

Comité économique fruits et légumes du Nord de la France (Celfnord),

Association des producteurs d’endives de France (APEF),

Section nationale de l’endive (SNE),

Fédération du commerce de l’endive (FCE),

Société Fraileg,

Société Prim’Santerre,

Union des endiviers,

Société Soleil du Nord,

Société France endives,

Société Cambrésis Artois‑Picardie endives (CAP’Endives),

Société Marché de Phalempin,

Société Primacoop,

Société Coopérative agricole du marais audomarois (Sipema),

Société Groupe Perle du Nord,

Société Valois‑Fruits,

Ministre de l’Économie, de l’Industrie et du Numérique

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela Cour de cassation (Tribunal de Cassação, França)]

«Reenvio prejudicial — Práticas anticoncorrenciais — Artigo 101.o TFUE — Aplicabilidade — Organização comum de mercados — Organizações de produtores — Missões dessas organizações — Práticas de fixação de preços mínimos de venda, de concertação sobre as quantidades colocadas no mercado e de troca de informações estratégicas — Mercado francês das endívias»






1.        A política agrícola comum (PAC) e a política europeia da concorrência, que constituem pilares da construção europeia, podem, prima facie, revelar‑se dificilmente conciliáveis. Enquanto a primeira, destinada a solucionar as deficiências dos mercados agrícolas, levava, na origem, a um intervencionismo público marcado, nomeadamente pelo estabelecimento de sistemas de quotas de produção e de ajudas aos produtores, a segunda, em contrapartida, assenta na ideia de que a liberalização dos mercados é a melhor garantia da eficácia económica e, in fine, do bem‑estar dos consumidores. Estas dificuldades de conciliação, evidenciadas pela doutrina e sobre as quais o Tribunal de Justiça já teve oportunidade de se pronunciar, impõem uma definição precisa do alcance da «derrogação agrícola» consagrada pelos Tratados, conforme definida pelo direito derivado. Este é o desafio do presente processo.

2.        O presente pedido de decisão prejudicial foi apresentado no âmbito de um recurso de cassação interposto pelo presidente da Autorité de la concurrence (Autoridade da Concorrência) contra o acórdão de 15 de maio de 2014 da Cour d’appel de Paris (Tribunal de Recurso de Paris, França), que reformou a Decisão n.o 12‑D‑08, de 6 de março de 2012, relativa a práticas implementadas no setor da produção e da comercialização de endívias (a seguir «decisão controvertida», da Autorité de la concurrence. Nessa decisão, a referida autoridade, com fundamento, nomeadamente, no artigo 101.o, n.o 1, TFUE, declarou a existência de e puniu, em cerca de 4 milhões de euros, um cartel complexo e continuado durante cerca de catorze anos no mercado francês das endívias.

3.        Assim, o Tribunal de Justiça é convidado a prestar esclarecimentos, há muito aguardados (2) e que, além da sua importância de princípio, revestem um grande interesse prático (3), sobre a articulação entre a regulamentação europeia no domínio da PAC e a aplicação do direito europeu da concorrência. Mais precisamente, coloca‑se a questão de saber se, além da existência de derrogações gerais à aplicação das regras europeias de concorrência expressamente previstas pela regulamentação em matéria de organização comum de mercados (a seguir «OCM») — derrogações cuja aplicação não é diretamente visada no caso em apreço —, devem ser reconhecidas «derrogações específicas» que decorrem implicitamente das missões confiadas, por força da regulamentação europeia adotada com fundamento no artigo 42.o TFUE, às organizações de produtores (a seguir «OP») e às associações de organizações de produtores (a seguir «AOP»).

4.        Na minha opinião, esta questão pede uma resposta ponderada. É certo que, conforme me proponho explicar nos desenvolvimentos que se seguem, as missões cometidas aos principais intervenientes das OCM, a saber, as OP e as AOP, implicam necessariamente que determinadas práticas de concertação nessas entidades, que não se enquadram nas derrogações regulamentares gerais, possam subtrair‑se à proibição dos acordos, decisões e práticas concertadas anticoncorrenciais estabelecida no artigo 101.o, n.o 1, TFUE.

5.        Esta exclusão assenta fundamentalmente no primado, consagrado pelo acórdão Maizena/Conselho (4) e que foi reafirmado na jurisprudência mais recente, que deve ser reconhecido à PAC sobre a política da concorrência. Não deixa de ser verdade que, sob pena de se infringir a exigência de interpretação restrita dos casos de exclusão da aplicação das regras de concorrência, não podem ser subtraídos à proibição comportamentos colusórios, como os que conduzem à fixação horizontal dos preços, apenas porque se destinam, de alguma maneira, à realização das missões confiadas às OP e às AOP, nomeadamente ao objetivo de «estabilização dos preços» no âmbito das OCM. Neste contexto, importa definir as práticas dessas entidades que se enquadram necessariamente nessas missões e as que, pelo contrário, não podem, à partida, subtrair‑se à aplicação das regras de concorrência.

 Quadro jurídico

 Direito da União

6.        O artigo 42.o TFUE dispõe que as regras de concorrência da União só são aplicáveis à produção e ao comércio dos produtos agrícolas, na medida em que tal seja determinado pelo direito derivado e tendo em conta os objetivos da PAC definidos no artigo 39.o TFUE.

7.        No que se refere, nomeadamente, ao setor das frutas e produtos hortícolas, as disposições de direito derivado que regem a aplicação das regras de concorrência à produção e ao comércio de produtos agrícolas foram adotadas pelo legislador da União no quadro do Regulamento n.o 26 (5), ao qual sucederam o Regulamento (CE) n.o 1184/2006 (6) e os artigos 175.o a 182.o da parte IV, intitulada «Regras de concorrência», do Regulamento (CE) n.o 1234/2007 (7).

8.        Quanto, mais especificamente, à OMC no setor das frutas e produtos hortícolas, o artigo 20.o do Regulamento (CE) n.o 2200/96 (8), ao qual sucederam nomeadamente o artigo 22.o do Regulamento (CE) n.o 1182/2007 (9) e, depois, o artigo 176.o‑A do Regulamento n.o 1234/2007, contém disposições suplementares.

 Regulamento n.o 26

9.        O artigo 1.o do Regulamento n.o 26 dispõe:

«A partir da entrada em vigor do presente regulamento, os artigos 85.o a 90.oinclusive do Tratado, bem como as disposições tomadas em sua execução, aplicam‑se a todos os acordos, decisões e práticas referidos no n.o 1 do artigo 85.o e no artigo 86.o do Tratado relativos à produção ou ao comércio dos produtos enumerados no Anexo II do Tratado, sem prejuízo do disposto no artigo 2.o»

10.      Esta disposição foi reproduzida, em substância, no artigo 1.o‑A do Regulamento n.o 1184/2006 e, depois, no artigo 175.o do Regulamento n.o 1234/2007.

11.      O artigo 2.o do Regulamento n.o 26 está redigido nestes termos:

«1.      O disposto no n.o 1 do artigo 85.o do Tratado é inaplicável aos acordos, decisões e práticas referidos no artigo anterior que façam parte integrante de uma organização nacional de mercado ou que sejam necessários à realização dos objetivos enunciados no artigo 39.o do Tratado. Não se aplica em especial aos acordos, decisões e práticas dos agricultores, de associações de agricultores ou de associações destas associações pertencentes a um único Estado‑Membro, na medida em que, sem incluir a obrigação de praticar um determinado preço, digam respeito à produção ou à venda de produtos agrícolas ou à utilização de instalações comuns de armazenagem, de tratamento ou de transformação de produtos agrícolas, a menos que a Comissão verifique que, deste modo, a concorrência é excluída ou que os objetivos do artigo 39.o do Tratado são postos em perigo.

2.      Após ter consultado os Estados‑Membros e ouvido as empresas ou associações de empresas interessadas, bem como qualquer outra pessoa singular ou coletiva cuja audição lhe pareça necessária, a Comissão, sem prejuízo do controlo pelo Tribunal de Justiça, tem competência exclusiva para verificar, por meio, de decisão, que será publicada, quais os acordos, decisões e práticas em relação aos quais se encontram preenchidas as condições previstas no n.o 1.

3.      A Comissão procederá a esta verificação quer oficiosamente, quer a pedido de uma autoridade competente de um Estado‑Membro ou de uma empresa ou associação de empresas interessadas.

4.      A publicação mencionará as partes interessadas e o essencial da decisão; deve ter em conta o interesse legítimo das empresas em não verem divulgados os seus segredos profissionais.»

12.      Esta disposição foi reproduzida, em substância, no artigo 2.o do Regulamento n.o 1184/2006 e, depois, no artigo 176.o do Regulamento n.o 1234/2007.

 Regulamento n.o 2200/96

13.      O artigo 11.o, n.o 1, deste regulamento dispõe:

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por ‘organização de produtores’ qualquer pessoa coletiva:

a)      Constituída por iniciativa dos produtores […]

b)      Que tenha, designadamente, por finalidade:

1)      assegurar a programação da produção e a adaptação à procura, nomeadamente em quantidade e em qualidade;

2)      promover a concentração da oferta e a colocação no mercado da produção dos associados;

3)      reduzir os custos de produção e regularizar os preços na produção;

4)      promover práticas de cultivo e técnicas de produção e de gestão dos resíduos respeitadoras do ambiente, nomeadamente para proteger a qualidade das águas, do solo e da paisagem e para preservar e/ou fomentar a biodiversidade;

[…]»

14.      O artigo 20.o, n.os 1 a 3, do mesmo regulamento está redigido nos seguintes termos:

«1.      Em derrogação ao artigo 1.o do Regulamento n.o 26, o n.o 1 do artigo 85.o do Tratado é inaplicável aos acordos, decisões e práticas concertadas das organizações interprofissionais reconhecidas destinados à realização das ações enumeradas no n.o 1, alínea c), do artigo 19.o

2.      O n.o 1 só é aplicável:

– se os acordos, decisões e práticas concertadas tiverem sido notificados à Comissão

e

– se esta, no prazo de dois meses a contar da notificação de todos os elementos de apreciação necessários, não tiver declarado a incompatibilidade destes acordos, decisões ou práticas concertadas com a regulamentação comunitária.

Os referidos acordos, decisões e práticas concertadas só poderão ser aplicados após o termo do prazo fixado no segundo travessão do primeiro parágrafo.

3.      Serão sempre declarados contrários à regulamentação comunitária os acordos, decisões e práticas concertadas que:

–        possam originar qualquer forma de compartimentação de mercados na Comunidade,

–        possam prejudicar o bom funcionamento da organização comum de mercado,

–        possam criar distorções de concorrência que não sejam indispensáveis para alcançar os objetivos da política agrícola comum prosseguidos pela ação interprofissional,

–        conduzam à fixação de preços, sem prejuízo das medidas tomadas pelas organizações interprofissionais no âmbito da aplicação de disposições específicas da regulamentação comunitária,

–        possam criar discriminações ou eliminar a concorrência relativamente a uma parte substancial dos produtos em causa.»

15.      O artigo 23.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2200/96 enuncia o seguinte:

«As organizações de produtores ou suas associações podem não pôr à venda, nas quantidades e durante os períodos que considerarem oportunos, produtos por elas determinados de entre os referidos no n.o 2 do artigo 1.o entregues pelos associados.»

 Regulamento n.o 1182/2007

16.      O artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1182/2007 é, em substância, análogo ao artigo 11.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2200/96.

 Regulamento n.o 1234/2007

17.      O artigo 122.o, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1234/2007, na sua versão resultante do Regulamento (CE) n.o 361/2008 (10), dispunha:

«Os Estados‑Membros reconhecem as organizações de produtores que:

a)      Sejam compostas por produtores de um dos seguintes setores:

[…]

iii)      frutas e produtos hortícolas, no caso dos agricultores que cultivem um ou mais dos produtos desse setor e/ou desses produtos destinados exclusivamente à transformação,

[…]

b)      Sejam constituídas por iniciativa dos produtores,

c)      Persigam um objetivo específico que pode, em especial, ou deve, no caso do setor das frutas e produtos hortícolas, incluir um ou mais dos seguintes objetivos:

i)      assegurar a programação da produção e a adaptação desta à procura, nomeadamente em termos de qualidade e de quantidade,

ii)      concentrar a oferta e colocar no mercado a produção dos membros,

iii)      otimizar os custos de produção e estabilizar os preços na produção.

[…]»

18.      O artigo 175.o deste regulamento, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 491/2009 (11), tinha a seguinte redação:

«Salvo disposição em contrário do presente regulamento, os artigos 81.o a 86.o do Tratado, bem como as disposições tomadas em sua execução, aplicam‑se, sob reserva dos artigos 176.o a 177.o do presente regulamento, a todos os acordos, decisões e práticas a que se referem o n.o 1 do artigo 81.o e o artigo 82.o do Tratado, relativos à produção ou ao comércio dos produtos abrangidos pelo presente regulamento.»

19.      O artigo 176.o do referido regulamento está redigido nos seguintes termos:

«1.      O n.o 1 do artigo 81.o do Tratado não é aplicável aos acordos, decisões e práticas a que se refere o artigo 175.o do presente regulamento que sejam parte integrante de uma organização nacional de mercado ou que sejam necessários à realização dos objetivos enunciados no artigo 33.o do Tratado.

O n.o 1 do artigo 81.o do Tratado não é aplicável, em especial, aos acordos, decisões e práticas dos agricultores, associações de agricultores ou associações destas associações de um único Estado‑Membro, na medida em que, sem incluir a obrigação de praticar um preço idêntico, digam respeito à produção ou à venda de produtos agrícolas ou à utilização de instalações comuns de armazenagem, de tratamento ou de transformação de produtos agrícolas, a menos que a Comissão verifique que, desse modo, é excluída a concorrência ou ficam comprometidos os objetivos do artigo 33.o do Tratado.

2.      Após ter consultado os Estados‑Membros e ouvido as empresas ou associações de empresas interessadas, bem como qualquer outra pessoa singular ou coletiva cuja audição considere adequada, a Comissão, sob reserva do controlo pelo Tribunal de Justiça, tem competência exclusiva para verificar, por meio, de decisão, que será publicada, quais os acordos, decisões e práticas que satisfazem as condições previstas no n.o 1.

A Comissão procede a essa verificação, quer por sua própria iniciativa, quer a pedido de uma autoridade competente de um Estado‑Membro ou de uma empresa ou associação de empresas interessadas.

3.      A publicação da decisão referida no primeiro parágrafo do n.o 2 deve mencionar as partes interessadas e o essencial da decisão. Deve acautelar o interesse legítimo das empresas na proteção dos seus segredos comerciais.»

20.      O artigo 176.o‑A deste mesmo regulamento dispunha:

«1.      O n.o 1 do artigo 81.o do Tratado não é aplicável aos acordos, decisões e práticas concertadas das organizações interprofissionais reconhecidas que tenham por objeto a realização das atividades referidas na alínea c) do n.o 3 do artigo 123.o do presente regulamento.

2.      O n.o 1 só é aplicável:

a)      Se os acordos, decisões e práticas concertadas tiverem sido notificados à Comissão;

b)      Se, no prazo de dois meses a contar da notificação de todos os elementos de apreciação necessários, a Comissão não tiver declarado a incompatibilidade desses acordos, decisões ou práticas concertadas com as regras comunitárias.

3.      Os acordos, decisões e práticas concertadas não podem produzir efeitos antes do termo do prazo referido na alínea b) do n.o 2.

4.      São sempre declarados incompatíveis com as regras comunitárias os seguintes acordos, decisões e práticas concertadas:

a)      Os acordos, decisões e práticas concertadas que possam dar origem a qualquer forma de compartimentação de mercados na Comunidade;

b)      Os acordos, decisões e práticas concertadas que possam prejudicar o bom funcionamento da organização de mercado;

c)      Os acordos, decisões e práticas concertadas que possam criar distorções de concorrência e que não sejam indispensáveis para alcançar os objetivos da política agrícola comum prosseguidos pela atividade da organização interprofissional;

d)      Os acordos, decisões e práticas concertadas que conduzam à fixação de preços, sem prejuízo das atividades realizadas pelas organizações interprofissionais em aplicação de regras comunitárias específicas;

e)      Os acordos, decisões e práticas concertadas que possam criar discriminações ou eliminar a concorrência relativamente a uma parte substancial dos produtos em causa.

5.      Se, após o termo do prazo de dois meses referido na alínea b) do n.o 2, a Comissão verificar que as condições de aplicação do n.o 1 não estão preenchidas, aprova uma decisão que determine a aplicabilidade do n.o 1 do artigo 81.o do Tratado ao acordo, decisão ou prática concertada em causa.»

 Direito francês

21.      O artigo L. 420‑1 do code de commerce (Código Comercial) dispõe:

«São proibidas as práticas concertadas, as convenções, os acordos expressos ou tácitos ou as colusões, ainda que levadas a cabo, direta ou indiretamente, através de uma sociedade do grupo sediada fora de França, que tenham por objeto ou possam ter por efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado, designadamente quando visem:

1.      Limitar o acesso ao mercado ou o livre exercício da concorrência por outras empresas;

2.      Criar obstáculos à fixação de preços de acordo com o livre jogo do mercado, favorecendo artificialmente o seu aumento ou a sua diminuição;

3.      Limitar ou controlar a produção, o escoamento dos produtos, os investimentos ou o progresso técnico;

4.      Repartir os mercados ou as fontes de abastecimento.»

 Litígio no processo principal, questões prejudiciais e tramitação do processo no Tribunal de Justiça

22.      Na sequência de ações de inspeção e de apreensão efetuadas pelos serviços da direction générale de la concurrence, de la consommation et de la répression des fraudes (Direção‑Geral da Concorrência, do Consumo e da Repressão de Fraudes, França) em 12 de abril de 2007, o Ministro da Economia denunciou ao Conseil de la concurrence (Conselho da Concorrência) (atualmente Autorité de la concurrence), em 11 de julho de 2008, a existência de práticas, potencialmente anticoncorrenciais, implementadas no setor da produção e da comercialização de endívias.

23.      Pela decisão controvertida, a Autorité de la concurrence decidiu que a APEF, a APVE, o Celfnord, a Cerafel, a FCE, a FNPE, a SNE, a SAS Groupe Perle du Nord e as OP Cap’Endives, Fraileg, France Endives, Marché de Phalempin, Nord Alliance, Primacoop, Prim’Santerre, Soleil du Nord, Sipema e Valois‑Fruits tinham implementado no mercado das endívias um cartel complexo e continuado, proibido pelo artigo L. 420‑1 do code de commerce e pelo artigo 101.o TFUE. Segundo a Autorité de la concurrence, esse cartel consistiu numa concertação sobre os preços das endívias, através de diferentes mecanismos de concertação de preços que, consoante os períodos, revestiram diferentes formas — como a difusão semanal de um preço mínimo, a fixação de um preço de referência, a implementação de uma bolsa de trocas, a fixação de um preço de controlo e a utilização indevida do mecanismo dos preços de retirada do mercado —, numa concertação das quantidades de endívias colocadas no mercado e num sistema de troca de informações estratégicas que serviram para implementar uma política de preços, práticas que tinham por objetivo a fixação concertada de um preço mínimo de venda na produção de endívias e permitiram aos produtores e a várias das suas organizações profissionais manter preços mínimos de venda, durante um período que teve início em janeiro de 1998 e ainda perdurava na data da decisão controvertida. Por conseguinte, aplicou‑lhes sanções pecuniárias num montante total de 3 970 590 euros.

24.      Na decisão controvertida, a Autorité de la concurrence rejeitou, designadamente, a argumentação dos produtores de que os acordos em causa deviam ser considerados necessários à realização dos objetivos da PAC, pelo facto de os regimes derrogatórios previstos no artigo 2.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1184/2006 e no artigo 176.o do Regulamento n.o 1234/2007 não serem aplicáveis no caso em apreço. A Autorité de la concurrence também declarou que as práticas censuradas iam «além das legítimas missões das organizações profissionais em causa» e, além disso, que as OP e as AOP tinham, na sua opinião, plena consciência do caráter ilegal das suas práticas.

25.      Em 6 de abril de 2012, diversas empresas e organismos punidos interpuseram na Cour d’appel de Paris (Tribunal de Recurso de Paris) uma ação de anulação e, subsidiariamente, de reforma da decisão controvertida.

26.      Por acórdão de 15 de maio de 2014, esse órgão jurisdicional reformou todas as disposições da decisão controvertida e, decidindo quanto ao mérito da causa, declarou que não tinha ficado demonstrado que o disposto no artigo L. 420‑1 do code de commerce e no artigo 101.o, n.o 1, TFUE tinha sido infringido. A Cour d’appel de Paris (Tribunal de Recurso de Paris) declarou, nomeadamente, que não tinha ficado demonstrado que a fixação de orientações de preços mínimos era, em qualquer circunstância, necessária e definitivamente proibida, de forma que não estava indiscutivelmente demonstrado que os organismos em causa tinham ultrapassado os limites das missões que lhes estavam legalmente atribuídas em matéria de regulação de preços.

27.      O presidente da Autorité de la concurrence interpôs recurso de cassação desse acórdão.

28.      No âmbito desse processo, a Comissão Europeia apresentou observações na Cour de cassation (Tribunal de Cassação), ao abrigo do artigo 15.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1/2003. Nessas observações, declarou que, em relação à aplicabilidade das regras europeias de concorrência no setor agrícola, há não só derrogações gerais adotadas com fundamento no artigo 2.o dos Regulamentos n.os 26 e 1184/2006 e no artigo 176.o do Regulamento n.o 1234/2007 mas também, em conformidade com o artigo 175.o do mesmo regulamento, derrogações especiais constantes de diversos regulamentos relativos à OCM e que impõem às organizações que operam no domínio da produção e da comercialização de frutas e produtos hortícolas determinadas missões específicas que, normalmente, são suscetíveis de ser proibidas pelas regras de concorrência. Todavia, considera que os principais comportamentos em causa no processo principal, a saber, os mecanismos de preços mínimos convencionados entre as principais AOP, não se enquadram nas missões específicas previstas pela OCM e não podem ser consideradas abrangidas por essas derrogações especiais.

29.      No acórdão de 8 de dezembro de 2015, a Cour de cassation (Tribunal de Cassação) sublinhou que o Tribunal de Justiça tinha declarado que o artigo 42.o TFUE estabelecia o princípio da aplicabilidade das regras europeias de concorrência no setor agrícola e que a preservação de uma concorrência efetiva nos mercados de produtos agrícolas fazia parte dos objetivos da política agrícola comum (12), embora considerasse que, mesmo no que toca às regras do Tratado em matéria de concorrência, o artigo 42.o TFUE dava primazia aos objetivos da política agrícola comum sobre os da política em matéria de concorrência (13).

30.      Todavia, considera que o Tribunal de Justiça ainda não se pronunciou sobre a existência das «derrogações específicas» referidas pela Comissão nem esclareceu, sendo caso disso, a sua articulação com as «derrogações gerais» enunciadas pelos regulamentos relativos à aplicação das regras de concorrência no setor agrícola. Referiu ainda que o Tribunal de Justiça também não se tinha pronunciado sobre os contornos das missões confiadas às OP e às AOP pelos regulamentos relativos à OCM no setor das frutas e produtos hortícolas (Regulamentos n.os 2200/96, 1182/2007 e 1234/2007).

31.      Por conseguinte, a Cour de cassation (Tribunal de Cassação) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Podem os acordos, decisões ou práticas de organizações de produtores, [AOP] e organizações profissionais, suscetíveis de serem considerados anticoncorrenciais à luz do artigo 101.o TFUE, estar excluídos da proibição prevista por esta disposição unicamente por poderem estar relacionados com as missões conferidas a essas organizações no âmbito da [OCM], apesar de não corresponderem a nenhuma das derrogações gerais previstas sucessivamente pelo artigo 2.o do Regulamento [n.o 26], pelo artigo 2.o do Regulamento [n.o 1184/2006] de 24 de julho de 2006 e pelo artigo 176.o do Regulamento [n.o 1234/2007]?

2)      Em caso afirmativo, devem o artigo 11.o, n.o 1, do Regulamento [n.o 2200/96], o artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento [n.o 1182/2007] e o artigo 122.o, primeiro parágrafo, do Regulamento [n.o 1234/2007], que fixam, entre os objetivos atribuídos às organizações de produtores e às suas associações, a regulação dos preços na produção e a adaptação da produção à procura, designadamente quanto à quantidade, ser interpretados no sentido de que as práticas de fixação coletiva de um preço mínimo, de concertação sobre as quantidades colocadas no mercado ou de troca de informações estratégicas, implementadas por essas organizações ou pelas suas associações, estão excluídas da proibição de concertações anticoncorrenciais na medida em que se destinam à realização desses objetivos?»

32.      Apresentaram observações escritas o presidente da Autorité de la concurrence, conjuntamente, a Association Comité économique régional agricole fruits et légumes de la région Bretagne (Cerafel), o Comité économique fruits et légumes du Nord de la France (Celfnord), a Association des producteurs d’endives de France (APEF), a Section nationale de l’endive (SNE) e a Fédération du commerce de l’endive (FCE), conjuntamente, as sociedades Fraileg e Prim’Santerre, conjuntamente, as sociedades France Endive, Cambrésis Artois‑Picardie endives (CAP’Endives), Marché de Phalempin, Primacoop, Coopérative agricole du marais audomarois (Sipema) e Groupe Perle du Nord, bem como os Governos espanhol, francês e italiano e a Comissão.

33.      Realizou‑se uma audiência em 31 de janeiro de 2017, à qual assistiram o presidente da Autorité de la concurrence, a Cerafel, o Celfnord, a APEF, a SNE, a FCE, as sociedades Fraileg e Prim’Santerre, as sociedades France Endive, CAP’Endives, Marché de Phalempin, Primacoop, Sipema e Groupe Perle du Nord, os Governos francês e espanhol e a Comissão.

 Análise

34.      A análise do presente pedido de decisão prejudicial exige que se recorde, a título preliminar, os princípios gerais que regem a articulação das regras de concorrência e das regras da PAC.

 Considerações preliminares sobre a articulação das regras relativas à PAC e das regras em matéria de concorrência

35.      Partindo da constatação de que os objetivos prosseguidos pela PAC não são necessariamente os mesmos que a política da concorrência procura promover e que, por conseguinte, pode haver tensão na implementação destas políticas (14), o artigo 42.o TFUE, cuja redação corresponde, em substância, ao artigo 36.o do Tratado CE, ao mesmo tempo que consagra a primazia da PAC sobre os objetivos do Tratado em matéria de concorrência, estabelece uma regra geral de conciliação.

36.      Com efeito, este artigo prevê que as regras de concorrência só são aplicáveis à produção e ao comércio dos produtos agrícolas, na medida em que tal seja determinado pelo direito derivado, tendo em conta os objetivos definidos no artigo 39.o TFUE. Esta última disposição enuncia, no seu n.o 1, os objetivos económicos e sociais prosseguidos pela PAC, a saber, incremento da produtividade, garantia de um nível de vida equitativo à população agrícola, estabilização dos mercados, garantia da segurança dos abastecimentos e manutenção de preços razoáveis nos fornecimentos aos consumidores.

37.      Por conseguinte, é, em definitivo, ao Conselho da União Europeia que é atribuída a tarefa de definir se e com que limites se aplicam as regras de concorrência da União ao setor agrícola, esclarecendo‑se que essa aplicação não pode comprometer a realização dos objetivos da PAC.

38.      É o que acontece desde 1962, na sequência da adoção do artigo 1.o do Regulamento n.o 26, nos termos do qual as disposições do Tratado sobre a concorrência são aplicáveis aos acordos, às decisões e às práticas referidos, relativos à produção e ao comércio dos produtos enumerados no anexo II do Tratado (nomeadamente as frutas e produtos hortícolas, entre os quais constam as endívias). Esta disposição foi substituída ao longo dos anos por disposições idênticas ou semelhantes. Em relação ao período referido no processo principal, trata‑se das disposições dos artigos 1.o e 2.o do Regulamento n.o 1184/2006 e dos artigos 175.o e 176.o do Regulamento n.o 1234/2007.

39.      Ora, estas disposições preveem a aplicação de princípio das regras de concorrência. Nos termos do artigo 2.o do Regulamento n.o 1184/2006 (disposição reproduzida, em substância, no artigo 176.o do Regulamento n.o 1234/2007), só são excluídos dessa aplicação os acordos, decisões e práticas na aceção do artigo 101.o TFUE, relativos à produção e ao comércio dos produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado que façam parte integrante de uma OCM ou que sejam necessários à realização dos objetivos da PAC. Nos desenvolvimentos que se seguem, voltarei às derrogações de ordem geral que estas normas aplicáveis consagraram (a saber, o artigo 2.o, n.o 1, do Regulamento n.o 26 e os artigos equivalentes que lhe sucederam).

40.      Decorre daqui que o setor agrícola, nomeadamente o setor das OCM, não pode ser entendido como um «espaço sem concorrência» (15). Assim, o Tribunal de Justiça decidiu que o artigo 42.o TFUE estabelece o princípio da aplicabilidade das regras europeias de concorrência no setor agrícola e que a manutenção de uma concorrência efetiva nos mercados de produtos agrícolas faz parte dos objetivos da política agrícola comum (16).

41.      A este propósito, importa sublinhar que a atividade desenvolvida pelos agricultores, embora possa apresentar uma certa especificidade e ser objeto de regulação muito detalhada, reveste caráter económico e está, assim, abrangida pelo âmbito de aplicação das regras de concorrência previstas pelo Tratado FUE (17).

42.      Nestas condições, não obstante as OCM dos produtos agrícolas não constituírem «espaços sem concorrência», o artigo 42.o TFUE continua a dar primazia aos objetivos da PAC sobre os da política em matéria de concorrência (18).

43.      Assim, decorre do artigo 42.o TFUE, que consagra ao mesmo tempo a primazia da PAC sobre a política de concorrência e, concomitantemente, a possibilidade de o Conselho decidir em que medida as regras em matéria de concorrência são aplicáveis no domínio agrícola, que determinados comportamentos dos operadores nos mercados agrícolas podem desde logo ser excluídos das regras de concorrência, especialmente das relativas aos acordos, decisões e práticas concertadas anticoncorrenciais. No entanto, esta exclusão deve ser estritamente enquadrada, uma vez que o direito derivado, para o qual o direito primário remete, assim dispõe. Por conseguinte, trata‑se, em definitivo, de encontrar um ponto de equilíbrio entre a prossecução dos objetivos da PAC e a necessidade de manter uma concorrência efetiva nos mercados agrícolas.

44.      É tendo em conta estas considerações que se deverá analisar o presente pedido de decisão prejudicial.

 Quanto à primeira questão

45.      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio interroga o Tribunal de Justiça sobre se, além das «derrogações gerais» previstas pela regulamentação pertinente, os acordos, decisões ou práticas de OP, de AOP ou de organizações profissionais, «suscetíveis de serem considerados anticoncorrenciais à luz do artigo 101.o TFUE», podem estar excluídos da proibição de acordos, decisões e práticas concertadas prevista neste artigo, pelo simples facto de estarem relacionados com as missões conferidas a essas organizações no âmbito da OCM.

46.      Depois de ter explicado as razões por que importa reformular a questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio, no sentido de que se destina a identificar as situações de exclusão — e não de «derrogações» implícitas — da aplicação das regras de concorrência no setor das OCM, exclusão que encontra o seu primeiro fundamento na primazia que deve ser reconhecida à PAC, exporei as condições que os comportamentos censurados devem preencher para serem excluídos da aplicação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE.

 Possibilidade de excluir determinados comportamentos estritamente relacionados com as missões conferidas aos intervenientes das OCM: exclusão, e não derrogação implícita à aplicação do artigo 101.o TFUE

47.      A primeira questão, conforme formulada pelo órgão jurisdicional de reenvio, assenta na premissa de que os comportamentos em causa são, a priori, anticoncorrenciais.

48.      Ora, tal premissa parece‑me errada.

49.      Com efeito, independentemente da análise das medidas em causa do ponto de vista dos seus efeitos reais ou potenciais, para se poder concluir que um comportamento colusório tem um objeto anticoncorrencial, é sempre necessário analisá‑lo à luz do seu contexto factual e jurídico. No âmbito da apreciação do referido contexto, há também que tomar em consideração a natureza dos bens ou dos serviços afetados e as condições reais do funcionamento e da estrutura do mercado ou dos mercados em causa (19).

50.      Em especial, quando um determinado comportamento colusório se verifica num ambiente não concorrencial, que resulta nomeadamente do facto de esse comportamento estar diretamente relacionado com o cumprimento das missões cometidas aos intervenientes das OCM nos termos da regulamentação aplicável, já não está em causa um comportamento anticoncorrencial, ao qual se pode aplicar o artigo 101.o, n.o 1, TFUE. Como o Tribunal de Justiça precisou, as autoridades nacionais da concorrência devem ter prioritariamente em conta regras da OCM para apreciar o caráter anticoncorrencial ou não de um comportamento adotado pelas OP e pelas AOP (20).

51.      Na minha opinião, estas considerações indicam que, mais do que uma derrogação (ou isenção, consoante a terminologia empregue) à aplicação do direito da concorrência, trata‑se, neste caso, de uma exclusão dessa aplicação, que decorre da necessária prossecução das missões confiadas aos principais intervenientes das OCM. Com efeito, na medida — e apenas nessa medida — em que se verificou que as práticas implementadas no âmbito de uma OCM são, in fine, estritamente necessárias à realização dessas missões, a aplicação das regras em matéria de concorrência, nomeadamente as relativas aos acordos, decisões e práticas concertadas anticoncorrenciais, deve ser excluída à partida. Contrariamente à posição defendida por alguns intervenientes, os comportamentos em causa não podem, portanto, ser considerados, a priori, «anticoncorrenciais» pela simples razão de não se verificarem num espaço sujeito à concorrência.

52.      Este esclarecimento terminológico não é irrelevante. Pelo contrário, tem consequências significativas tanto na metodologia de análise das medidas tomadas pelos intervenientes das OCM como no ónus da prova do caráter potencialmente anticoncorrencial dessas medidas.

53.      Com efeito, é facto assente que incumbe à autoridade responsável pela repressão dos comportamentos anticoncorrenciais das empresas não só provar que as medidas censuradas se enquadram no âmbito de aplicação das regras de concorrência como demonstrar que as mesmas são portadoras de efeitos restritivos da concorrência.

54.      Ora, partindo do pressuposto de que as referidas medidas são prima facie anticoncorrenciais, sem uma análise circunstanciada da sua elaboração e da sua implementação, a possibilidade de as entidades económicas referidas demonstrarem que esses comportamentos estão estreitamente relacionados com a realização das missões que lhes são confiadas no âmbito da COM, e, por conseguinte, num «espaço sem concorrência», torna‑se particularmente difícil. Nessa hipótese, as entidades só podem demonstrar que os referidos comportamentos devem ser isentos da aplicação das regras de concorrência, tendo em conta as circunstâncias específicas da sua elaboração. Isso equivaleria a exigir a essas entidades uma diligência equiparável à envidada para beneficiar de uma derrogação dita «geral», ou ainda à diligência específica de um pedido de isenção nos termos do artigo 101.o, n.o 3, TFUE.

55.      Por conseguinte, no caso em apreço, o que importa determinar não é tanto saber se o artigo 101.o, n.o 1, TFUE, embora seja aplicável aos comportamentos controvertidos, pode ser excluído, mas apreciar se esta disposição é efetivamente aplicável.

56.      Consequentemente, sem fazer um juízo prévio do caráter anticoncorrencial dos comportamentos censurados, a problemática que nos é submetida põe‑se em termos de exclusão da aplicação do artigo 101.o TFUE e não do ponto de vista da existência de uma derrogação à aplicação dessa disposição.

57.      Feito este esclarecimento, parece‑me que, no caso em apreço, se coloca, portanto, na realidade, a questão de saber se pode haver comportamentos de empresas que não se enquadrem nas derrogações de ordem geral que, tendo em conta a sua importância para o funcionamento efetivo de uma OCM no âmbito da PAC, podem, apesar de tudo, ser excluídos da aplicação do artigo 101.o TFUE e, sendo caso disso, quais as condições que as práticas censuradas devem preencher.

58.      Pelas razões que exporei nos desenvolvimentos que se seguem, considero que se deve responder afirmativamente a esta questão.

 Necessidade de reconhecer que determinadas medidas indispensáveis ao cumprimento das missões confiadas às OP e às AOP podem ser excluídas da aplicação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE

–       Necessidade que decorre das regras que regem a OCM

59.      Quanto às derrogações expressamente previstas pelo legislador da União, para o período dos factos no processo principal e nos termos dos regulamentos pertinentes (21), estão previstas três hipóteses gerais de derrogações à aplicação das regras em matéria de acordos, decisões e práticas concertadas, cujo benefício depende de uma decisão da Comissão (22). Na prática, a Comissão só muito raramente admitiu tais derrogações (23), e o Tribunal de Justiça tem declarado reiteradamente que devem ser interpretadas de modo estrito (24).

60.      A primeira hipótese de derrogação diz respeito aos acordos, decisões e práticas que fazem parte integrante de uma organização nacional de mercado. O alcance desta derrogação é atualmente limitado, uma vez que a quase totalidade dos produtos agrícolas foi ficando progressivamente abrangida por uma OCM setorial e, depois, pelo Regulamento n.o 1234/2007 que institui a OCM única (25).

61.      A segunda hipótese de derrogação geral refere‑se à situação em que a Comissão tenha sido levada a declarar que determinados acordos, decisões e práticas restritivas da concorrência são necessários à realização dos objetivos da PAC enunciados no artigo 39.o TFUE. Esta derrogação é interpretada de maneira restritiva pelo Tribunal de Justiça, na medida em que foi exigido que o comportamento visado favoreça a realização de todos esses objetivos ou, pelo menos, que tenham sido tidos em conta todos os referidos objetivos (26).

62.      Por último, a terceira derrogação refere‑se aos acordos, decisões e práticas restritivos da concorrência dos agricultores, de associações de agricultores ou de associações dessas associações pertencentes a um único Estado‑Membro, na medida em que, «sem incluir a obrigação de praticar um determinado preço», digam respeito à produção ou à venda de produtos agrícolas ou à utilização de instalações comuns de armazenagem, de tratamento ou de transformação de produtos agrícolas, a não ser que a Comissão verifique que, deste modo, a concorrência é excluída ou que os objetivos da PAC ficam comprometidos (27).

63.      Como referiu o órgão jurisdicional de reenvio, estas derrogações gerais não são, de forma alguma, objeto do caso em apreço (28) e não nos cabe determinar se poderiam, sendo caso disso, ser invocadas pelas entidades em causa no processo principal. Em todo o caso, e conforme resulta dos esclarecimentos precedentes e da inexistência de decisão da Comissão a este propósito — que, recordo, era exigida à época dos factos no processo principal —, verifica‑se que nenhuma destas derrogações é claramente aplicável no caso em apreço.

64.      Conforme reformulada (v. n.o 57, supra), a primeira questão leva‑nos, em contrapartida, a determinar se exclusões mais implícitas da aplicação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE não poderiam resultar da própria natureza da PAC e, mais particularmente, das missões específicas confiadas às OP e às AOP pelo direito derivado adotado com fundamento no artigo 42.o TFUE.

65.      A este propósito, importa recordar que é facto assente que os objetivos da PAC enunciados no artigo 39.o TFUE têm primazia sobre os objetivos da concorrência. Saliente‑se que o artigo 38.o, n.o 2, TFUE, à semelhança das disposições dos Tratados que o precederam, confere preeminência às disposições especificamente adotadas no âmbito da PAC (29), sem estabelecer qualquer distinção em função das disposições da regulamentação em causa. Por seu turno, o artigo 40.o TFUE prevê que a OCM, que é estabelecida para atingir os objetivos de la PAC, «pode abranger todas as medidas necessárias para atingir [esses objetivos], designadamente: regulamentações dos preços». Como o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente, isso implica que as autoridades dos Estados‑Membros não podem tomar medidas que sejam suscetíveis de prejudicar uma OCM. Declarou, nomeadamente, que as medidas adotadas pelas autoridades da concorrência não podem entravar o funcionamento dos mecanismos previstos por uma OCM (30).

66.      Assim, decorre do sistema pretendido pelos autores dos Tratados que uma medida pode ser excluída da aplicação das regras de concorrência quando seja necessária para as OP e as AOP realizarem uma ou mais tarefas que lhes foram confiadas.

67.      Tal conclusão encontra eco no artigo 175.o do Regulamento n.o 1234/2007, disposição que sucedeu ao artigo 1.o do Regulamento n.o 26 e ao artigo 1.o‑A do Regulamento n.o 1184/2006, que prevê que as regras de concorrência se aplicam «[s]alvo disposição em contrário do [referido] regulamento». É, nomeadamente, o caso dos regulamentos relativos a OCM que enquadram determinadas missões e modalidades de intervenção nos mercados agrícolas. Com efeito, esses regulamentos impõem às entidades que operam no domínio da produção e da comercialização dos produtos agrícolas, mais precisamente às OP e às AOP, determinadas tarefas e missões específicas que podem levá‑las a implementar certas formas de coordenação.

68.      A este propósito, cabe sublinhar que a OCM se destina a regular toda a produção e comercialização dos produtos agrícolas dos Estados‑Membros. Constitui um dispositivo essencial para atingir os objetivos da PAC enunciados no Tratado, em especial, a estabilização dos mercados agrícolas e a preservação de um nível de vida equitativo para os agricultores.

69.      Na sua vertente interna, a OCM prevê, assim, um determinado número de medidas destinadas a tomar em consideração especificidades do mercado agrícola, que se caracteriza por uma concentração crescente da procura e, paralelamente, por uma atomização da oferta.

70.      Num contexto em que, como refere o considerando 7 do Regulamento n.o 2200/96, «o agrupamento da oferta […] surge mais do que nunca como uma necessidade económica para reforçar a posição dos produtores no mercado», as OP e depois as AOP foram concebidas na regulamentação relativa às OCM do setor das frutas e produtos hortícolas como entidades que podem desempenhar funções úteis, nomeadamente, na concentração da oferta e na estabilização dos preços (31) e que constituem, consequentemente, intervenientes‑chave nessa OCM. Neste sentido, este considerando esclarece que as «[OP] representam os elementos de base da [OCM], cujo funcionamento descentralizado asseguram ao seu nível» (32).

71.      Consequentemente, quando o Conselho prevê, nos regulamentos que regem as OCM e nos regulamentos relativos às modalidades de aplicação destes últimos, determinadas medidas de concertação, exclui, deste modo, a aplicação das regras de concorrência, nomeadamente a proibição dos acordos, decisões e práticas concertadas anticoncorrenciais prevista no artigo 101.o, n.o 1, TFUE. Por outras palavras, os acordos, decisões e práticas concertadas das OP e das AOP que estejam em conformidade com esses regulamentos estão necessariamente excluídos da aplicação desta última disposição.

72.      Por conseguinte, no caso em apreço, a primeira questão prejudicial leva‑nos a debruçar‑nos sobre o papel atribuído pela regulamentação pertinente a esses intervenientes‑chave das OCM, nomeadamente da OCM frutas e produtos hortícolas, que são as OP e as AOP.

–       Necessidade que se justifica, em especial, pelo papel conferido às OP e às AOP no âmbito das OCM

73.      As OP (33), quanto a elas, respondem à necessidade imperiosa de reforçar a posição dos produtores nos mercados e são definidas como pessoas coletivas constituídas, numa base voluntária e útil, por iniciativa dos produtores, para, nomeadamente, prosseguirem determinados objetivos. Esses produtores têm geralmente por objetivo repartir os seus meios para reequilibrar as relações comerciais que mantêm com os operadores económicos a jusante do seu setor e, em especial, reforçar o seu poder de negociação na venda dos seus produtos. O agrupamento das OP é efetuado com base num programa operacional. Deve ser reconhecida a qualidade de OP aos agrupamentos de produtores que justifiquem, designadamente, um número mínimo de produtores e um determinado volume de produção comercializável (v. artigos 15.o a 23.o do Regulamento n.o 2200/96).

74.      As OP são constituídas com uma finalidade bem precisa, definida pela regulamentação (34). Entre as finalidades previstas para a constituição de uma OP figuram, nomeadamente, a programação da produção e a sua adaptação à procura, a promoção da concentração da oferta e a colocação no mercado da produção dos associados, bem como a redução dos custos de produção e a regularização dos preços na produção (35).

75.      Com vista à realização destes objetivos, a OP deve ter o controlo das condições de venda, nomeadamente o preço de venda dos produtos dos produtores associados. Estes últimos comprometem‑se, por seu turno, a aplicar determinadas regras estabelecidas pela OP, a ser membro apenas de uma OP e a vender, por intermédio da OP de que são associados, a totalidade da sua produção (36). Importa também salientar que, para cada setor, são fixados limiares, baseados no número de produtores ou ainda no valor da produção comercializada, que a OP deve obrigatoriamente atingir para ser reconhecida.

76.      Além disso, nos termos da regulamentação pertinente, as OP podem sempre agrupar‑se em AOP (37) ou em organizações profissionais (38).

77.      O artigo 125.o‑C do Regulamento n.o 1234/2007 prevê que a realização dessas missões seja alargada às AOP (39).

78.      A regulamentação aplicável prevê que estes intervenientes têm como finalidade (i) assegurar a programação da produção e a sua adaptação à procura, nomeadamente em quantidade e em qualidade, (ii) promover a concentração da oferta e a colocação no mercado da produção dos associados, (iii) reduzir os custos de produção e regularizar os preços na produção e (iv) promover práticas de cultivo e técnicas de produção e de gestão dos resíduos respeitadoras do ambiente, nomeadamente para proteger a qualidade das águas, do solo e da paisagem e para preservar e/ou fomentar a biodiversidade (40).

79.      Por conseguinte, para cumprir efetivamente essas missões, tanto as OP como as AOP podem, em primeiro lugar, ter de negociar diretamente as condições de venda de todos os produtos dos seus associados com os agrupamentos de compra.

80.      Em segundo lugar, podem ter de tomar medidas de gestão das quantidades colocadas no mercado.

81.      A este respeito, a regulamentação europeia previa expressamente que as OP podiam proceder a medidas de retirada, isto é, decidir não pôr à venda determinadas quantidades de produtos em determinados períodos que considerassem oportunos. No período de aplicação do Regulamento n.o 2200/96, ou seja, até ao fim de 2007, essas medidas eram concebidas como medidas de intervenção tomadas pelas OP e, consequentemente, podiam ser aplicadas quer aos seus associados, quer aos não associados, desde que a OP em causa fosse considerada representativa (41). A gestão do regime dessas operações de retirada, que é feita através de um fundo e de um programa operacionais (42), exige, com efeito, um certo controlo das OP e das AOP, entidades habilitadas a elaborar regras que podem ser tornadas vinculativas pelo Estado‑Membro em causa para todos os produtores de uma determinada circunscrição. O regime das medidas de retirada foi substancialmente alterado pelo Regulamento n.o 1234/2007, uma vez que estas deixaram de ser concebidas como fazendo parte dos programas operacionais de prevenção e de gestão de crise (43).

82.      Além dessas medidas de retirada, as OP e AOP também dispõem do poder de planear a produção a fim de a ajustar à procura em conformidade com os objetivos definidos pela regulamentação pertinente (44).

83.      Decorre de todas estas disposições que as OP e as AOP têm, inevitavelmente, de desempenhar um papel determinante em matéria de centralização da comercialização dos produtos dos seus associados. Constituem, na sua essência, espaços de concertação coletiva.

84.      A prossecução das suas missões exige, sob pena de privar de efeito útil as regulamentações relativas às OCM, que determinadas ações que implementem e que sejam estritamente necessárias ao cumprimento das suas missões possam ser excluídas da aplicação do direito da concorrência. Para levar a cabo as missões que lhes são confiadas pelo legislador da União no âmbito da OCM, estes intervenientes são chamados a implementar formas de coordenação e de concertação que são excluídas das leis de mercado e que são, consequentemente, contraditórias com a ideia de concorrência.

85.      Com efeito, a prossecução desses objetivos implica inevitavelmente, como o Tribunal Geral já teve ocasião de sublinhar (45), que a OP em causa disponha de um verdadeiro controlo das condições de venda e, especialmente, dos preços de venda. É precisamente este controlo que os produtores associados se comprometem a assegurar mediante o respeito de uma certa disciplina, em conformidade com o artigo 11.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 2200/96.

86.      Não obstante, isso não implica que as OP e as AOP que não sejam da produção estejam habilitadas a agir concertadamente com vista à fixação dos preços. Do mesmo modo, isso não devia levar a subtrair à aplicação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE ações levadas a cabo em entidades ou em organizações que não foram encarregadas, pelos seus associados, da comercialização dos seus produtos. Analisarei este aspeto mais adiante.

87.      Além das derrogações gerais antes mencionadas, as práticas seguidas por estes intervenientes devem ser excluídas em certa medida da aplicação das regras em matéria de concorrência, nomeadamente do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, a menos que se negue o alcance dos mecanismos de regulação implementados pelos regulamentos que regem as OCM.

88.      Mais do que uma derrogação «específica», trata‑se de extrair todas as consequências da derrogação agrícola prevista pelos Tratados.

89.      Contudo, será suficiente, como alguns intervenientes defenderam, que, para poderem ser excluídas da aplicação do direito da concorrência, as medidas tomadas pelas OP ou pelas AOP contribuam, de alguma maneira, para a realização das missões que lhes são confiadas pelos regulamentos relativos às OCM?

90.      Penso que não.

91.      Conforme esclarecerei nos desenvolvimentos subsequentes, só devem ser excluídas da aplicação das regras de concorrência as práticas que se inscrevem nas missões cometidas às OP, às AOP e aos organismos profissionais responsáveis pela comercialização dos produtos em causa.

–       Necessidade que decorre do papel cometido às OP e às AOP responsáveis pela comercialização dos produtos em causa

92.      Escusado será dizer que só podem ser consagradas exclusões da aplicação do direito da concorrência a determinadas medidas se as mesmas contribuírem, segundo as OP ou as AOP em questão, para objetivos gerais como a redução dos custos de produção ou a regularização dos preços na produção.

93.      De maneira geral, é conveniente especificar, como alegou a Comissão, que, para poderem ser excluídas da aplicação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, há que assegurar que as práticas em causa foram efetivamente adotadas ao «nível adequado» e pela «entidade adequada», por uma OP ou por uma AOP efetivamente responsável pela gestão da produção e da comercialização do produto em causa.

94.      Além da situação em que o regulamento que rege a OCM em questão define com precisão as medidas específicas que as OP ou AOP podem adotar, como as medidas de retirada antes mencionadas, as regras em matéria de concorrência devem ser aplicadas às práticas existentes entre as OP ou AOP ou que impliquem eventualmente intervenientes não associados no mercado.

95.      Acresce que uma concertação sobre os preços, sobre as quantidades produzidas e sobre a transmissão de informações comerciais sensíveis não pode ser objeto de conluio entre diferentes OP ou AOP, ou até no âmbito de uma entidade que, qualquer que seja a sua denominação real ou hipotética, não foi encarregada da comercialização dos produtos em causa pelos seus associados.

96.      Esta exigência parece‑me decorrer implícita mas necessariamente das normas aplicáveis que definem as missões de concentração da oferta e de regularização dos preços atribuídas a essas entidades. Para que as práticas de concertação entre OP ou AOP diferentes pudessem ser excluídas da aplicação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, seria preciso que os regulamentos que regem a OCM em questão o previssem expressamente.

97.      Como o artigo 11.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 2200/96, o artigo 3.o do Regulamento n.o 1182/2007 e o artigo 122.o, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1234/2007 referem, a missão confiada às OP diz unicamente respeito à produção dos associados ou dos produtores associados da organização.

98.      Neste sentido, o Tribunal Geral (46) já teve oportunidade de declarar que a promoção da concentração da oferta, prevista no artigo 11.o, n.o 1, alínea b), ponto 2, do Regulamento n.o 2200/96, só é possível se uma parte significativa da produção dos associados for vendida por intermédio da organização de produtores. Se esta exigência não for cumprida, as medidas adotadas pelas OP e/ou pelas AOP terão apenas um impacto muito reduzido no mercado e na concentração da oferta.

99.      Ora, é precisamente a eficácia da missão que estas entidades podem ter de desempenhar nessa concentração da oferta e, in fine, na estabilização dos preços que é suscetível, sendo caso disso, de justificar que estas implementem formas de concertação que sejam excluídas das regras de concorrência, em especial da aplicação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE.

100. Consequentemente, com exceção das medidas de intervenção estritamente previstas pelo regulamento relativo à OCM, é minha opinião que o direito da concorrência deve ser aplicado às práticas de concertação adotadas não só entre OP ou AOP diferentes mas também no âmbito de entidades que são responsáveis apenas por uma parte significativa da produção dos seus associados.

101. Com efeito, práticas implementadas numa OP ou numa AOP que foi efetivamente encarregada da gestão da produção e da comercialização dos produtos dos seus associados são equiparáveis às adotadas numa sociedade ou num grupo que se apresente, no mercado em causa e tendo em conta as particularidades do mercado agrícola, como uma única entidade económica. Tais práticas «internas» são excluídas da aplicação do direito da concorrência. Nesta configuração, os agricultores representados deixam de ter qualquer controlo em matéria de negociação sobre a coisa e sobre o preço, para efeitos da venda da sua produção.

102. Inversamente, e também independentemente, neste caso, das disposições expressamente previstas pela regulamentação aplicável, as práticas que se desenvolvem entre OP ou AOP, em entidades não encarregadas da comercialização da produção dos seus associados, ou mesmo as que se desenvolvem entre uma OP/AOP e outros tipos de intervenientes no mercado em causa, não podem ser excluídas dessa aplicação, uma vez que essas práticas se desenvolvem entre entidades económicas supostamente independentes.

103. Com efeito, embora o objetivo da concentração da oferta prosseguido pela regulamentação relativa à OCM implique que os associados das OP e das AOP, efetivamente responsáveis pela comercialização, possam agir concertadamente, não permite excluir da aplicação das regras em matéria de acordos, decisões e práticas concertadas anticoncorrenciais acordos relativos às condições de produção e de comercialização celebrados entre diversas OP, AOP e outras entidades eventualmente não reconhecidas pela regulamentação aplicável. Também não permite validar práticas, nomeadamente de fixação dos preços, no seio de uma dessas entidades, uma vez que esta não tem o controlo da comercialização dos produtos dos seus associados. Neste caso, já não se trata de concentração da oferta, mas sim de uma concertação entre entidades que continuam a concorrer entre si no mercado final do produto em causa.

104. É certo que esta exigência pode parecer facilmente contornável pela criação, resultante da sua fusão, de OP e de AOP de grande envergadura. Não se pode, todavia, perder de vista que a dimensão de uma OP ou de uma AOP é um elemento que, em princípio, é tido em conta na fase do seu reconhecimento ou da manutenção do seu reconhecimento. Com efeito, está expressamente previsto na regulamentação relativa à OCM que os Estados‑Membros podem reconhecer, a pedido, uma OP ou uma AOP, desde que, nomeadamente, ela «não detenha uma posição dominante num determinado mercado», a não ser que tal seja necessário para a prossecução dos objetivos da PAC (47).

105. Consequentemente, qualquer comportamento ou prática que vá além do que é estritamente necessário ao exercício das missões confiadas às OP e às AOP relativamente aos produtores associados é suscetível de ser abrangido pela proibição de acordos, decisões e práticas concertadas na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE.

106. Tendo em conta os desenvolvimentos que precedem, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à primeira questão prejudicial que acordos, decisões e práticas de OP, de AOP e de organizações profissionais podem, embora não se enquadrem em nenhuma das derrogações gerais sucessivamente previstas no artigo 2.o dos Regulamentos n.o 26 e n.o 1184/2006 e no artigo 176.o do Regulamento n.o 1234/2007, ser excluídos da proibição de acordos, decisões e práticas concertadas prevista no artigo 101.o, n.o 1, TFUE, no caso de se verificar que esses comportamentos, em primeiro lugar, são necessários ou permitidos para o cumprimento da missão confiada à OP, à AOP ou à organização profissional efetivamente responsável pela comercialização dos produtos em causa e, em segundo lugar, são adotados no âmbito e em conformidade com a regulamentação relativa à OCM em questão.

 Quanto à segunda questão

107. A segunda questão prejudicial versa sobre a questão de saber se as práticas controvertidas no processo principal, que visam, respetivamente, i) a fixação coletiva de um preço mínimo, ii) a concertação sobre as quantidades de produtos colocados no mercado e iii) a troca de informações sensíveis/estratégicas, podem ser excluídas da aplicação do artigo 101.o TFUE, desde que se destinem nomeadamente ao cumprimento das missões de regularização dos preços na produção e de adaptação da produção à procura, confiadas às OP e às AOP (v. artigo 11.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2200/96; artigo 3.o do Regulamento n.o 1182/2007; e artigo 122.o, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1234/2007).

108. Antes de mais, devo sublinhar que o facto, evocado nomeadamente na audiência, de que as medidas foram tomadas com a intenção de os intervenientes em causa fazerem face às dificuldades supostas ou comprovadas dos produtores de endívias, designadamente tendo em conta uma situação económica difícil de luta contra os operadores da grande distribuição, não pode ser determinante. A este respeito, o Tribunal de Justiça precisou que, mesmo que se demonstre que as partes de um acordo atuaram sem qualquer intenção subjetiva de restringir a concorrência, mas com o intuito de encontrar uma solução para os efeitos de uma crise setorial, essas considerações não são pertinentes para a aplicação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, mas podem, sendo caso disso, ser analisadas para obter uma isenção da proibição enunciada no n.o 3 do mesmo artigo (48).

109. Por outro lado, sem querer de modo algum fazer um juízo prévio da análise dos factos, que compete, em definitivo, exclusivamente ao juiz nacional, importa salientar que, segundo as indicações que resultam dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça, as práticas previstas no caso em apreço não se desenvolveram unicamente no seio de uma OP ou de uma AOP responsável pela comercialização da produção dos seus associados, mas muito além disso. Segundo os dados recolhidos pela Autorité de la concurrence durante as suas investigações, as práticas controvertidas não envolveram só dez OP e quatro AOP, mas também cinco agrupamentos não reconhecidos, que não são responsáveis por nenhuma tarefa específica por força da regulamentação pertinente.

110. Por conseguinte, impõem‑se alguns esclarecimentos preliminares, em primeiro lugar, quanto às medidas que podem efetivamente ser executadas pelos diferentes agrupamentos e pelas OP em matéria de regulação dos preços e de adaptação da produção à procura.

111. Em segundo lugar e tendo em conta orientações definidas sobre esta questão, analisarei sucessivamente os diferentes tipos de medidas em causa no processo principal, distinguindo, para cada uma delas, o caso em que dizem respeito aos associados de uma OP ou de uma AOP responsável pela comercialização dos produtos dos seus associados (a seguir «configuração interna») daquele em que se desenvolvem no seio de entidades que, embora tenham sido qualificadas de «OP» ou de «AOP», não são responsáveis pela comercialização dos produtos dos seus associados, de OP ou de AOP diferentes e/ou com entidades não reconhecidas (a seguir «configuração externa»).

 Considerações preliminares sobre as medidas que podem ser adotadas pelas OP e pelas AOP na sua missão de regulação dos preços e de adaptação à procura

112. Como mencionei anteriormente, o papel atribuído às OP e às AOP em matéria de regulação dos preços e de adaptação da procura pode levá‑las a implementar formas de intercâmbio e de concertação com os seus associados.

113. A questão central que se coloca neste caso é saber se essa missão de regulação e de adaptação pode levar à fixação, numa OP ou numa AOP e em concertação com os seus associados, de um preço mínimo de venda dos produtos abrangidos pela OCM.

114. Penso que não é de maneira nenhuma o caso.

115. Com efeito, numa configuração interna, embora os associados de uma OP ou de uma AOP lhe tenham efetivamente confiado, conforme exige a regulamentação relativa à OCM, a missão de comercializar toda ou quase toda a sua produção, parece indispensável que a OP ou a AOP negoceie com os distribuidores um preço único aplicável a toda essa produção. Em certa medida, os associados atribuem à OP ou à AOP em causa a qualidade de negociador único, nomeadamente com os intervenientes que se situam a jusante do seu setor. Esse preço único, que é determinado em função dos períodos de comercialização e da qualidade do produto em causa, é, por definição, variável.

116. Por conseguinte, no caso em que a integração da comercialização dos produtos em causa numa OP ou numa AOP leve à determinação de um preço único desse tipo, a fixação de um preço mínimo no seio de uma dessas entidades, que não seja suscetível de variação, deixa, por definição, de ter sentido.

117. Com efeito, as práticas de fixação de preços mínimos só podem ser concebidas num contexto em que os produtores do produto em causa continuam a dispor de um determinado poder em matéria de negociação do preço de venda desse produto.

118. Como a Autorité de la concurrence nomeadamente salientou, a missão de «regularização dos preços na produção» («stabilising producer prices») confiada às OP/AOP deve ser entendida no contexto do objetivo de estabilização dos mercados prosseguido pela OCM e tendo em conta os meios expressamente considerados na regulamentação europeia (medidas de retirada e/ou planos de produção), não podendo levar a excluir da aplicação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE a fixação de preços mínimos como a que parece estar em causa no processo principal, ou seja, uma fixação de preços impostos a todas as OP/AOP e aplicáveis a todos os produtos em causa sobre a quase totalidade da produção nacional.

119. Quanto à configuração externa, embora as OP/AOP tenham, por força das sucessivas disposições pertinentes (49), missões importantes, nomeadamente de concentração da oferta e de regularização dos preços na produção, a importância dessas missões não pode ser interpretada no sentido de que autoriza ações colusórias de fixação dos preços impostos de maneira geral a todos os seus associados e à globalidade dos produtos comercializados.

120. Em conclusão, a exclusão da aplicação do artigo 101.o TFUE não pode ser alargada às práticas de concertação que se desenvolvem entre diferentes OP ou AOP nem em entidades ou em agrupamentos não reconhecidos.

 Análise das medidas em causa no processo principal

–       Quanto às práticas de fixação coletiva de preços

121. Tendo em conta o que precede, o direito da concorrência deve, em qualquer caso, ser aplicado às práticas de fixação de preços entre OP ou entre AOP, ou entre estas e outras entidades, isto é, na configuração externa, esclarecendo‑se que é facto assente que as práticas de fixação dos preços são consideradas, pelo seu próprio objeto, prejudiciais ao bom funcionamento da concorrência (50).

122. Esta conclusão também é válida no caso em que uma entidade, embora tenha sido designada OP ou AOP, não foi efetivamente encarregada pelos seus associados de proceder à comercialização dos seus produtos. Tal parece ser o caso das AOP ditas «de governança» (51), evocadas no processo principal.

123. Quanto à configuração interna, no seguimento do que já referi anteriormente, a fixação de preços mínimos numa OP ou numa AOP efetivamente responsável pela comercialização não tem razão de ser, devido à própria existência de um sistema de preço único para os produtos dos seus associados.

124. A título geral, parece‑me útil recordar que, se nos cingirmos à economia do sistema instituído no âmbito, nomeadamente, da OCM única, a estabilização/regularização dos preços deve ser necessariamente realizada através de medidas explicitamente estabelecidas na regulamentação relativa à OCM e que se destinem a regular as quantidades de produtos colocados no mercado em causa, a saber, medidas de retirada e planos de produção que podem ser implementados nas OP e nas AOP.

125. Esta missão de estabilização/regulação dos preços pode, por exemplo, tomar a forma de divulgação pela OP ou AOP em causa de dados que informem sobre a evolução do mercado, mas não pode, em caso algum, materializar‑se numa tabela de preços recomendados. Esta missão também pode levar a que as OP ou AOP em causa emitam determinadas recomendações com vista a atuar sobre as quantidades de produtos que serão colocados no mercado.

126. A este respeito, é minha opinião que, para justificar uma prática de preços mínimos implementada entre OP ou AOP, não se pode alegar a existência de preços ditos «de retirada», que eram teoricamente possíveis antes da criação da OCM única pelo Regulamento n.o 1234/2007. Com efeito, o preço de retirada é definido como um preço abaixo do qual os produtores associados não colocarão à venda uma determinada quantidade (e não a totalidade) dos produtos entregues pelos seus aderentes, recebendo estes últimos uma indemnização em contrapartida. A produção restante dos associados da OP ou AOP continua sujeita às leis do mercado e, por conseguinte, não poderá ser comercializada a um preço mínimo fixado antecipadamente por esses associados.

127. Consequentemente, um acordo, uma decisão de associação de empresas ou uma prática concertada relativos ao preço, nomeadamente com vista à fixação de um preço mínimo, não pode, em nenhum caso, ser excluído desde logo da aplicação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE.

128. Em conclusão, quer seja numa mesma OP ou numa AOP encarregada de comercializar a produção dos seus associados ou entre OP ou AOP diferentes, uma política de fixação de um preço mínimo entre produtores não pode, na minha opinião, ser excluída da aplicação do artigo 101.o TFUE.

–       Quanto às práticas de concertação das quantidades colocadas no mercado

129. Há que reconhecer que uma prática de concertação das quantidades de produtos colocados no mercado pode contribuir, nomeadamente num contexto caracterizado por uma atomização da produção agrícola — o que pode conduzir à criação de um desequilíbrio tendo em conta a procura, em geral fortemente concentrada, dos produtos em causa —, para a programação da produção e a sua adaptação à procura. A prazo, pode contribuir não só para assegurar uma estabilização dos mercados em causa — regulando a natureza e a quantidade dos produtos oferecidos no mercado — mas também para regular os preços, com vista a manter um nível de vida equitativo da população agrícola.

130. A este propósito, a regulamentação pertinente prevê que as OP/AOP podem adotar regras para adaptar o volume da oferta de um determinado produto às exigências do mercado, isto é, programar a quantidade de produtos oferecida num determinado momento para manter os preços de venda num determinado nível.

131. Até à adoção da OCM única pelo Regulamento n.o 1234/2007, a regulamentação aplicável na matéria previa também a possibilidade de se adotar medidas de retirada, que permitiam implementar planos de ação conjunturais jogando com as quantidades colocadas no mercado. Assim, as OP e AOP podiam decidir não pôr à venda uma determinada quantidade de produtos entregues pelos seus associados durante determinados períodos.

132. Todavia, como já referi anteriormente, o Regulamento n.o 1234/2007 reduziu a possibilidade de se recorrer a essas medidas de retirada, uma vez que estas passaram a ser consideradas apenas como um meio de prevenção e de gestão de crise, já não podendo, em princípio, ser alargadas a todos os produtores, como sucedia anteriormente.

133. Porém, no seguimento das considerações acima expostas para as práticas de regulação dos preços, é minha opinião que, independentemente da possibilidade de implementar medidas de retirada no âmbito de planos de ação conjunturais previamente aprovados (ao abrigo, em especial, do artigo 23.o do Regulamento n.o 2200/96) (52), as práticas de concertação relativas às quantidades colocadas no mercado devem ser apreendidas de maneira diferente consoante a configuração pretendida.

134. Numa configuração interna, medidas como as adotadas no âmbito dos planos de produção previstos na legislação europeia podem, quando se destinem efetivamente a regular a produção para efeitos de estabilizar os preços dos produtos abrangidos, ser excluídas da aplicação desta disposição.

135. Em contrapartida, numa configuração externa, essas práticas não podem ser excluídas da aplicação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE. Importa sublinhar que, desde a criação da OCM única pelo Regulamento n.o 1234/2007, deixou de ser possível alargar as medidas de retirada adotadas nas OP e nas AOP aos produtores que já não são associados dessas entidades.

136. No caso em apreço, parece que as práticas censuradas consistiam em concertações relativas à limitação e ao controlo generalizado das quantidades colocadas no mercado ao nível de todo o mercado das endívias. Um acordo desta amplitude nacional, celebrado entre várias OP e AOP, e que conduz, em definitivo, a uma limitação da produção a longo prazo não está excluído da aplicação das regras de concorrência.

–       Quanto às práticas de troca de informações estratégicas

137. À semelhança da abordagem seguida anteriormente, importa fazer uma distinção entre as práticas observadas numa OP ou numa AOP e as que se destinam, na realidade, a implementar uma política global e nacional de preços entre todos os produtores, independentemente da sua filiação numa ou noutra dessas organizações ou associações.

138. Na configuração interna, deve admitir‑se que as missões cometidas às OP e às AOP no contexto de uma OCM implicam necessariamente trocas de informações estratégicas numa AOP. A realização das missões de estabilização dos preços e/ou de planeamento da produção e de adaptação à procura que lhes são confiadas poderiam, com efeito, ficar bastante comprometidas sem a transmissão de dados relativos à natureza e às quantidades de produção dos géneros, mas também sobre as quantidades comercializadas ou armazenadas.

139. Essa necessidade foi reconhecida pelo Regulamento de Execução (UE) n.o 543/2011 (53), que dispõe, no seu artigo 23.o, que «[o]s Estados‑Membros velam por que as organizações de produtores disponham do pessoal, infraestruturas e equipamento necessários para […] assegurarem as suas funções essenciais», nomeadamente no respeitante «[a]o conhecimento da produção dos seus membros» e «[à] colheita, triagem, armazenagem e embalagem da produção dos seus membros».

140. Consequentemente, em tal configuração interna, caberá ao juiz verificar se as trocas de informações censuradas são inerentes à prossecução das missões das OP e das AOP e, portanto, não lhes podem ser aplicadas as regras em matéria de concorrência, nomeadamente o artigo 101.o, n.o 1, TFUE.

141. Em contrapartida, numa configuração externa, o artigo 101.o, n.o 1, TFUE deve ser aplicado às práticas de trocas de informações.

142. Voltando ao processo principal, afigura‑se que as trocas de informações censuradas consistiam em comunicações de preços entre OP, AOP e outras entidades concorrentes. Na minha opinião, deve afastar‑se a conclusão de que estas trocas de informação estão relacionadas com as missões confiadas às OP/AOP no âmbito da OCM.

143. A este respeito, deve sublinhar‑se que é jurisprudência constante que se pode considerar que as trocas de informações têm um objetivo anticoncorrencial quando são suscetíveis de eliminar as incertezas quanto à conduta que as empresas em causa têm em vista (54).

144. No entanto, as trocas de informações podem, em determinadas circunstâncias, ser consideradas conformes com as regras de concorrência: fraca concentração do mercado, informações públicas e agregadas, bem como existência de informações não equiparáveis a tabelas de preços e/ou que não permitem reconstituir todos os custos dos operadores.

145. Assim, os mercados agrícolas apresentam especificidades, nomeadamente devido à implementação das COM, que são suscetíveis de justificar trocas de informações em condições menos estritas do que num mercado menos regulamentado.

146. Todavia, no caso em apreço, verifica‑se que não foi provado que as trocas de informações controvertidas, que, com toda a probabilidade, visavam, na realidade, estabelecer um acordo sobre os preços dos produtos em causa, eram necessárias dada a especificidade do mercado em questão.

147. Em conclusão, o artigo 11.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2200/96, o artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1182/2007 e o artigo 122.o, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1234/2007, que fixam, entre os objetivos atribuídos às OP e às suas associações, a regulação dos preços na produção e a adaptação da produção à procura, devem ser interpretados no sentido de que as práticas de fixação coletiva de um preço mínimo entre OP e/ou AOP não podem, em caso algum, ser desde logo excluídas da aplicação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE. As práticas de trocas de informações estratégicas relativas aos preços mínimos, implementadas por e entre essas organizações ou pelas suas associações, também não estão excluídas da proibição dos acordos, decisões e práticas concertadas prevista no artigo 101.o, n.o 1, TFUE, pelo simples facto de poderem contribuir para os objetivos gerais atribuídos às OP e às suas associações. Para que assim seja, compete nomeadamente ao órgão jurisdicional nacional verificar se a prática em causa, em primeiro lugar, é necessária ou é permitida para o cumprimento da missão especificamente confiada à OP, à AOP ou à organização profissional efetivamente responsável pela comercialização dos produtos em causa e, em segundo lugar, foi adotada no âmbito e em conformidade com a regulamentação relativa à OCM em questão.

148. Práticas como as que estão em causa no processo principal, implementadas entre diferentes OP, AOP e entidades não reconhecidas, que se destinam à fixação de preços mínimos, a concertações sobre os preços e a trocas de informações estratégicas, não são das que podem desde logo ser excluídas da aplicação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE.

 Conclusão

149. Tendo em consideração os desenvolvimentos que precedem, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões submetidas pela Cour de cassation (Tribunal de Cassação, França), nos termos seguintes:

1)      Acordos, decisões ou práticas de organizações de produtores, de associações de organizações de produtores e de organizações profissionais podem, embora não se enquadrem em nenhuma das derrogações gerais sucessivamente previstas no artigo 2.o dos Regulamentos n.o 26 do Conselho, de 4 de abril de 1962, relativo à aplicação de determinadas regras de concorrência à produção e ao comércio de produtos agrícolas, e (CE) n.o 1184/2006 do Conselho, de 24 de julho de 2006, relativo à aplicação de determinadas regras de concorrência à produção e ao comércio de produtos agrícolas, e no artigo 176.o do Regulamento (CE) n.o 1234/2007 do Conselho, de 22 de outubro de 2007, que estabelece uma organização comum dos mercados agrícolas e disposições específicas para certos produtos agrícolas (Regulamento OCM único), ser excluídos da proibição dos acordos, decisões e práticas concertadas prevista no artigo 101.o, n.o 1, TFUE, no caso de se verificar que esses comportamentos, em primeiro lugar, são necessários ou permitidos para o cumprimento da missão confiada à organização de produtores, à associação de organizações de produtores ou à organização profissional efetivamente responsável pela comercialização dos produtos em causa e, em segundo lugar, são adotados no âmbito e em conformidade com a regulamentação relativa à organização comum de mercado em questão.

2)      O artigo 11.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 2200/96 do Conselho, de 28 de outubro de 1996, que estabelece a organização comum de mercado no setor das frutas e produtos hortícolas, o artigo 3.o, n.o 1, Regulamento (CE) n.o 1182/2007 do Conselho, de 26 de setembro de 2007, que estabelece regras específicas aplicáveis ao setor das frutas e produtos hortícolas, que altera as Diretivas 2001/112/CE e 2001/113/CE e os Regulamentos (CEE) n.o 827/68, (CE) n.o 2200/96, (CE) n.o 2201/96, (CE) n.o 2826/2000, (CE) n.o 1782/2003 e (CE) n.o 318/2006 e revoga o Regulamento (CE) n.o 2202/96, e o artigo 122.o, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1234/2007, que fixam, entre os objetivos atribuídos às organizações de produtores ou associações de organizações de produtores e às suas associações, a regulação dos preços na produção e a adaptação da produção à procura, devem ser interpretados no sentido de que as práticas de fixação coletiva de um preço mínimo não podem, em caso algum, ser desde logo excluídas da aplicação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE. As práticas de trocas de informações estratégicas relativas aos preços, implementadas por essas organizações ou pelas suas associações, também não estão excluídas da proibição dos acordos, decisões e práticas concertadas prevista no artigo 101.o, n.o 1, TFUE, pelo simples facto de poderem contribuir para os objetivos gerais atribuídos às organizações de produtores e às suas associações. Para que assim seja, compete nomeadamente ao órgão jurisdicional nacional verificar se a prática em causa, em primeiro lugar, é necessária ou permitida para o cumprimento da missão especificamente confiada à organização de produtores ou à associação de organizações de produtores efetivamente responsável pela comercialização dos produtos em causa e, em segundo lugar, foi adotada no âmbito e em conformidade com a regulamentação relativa à organização comum de mercados em questão.

Práticas como as que estão em causa no processo principal, implementadas entre diferentes organizações de produtores, associações de organizações de produtores e entidades não reconhecidas, que se destinam à fixação de preços mínimos, a concertações sobre os preços e a trocas de informações estratégicas, não são das que podem desde logo ser excluídas da aplicação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE.


1      Língua original: francês.


2      V., nomeadamente, Report of the Agricultural Markets Task Force, «Improving market outcomes» (Bruxelas, novembro de 2016) (disponível no endereço https://ec.europa.eu/agriculture/agri‑markets‑task‑force_fr), nos termos do qual «questions about the precise scope of the possibilities and constraints applying to producer cooperation abound. Ambiguity of rules also risks giving rise to diverging approaches by national competition authorities thereby undermining the internal market» (n.o 147).


3      Testemunha disso é a circunstância, relativamente excecional (17 vezes em 12 anos), de a Comissão Europeia ter intervindo no processo principal, na qualidade de amicus curiae, nos termos do artigo 15.o, n.o 3, do Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.o e 82.o do Tratado (JO 2003, L 1, p. 1). Esta última disposição prevê nomeadamente que, quando a aplicação coerente das disposições do Tratado em matéria de concorrência o exija, a Comissão pode igualmente, por sua própria iniciativa, apresentar observações escritas aos tribunais dos Estados‑Membros.


4      Acórdão de 29 de outubro de 1980, Maizena/Conselho (139/79, EU:C:1980:250, n.o 23).


5      Regulamento de 4 de abril de 1962, relativo à aplicação de determinadas regras de concorrência à produção e ao comércio de produtos agrícolas (JO 1962, 30, p. 993; EE 08 F1 p. 29).


6      Regulamento do Conselho, de 24 de julho de 2006, relativo à aplicação de determinadas regras de concorrência à produção e ao comércio de produtos agrícolas (JO 2006, L 214, p. 7).


7      Regulamento do Conselho, de 22 de outubro de 2007, que estabelece uma organização comum dos mercados agrícolas e disposições específicas para certos produtos agrícolas (Regulamento OCM única) (JO 2007, L 299, p. 1).


8      Regulamento do Conselho, de 28 de outubro de 1996, que estabelece a organização comum de mercado no setor das frutas e produtos hortícolas (JO 1996, L 297, p. 1).


9      Regulamento do Conselho, de 26 de setembro de 2007, que estabelece regras específicas aplicáveis ao setor das frutas e produtos hortícolas, que altera as Diretivas 2001/112/CE e 2001/113/CE e os Regulamentos (CEE) n.o 827/68, (CE) n.o 2200/96, (CE) n.o 2201/96, (CE) n.o 2826/2000, (CE) n.o 1782/2003 e (CE) n.o 318/2006 e revoga o Regulamento (CE) n.o 2202/96 (JO 2007, L 273, p. 1).


10      Regulamento do Conselho, de 14 de abril de 2008, que altera o Regulamento n.o 1234/2007 (JO 2008, L 121, p. 1).


11      Regulamento do Conselho, de 25 de maio de 2009, que altera o Regulamento n.o 1234/2007 (JO 2009, L 154, p. 1).


12      Acórdãos de 9 de setembro de 2003, Milk Marque e National Farmers’ Union (C‑137/00, EU:C:2003:429, n.os 57 e 58), e de 19 de setembro de 2013, Panellinios Syndesmos Viomichanion Metapoiisis Kapnou (C‑373/11, EU:C:2013:567, n.o 37).


13      Acórdãos de 9 de setembro de 2003, Milk Marque e National Farmers’ Union (C‑137/00, EU:C:2003:429, n.o 81), e de 19 de setembro de 2013, Panellinios Syndesmos Viomichanion Metapoiisis Kapnou (C‑373/11, EU:C:2013:567, n.o 39).


14      V., a este respeito, acórdão de 29 de outubro de 1980, Maizena/Conselho (139/79, EU:C:1980:250, n.o 23).


15      Acórdão de 9 de setembro de 2003, Milk Marque e National Farmers’ Union (C‑137/00, EU:C:2003:429, n.o 61), e despacho de 22 de março de 2010, SPM/Conselho e Comissão (C‑39/09 P, não publicado, EU:C:2010:157, n.o 47).


16      Acórdãos de 9 de setembro de 2003, Milk Marque e National Farmers’ Union (C‑137/00, EU:C:2003:429, n.os 57 e 58), e de 19 de setembro de 2013, Panellinios Syndesmos Viomichanion Metapoiisis Kapnou (C‑373/11, EU:C:2013:567, n.o 37).


17      V. acórdão de 13 de dezembro de 2006, FNCBV e o./Comissão (T‑217/03 e T‑245/03, EU:T:2006:391, n.os 52, 53 e 86).


18      Acórdãos de 9 de setembro de 2003, Milk Marque e National Farmers’ Union (C‑137/00, EU:C:2003:429, n.o 81), e de 19 de setembro de 2013, Panellinios Syndesmos Viomichanion Metapoiisis Kapnou (C‑373/11, EU:C:2013:567, n.o 39).


19      V., nomeadamente, acórdão de 11 de setembro de 2014, CB/Comissão (C‑67/13 P, EU:C:2014:2204, n.o 53 e jurisprudência referida).


20      V., nomeadamente, neste sentido, acórdão de 9 de setembro de 2003, Milk Marque e National Farmers’ Union (C‑137/00, EU:C:2003:429, n.o 94).


21      V. artigo 2.o do Regulamento n.o 1184/2006 e artigos 175.o e 176.o‑A do Regulamento n.o 1234/2007.


22      Desde a entrada em vigor do Regulamento (UE) n.o 1308/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de dezembro de 2013, que estabelece uma organização comum dos mercados dos produtos agrícolas (JO 2013, L 347, p. 671), não aplicável aos factos do caso em apreço, essas derrogações «gerais» são atualmente duas e já não é exigível uma intervenção prévia da Comissão (regime de exceção legal) (v. artigo 209.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1308/2013).


23      Parece‑me que o único caso de deferimento decorre de um pedido da República Francesa no setor das batatas [v. Decisão 88/109/CEE da Comissão, de 18 de dezembro de 1987, relativa a um procedimento de aplicação do artigo 85.o do Tratado CEE (IV/31.735 – batata temporã) (JO 1988, L 59, p. 25)].


24      V., nomeadamente, acórdão de 12 de dezembro de 1995, Oude Luttikhuis e o. (C‑399/93, EU:C:1995:434, n.o 23).


25      A endívia é abrangida por uma OCM desde a adoção do Regulamento (CEE) n.o 1035/72 do Conselho, de 18 de maio de 1972, que estabelece a organização comum de mercado no setor das frutas e produtos hortícolas (JO 1972, L 118, p. 1; EE 03 F5 p. 258).


26      V., nomeadamente, acórdãos de 15 de maio de 1975, Nederlandse Vereniging voor de fruit en groentenimporthandel e Frubo/Comissão (71/74, EU:C:1975:61, n.os 24 a 26); de 12 de dezembro de 1995, Oude Luttikhuis e o. (C‑399/93, EU:C:1995:434, n.o 25); e de 30 de março de 2000, VBA/Florimex e o. (C‑265/97 P, EU:C:2000:170, n.o 94). V., também, acórdãos de 14 de maio de 1997, Florimex e VGB/Comissão (T‑70/92 e T‑71/92, EU:T:1997:69, n.o 153), e de 13 de dezembro de 2006, FNCBV e o./Comissão (T‑217/03 e T‑245/03, EU:T:2006:391, n.o 199).


27      Quanto ao caráter autónomo e específico desta derrogação, v., nomeadamente, acórdão de 12 de dezembro de 1995, Dijkstra e o. (C‑319/93, C‑40/94 e C‑224/94, EU:C:1995:433, n.o 20).


28      Tanto o juiz a quo como as recorridas no processo pendente na Cour de cassation (Tribunal de Cassação) parecem admitir que as derrogações gerais não são aplicáveis.


29      Acórdãos de 26 de junho de 1979, McCarren (177/78, EU:C:1979:164, n.o 9); de 16 de janeiro de 2003, Hammarsten (C‑462/01, EU:C:2003:33, n.o 26); e de 26 de maio de 2005, Kuipers (C‑283/03, EU:C:2005:314, n.o 32).


30      Acórdãos de 9 de setembro de 2003, Milk Marque e National Farmers’ Union (C‑137/00, EU:C:2003:429, n.o 94 e jurisprudência referida), e de 1 de outubro de 2009, Compañía Española de Comercialización de Aceite (C‑505/07, EU:C:2009:591, n.o 55).


31      V., também, a este respeito, considerando 131 do Regulamento n.o 1308/2013, regulamento que sucedeu ao Regulamento n.o 1234/2007.


32      Para um apanhado geral sobre o papel das OP no âmbito da PAC, permito‑me remeter para as minhas conclusões no processo Fruition Po (C‑500/11, EU:C:2013:259, nomeadamente n.os 24 a 31).


33      V., nomeadamente, considerandos 7 e 16 e artigos 11.o a 18.o do Regulamento n.o 2200/96; artigos 3.o e 4.o do Regulamento n.o 1182/2007; e artigo 122.o do Regulamento n.o 1234/2007.


34      V., nomeadamente, artigo 11.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 2200/96 e artigo 122.o, alínea c), do Regulamento n.o 1234/2007 — aplicáveis aos factos deste caso — que reproduzem o artigo 13.o do Regulamento (CEE) n.o 335/72 da Comissão, de 16 de fevereiro de 1972, que estabelece as restituições à exportação para o açúcar branco e para o açúcar em bruto puro (JO 1972, L 42, p. 8).


35      V. artigo 11.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 2200/96, cuja redação é reproduzida no artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1182/2007 e no artigo 122.o, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1234/2007.


36      V., nomeadamente, artigo 11.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 2200/96.


37      V. artigo 16.o do Regulamento n.o 2200/96; artigo 5.o do Regulamento n.o 1182/2007; e artigo 125.o‑C do Regulamento n.o 1234/2007.


38      V. artigos 19.o a 21.o do Regulamento n.o 2200/96; artigos 20.o e 21.o do Regulamento n.o 1182/2007; e artigo 123.o do Regulamento n.o 1234/2007.


39      Nos termos desta disposição aditada pelo Regulamento n.o 361/2008, os Estados‑Membros podem reconhecer, mediante pedido, uma associação de organizações de produtores quando o Estado‑Membro em causa considere que a associação é capaz de exercer eficazmente as atividades em questão e a referida associação não detenha uma posição dominante num determinado mercado, a não ser que seja necessária para a prossecução dos objetivos da PAC.


40      Artigo 11.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2200/96; artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1182/2007; artigo 122.o, primeiro parágrafo, alínea c), do Regulamento n.o 1234/2007 [este último já não se refere à promoção das práticas de cultivo e das técnicas de produção e de gestão dos resíduos respeitadoras do ambiente, nomeadamente para proteger a qualidade das águas, do solo e da paisagem e para preservar ou fomentar a biodiversidade, que, no entanto, se encontra, em parte, no artigo 125.o‑B, n.o 1, alínea a), deste regulamento].


41      V., nomeadamente, considerandos 16 e 18 e artigos 23.o e 24.o do Regulamento n.o 2200/96.


42      Artigos 15.o a 18.o do Regulamento n.o 2200/96.


43      V. artigo 103.o‑C, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 1234/2007.


44      V. artigo 9.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 1182/2007; artigo 15.o, n.o 2, alínea a), e artigo 3.o do Regulamento n.o 2200/96; e artigo 103.o‑C, alínea a), do Regulamento n.o 1234/2007.


45      V. acórdão de 30 de setembro de 2009, França/Comissão (T‑432/07, não publicado, EU:T:2009:373, n.os 53 a 56).


46      V. acórdão de 30 de setembro de 2009, França/Comissão (T432/07, não publicado, EU:T:2009:373, n.os 53 a 56).


47      V., em relação às OP, artigo 4.o, n.o 1, alínea g), do Regulamento n.o 1182/2007 e artigo 125.o‑B, n.o 1, alínea g), do Regulamento n.o 1234/2007 e, em relação às AOP, artigo 5.o, primeiro parágrafo, alínea b), do Regulamento n.o 1182/2007 e artigo 125.o‑C, primeiro parágrafo, alínea b), do Regulamento n.o 1234/2007.


48      V., nomeadamente, acórdão de 20 de novembro de 2008, Beef Industry Development Society e Barry Brothers (C‑209/07, EU:C:2008:643, n.os 19 a 21).


49      V. artigo 11.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 2200/96 e artigo 122.o do Regulamento n.o 1234/2007. Artigo 122.o, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1234/2007, na sua versão decorrente do Regulamento n.o 361/2008.


50      V. acórdão de 11 de setembro de 2014, CB/Comissão (C‑67/13 P, EU:C:2014:2204, n.o 51).


51      Em resposta a uma questão escrita do Tribunal de Justiça, a Comissão referiu que essas AOP de governança, reconhecidas no direito francês, mas não previstas pela regulamentação OCM, não estão encarregadas de comercializar os produtos. Desempenham uma função de orientação nacional por produto e grupo de produtos, para melhor ajustar a oferta à procura e otimizar as ações de prevenção e de gestão da crise.


52      Tal parece ter sido o caso no processo principal. Resulta dos autos do processo principal que, entre 1998 e 2007, as AOP praticaram medidas de retirada que previam que as OP e as suas associações podiam deixar de pôr à venda os produtos entregues pelos seus associados, até uma determinada quantidade e durante um determinado período.


53      Regulamento da Comissão, de 7 de junho de 2011, que estabelece regras de execução do Regulamento n.o 1234/2007 do Conselho nos setores das frutas e produtos hortícolas e das frutas e produtos hortícolas transformados (JO 2011, L 157, p. 1).


54      V., nomeadamente, acórdão de 28 de maio de 1998, Deere/Comissão (C‑7/95 P, EU:C:1998:256, n.o 88).